O CASO GALEÃO X SANTOS DUMMONT: O REFLEXO DAS ESTRATÉGIAS LOGÍSTICAS

13/04/2023 16:50
Por: Me. Lucas Azeredo Rodrigues (Doutorando-UFSC)
Publicado em: 13/04/2023

A problemática sobre a ociosidade do Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão) e a sobrecarga do Aeroporto Santos Dummont é resultante de uma série de combinações. Ela é reflexo da adoção de diferentes estratégias logísticas do Estado e do setor corporativo. Além disso, a estrutura econômica e social do Rio de Janeiro também deve ser levada em consideração.

A movimentação de passageiros na capital fluminense passou por um período crescente, sendo que a partir de 2016, começou a ter uma pequena queda. O Santos Dummont, por ser um aeroporto centralizado na capital, era mais utilizado para voos de ponte aérea, ou mais regionais, de curta duração, pois, devido a sua capacidade de operação, não consegue receber aeronaves maiores. Já o Galeão, foi por muito tempo um importante hub nacional e internacional. No entanto, as empresas aéreas começaram a reduzir os voos e concentrá-los na macrometrópole paulista (Campinas, São Paulo e Guarulhos).

No período antes da Pandemia, em 2019, o Santos Dummont recebeu 8,9 milhões, e em 2022, 9,9 milhões. Já o Galeão, saiu de 13,6 milhões para 5,7 milhões no mesmo período. Isso não significa que os passageiros foram transferidos de um aeroporto para o outro, mas sim, que a capital perdeu quase 7 milhões de passageiros.

A própria estrutura do Galeão, sobretudo após a construção do Píer 3 (embarque internacional) coloca o aeroporto numa situação privilegiada no que diz respeito ao sítio aeroportuário, pois, além de seus três terminais, também possui duas pistas que podem ser operadas praticamente de forma simultânea. Ao contrário, o Santos Dummont apresenta diversas limitações, sejam elas de espaço, aeronave crítica ou até mesmo horário de funcionamento.

A capacidade do Galeão é de 37 milhões de passageiros por ano, e do Santos Dummont é de 15,3 milhões. Sobrecarregar os aeroportos reflete, sobretudo na falta de comodidade para o usuário e até mesmo em atrasos. Dados do Flightradar24 apontam que entre 12/04 e 19/04, o Santos Dummont tem previstas 1.179 decolagens para 18 aeroportos, e o Galeão, 386 para 15. De um lado, um aeroporto com 20 posições para estacionamento de aeronaves comerciais, e de outro, 149.

Ora, se tem estrutura, quais questões causariam a queda do Galeão?

A questão da acessibilidade é um ponto. O aeroporto internacional fica localizado na Ilha do Governador, numa região mais afastada do centro. Para chegar no Galeão, tem a opção de Táxi, Aplicativo, Veículo próprio e Ônibus. Este último apresenta algumas variações: o BRT, que liga até o Terminal Alvorada na Barra da Tijuca e passa pelo subúrbio do Rio de Janeiro (é válido destacar o sucateamento desse serviço, que está sendo revitalizado pela prefeitura); executivo, que liga também à Barra, Zona Sul e Rodoviária; o Rodoviário liga às principais cidades da Região dos Lagos; e o coletivo Normal, limitado a alguns bairros adjacentes.

Já o Santos Dummont, além de estar no centro da capital, o que facilita o acesso e barateia a utilização de táxis e aplicativos, conta com a atuação do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). É importante mencioná-lo, pois, além de passar pelo “Coração do Rio de Janeiro”, ele faz integração com todos os modais de transporte da capital, desde as barcas, trens, metrôs, aos terminais de ônibus urbanos, como a Central, ou dos executivos, como o Menezes Cortes.

Entrelinhas, para os usuários do transporte público, chegar no Santos Dummont é mais fácil. Ademais, o Galeão ainda está próximo das principais cidades da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o que inclusive, configura como um elemento instigador de demanda, no entanto, acessá-lo por transporte coletivo é extremamente complexo, a não ser que seja por veículo particular.

Uma outra questão que afasta pessoas do Rio de Janeiro, é a insegurança.  Os  dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) apontam que  Região Integrada de Segurança Pública onde estão inseridos os dois aeroportos: é a área que mais tem roubo de rua no estado, com 21,7 mil casos em 2022 (aumento de 11,8% comparado a 2021); Roubo de veículos, aumentou 36,1%, contabilizando 6 mil casos em 2022.

A questão das concessões dos aeroportos também é um ponto. Recentemente, veio à tona a possibilidade da administradora do Galeão, a Changi, de Singapura, em desistir da concessão. É válido destacar que a brasileira Odebrecht também possuía uma fatia de porcentagem. Juntas, somavam 51% do controle do aeroporto, e os outros 49% da INFRAERO. Com a deflagração da Lava-jato, a Odebrecht renunciou à participação. Recentemente, no Governo Bolsonaro, havia a possibilidade de também conceder o Santos Dummont à iniciativa privada, em conjunto com o Aeroporto de São Paulo (Congonhas), no entanto, a ação foi postergada, cogitando a possibilidade de conceder os dois aeroportos da capital, o que facilitaria atuações conjuntas. A questão tarifária também não é um problema. As taxas do Galeão são menores, exceto a de conexão, que é R$ 0,53 mais cara.

As estratégias logísticas pelas companhias aéreas também é um diferencial. O Galeão por muito tempo, foi um hub internacional, o que ampliava a demanda de conexões com voos domésticos e vice-versa. Aos poucos, as empresas centralizaram suas operações em Guarulhos e por outros hubs mais regionalizados, como Salvador, Recife, Brasília e Belo Horizonte. Utilizar um aeroporto como hub envolve muitos fatores, desde a questão de infraestrutura até a acessibilidade. Geralmente, esses aeroportos centro de operações estão localizados em pontos estratégicos ou até mesmo onde há redução de impostos, como o caso de Campinas e Confins. A redução de um grande volume de custo impõe uma maior competitividade, haja vista que reduz o preço da tarifa. Isto é, a carga tributária do Rio de Janeiro, tanto do município, quanto unidade federativa, é um fator que também afasta as empresas.

Em 2008 a Azul cogitou de fazer o Rio de Janeiro em um hub, no entanto, seria o Santos Dummont. No entanto, isso foi recusado pelo Estado, exatamente por “retirar” passageiros do Galeão. Inclusive, isso foi alvo de ações judiciais. De um lado, a Azul alegava que operar no Galeão era inviável, já que as outras companhias atuavam fortemente lá, e de outro, o Estado a favor de seus interesses, pois, o Galeão estava entrando em processo de concessão, e isso diminuiria o valor do leilão. Nesse cenário, o Santos Dummont estava limitado a aeronaves de 50 passageiros e voos da ponte aérea, o que não era plano, até então, da Azul. O resultado foi: a Azul adotou o aeroporto de Campinas. Apenas em fevereiro de 2023, a Azul teve quase 9 mil pousos e decolagens em Viracopos, distribuídos entre um pouco mais de 60 destinos. A maioria desses voos poderiam ser operados no Galeão, sob sistema de hub.

Ou seja, o próprio Estado inibiu a criação de novas interações. É importante citar que não se trata apenas de um voo. Existe toda uma cadeia produtiva por trás das operações aéreas, das quais constituem uma parcela significativa das hinterlândias aeroportuárias. Desde as locadoras, hotéis, até as tripulações e equipes de solo. É um efeito multiplicador gigantesco, além de incentivar o turismo e outras atividades econômicas.

Neste cenário de desequilíbrio, quais são as alternativas?

O primeiro passo é o diálogo entre a logística de Estado (considerando as três esferas) e a logística corporativa (empresas e companhias aéreas). Diversos impasses podem ser resolvidos ou amenizados.

A limitação operacional do Santos Dummont aparece como uma alternativa imediata, mas não definitiva. Uma situação é operar nesse aeroporto como destino, outra é fazê-lo de hub. Um exemplo, em 2007 a ANAC limitou as operações no Aeroporto da Pampulha (voos mais regionais e com aeronaves de até 50 passageiros), forçando a mudança dos voos para Confins. O problema daquela época para hoje se manteve: poucas empresas aéreas tinham uma frota que pudesse operar dentro das restrições, e aos poucos, o aeroporto foi se tornando subutilizado para aviação comercial.

Não é o caso de se fazer com o Santos Dummont, pois, pode ser utilizado efetivamente como ponto de embarque e desembarque, e o Galeão, como um ponto de conexão. Para isso, as rotas a partir do Santos Dummont seriam basicamente a ponte aérea (RJ-SP) e voos diretos para os principais destinos do país que possuem forte ligações com o Rio de Janeiro, como Salvador, Porto Alegre e Brasília.

No entanto, para que o Galeão possa ser um hub novamente, o número de voos precisa ser ampliado. Mas como?

A utilização de subsídios ficais, como a redução de impostos, seja zerar, ou colocar de forma escalonada, é uma situação que pode atrair novos voos. A primeiro momento, pode se ter a impressão de que o Estado teria prejuízo, no entanto, a partir das atividades desencadeadas a partir das operações aéreas, compensam, ou até aumentam, a arrecadação (vide o exemplo do efeito multiplicador), haja vista que teria um aumento da geração de renda e emprego pela região.

O Rio de Janeiro é a cidade turística do Brasil mais conhecida pelo exterior. Logo, a atratividade por novas atividades relacionadas a lazer pode novamente atrair mais voos internacionais de forma direta, sem precisar de conexão. Fatores que favorecem a economia regional.

Melhorar a acessibilidade ao aeroporto também é uma situação importante. Ter opções de linhas que saem de outros municípios da baixada fluminense (e aqui, podemos incluir a criação de um pequeno terminal rodoviário no aeroporto) também é um ponto interessante. Ficar refém de poucas opções de transporte é algo que inibe o passageiro.

E o Santos Dummont? A limitação de operação de aeronaves de maior porte, e o horário, o torna especial, assim como Congonhas em São Paulo. Estabelecer um teto de voos por companhia aérea, somada à uma política de constituição de um hub no Galeão, é fundamental. A oferta de destinos também é algo que deve ser considerado, haja vista que altera as estratégias logísticas das empresas aéreas. Se for o caso, até mesmo um transfer entre os dois aeroportos poderia também atuar de forma complementar.

Alternativas não faltam. O grande ponto é destrinchar e alinhar os interesses estatais e corporativos por trás das operações entre o Galeão e o Santos Dummont. Quem ganha com isso é o usuário, sobretudo, a população carioca e fluminense.

Autor:

Lucas Azeredo Rodrigues
Mestre e Doutorando em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (PPGG/UFSC)
Laboratório de Estudos sobre Circulação, Transporte e Logística (LabCit-UFSC)
Grupo de Estudos em Desenvolvimento Regional  e Infraestrutura (GEDRI-CNPq)
Núcleo de Estudos Sobre Transporte (NETRANS-UNILA)
Grupo de Estudos sobre Transportes Urbano-Regional (GETUR)

A modernização do transporte ferroviário de Cuba

31/12/2021 13:00

Por: Profº Dr. Nelson Fernandes Felipe Jr (UNILA)

 

Em 1837, Cuba foi o sétimo país do mundo e o primeiro da América Latina e Caribe a possuir o transporte ferroviário. Todavia, nos últimos trinta anos, houve uma precarização do serviço, principalmente porque desde a década de 1970 Cuba não recebia mais trens e locomotivas para operarem no sistema. A União Soviética enviou, nos anos de 1960 e 1970, algumas composições novas e, sobretudo, trens usados para serem utilizados no país caribenho. As ferrovias cubanas, desde os anos de 1990, são prejudicadas pela falta de manutenção e escassez de equipamentos modernos, como resultado da dissolução da União Soviética, da dificuldade de estabelecimento de novas parcerias tecnológicas e do embargo econômico/comercial dos Estados Unidos (SPUTNIK; vermelho, 2019).

Para mudar esse cenário, o governo cubano criou o Programa de Recuperação e Desenvolvimento do Meio de Transporte Ferroviário, que se estenderá até 2028. Como consequência desse projeto, a Russian Railways – empresa que controla as estradas de ferro na Rússia – firmou um contrato de US$ 1,98 bilhão com a União de Ferrovias de Cuba. A estatal russa será responsável por promover a ampliação e modernização da infraestrutura ferroviária no território cubano, com o objetivo de incrementar a circulação de passageiros e produtos e fomentar o desenvolvimento econômico. O projeto e o contrato firmado entre os países estabelecem que pouco mais de mil quilômetros de ferrovias serão modernizadas, além da criação de um centro de controle para gerenciar o tráfego ferroviário (SPUTNIK; vermelho, 2019).

Essas melhorias permitirão aumentar a segurança no transporte, elevar a velocidade, ampliar a abrangência espacial da rede ferroviária e otimizar o funcionamento do sistema (fluxos, horários, identificação e redução de erros de operação etc.). Outrossim, em 2019 e 2020, Cuba recebeu 160 novos vagões fabricados na China que estão em circulação para atender a demanda por transporte no país, especialmente na capital Havana, e essa frota será ampliada nos próximos anos (ALEKSÁNDROVA, 2019, 2020).

A aquisição dos novos vagões e locomotivas foi/é resultado de uma parceria com a China, assim, esse acordo prevê que o país asiático deverá produzi-los e também fornecer empréstimos para Cuba poder compra-los. A modernização e a operação das novas composições ferroviárias permitem aumentar a velocidade e diminuir o tempo das viagens. Cada trem possui capacidade para transportar 766 passageiros e existem diversas linhas que interligam cidades importantes, como Havana, Matanzas, Santiago de Cuba, Holguín e outras (SPUTNIK; vermelho, 2019).

Em 2018, o sistema ferroviário de Cuba transportou 6,1 milhões de passageiros e, a partir desse projeto, das parcerias com a Rússia e a China e os investimentos que serão realizados nos próximos anos, o governo cubano prevê que todas as obras estejam finalizadas até 2030. Além disso, há possibilidade de construção de uma linha ferroviária para circulação de trens de alta velocidade, conectando Havana ao balneário de Varadero (ALEKSÁNDROVA, 2019).

Os países da América Latina e Caribe apresentam pontos de estrangulamento nas infraestruturas e precisam avançar no processo de integração territorial, diante disso, é importante fomentar especialmente o modal ferroviário e a multimodalidade/intermodalidade. Em relação aos grandes projetos de infraestruturas na atualidade, destaca-se a Iniciativa Cinturão e Rota (também denominada de Nova Rota da Seda), em que o governo da China pretende investir mais de US$ 1 trilhão em infraestruturas na Ásia, Europa, Oriente Médio e África. O plano chinês iniciou-se em 2013 visando criar novas oportunidades de investimentos, impulsionar o comércio e o crescimento econômico, aumentar a fluidez e as redes intermodais, entre outros.

A China se destaca na expansão dos fixos no seu território e também em outros países. O desenvolvimento econômico chinês é resultado de vários fatores, como o planejamento estatal, os vultosos investimentos em infraestruturas econômicas e sociais (grandes projetos e obras, notadamente a expansão/modernização dos equipamentos e serviços de utilidade pública), o fomento da indústria, a agregação de valor e tecnologia na produção, a valorização da C&T, as empresas estatais estratégicas, os financiamentos e subsídios, entre outros.

A intensificação da inserção chinesa no comércio, nas parcerias e nos investimentos internacionais, bem como as mudanças na lógica produtiva e exportadora, são relevantes para compreender o dinamismo do país asiático. Ademais, a China vem ampliando as inversões e os acordos comerciais com os países periféricos, principalmente com nações da África e da América Latina e Caribe (caso da modernização do sistema ferroviário de Cuba). Assim, a China assegura o acesso às matérias-primas (importantes para a produção industrial), aumenta as possibilidades de investimentos das empresas estatais e privadas chinesas (energia, construção civil pesada, indústrias de média e alta tecnologia, mercado de ações etc.) e garante mercados consumidores para suas mercadorias, sobretudo manufaturas, têxteis, eletroeletrônicos, informática e bens de capital (JABBOUR, 2010).

Considerando o ambiente internacional de exacerbada competição, cujos efeitos se desdobram rapidamente na América Latina e Caribe, é necessário os países avançarem na integração territorial e nas parcerias estratégicas, valorizando a expansão das infraestruturas, a cooperação política, econômica, financeira e tecnológica, o incremento do comércio, a defesa dos interesses comuns das nações, entre outros. Entretanto, isso somente é possível com a existência de condições políticas favoráveis (o que não existe no Brasil desde 2016) e com o estabelecimento de uma política macroeconômica desenvolvimentista, com destaque à expansão/modernização dos equipamentos e serviços de utilidade pública (transportes, energia, telecomunicações, saúde, educação, saneamento básico, internet etc.). Exemplos nesse sentido são verificados atualmente na África (Etiópia), na América Latina e Caribe (Cuba) e na Ásia (Vietnã, China, Coreia do Sul, Cingapura etc.). Ao mesmo tempo que alguns países estabelecem projetos e programas de desenvolvimento, o Brasil afunda na crise política, econômica e social. Esperamos um futuro melhor!

Referências

ALEKSÁNDROVA, M. Cuba receberá US$ 2 bilhões da Rússia para suas redes ferroviárias. 2019. Disponível em: https://br.rbth.com/economia/82937-russia-dara-2-bilhoes-ferrovias-cuba. Acesso em: 17/08/2021.

JABBOUR, E. Projeto nacional, desenvolvimento e socialismo de mercado na China de hoje. Tese de Doutorado em Geografia. Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2010.

SPUTNIK. Cuba inaugura novo sistema ferroviário em parceria com Rússia e China. 2019. Disponível em: https://operamundi.uol.com.br/sociedade/59478/cuba-inaugura-novo-sistema-ferroviario-em-parceria-com-russia-e-china. Acesso em: 16/08/2021.

VERMELHO. Com a ajuda de China e Rússia, Cuba inaugura sistema ferroviário. 2019. Disponível em: https://vermelho.org.br/2019/07/14/com-a-ajuda-de-china-e-russia-cuba-inaugura-sistema-ferroviario/. Acesso em: 18/08/2021.

Autor

Prof. Dr. Nelson Fernandes Felipe Junior

Docente do curso de Geografia

UNILA/PPGICAL

Tags: CubaDesenvolvimento econômicoInfraestruturasTransporte ferroviário

Difusão da Covid-19 em São José (SC)

24/04/2020 13:00

Santa Catarina anunciou medidas de afrouxamento no isolamento social recentemente, mesmo com números de casos confirmados e óbitos subindo cotidianamente e contrariando as recomendações da OMS, que apresenta o isolamento social como melhor medida de contenção na difusão da COVID-19.

 

Os dados apresentados dia 24 de abril pelo Governo de Santa Catarina evidencia que os quatro municípios mais populosos, segundo estimativas do IBGE em 2019, são os com maiores números de casos confirmados, são eles: Florianópolis (251 casos), Joinville (127 casos), Blumenau (90 casos) e São José (49 casos). Os três primeiros municípios se destacam por serem polos regionais, gerando fluxos por conta das interações espaciais, principalmente regionais, enquanto São José faz parte da Região Metropolitana de Florianópolis, na qual sofreu forte expansão nas últimas décadas por conta da pressão imobiliária, tendo um aumento expressivo no adensamento populacional.

 

A RMF (Região Metropolitana de Florianópolis) tem Florianópolis como principal polo de confirmados por COVID-19, sendo que Capital é responsável por grande parte dos movimentos pendulares dessa região. Com as medidas de afrouxamento, liberando diversos setores da economia, os deslocamentos dentro da RMF podem provocar o aumento na disseminação do vírus em municípios que atualmente tem baixos índices de casos confirmados e óbitos.

 

Casos Confirmados e de Óbitos por COVID-19 nos municípios da RMF

Fonte: Governo do Estado de Santa Catarina (24/04/2020)

O município de São José ainda não conta com a confirmação de casos da COVID-19 em todo seu território, sendo possível o controle maior da disseminação do vírus caso o Estado siga as orientações da OMS, abaixo será possível verificar o número de casos confirmados por bairro no município.

Casos de COVID-19 por bairros em São José/SC

São José tem casos tantos nos bairros mais populosos como Serraria e Barreiros, como em bairros menos populosos, caso da Ponta de Baixo, Picadas do Sul e outros, porém ainda há bairros no qual não há casos confirmados, como Roçado, Sertão do Maruim, Forquilinhas e outros. Não ter casos confirmados não significa não haver pessoas nesses bairros com COVID-19, pois não há em São José testagem em massa, ou seja, a população josefense não está sendo testada, apenas alguns casos suspeitos estão sendo submetidos a testes.

 

Os casos suspeitos são pacientes que se deslocam ao centro de triagem no município com sintomas ou pessoas que passam pelas “blitz da saúde” realizada em alguns bairros onde é aferido a temperatura, sendo as pessoas com febre encaminhadas a triagem, logo, o número de amostragem para pessoas com COVID-19 é subestimado, pois segundo o Ministério da Saúde[1] 80% das pessoas que tem a COVID-19 podem ser assintomáticos, ou seja, a amostragem por testagem é extremamente baixo e ainda pode haver uma parcela significativa da população circulando, principalmente com as medidas de afrouxamento, transmitindo o vírus de forma assintomática.

 

Há estudos no Brasil que apresentam um número de contaminados de 12 a 15 vezes[2] maior do que os números oficiais do país, principalmente por ser realizado poucos testes, esse fato se reflete nos números apresentados, segundo médico Julival Ribeiro, porta-voz da Sociedade Brasileira de Infectologia, o número é baixo para comparativos com outros países, até o dia 22 de abril o Governo Federal entregou apenas 2,5 milhões de testes[3] aos estados, que possibilita o teste em apenas 1,19% da população do país, o que torna os dados oficiais dos Governo Federal, Estaduais e Municipais, insuficientes para compreensão da realidade dos casos no território.

 

Para haver maior controle é necessário planejamento e para isso o Estado deve realizar testagem em massa, como outros países realizaram, pois atualmente no Brasil há uma subnotificação de casos por conta da falta de testes, o que impossibilita, inclusive, o Estado ter poder na tomada de decisão.

 

Atualmente o Governo Federal vem negligenciando medidas que já deveriam ter sido tomadas, como manutenção do isolamento social, pagamento de auxílio a população, testagem em massa, construção de hospitais, chamamento público de profissionais de saúde e demandar a indústria nacional para produção de insumos necessários ao combate da COVID-19. Na contramão dos esforços internacionais de combate a Pandemia, o Presidente Jair Bolsonaro ataca Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS[4], isolando o Brasil internacionalmente e criando crises internas com Governadores e seus próprios ministros, com a retirada do ex-Ministro Saúde Mandetta e ex-Ministro Moro.

 

Nesse momento de Pandemia o Estado brasileiro deveria concentrar os esforços em garantir a população segurança para o isolamento social, como outros Estados Nacionais o fizeram e estão fazendo e não gerando insegurança com falas anticientíficas ou até mesmo fictícias.

[1] https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-a-doenca

[2] https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/04/14/pesquisas-subnotificacao-c%20asos-confirmados-brasil.htm

[3] https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/saude/teich-ignora-subnotificacao-ao-dizer-que-brasil-tem-melhor-desempenho-contra-o-coronavirus,22e17014c4427dcaa03aa7c1ebc16e9evt9uc19k.html

[4] Brasil é deixado de fora de aliança sobre acesso a tratamentos na OMS (UOL) https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/04/24/sem-brasil-oms-faz-mega-evento-com-lideres-mundiais-e-rebate-bolsonaro.htm

Tags: CidadesCoronavírusCOVID-19PandemiaRegião Metropolitana de FlorianópolisSão JoséUrbanização

Notas sobre a indústria chinesa e a queda dos lucros nos primeiros meses de 2020

15/04/2020 13:00

Passados quatro meses desde a primeira morte pelo vírus COVID-19 na China (11 de janeiro) na cidade Wuhan, nestes últimos dias tivemos a retomada das atividades no país asiático e a diminuição do número de pessoas contagiadas pelo vírus no país.

 

Dado o início dos primeiros casos de COVID-19 ainda no ano de 2019, a cidade de Wuhan nas primeiras semanas de janeiro iniciou uma série de medidas de isolamento total da cidade e da população como: restrição da movimentação da população nas ruas, acessos a determinadas regiões e distanciamento social além do fechamento de atividades não fundamentais, medidas estas que foram colocadas em prática em outras regiões do país dado rápido aumento do número de casos de infecções nos meses passados.

 

Com o início do isolamento, houve a diminuição das atividades comerciais e industriais. A China sofreu com uma elevada diminuição dos lucros da indústria nos primeiros dois meses do ano de 2020. De acordo com a National Bureau of Statistics of China essa queda dos lucros comparada ano a ano (2019 – 2020) foi de cerca de 38,3%, setores como mineração (-21,1%), produção e distribuição de energia (-23,2%) tornam-se expressivos na queda dos lucros no setor industrial.

 

De acordo com a agência dos 41 setores industriais levantados, 37 tiveram expressiva diminuição dos lucros nos dois primeiros meses do ano de 2020, estes ligados principalmente a produção e manufatura para indústria (maquinário e equipamento elétrico, produtos de minerais não-metálicos, têxtil entre outros), além do setor energético que também teve quedas na produção de energia voltada para indústria dada a queda na produção e o aumento da produção de gás natural e petróleo que continuam crescendo.

 

Portanto, à baixa na produção industrial, desaceleração das exportações e comércio interno, no efeito cascata acarretaram na taxa média de 38,3% na queda dos lucros, vale ressaltar que empresas de capital estrangeiro de Hong Kong, Macau e Taiwan na China tiveram uma perda nos lucros de mais de 50% neste mesmo período sendo o setor dentre os quatro (empresas estatais, privadas, sociedade anônima e empresas de capital externo) que teve maiores taxas de perdas. Vide o gráfico apresentado.

 

Assim, dada a queda de lucros e aumento das dívidas e devedores estes principalmente de menor tamanho, fez com que o governo chinês interferisse nas ações bancárias buscando a não rescisão ou restabelecimento de empréstimos, incentivando os bancos a fazer novos empréstimos principalmente para as empresas que foram afetadas pelo vírus, diminuindo os efeitos colaterais causados pela baixa na produção e comércio.

 

Espera-se que com essas intervenções o movimento de baixa nas receitas se normalize e os dividendos diminuam, algo que ainda é difícil de se prever visto que economias dependentes das exportações chinesas como Brasil, Estados Unidos, Alemanha entre outros, passam por período semelhante.

 

Fonte: National Bureau of Statistics of China, 2020.

Tags: ChinaCoronavírusCOVID-19Indústrias

A geolocalização no combate à Covid-19

06/04/2020 13:00
 

Fonte da imagem: https://bhr.stern.nyu.edu/blogs/center-launches-project-privacy-rights-online

Em todo o mundo os países estão desenvolvendo formas de controlar o contágio pelo COVID-19. E é na Ásia que vemos surgir uma nova solução para o controle da doença, garantindo o distanciamento social e o controle de movimentação das pessoas através da troca de dados de geolocalização entre os serviços de internet e telefonia com os governos locais, possibilitando o controle do distanciamento social de maneira remota. Mas o que isso significa?

 

Smartphones regularmente transmitem suas localizações para redes wireless, redes de telefonia e às grandes empresas de tecnologia. Os dados criados através destas interações muitas vezes são vendidos para outras empresas com o objetivo de encontrar oportunidades de negócio, por exemplo. Entretanto, existem implicações éticas e legais quanto a divulgação das informações privadas de cada usuário dependendo da forma como elas forem utilizadas, a Agência Reuters destaca a fala do senador Americano, Ed Markey, que pediu cautela por parte do governo ao se aliar as companhias de tecnologia para acompanhar o ritmo de contaminação do Corona Vírus tendo em vista os problemas que poderia gerar devido a privacidade dos usuários.

 

Utilizar o que os países da Ásia têm adotado como exemplo, pode ser uma solução, entretanto as características do sistema asiático são diferentes considerando seu maior controle dos meios de comunicações. A China, por exemplo, possui um sistema de vigilância formado por 200 milhões de câmeras de vídeo com reconhecimento facial, capazes de identificar as pessoas e cruzar os dados com os obtidos através dos celulares. Mesmo sem esta estrutura nos outros países, diariamente compartilhamos dados de localização com diversos aplicativos privados, fornecendo uma vasta rede de informações a estas empresas. E isso vem chamando a atenção dos governos, conforme dados publicados em matéria do jornal The Washington Post, publicada no dia 16 de março, o governo dos Estados Unidos está estabelecendo contato com Facebook e Google, além de outras empresas de tecnologia, com o objetivo de mapear a localização dos cidadãos para a garantia do isolamento social. Países da Europa também anunciaram parcerias com empresas de telecomunicações para o mapeamento dos dados, e em Israel, usuários de smartphones já recebem alertas sobre a aproximação de pessoas possivelmente infectadas com a COVID-19.

 

Tendo em vista a importância do combate à doença, grandes empresas de tecnologia, como o Google, têm trabalhado individualmente para o rastreamento dos casos e vem desenvolvendo ferramentas similares as que indicam os horários de maior movimento em restaurantes e os engarrafamentos. O Facebook, está criando junto com pesquisadores de diversas organizações sem fins lucrativos, um projeto chamado disease-prevention maps, mapa de prevenção a doenças (em tradução livre), com o objetivo de fornecer dados de forma anônima sobre os movimentos das pessoas contaminadas.

 

No Brasil, municípios estão adotando tecnologias capazes de identificar o padrão de movimentação das pessoas para mapear a propagação da infecção. No Rio de Janeiro a Prefeitura fechou uma parceria com a empresa de telefonia TIM, através da utilização de dados em tempo real da localização dos aparelhos de forma anônima. A prefeitura de Recife também adotou iniciativa semelhante através de parceria com uma empresa local privada, que está rastreando celulares, sem acesso aos dados privados.

 

As empresas de telefonia móvel brasileiras (Algar Telecom, Claro, Oi, Tim e Vivo) já haviam anunciado, através do Movimento Todos Juntos Contra o Vírus [1], uma parceria para auxiliar no isolamento social de seus usuários, e na última quinta-feira (02/04/2020) firmaram colaboração com o Governo Federal, através do Ministério da Ciência, Inovação e Tecnologia, com o objetivo de rastrear a localização das 222,2 milhões de linhas presentes no país, as operadoras afirmaram que a divulgação dos dados não comprometerá a segurança dos usuários. Segundo o SindiTelebrasil (Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal), o sistema de divulgação dos dados, deve ficar pronto em até duas semanas, e as informações dos usuários serão repassadas com um dia de atraso de modo aglomerado, estatístico e anônimo, a partir da coleta por quase cem mil antenas espalhadas em todo o país.

 

No Brasil, a utilização dos dados servirá para acompanhar o cumprimento das medidas de isolamento social, diferentemente da China que através de seu sistema, consegue identificar a localização de alguém infectado imediatamente e provocar a restrição de sua entrada em prédios e no transporte público. Entretanto, a utilização da geolocalização demonstra-se como uma boa solução para o reconhecimento e a movimentação do vírus em território nacional e a identificação das áreas com maior chance de contágio e, no futuro, possibilitarão uma grande base de dados para o combate a futuras doenças. Todavia, o mesmo pode ser usado como meio de controle social, repressão política e para uma grande base de dados vendidos e revendidos para empresas privadas, como bancos e empresas comerciais, ou seja, poderá servir (como já ocorre) para explorar grupos e indivíduos politica, social e economicamente vulneráveis.

 

NOTAS:

[1] O movimento tinha como objetivo inicial, promover vantagens aos usuários como ampliações nos serviços, e garantia de conexão ininterrupta visto o possível colapso no sistema de telecomunicação.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BARTZ, Diane. Google quer usar geolocalização de usuários para retardar coronavírus. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2020-03/google-quer-usar-geolocalizacao-de-usuarios-para-retardar-coronavirus. Acesso em: 05 abr. 2020.

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MAGENTA, Matheus. Coronavírus: governo brasileiro vai monitorar celulares para conter pandemia. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52154128. Acesso em: 06 abr. 2020.

ROMM, Tony. U.S. government, tech industry discussing ways to use smartphone location data to combat coronavirus. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/technology/2020/03/17/white-house-location-data-coronavirus/. Acesso em: 03 abr. 2020.

VAIANO, Bruno. Governo terá acesso à localização de celulares para monitorar quarentena. Disponível em: https://super.abril.com.br/tecnologia/governo-tera-acesso-a-localizacao-de-celulares-para-monitorar-quarentena/. Acesso em: 06 abr. 2020.

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