Notas sobre a política neoliberal no Paraná
Por prof. Dr. Nelson Fernandes Felipe Junior
Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA)
Docente do curso de Geografia (Licenciatura e Bacharelado) e do Programa de Pós-Graduação em Integração Contemporânea da América Latina (PPGICAL)
A classe trabalhadora do estado do Paraná vem sofrendo nos últimos anos com o governo de Ratinho Júnior, em decorrência da política neoliberal e dos ataques e prejuízos por parte dos funcionários públicos, especialmente os professores. Considerando o momento adverso, este texto tem como objetivo apresentar dois fatos relevantes que evidenciam esse contexto, quais sejam: a transferência da Copel ao capital privado e a concessão de escolas públicas.
O caso da Copel
O início da desestatização da Companhia Paranaense de Energia (Copel) ocorreu em novembro de 2020, quando o grupo paulista Bordeaux Fundo de Investimento e Participações Multiestratégia adquiriu a Copel Telecom – empresa responsável pelo setor de telecomunicações da estatal paranaense – em leilão realizado na B3 (a Bolsa de Valores de São Paulo). O mesmo Fundo de Investimento tinha adquirido, em 2020, o controle da Sercomtel Telecomunicações – empresa que tinha como principais acionistas a Prefeitura de Londrina (55%) e a Copel (45%) (COPEL, 2020).
Apesar de grande parte da mídia, dos partidos políticos e dos segmentos burgueses apoiarem a decisão do governo estadual, a transferência da Copel Telecom ao capital privado representa um equívoco do ponto de vista do desenvolvimento econômico e social, e elucida a política neoliberal do atual governo do Paraná. Com esse processo de simples transferência do patrimônio público ao capital privado, a Copel Telecom tem como premissa focar os investimentos em localidades que sejam mais lucrativas à empresa, desfavorecendo, portanto, os grupos de menor renda e as regiões e/ou cidades que possuem um reduzido mercado consumidor de internet.
A Copel Telecom era uma empresa dinâmica e lucrativa e, segundo diversos especialistas, realizava um dos melhores serviços de internet do país (totalmente em fibra óptica), sendo importante para a economia e a sociedade paranaense, especialmente considerando a tecnologia 5G. Além disso, a própria Companhia Paranaense de Energia utilizava-se dos serviços e da infraestrutura da Copel Telecom para realizar as operações no sistema elétrico no estado do Paraná.
O processo de desestatização se agudiza com a transferência da Companhia Paranaense de Energia (Copel) à iniciativa privada em agosto de 2023, com leilão realizado na Bolsa de Valores de São Paulo. Na nova composição acionária, destacam-se duas empresas estadunidenses (GQG Partners LLC e LSV Asset Management) e duas brasileiras (BNDES Participações e Radar Gestora de Recursos). A Copel – maior empresa do Paraná e reconhecida como uma das melhores distribuidoras de energia elétrica da América Latina e Caribe – foi leiloada por R$ 4,5 bilhões, fazendo com que o governo do Paraná reduzisse sua participação de 70% para apenas 15%. Anteriormente, além do Estado, a Eletrobras tinha 0,5% e o BNDES Participações – uma sociedade de ações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – possuía 24% das ações (COPEL, 2023).
Como consequência da mudança, o governo do Paraná perdeu significativamente o seu poder de voto e de “peso” nas decisões da empresa. Outrossim, o valor do leilão da Copel de R$ 4,5 bilhões – apesar de ser comemorado pelo governo paranaense e pelos grupos que apoiam Ratinho Júnior – foi muito baixo. Considerando que, em 2022, o lucro líquido da empresa foi de R$ 1,1 bilhão, em pouco mais de quatro anos o valor pago será recuperado (COPEL, 2023). O setor elétrico é fundamental não apenas para o desenvolvimento econômico e social, mas também para a soberania e a segurança energética do Brasil.
Os neoliberais justificam as concessões e as privatizações indiscriminadas, sobretudo pelo discurso de que haverá uma gestão mais eficiente e voltada para o mercado, bem como melhoria no serviço e redução tarifária. Entretanto, a realidade mostra o oposto, pois, em grande medida, ocorre uma precarização (piora) dos serviços prestados e das condições de trabalho, além do aumento significativo das tarifas de energia elétrica. Esse modelo está na contramão do que vem sendo realizado nos últimos anos em outros países, como na França e na Alemanha em 2022, onde os setores elétrico e de gás foram reestatizados, respectivamente.
Em 2020, a Copel atendia 4,5 milhões de unidades consumidoras – considerando as residências, as indústrias, os estabelecimentos comerciais e de serviços e as propriedades rurais – e estava presente em todos os 399 municípios paranaenses. A empresa possuía 8.453 funcionários, estando entre as companhias que mais geraram empregos no Paraná desde 1954 (ano da sua criação). Em relação ao sistema de fibra óptica da empresa, totalizava uma extensão de 30 mil quilômetros no estado do Paraná (COPEL, 2020).
Desde a transferência da companhia à iniciativa privada, o serviço prestado aos consumidores paranaenses piorou em diversos aspectos, segundo os relatórios e os dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Como exemplo, tem-se o “Número de Ocorrências Emergenciais com Interrupção de Energia Elétrica”. No último quadrimestre de 2022, a média de interrupções de energia ficou em 30,9 mil ocorrências, contudo, no quadrimestre final de 2023, a média foi de 38,2 mil. Vale destacar que o relatório da ANNEL afirma que nestes períodos não ocorreram eventos climáticos que justificassem o aumento das interrupções (BRASIL DE FATO, 2024).
Também houve piora no “Tempo Médio de Execução dos Serviços”. Em 2023, foi de 355 minutos, o que significa quase seis horas sem energia para cada ocorrência e representou um incremento expressivo quando comparado aos 248 minutos de média em 2022. Portanto, os relatórios e os dados da ANEEL revelam um cenário antagônico ao discurso proferido pelo governador Ratinho Júnior de que haveria melhora na prestação do serviço da Copel (BRASIL DE FATO, 2024).
Além do mais, em 2024, aumentou o telemarketing abusivo da Copel, isto é, muitas ligações inoportunas diariamente que incomodam as pessoas e tem por objetivo vender produtos e serviços. As ligações ocorrem durante o dia e à noite, com diferentes números, o que dificulta bloqueá-los. E a tendência é que os consumidores percebam mais efeitos negativos a partir de agosto de 2024, quando a empresa pretende concluir o processo de demissão de 24,6% do seu quadro de funcionários, via Plano de Demissão Voluntária. Estima-se que 1.438 dos 5.830 funcionários da Copel devem ser demitidos (BRASIL DE FATO, 2024).
A concessão de escolas públicas à iniciativa privada
A Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) aprovou em junho de 2024 o Projeto de Lei 345/2024 (denominado de Programa Parceiro da Escola), de autoria do governador Ratinho Júnior, que propõe terceirizar a gestão de 204 colégios públicos estaduais. A votação aconteceu uma semana depois da apresentação da proposta pelo governador Ratinho Júnior e tramitou em regime de urgência, apesar da intensa resistência de alunos, de professores e de parlamentares da oposição (principalmente do PT). A proposta do projeto é implementar o modelo de gestão por meio da iniciativa privada em 204 escolas de 110 cidades paranaenses, o equivalente a 10% da rede pública de ensino. Vale ressaltar que, desde o início de 2023, este modelo foi implantado como projeto-piloto no estado (SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ, 2024).
O programa foi criado no Paraná em 2022, quando Renato Feder era o Secretário de Educação do Estado (atualmente, ele exerce esse cargo no estado de São Paulo). Seguindo esse mesmo caminho, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, autorizou a licitação para conceder a gestão administrativa de 33 novas escolas estaduais. O projeto prevê a concessão das escolas por 25 anos, e as unidades de ensino serão construídas em 29 cidades, como Campinas, Diadema, Guarulhos, São José dos Campos, Suzano e outras. Os contratos definem várias atividades a serem realizadas pelas empresas concessionárias, quais sejam: construção, manutenção, conservação, gestão e operação dos serviços não-pedagógicos das unidades escolares (SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2024).
Ratinho Júnior, desde 2019, deu continuidade e acentuou a política neoliberal no Paraná. Durante o governo de Beto Richa (2011-2018), foi consolidado o modelo neoliberal na gestão educacional, concebido a partir da visão empresarial e do mercado. Como exemplo, tem-se a valorização demasiada do ensino a partir das plataformas virtuais e da Educação a Distância (EAD), sobretudo nas aulas e na formação continuada de professores. Ademais, de modo geral, houve precarização das condições de trabalho dos profissionais da educação, bem como das escolas e universidades públicas paranaenses.
No caso do Paraná, consta no projeto que, em caso de necessidade, as escolas não terão novos docentes por meio de concurso público, mas apenas via contrato temporário e CLT, o que é prejudicial à categoria. Ações judiciais contrárias aos projetos aprovados no Paraná e em São Paulo alegam que a concessão da gestão das escolas públicas à iniciativa privada equivale à terceirização da atividade-fim, o que afeta a autonomia e a liberdade de cátedra dos professores. Além disso, criticam a falta de participação da sociedade nas decisões e alegam que o modelo não está em conformidade com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que define e regulariza a organização da educação brasileira (AGÊNCIA BRASIL, 2024).
Segundo o governador do Paraná, o objetivo é “otimizar a gestão administrativa e de infraestrutura das escolas mediante uma parceria com empresas com expertise em gestão educacional" (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 2024). As empresas serão responsáveis pela gestão das escolas e pelos serviços terceirizados, como limpeza e segurança. Apesar desse argumento, trata-se, na verdade, de um processo de concessão da gestão escolar e da escola de uma maneira mais ampla, pois, consequentemente, ocorrerão reflexos no projeto pedagógico, nos processos administrativos, na definição de conteúdos e metodologias a serem aplicados, e, até mesmo, em possíveis demissões de professores e funcionários e cobrança de mensalidade.
Houve forte repressão policial e militar aos grupos que se posicionaram/posicionam contrários à essa lei, mais precisamente, professores, alunos e sindicatos, sobretudo em Curitiba. Isso não é novidade, visto que uma das marcas do atual governo paranaense é o ataque aos servidores públicos, principalmente aos professores. Além da violência física contra os docentes, cada vez mais se reproduz o discurso da incapacidade do Estado de gerir e investir na educação, e que isso somente pode ser “solucionado” pela primazia da iniciativa privada e pelo mercado. Essas ideais falaciosas são instrumentos de controle, convencimento e apoio de parte da sociedade em relação à política neoliberal.
Outrossim, até o final de 2024, 312 colégios terão o modelo cívico-militar no Paraná (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 2024). As escolas com esse modelo foram instituídas no estado em 2020, aproveitando a pandemia de Covid-19 e o contexto de isolamento e de ensino remoto para facilitar esse processo e desmobilizar os grupos contrários à mudança. Um argumento muito usado é que a presença de profissionais militares da reserva (inativos) na administração e na rotina escolar garante maior segurança e ordem. No entanto, existem diversos relatos de abusos nesses colégios, como agressão (moral, verbal e física) e coação aos professores e estudantes. O modelo cívico-militar na educação segue no sentido contrário da democracia no ambiente escolar, pois ela tende a ser silenciada.
Findar com a autonomia dos docentes reverbera em enfraquecer (ou até mesmo suprimir) as análises críticas e o posicionamento político progressista em sala de aula, atendendo meramente aos critérios e metas definidos pela empresa concessionária. Para mais, existe a possibilidade de substituição do ensino presencial pelas plataformas educacionais virtuais e pelo ensino remoto, o que aflige a qualidade do ensino, prejudica a atuação docente, limita a contratação de professores e cria condições para reduzir os investimentos nas escolas e na educação pública.
O neoliberalismo, quando ataca a educação, produz reverberações negativas não apenas nos aspectos financeiro (corte de recursos) e infraestrutural (precarização das instalações escolares e universitárias), mas também impacta os professores, os estudantes, os funcionários técnico-administrativos, os sindicatos, os direitos dos trabalhadores da educação e suas conquistas (como melhores condições de trabalho e valorização profissional e salarial) e prejudica/impede a prática pedagógica crítica.
Referências
AGÊNCIA BRASIL. Deputados acionam o STF contra a terceirização de escolas públicas no Paraná. 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2024-06/deputados-acionam-stf-contra-terceirizacao-de-escolas-publicas-no-pr. Acesso em: 2 jul. 2024.
BRASIL DE FATO. Serviços da Copel pioraram após a privatização. 2024. Disponível em: https://www.brasildefatopr.com.br/2024/01/27/servicos-da-copel-pioraram-apos-privatizacao. Acesso em: 28 jun. 2024.
COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA. Informações e dados sobre os serviços de energia elétrica. 2020, 2023. Disponível em: https://www.copel.com/site/institucional/referencial-estrategico/. Acesso em: 28 jun. 2024.
FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. No Paraná, professores e alunos enfrentam a privatização de escolas e o sufocamento da greve. 2024. Disponível em: https://fpabramo.org.br/focusbrasil/2024/06/12/no-parana-professores-e-alunos-enfrentam-privatizacao-de-escolas-e-sufocamento-de-greve/. Acesso em: 2 jul. 2024.
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Governo de São Paulo publica Edital de PPP para construção de 33 novas escolas. Disponível em: https://www.educacao.sp.gov.br/governo-de-sp-publica-edital-de-ppp-para-construcao-de-33-novas-escolas/. Acesso em: 1 jul. 2024.
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ. Governador sanciona lei que cria o Programa Parceiro da Escola. 2024. Disponível em: https://www.educacao.pr.gov.br/Noticia/Governador-sanciona-lei-que-cria-o-programa-Parceiro-da-Escola. Acesso em: 1 jul. 2024.