Covid-19: um retrato sobre seus efeitos e o papel do Estado em alguns países em momento de pandemia
É mais que sabido, divulgado e comentado em todos os meios de comunicação, sejam eles no âmbito local, regional, nacional ou mundial, que estamos globalmente passando pela maior pandemia do século XXI decretada pela Organização Mundial da Saúde no dia 11/03/2020. Tal pandemia e os efeitos do Coronavírus SARS-Cov-2 e da doença (COVID-19) na vida de muitas pessoas é inexoravelmente avassalador, pois muita gente perdeu seus familiares e amigos queridos. Até o dia de hoje (06/03/2020) segundo dados do Ministério da Saúde, foi contabilizado 1.331.032 casos confirmados. Um total de 73.917 mil mortes pelo mundo, destes 39.692 mil estão na Europa. Somente na Itália estamos com mais de 16 mil mortes e na Espanha mais de 13 mil, conforme apresentado no gráfico 01.
Conforme os dados do Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde (OMS), expressos no gráfico 01, pode-se perceber que os casos são predominantemente na Europa, ou seja, em países que estão na União Europeia e que tem recursos, infraestruturas e um bem-estar social razoavelmente bom que facilitam, em tese, a prevenção, ou seja – o isolamento.
Nos Estados Unidos, país que como o Brasil e a Itália, entre outros, teve um presidente que relutou por aplicar a recomendações da Organização Mundial da Saúde, ultrapassou, segundo dados do Ministério da Saúde no dia 06 de abril, mais de 10.000 mil óbitos e mais de 350.000 mil casos, sendo que Nova York é a cidade com o maior número de vítimas fatais, com 2.475 mortes. São dados nada positivos que irão aumentar fortemente nos próximos dias.
Isso não é diferente em muitos outros países. No Brasil, país cujo presidente possui um posicionamento completamente oposto ao que a Organização Mundial da Saúde orienta, mas com um Ministro da Saúde que ainda respeita as recomendações da ciência e da OMS apresenta até o dia de hoje, conforme dados repassados pelos estados para o Ministério da Saúde, 12.056 casos (Sars-Cov-2) confirmados e 553 mortes pela (Covid-19), expressos regionalmente no gráfico 02.
Estamos em um momento delicado de muitas perdas humanas e muitas famílias passando por dificuldades econômicas. Na Europa tal situação gerou um consenso de que cabe aos governantes acionarem o Estado no intuito de dar condições econômicas para que as pessoas sigam as recomendações da Organização Mundial da Saúde. Sobretudo, o discurso econômico criou condições e trouxe o Estado para o centro do financiamento dos gastos, o que de certa forma forçou muitos países membros da União Europeia, os Estados Unidos e outros de várias partes do mundo, a retomar e reforçar o papel do Estado, dos investimentos públicos nos setores sociais e econômicos.
De toda forma, é necessário analisar e elencar o referido papel do Estado nesse momento nos principais países afetados, principalmente no Brasil. O que implica questiona de forma sucinta: Quais são as medidas econômicas e sociais adotadas por alguns países? Que efeito prático essas medidas irão ter nas nossas vidas, nos empregos/renda para que seja possível manter o isolamento tão necessário para o combate dessa pandemia?
Segundo a Reuters, agência britânica de notícias, com o avanço do COVID-19 de forma mais rápida na Europa, forçou alguns governos e seus respectivos bancos centrais, a tomarem medidas econômicas e estímulos fiscais. Só o Banco Central Europeu (BCE) reforçou seu programa de compra de ativos e injetou algo como 120 bilhões de euros e outros 750 bilhões de euros em flexibilização na compra mensal de ativos.
Na Alemanha foi aprovado um pacote de 750 bilhões de euros, destes 100 bilhões foram direcionados para assumir participação diretas em empresas. Já na França, o valor anunciado foi de 45 bilhões de euros diretamente para as empresas e trabalhadores. Na Itália, país mais afetado com essa pandemia e que decretou emergência no último dia 16 de março, liberou emergencialmente 25 bilhões de euros com o objetivo de suspender o pagamento de empréstimos e hipotecas de empresas e pessoas físicas e criou a possibilidade de garantia para empresas pagarem trabalhadores caso sejam demitidos temporariamente. Isso não foi diferente na Espanha que criou um pacote de 200 bilhões de euros como garantia de crédito para empresas e uma espécie de auxílio para pessoas vulneráveis.
No Reino Unido o plano de estimulo para a economia em vários setores foi de 30 bilhões de libras. A garantia de empréstimos para empresas foi da ordem de 330 bilhões de libras como meio de sustentar até 80% das despesas com salários de funcionários que tiverem que ser colocados em licença. Além de liberar as empresas a reter temporariamente 30 bilhões de libras de impostos sobre valor agregado (IVA). O Canadá tomou a medida de aplicar 55 bilhões de dólares em diferimento de impostos para empresas e famílias e mais 27 bilhões diretamente para trabalhadores e familiares. Já o Japão anunciou gastos extras de 430 bilhões de ienes, ou seja, 4,1 bilhões de dólares para pequenas, para médias empresas e melhorias nas instalações médicas. A China ampliou seus gastos e investimentos em infraestrutura direcionando 394 bilhões de dólares, gráfico 03.
E o Brasil?
No Brasil as medidas no campo da saúde, estão de certa forma, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde, mesmo sem muita mudança estrutural para novos financiamentos, seja das condições de trabalho para os profissionais da saúde ou nas estruturas dos hospitais e unidades de prontos atendimento. E aqui (sem nenhuma defesa do Ministro da Saúde, o mesmo que em tempos de atuação como Deputado Federal sempre votou por menos dinheiro na saúde e defendeu muitos cortes de programas importantes nesta área, entre eles o Mais Médicos) está de certa forma utilizando-se da estrutura do Ministério da Saúde para demostrar que está coordenando o combate ao corona vírus de forma racional. O que deixa claro que é muito mais medidas políticas do que de fato reforço do SUS ou dos investimentos na saúde pública. Na prática o Ministério da Saúde está jogando para população a responsabilidade de combatermos a pandemia e está se eximindo-os de das melhores condições de trabalho e aumento real de leitos hospitalares.
No que se refere às medidas econômicas que estão sendo tomadas nesse momento, cabe uma descrição e caracterização sucinta da população brasileira. A condição do Brasil é a de um país que havia conseguido sair do mapa da fome, mas que a partir 2016 voltou a ocupar este lugar, segundo a ONU. Temos atualmente no Brasil, segundo dados do Banco Mundial de 2019, 9,3 milhões de pessoas que vivem com US$ 1,90, o que seria uma renda mensal de R$ 150,00 reais. Cabe destacar que a maior parte delas vivem na cidade (80%) e atuam de forma autônoma ou na informalidade.
Portanto, para pensar o Brasil nesse momento de pandemia e de isolamento tão necessário para combater a propagação do corona vírus, deve-se no mínimo levar em consideração que nosso país com 210 milhões de habitantes tem 105.250 milhões de pessoas consideradas como População Economicamente Ativa (PEA), conforme a PNAD Contínua IBGE (2019), e destes 41,3% são trabalhadores informais.
É diante deste cenário socioeconômico brasileiro que temos que pensar as medidas que estão sendo tomadas pelo governo. Cenário este que apresenta a redução de direitos previdenciários e prorrogação do tempo de aposentadoria, com cortes significantes em auxílios doenças, corte nos benefícios de prestação continuada, no Bolsa Família e nos programas de geração de emprego e renda. É nesta conjuntura de cortes e redução brutal dos investimentos em pesquisas e bolsas de estudos que temos que pensar o Brasil e as escolhas recentes que o país tomou no campo da política. Escolhas essas que o governo Bolsonaro/Guedes está tomando muito mais para atender as necessidades dos grandes bancos e dos grandes capitalistas.
As referidas medidas protegem inexoravelmente o capital em detrimento da garantia das condições mais básicas de sobrevivência, num momento de forte agravamento de tais condições para muitas pessoas. O governo, através do seu ministro da economia, Paulo Guedes, forçou o Banco Central do Brasil a injetar somente no sistema de liquides R$ 1,2 trilhão de reais por meio de compras de carteiras de empréstimos, o que na prática está garantindo o lucro dos especuladores e grandes bancos. Estou falando lucros, ou seja, além do que investiram. O governo prorrogou as dívidas dos estados e ainda liberou mais de 88 bilhões para os estados e municípios. Criou-se um estimulo fiscal, como prorrogação do pagamento do FGTS, este que poderia ser utilizado emergencialmente para um plano de geração de renda vinculada ao tesouro nacional. Foi aprovada pelo Congresso Nacional a liberação de 150 bilhões, que em tese, seria para auxiliar as pessoas mais vulneráveis que estão desempregadas ou na informalidade (o que não foi liberado até o momento), além de garantir com que as empresas possam utilizar esse dinheiro via empréstimos para pagamentos de salários. A prova cabal de que o capital está se sobrepondo nas decisões do governo é a Medida Provisória que permite o empregador suspender o contrato de trabalho ou ainda a possibilidade de redução de salários (espera-se que o Congresso derrube tal medida).
Diante de todas essas medidas assumidas pelo Estado, na figura de Paulo Guedes, vai se tornando claro que a condição de milhões de brasileiros não mudará. São medidas que buscam atender a pressão dos grandes bancos e dos grandes capitalistas desse país. Tudo indica que o povo trabalhador, os pequenos e médios empresários (que de fato produzem nesse país) estão literalmente sendo deixados de lado pelas medidas até então adotadas. Cabe aqui a seguinte pergunta: se existe dinheiro para fazer tudo isso agora, então o Brasil nunca esteve quebrado? Se ao invés de um afastamento do Estado nos investimentos nos últimos cinco anos, o Congresso tivesse autorizado o governo a investir mais de 1 trilhão de reais na geração de empregos, infraestrutura, em pesquisa nas universidades, saúde e educação e tudo mais? Com certeza não teríamos mais de 50 milhões de pessoas nesse momento querendo voltar ao trabalho, vivendo na informalidade e tendo que escolher sair às ruas para trabalhar, expondo-se ao risco de adquirir a Covid-19, pois necessitam comer. Neste momento, é mais que importante salvar todas as vidas possíveis, mas é um momento também para a população perceba que necessitamos de um Estado forte atuando nos setores estratégicos, como por exemplo, pesquisa científica, saúde, educação e infraestrutura. Assim, o isolamento agora terá menos efeito negativo na economia do que ignorar o isolamento e fazer um isolamento vertical. a questão é o tempo e a ignorância!
Fonte:
https://br.reuters.com/
http://www.portaltransparencia.gov.br/funcoes/10-saude?ano=2020
https://saude.gov.br/