O sepultamento da democracia brasileira

10/05/2016 10:29
O atual cenário político brasileiro nos remete à ideia de “sepultamento” da democracia, conduzido por uma elite espúria e rentista. O processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff não é um fato (ou fardo) isolado, ou seja, a retomada da direita conservadora na América Latina elucida um novo contexto regional. São os casos do antinacionalista Mauricio Macri, na Argentina, o golpe no Brasil, a maioria conservadora no legislativo da Venezuela, a provável intensificação da política neoliberal no Peru e outros.
 
A derrota da democracia gera reflexos negativos na economia, na sociedade e nos diversos avanços conquistados desde o governo Lula, reduzindo a miséria, a pobreza e a desigualdade social e inter-regional, características inerentes ao Brasil. Um golpe no Brasil é também um golpe no Mercado Comum do Sul (Mercosul) e na América Latina, pois o país possui relevância e liderança no contexto regional (territorial, econômico, político, financeiro, tecnológico etc.). O que está em questão não é apenas a democracia, mas também a perda da soberania nacional e o enfraquecimento das alianças estabelecidas entre as nações sul-americanas. Nesse sentido, destacam-se as declarações da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e do Mercosul contrárias ao processo golpista no Brasil.
 
A reaproximação do Brasil com o Mercosul e a América Latina nos últimos treze anos não ocorreu apenas em termos comerciais, mas também político-ideológicos. Esse contexto nacionalista se estendeu por diversos países latino-americanos, permitindo mitigar a investida imperialista dos Estados Unidos com a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e novas parcerias comerciais que beneficiariam a economia e as grandes empresas estadunidenses. Com os governos nacionalistas na América Latina (Brasil, Argentina, Bolívia, Uruguai, Chile, Venezuela, Equador, além de Cuba) criaram-se condições para avanços econômicos e sociais em muitos países, ao mesmo tempo em que se intensificaram os fluxos Sul-Sul, capitaneados pelo Brasil – o produto interno bruto (PIB) do Mercosul passou de 1 trilhão de dólares, em 2001, para mais de 3 trilhões de dólares, em 2014.
 
O golpe liberal no Brasil prejudicará o contexto regional com um distanciamento em relação às parcerias, ao comércio e aos financiamentos, como, por exemplo, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em relação às obras da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). Muitos avanços e conquistas latino-americanas recentes serão perdidos com o refortalecimento de políticas e partidos conservadores e distantes das demandas sociais. É notório que há muitos problemas no Brasil em relação à infraestrutura e distribuição de renda, porém deve-se destacar que conquistas e melhorias ocorreram desde o governo Lula, beneficiando os grupos historicamente marginalizados no país, caso do Bolsa Família, Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Programa Minha Casa, Minha Vida, Luz Para Todos, Água Para Todos e outros.
 
Os setores golpistas do Brasil (elite, setor financeiro, classe-média, igrejas, mídia, partidos conservadores, Organizações Não-Governamentais – ONGs etc.) pretendem acabar com diversos programas sociais, controlar sistematicamente os gastos públicos, manter os juros elevados e combater a inflação estrangulando o emprego e a renda. Como consequência, aumentará o desemprego e a desigualdade internamente, intensificando, portanto, a recessão econômica do Brasil.
 
O impeachment golpista assegura os interesses financeiros e de uma elite descontente com a distribuição de renda no país, assim, arquitetou-se um processo antidemocrático para retirar a legítima Presidenta Dilma Rousseff do poder. Ademais, destacam-se também as ações autoritárias e coercitivas do Ministério Público, da Polícia Federal e de grande parte do poder judiciário, caso, por exemplo, das condutas de coerção realizadas com o ex-Presidente Lula e o ex-Ministro da Fazenda Guido Mantega.
 
A Operação Lava Jato e todo o processo golpista em curso possuem um objetivo em comum: impedir a candidatura de Lula nas eleições de 2018. A defesa da soberania nacional significa avançar nas políticas sociais e econômicas adequadas e estabelecer um projeto de desenvolvimento nacional, que passa necessariamente pela recuperação da indústria brasileira e pelas obras de infraestrutura (saneamento básico, energia, água, moradias, escolas, hospitais, mobilidade urbana, rodovias, ferrovias, portos, aeroportos etc.), permitindo avanços em relação à distribuição de renda no país.
 
A bancada “BBB” (boi, bala e bíblia) é um “câncer” na política brasileira, visto que defendem interesses elitistas e arcaicos, prejudicando o desenvolvimento nacional. O conservadorismo predominante no legislativo brasileiro, além de não valorizar as demandas sociais como moradias e empregos, limita o próprio regime democrático, atendendo interesses principalmente da União Democrática Ruralista (UDR), da Igreja Católica e das Igrejas Evangélicas (que historicamente se caracterizam pela concentração da terra e pela especulação financeira).
 
Dessa maneira, posicionar-se contra o impeachment golpista no Brasil significa mais do que defender os interesses nacionais, pois estão “em jogo” também a América Latina e o terceiro mundo. Isso representa uma luta política anti-imperialista e que valoriza as demandas comuns dos países periféricos.
 
Nelson Fernandes Felipe Junior
Universidade Federal de Sergipe – UFS
Campus de São Cristóvão
Docente do Departamento de Geografia