O CASO GALEÃO X SANTOS DUMMONT: O REFLEXO DAS ESTRATÉGIAS LOGÍSTICAS

13/04/2023 16:50
Por: Me. Lucas Azeredo Rodrigues (Doutorando-UFSC)
Publicado em: 13/04/2023

A problemática sobre a ociosidade do Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão) e a sobrecarga do Aeroporto Santos Dummont é resultante de uma série de combinações. Ela é reflexo da adoção de diferentes estratégias logísticas do Estado e do setor corporativo. Além disso, a estrutura econômica e social do Rio de Janeiro também deve ser levada em consideração.

A movimentação de passageiros na capital fluminense passou por um período crescente, sendo que a partir de 2016, começou a ter uma pequena queda. O Santos Dummont, por ser um aeroporto centralizado na capital, era mais utilizado para voos de ponte aérea, ou mais regionais, de curta duração, pois, devido a sua capacidade de operação, não consegue receber aeronaves maiores. Já o Galeão, foi por muito tempo um importante hub nacional e internacional. No entanto, as empresas aéreas começaram a reduzir os voos e concentrá-los na macrometrópole paulista (Campinas, São Paulo e Guarulhos).

No período antes da Pandemia, em 2019, o Santos Dummont recebeu 8,9 milhões, e em 2022, 9,9 milhões. Já o Galeão, saiu de 13,6 milhões para 5,7 milhões no mesmo período. Isso não significa que os passageiros foram transferidos de um aeroporto para o outro, mas sim, que a capital perdeu quase 7 milhões de passageiros.

A própria estrutura do Galeão, sobretudo após a construção do Píer 3 (embarque internacional) coloca o aeroporto numa situação privilegiada no que diz respeito ao sítio aeroportuário, pois, além de seus três terminais, também possui duas pistas que podem ser operadas praticamente de forma simultânea. Ao contrário, o Santos Dummont apresenta diversas limitações, sejam elas de espaço, aeronave crítica ou até mesmo horário de funcionamento.

A capacidade do Galeão é de 37 milhões de passageiros por ano, e do Santos Dummont é de 15,3 milhões. Sobrecarregar os aeroportos reflete, sobretudo na falta de comodidade para o usuário e até mesmo em atrasos. Dados do Flightradar24 apontam que entre 12/04 e 19/04, o Santos Dummont tem previstas 1.179 decolagens para 18 aeroportos, e o Galeão, 386 para 15. De um lado, um aeroporto com 20 posições para estacionamento de aeronaves comerciais, e de outro, 149.

Ora, se tem estrutura, quais questões causariam a queda do Galeão?

A questão da acessibilidade é um ponto. O aeroporto internacional fica localizado na Ilha do Governador, numa região mais afastada do centro. Para chegar no Galeão, tem a opção de Táxi, Aplicativo, Veículo próprio e Ônibus. Este último apresenta algumas variações: o BRT, que liga até o Terminal Alvorada na Barra da Tijuca e passa pelo subúrbio do Rio de Janeiro (é válido destacar o sucateamento desse serviço, que está sendo revitalizado pela prefeitura); executivo, que liga também à Barra, Zona Sul e Rodoviária; o Rodoviário liga às principais cidades da Região dos Lagos; e o coletivo Normal, limitado a alguns bairros adjacentes.

Já o Santos Dummont, além de estar no centro da capital, o que facilita o acesso e barateia a utilização de táxis e aplicativos, conta com a atuação do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). É importante mencioná-lo, pois, além de passar pelo “Coração do Rio de Janeiro”, ele faz integração com todos os modais de transporte da capital, desde as barcas, trens, metrôs, aos terminais de ônibus urbanos, como a Central, ou dos executivos, como o Menezes Cortes.

Entrelinhas, para os usuários do transporte público, chegar no Santos Dummont é mais fácil. Ademais, o Galeão ainda está próximo das principais cidades da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o que inclusive, configura como um elemento instigador de demanda, no entanto, acessá-lo por transporte coletivo é extremamente complexo, a não ser que seja por veículo particular.

Uma outra questão que afasta pessoas do Rio de Janeiro, é a insegurança.  Os  dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) apontam que  Região Integrada de Segurança Pública onde estão inseridos os dois aeroportos: é a área que mais tem roubo de rua no estado, com 21,7 mil casos em 2022 (aumento de 11,8% comparado a 2021); Roubo de veículos, aumentou 36,1%, contabilizando 6 mil casos em 2022.

A questão das concessões dos aeroportos também é um ponto. Recentemente, veio à tona a possibilidade da administradora do Galeão, a Changi, de Singapura, em desistir da concessão. É válido destacar que a brasileira Odebrecht também possuía uma fatia de porcentagem. Juntas, somavam 51% do controle do aeroporto, e os outros 49% da INFRAERO. Com a deflagração da Lava-jato, a Odebrecht renunciou à participação. Recentemente, no Governo Bolsonaro, havia a possibilidade de também conceder o Santos Dummont à iniciativa privada, em conjunto com o Aeroporto de São Paulo (Congonhas), no entanto, a ação foi postergada, cogitando a possibilidade de conceder os dois aeroportos da capital, o que facilitaria atuações conjuntas. A questão tarifária também não é um problema. As taxas do Galeão são menores, exceto a de conexão, que é R$ 0,53 mais cara.

As estratégias logísticas pelas companhias aéreas também é um diferencial. O Galeão por muito tempo, foi um hub internacional, o que ampliava a demanda de conexões com voos domésticos e vice-versa. Aos poucos, as empresas centralizaram suas operações em Guarulhos e por outros hubs mais regionalizados, como Salvador, Recife, Brasília e Belo Horizonte. Utilizar um aeroporto como hub envolve muitos fatores, desde a questão de infraestrutura até a acessibilidade. Geralmente, esses aeroportos centro de operações estão localizados em pontos estratégicos ou até mesmo onde há redução de impostos, como o caso de Campinas e Confins. A redução de um grande volume de custo impõe uma maior competitividade, haja vista que reduz o preço da tarifa. Isto é, a carga tributária do Rio de Janeiro, tanto do município, quanto unidade federativa, é um fator que também afasta as empresas.

Em 2008 a Azul cogitou de fazer o Rio de Janeiro em um hub, no entanto, seria o Santos Dummont. No entanto, isso foi recusado pelo Estado, exatamente por “retirar” passageiros do Galeão. Inclusive, isso foi alvo de ações judiciais. De um lado, a Azul alegava que operar no Galeão era inviável, já que as outras companhias atuavam fortemente lá, e de outro, o Estado a favor de seus interesses, pois, o Galeão estava entrando em processo de concessão, e isso diminuiria o valor do leilão. Nesse cenário, o Santos Dummont estava limitado a aeronaves de 50 passageiros e voos da ponte aérea, o que não era plano, até então, da Azul. O resultado foi: a Azul adotou o aeroporto de Campinas. Apenas em fevereiro de 2023, a Azul teve quase 9 mil pousos e decolagens em Viracopos, distribuídos entre um pouco mais de 60 destinos. A maioria desses voos poderiam ser operados no Galeão, sob sistema de hub.

Ou seja, o próprio Estado inibiu a criação de novas interações. É importante citar que não se trata apenas de um voo. Existe toda uma cadeia produtiva por trás das operações aéreas, das quais constituem uma parcela significativa das hinterlândias aeroportuárias. Desde as locadoras, hotéis, até as tripulações e equipes de solo. É um efeito multiplicador gigantesco, além de incentivar o turismo e outras atividades econômicas.

Neste cenário de desequilíbrio, quais são as alternativas?

O primeiro passo é o diálogo entre a logística de Estado (considerando as três esferas) e a logística corporativa (empresas e companhias aéreas). Diversos impasses podem ser resolvidos ou amenizados.

A limitação operacional do Santos Dummont aparece como uma alternativa imediata, mas não definitiva. Uma situação é operar nesse aeroporto como destino, outra é fazê-lo de hub. Um exemplo, em 2007 a ANAC limitou as operações no Aeroporto da Pampulha (voos mais regionais e com aeronaves de até 50 passageiros), forçando a mudança dos voos para Confins. O problema daquela época para hoje se manteve: poucas empresas aéreas tinham uma frota que pudesse operar dentro das restrições, e aos poucos, o aeroporto foi se tornando subutilizado para aviação comercial.

Não é o caso de se fazer com o Santos Dummont, pois, pode ser utilizado efetivamente como ponto de embarque e desembarque, e o Galeão, como um ponto de conexão. Para isso, as rotas a partir do Santos Dummont seriam basicamente a ponte aérea (RJ-SP) e voos diretos para os principais destinos do país que possuem forte ligações com o Rio de Janeiro, como Salvador, Porto Alegre e Brasília.

No entanto, para que o Galeão possa ser um hub novamente, o número de voos precisa ser ampliado. Mas como?

A utilização de subsídios ficais, como a redução de impostos, seja zerar, ou colocar de forma escalonada, é uma situação que pode atrair novos voos. A primeiro momento, pode se ter a impressão de que o Estado teria prejuízo, no entanto, a partir das atividades desencadeadas a partir das operações aéreas, compensam, ou até aumentam, a arrecadação (vide o exemplo do efeito multiplicador), haja vista que teria um aumento da geração de renda e emprego pela região.

O Rio de Janeiro é a cidade turística do Brasil mais conhecida pelo exterior. Logo, a atratividade por novas atividades relacionadas a lazer pode novamente atrair mais voos internacionais de forma direta, sem precisar de conexão. Fatores que favorecem a economia regional.

Melhorar a acessibilidade ao aeroporto também é uma situação importante. Ter opções de linhas que saem de outros municípios da baixada fluminense (e aqui, podemos incluir a criação de um pequeno terminal rodoviário no aeroporto) também é um ponto interessante. Ficar refém de poucas opções de transporte é algo que inibe o passageiro.

E o Santos Dummont? A limitação de operação de aeronaves de maior porte, e o horário, o torna especial, assim como Congonhas em São Paulo. Estabelecer um teto de voos por companhia aérea, somada à uma política de constituição de um hub no Galeão, é fundamental. A oferta de destinos também é algo que deve ser considerado, haja vista que altera as estratégias logísticas das empresas aéreas. Se for o caso, até mesmo um transfer entre os dois aeroportos poderia também atuar de forma complementar.

Alternativas não faltam. O grande ponto é destrinchar e alinhar os interesses estatais e corporativos por trás das operações entre o Galeão e o Santos Dummont. Quem ganha com isso é o usuário, sobretudo, a população carioca e fluminense.

Autor:

Lucas Azeredo Rodrigues
Mestre e Doutorando em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (PPGG/UFSC)
Laboratório de Estudos sobre Circulação, Transporte e Logística (LabCit-UFSC)
Grupo de Estudos em Desenvolvimento Regional  e Infraestrutura (GEDRI-CNPq)
Núcleo de Estudos Sobre Transporte (NETRANS-UNILA)
Grupo de Estudos sobre Transportes Urbano-Regional (GETUR)

A moradia e o saneamento como peças fundamentais para a sobrevivência frente à Covid-19

03/04/2020 13:00

Até a data de hoje, 30 de março de 2020, o Covid-19 tem infectado a mais de 634 835 pessoas em 191 países do mundo segundo o Observatório Global da Organização Mundial da Saúde. A tendência aponta que nos próximos dias estas cifras vão crescer vertiginosamente. Países europeus com economias consolidadas como à Itália alcança já 10.779 mortes (CSSE, 2020). Na Espanha, os dados apontam mais de 7.340 mortes segundo o Ministério de Saúde da Espanha. Seguem nesse caminho os Estados Unidos com 143.055 infectados (CSSE, 2020). Estamos falando então, de um tipo de disseminação global nunca vista de um vírus altamente contagioso que atinge com rapidez, e num fluxo contínuo, a nós os humanos, que somos a unidade mais importante do sistema econômico.

 

Nesse mundo totalmente globalizado, predominantemente urbano e interconectado pelas redes de transporte e comunicações, tudo se encontra unido por vínculos intrínsecos, físicos e virtuais, que atravessam as diversas escalas territoriais com muita rapidez. Esses vínculos embora pareçam inexistentes, formam parte de nossas vidas e de nosso dia a dia.

 

A circulação das pessoas, seja por trabalho ou lazer foi um fator altamente incentivado pelos governos com economias crescentes e foi primordial para o desenvolvimento de economias consolidadas. Hoje pelo contrário, frear os fluxos de pessoas entre os territórios nas diferentes escalas geográficas e bloquear as relações físicas dos indivíduos, em outras palavras ¨ficar em casa¨ é altamente essencial para frear a disseminação do vírus.

 

Então verificamos que a moradia é a peça fundamental para conter a crise sanitária, bem como as boas condições da mesma. Que todas as famílias tenham uma moradia bem servida pela rede sanitária é de vital importância hoje mais do que nunca.

 

No passado, os diferentes governos implementaram estratégias políticas de acesso a habitação, ao saneamento, a saúde, a educação etc. com o proposito de melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes. Nos países subdesenvolvidos como o Brasil, a preocupação por otimizar as relações económicas e políticas de grupos hegemônicos tem deixado mal atendida a população carente de moradia e tem levado ao colapso os serviços de consumo coletivo. Existe um “empresariamento da política urbana” (LENCIONI, 2017), e não, uma política urbana que conta com a participação empresarial. Esses modos são impulsionados pelas forças neoliberais que reforçam o caráter capitalista da lógica econômica de mercado, no qual a moradia é comercializada como um produto e não como um direito básico do homem.

 

Com os acontecimentos decorridos nesses últimos anos no Brasil, como o Golpe de Estado de maio de 2016, onde se destituiu do cargo à ex-presidente Dilma Rousseff, se restringiram programas sociais fundamentais, como o Bolsa Família e o programa de habitação de interesse social Minha Casa Minha Vida que, até agosto de 2016, entregou 2.986.389 unidades habitacionais para famílias carentes de moradia (HILDEBRANDT, 2018). Fica, portanto, ainda mais evidente o crescimento do número de pessoas em situação de pobreza no Brasil. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estadística (IBGE), as pessoas em situação de pobreza extrema no ano 2019 alcançaram os 13,5 milhões, cifra nunca antes vista no país.

 

Nas periferias das cidades brasileiras e nas favelas, as pessoas convivem em situações sub-humanas, em moradias sem água nem esgoto, em comunidades sem coleta de lixo ou sem sistema de coleta de água da chuva. Por outro lado, a alta densidade de seres humanos por metro quadrado, associada a um saneamento básico precário, potencializa a dispersão de doenças infecciosas, como diarreia, pneumonia e a tuberculose, quadros muitas vezes atrelados ao ataque de vírus, bactérias e fungos. Então, podemos imaginar que a consequência da chegada do Covid-19 para essas pessoas será, em muitos casos, fatal, pois elas estão submersas numa crise sanitária crônica.

 

Favela da Linha, localizada entre dois empreendimentos imobiliários no Oeste de São Paulo.

Fotografia: Lalo de Almeida para a Folha de São Paulo. 19 de agosto de 2019.

As condições e as circunstâncias das nossas moradias são uma questão importante para frear a corrente de infecções pelo Covid-19. O confinamento social numa casa ou apartamento abastecido com os serviços básicos faz toda a diferença. Possibilita os bons hábitos de higiene, propicia o confinamento de um possível infectado o controle e a higienização das pessoas e coisas que ingressam nela. É, por isso, que os governos Europeus confiam que os contágios pelo Covid-19 serão freados em 30 dias de estritos confinamentos, pois a maior parte da sua população conta com as condições sanitárias na sua moradia, mesmo as áreas de pobreza estão abastecidas de redes de água e desague.

 

Sendo assim, não se pode replicar o mesmo sistema de confinamento usado na Ásia ou na Europa para as cidades brasileiras com grandes áreas de pobreza, pois as camadas de população pobre não contam com as condições de salubridade nas suas moradias, nem nas suas comunidades. Embora o confinamento possa ser exitoso em áreas de média ou alta renda, nas áreas de pobreza deve-se trabalhar de forma focalizada, confinando as famílias ou os grupos mais vulneráveis fora das zonas degradadas e carentes de água, tomando em consideração uma eventual realocação da população em espaços salubres e controlados pelo sistema de saúde. Contrario a isso, veremos como as transmissões se multiplicarão de forma avassaladora, prejudicando todos que formam parte da cidade, ameaçando mais do que nunca nossa participação no sistema global da economia. A ação do Estado é decisiva.

Podemos corroborar nestes dias que as nações com menores áreas de pobreza e eficientes sistemas sanitários e de saúde, são também as nações com maiores possibilidades de reagir frente a presente crise sanitária, pois as condições da moradia e das cidades como um todo são fatores relevantes para frear as infecções pelo Covid-19. Mais do que nunca, verificamos que a moradia e o saneamento são questões básicas de sobrevivência dos indivíduos e das economias mundiais.

 

Ninguém achava isto possível, mas agora é real, estamos todos nós submersos numa névoa de incertezas e dúvidas sobre o futuro. O que aconteça nos próximos dias marcará um ponto de início, uma retomada para nossas vidas, e para as economias de todos os países.

 

Margaux Hildebrandt Vera,

Arquiteta Urbanista, Doutora em Geografia, Mestre em Urbanismo, Arquitetura e História da Cidade pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

 

Referencias:

HILDEBRANDT, Margaux. As dinâmicas de metropolização e a atuação dos agentes produtores do espaço urbano na área conurbada de Florianópolis. Tese de doutorado do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2018.

LENCIONI, Sandra. Metrópole, metropolização e regionalização. Consequência Editora. Rio de Janeiro 2017.

Coronavirus COVID-19 Global Cases by the Center for Systems Science and Engineering (CSSE) https://www.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/bda7594740fd40299423467b48e9ecf6

World Health Organization. Situation Report 69. March, 2020.

https://www.who.int/publications-detail/infection-prevention-and-control-during-health-care-when-novel-coronavirus-(ncov)- infection-is-suspected-20200125

Tags: CidadesCOVID-19FavelaInfraestruturasSaneamento básicoUrbanização

Comentários geográficos em tempos da Covid-19

03/04/2020 13:00

Em tempos de pandemia da COVID-19 a reflexão sobre como ciências além da área da saúde podem contribuir ao esclarecimento das pessoas, se faz importante. A Geografia, ciência humana por origem e vocação possui um componente destacável na análise social do bem-estar e saúde dos grupos humanos. As relações entre natureza e sociedade caras ao estudo geográfico se expressam através da difusão de fenômenos, no caso específico, as enfermidades que podem acometer as populações.

 

Maximilien Sorre, importante geógrafo francês tendo influência sobre autores brasileiros como Josué de Castro e Milton Santos, destaca o conceito de habitat como espaço criado e organizado por uma sociedade humana, nos planos físico, biológico e social. A chamada Geografia Médica é tributária do pensamento de Max Sorre, abordando as doenças como fenômenos de determinada extensão de acordo com aspectos relacionados aos planos supracitados (físico, biológico e social).

 

A Geografia Médica, tratada com esse rótulo é datada do século XIX, com a produção de Atlas que continham mapas sobre a difusão regional de doenças e serviam para orientar obras de saneamento, bem como disciplinar a ocupação de europeus em territórios tropicais. De acordo com Ferreira (1991) o período em que os atlas específicos demostravam cartograficamente a difusão de doenças não chegou a promover um debate interdisciplinar entre a epidemiologia e a Geografia, porém foram em alguma medida úteis a um tipo específico de planejamento (sobretudo a Geografia Colonial).

 

Sorre nos anos 1940 oferece a comunidade científica uma possibilidade metodológica de interação entre a Geografia e epidemiologia, através de uma interpretação ecológica (ecologia humana) das relações entre homem e meio. Em sua obra mais importante, Les fondements de la géographie humaine o geógrafo francês apresenta o conceito de complexo patogênico. As doenças apresentariam seus complexos com origem, desenvolvimento e desintegração tendo a atividade humana como elemento central na difusão de vetores ou mesmo o elemento humano como vetor na difusão das doenças, apresentando um componente claro de associação entre a epidemiologia e a ciência humana Geografia.

 

A perspectiva dos complexos patogênicos pode incluir múltiplas determinações, desde o aspecto climático, as formações vegetais, o desmatamento e principalmente a Geografia da Circulação dos vetores humanos ou animais com a evolução dos meios de transportes. Na esteira da Geografia Médica, podemos destacar o trabalho de Josué de Castro, que escolhe a Geografia para abordagem do tema de pesquisa que perpassou sua vida: A Fome.

Com Josué de Castro, no livro a Geografia da Fome publicado em 1946 o autor além de trabalhar os conceitos de fome endêmica e epidêmica, traça um parâmetro das regiões brasileiras de acordo com a propensão ou não de serem áreas de fome, em uma forte influência da Geografia Francesa fundada com Vidal de La Blache. A linha de análise sobre propensas regiões de fome é expandida para o mundo em Geopolítica da Fome de 1951.

 
 

Os dois circuitos da economia nos países subdesenvolvidos e as possibilidades de análise em tempos de COVID-19:

 

Relembrados alguns aspectos relacionados a maneira como a Geografia pode ser relacionada ao tema de difusão de enfermidades humanas, gostaríamos de destacar outro arcabouço teórico também relevante em tempos de COVID-19. As ideias desenvolvidas por Santos (2008) presentes no livro o Espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos publicado primeiramente no final dos anos 1970.

 

Os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos, a saber, circuito superior e circuito inferior são resultado de uma integração dos países subdesenvolvidos ao capitalismo mundializado. Os dois circuitos não são considerados de maneira estanque, outrossim de maneira dialeticamente interligada, sendo que eles são resultado de um crescimento econômico e urbano particular (dos países subdesenvolvidos).

 

O circuito superior, amplamente definido pelo autor como o todo de atividades modernas relacionada a agropecuária, indústria e atividades de comércio e serviços que principalmente possuem disponibilidade de grande capital para investimentos e oportunidades de financiamento. O circuito superior, possui um reflexo no espaço urbano na formação de infraestruturas para a exportação, industrias, comércio atacadista e varejista

 

A modernização nos países desenvolvidos, aparece de uma maneira onde o estado favorece este circuito (superior), dotando os países subdesenvolvidos de infraestruturas como redes de energia elétrica, estradas, aeroportos de modo a favorecer o grande capital, parte das vezes internacional que além das referidas infraestruturas se beneficia da mão de obra mais barata nos países subdesenvolvidos e também de financiamentos oferecidos pelo próprio Estado, bem como das isenções de impostos. Muitas das industrias de menor tecnologia são transferidas dos países desenvolvidos para os subdesenvolvidos que passam a exportar matérias primas já processadas.

Fonte da Imagem: http://emetropolis.net/artigo/276?name=metropole-e-economia-urbana-na-amazonia

O livro de Milton Santos, como resultado de um esforço teórico da década de 1970 serve como ponto de partida para algumas das nossas reflexões sobre o presente, mas desde aqueles tempos demonstrava como o Estado tem agraciado o grande capital. Chega-se na discussão hodierna, onde muito se discute sobre quem pagará a conta, relacionada a quarentena da Covid-19, certamente o grande capital sofre com uma parcial paralização da economia, mas a história em diferentes países mostra que o Estado nunca deixou de estender a mão ao grande capital, inclusive arrecadando níveis de poupança junto a população mais pobre a quem sobretudo a forma de arrecadação de impostos acaba sendo bastante hostil.

 

A respeito do circuito inferior é possível afirmar, o pequeno comerciante, o pequeno prestador de serviços; ela não é penalizado apenas no momento da pandemia quando não pode realizar seu trabalho e sim na falta de acesso a financiamentos baratos, falta de serviços de saúde e educação para seus filhos e parentes mais próximos. Pois bem, a opinião pública não pode apenas em momentos de dificuldade esbravejar em favor de uma grande massa excluída, ou mal incluída na economia real.

 

O circuito inferior, aparece de uma maneira clara no livro o Espaço Dividido, com diversos exemplos em cidades na Ásia, África e América Latina: o vendedor de alimentos, tecidos, o artesão, o pedreiro, etc. O circuito inferior não é tratado exatamente como a economia do gueto, ou apenas como conjunto de atividades não modernas. Ele parte da ideia de que são trabalhadores independente, realizando atividades de circulação e provisão curta, baixos estoques e influência decisiva da mão de obra do individuo ou um pequeno grupo de pessoas com pouco capital investido em um único empreendimento econômico.

 

O circuito inferior possui baixo acesso ao crédito, tanto por parte do comerciante, quanto do prestador de serviços. Um exemplo de relação entre circuito superior e inferior é o caso de o circuito inferior abrir possibilidades de maior fracionamento da mercadoria, coisa menos acessível no varejo do circuito superior: tecidos, cigarros, frangos, etc. vendidos de maneira fracionado pelo pequeno comércio de rua ou do bairro. Assim, mercadorias produzidas no circuito superior são acessadas por pessoas que compram seus viveres através do circuito inferior.

 

Atualmente vemos uma ressignificação do circuito inferior, relacionada aos aplicativos de mobilidade, entrega de alimentos e afins. Onde o aplicativo, elemento moderno acaba se utilizando da possibilidade de pessoas a margem do mercado de trabalho transformarem veículos individuais em instrumentos de trabalho, no exemplo moderno, novamente a falta de políticas públicas abandona o trabalhador a sorte: da lógica do ganha se trabalha.

 

São muitas reportagens a mostrarem a dura realidade na quarentena dos moradores de rua, favelas, ou vendedores de alimentos em eventos esportivos, etc. Os trabalhadores precisam trabalhar, porém não podem ter suas vidas arriscadas por essa que já se aproxima a ser a maior pandemia dos tempos recentes. Enquanto isso, as ações do governo brasileiro para atender essa população são ainda tímidas do ponto de vista da distribuição de recursos.

 

Destacamos por fim que somente politicas publicas sérias de distribuição de renda, acesso a financiamento e educação vão remediar a realidade estrutural dos dois circuitos da economia dos países subdesenvolvidos. A economia do circuito inferior deve ser discutida também em momentos de crescimento econômico quando as possibilidades de resolução de problemas estruturais da sociedade brasileira são maiores.

 

VEJA MAPA INTERATIVO DA COVID-19 NO MUNDO: https://www.bing.com/covid

Referências:

FERREIRA, Marcelo Urbano. Epidemiologia e geografia:: o complexo patogênico de Max. Sorre. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 7, n. 3, p.301-309, 01 jun. 1991. Julh/set.

SANTOS, Milton. O espaco dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 2008. 436 p. (Coleção Milton Santos ; 4).

SORRE, Maximilien; MEGALE, Januario Francisco. Max. Sorre: geografia. São Paulo: Atica, 1984. 192 p.

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Como enfrentar a Covid-19 sem hospital?

03/04/2020 13:00

Em meio às medidas restritivas e tentativas de retorno às atividades, como as cidades da Bacia Hidrográfica do Rio do Peixe enfrentarão a pandemia se muitas delas não têm hospital?

 
 

Se as atividades econômicas voltarem será possível atender os casos mais graves de covid-19 na região da Bacia Hidrográfica do Rio do Peixe em Santa Catarina? Diante da proposta de retomada das atividades econômicas divulgada pelo Governo do Estado no dia 26 de março de 2020 e de seu recuo para manutenção da quarentena e isolamento social na tentativa de minimizar a transmissão do vírus em Santa Catarina justificada sob termos técnicos, questionou-se sobre a infraestrutura dos municípios da região da Bacia do Rio do Peixe para lidar com a pandemia e seus casos.

 

Embora as Prefeituras tenham realizado um trabalho de acompanhamento, em conjunto com as Secretarias de Saúde, um breve cruzamento de dados entre a quantidade de leitos disponíveis nos hospitais da região e a população que habita o território pode demonstrar que a retomada das atividades nesse período crítico da pandemia pode promover uma sobrecarga no atendimento nos serviços de saúde, especialmente tendo em vista que muitas dessas cidades sequer possuem hospital.

 

Fonte: Sistema de Informações Geográficas de Santa Catarina – SIGSC. Elaborado: Alan A. Alievi, 2019.

 

A região é formada por 28 municípios que vão de pequeno à médio porte, como é característico do Estado e possui uma população total de 377.909 habitantes, segundo a estimativa do IBGE (2019). Destes 28 municípios, 20 possuem menos de 8.000 habitantes e apenas 6 deles contam com hospital público ou privado, somando 136 leitos disponíveis, de acordo com dados do CNES. Como a população de Alto Bela Vista, Calmon, Erval Velho, Ibiam, Ibicaré, Iomerê, Lacerdópolis, Macieira, Ouro, Pinheiro Preto, Piratuba, Rio das Antas, Treze Tílias e Zortéa age em casos de doenças graves? E como agirá diante dos casos de covid-19?

 

Fonte: IBGE, 2019. Cidades e Estados. Org: Diego da Luz Rocha, 2020.

 
 
 
 

A resposta para esta pergunta pode ser buscada na Geografia a partir do princípio de centralidade. De acordo com Pereira e Furtado (2011), o espaço urbano se organiza em torno de um núcleo urbano principal complementado por uma região em uma relação de codependência. Assim, o lugar central assume uma função principal ao disponibilizar mais ofertas de bens e serviços complexos, com maior diversidade. Essa posição é ocupada nessa região por cidades maiores, cujos habitantes variam entre 10.000 e 80.000, e que dispõem de maior oferta de serviços e bens.

 
 

Uma vez que estas cidades possuem um papel de núcleo dentro da geografia urbana regional, não cabe admiração ao perceber que possuem uma maior oferta de leitos hospitalares disponíveis. A cidade de Videira, por exemplo, possui sozinha quase a totalidade dos leitos gerais disponíveis na outra fração de municípios analisados. Mas a exceção à regra, nesse caso, é a cidade de Herval d’Oeste, que não possui hospital provavelmente por ser atendida por Joaçaba. Ao todo, portanto, essa parcela de municípios nucleares possui 525 leitos gerais (incluí todos os leitos existentes nos hospitais) para atender a população.

 

Considerando que a região da Bacia do Rio do Peixe possui uma população de 377.909 habitantes, seriam os 661 leitos gerais hospitalares existentes o suficiente para enfrentar a pandemia?

 

A situação fica mais delicada ao analisar o número de leitos em UTI pelo SUS.

Embora Videira, Joaçaba e Tangará tenham hospitais particulares, estas instituições não têm UTIs e encaminham os casos mais graves de diversas doenças para os leitos de UTIs dos hospitais públicos. Nos outros 20 municípios da região não há registro de UTIs. Os três municípios apresentados no gráfico também são os únicos a possuir respiradores/ventiladores, conforme pode ser visto no gráfico abaixo. E embora haja uma quantidade maior de leitos em Caçador do que nas demais cidades, verifica-se que há menos respiradores do que leitos disponíveis. Em Joaçaba, por sua vez, nenhum dos respiradores/ventiladores está disponível para o SUS.

De acordo com o NSC Total, Santa Catarina possui até o momento 219 casos confirmados da doença em 39 cidades, mas nenhuma delas fica nessa região. Felizmente, as medidas restritivas até o momento parecem ter surtido o efeito desejado e impedido a disseminação do vírus. A região tem à disposição um total de 48 leitos (o que não significa que estejam vazios) e 39 respiradores/ventiladores para atender uma população de 377.909 habitantes, um indicador que leva a crer que com um possível crescimento de casos do covid-19 na região, a chance de colapsar o sistema de saúde é extremamente grande e preocupante. Por isso, é válido considerar que, apesar do risco econômico, o isolamento social deve prosseguir na região (e também no restante do Estado) para que não ocorra um colapso no sistema de saúde e que os casos que virem a ocorrer possam receber o tratamento adequado, mesmo que para isso tenham que sair de suas cidades para procurar um hospital.

 
 

REFERÊNCIAS

CADASTRO NACIONAL DE ESTABELECIMENTOS DE SAÚDE – CNES. Indicadores de leitos. Disponível em: <http://cnes2.datasus.gov.br/Mod_Ind_Leitos_Listar.asp?VCod_Leito=33&VTipo_Leito=2&VListar=1&VEstado=42&VMun=&VComp=>. Acesso em: 29/03/2020 às 14:00 hrs.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Cidades e Estados. Disponível em: < https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados.html> Acesso em: 29/03/2020 às 15:00 horas.

PEREIRA, RAFAEL HENRIQUE MORAES, FURTADO, BERNARDO ALVES. Dinâmica urbano-regional: rede urbana e suas interfaces. Brasília: Ipea, 2011. 490 p.

MAPA DE EVOLUÇÃO DO VÍRUS. Disponível em: < https://www.nsctotal.com.br/coronavirus/mapa-de-evolucao-do-virus > Acesso em: 31/03/2020 às 17 horas.

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Estudo sobre a rede urbana de Santa Catarina

13/11/2019 13:00

Este texto busca apresentar, de forma sucinta, alguns apontamentos da pesquisa de doutorado que está sendo desenvolvida junto ao programa de Pós-graduação em Geografia da UFSC e, também através do grupo de estudos em Desenvolvimento Regional e Infraestruturas (Gedri). Pesquisa essa que têm como propósito caracterizar o processo de formação, configuração e dinâmica da rede urbana de Santa Catarina. Para tanto, cabe elencar que a pesquisa leva em consideração as relações econômicas, sociais e políticas historicamente e dialeticamente articuladas na escala nacional, estadual e regional, fazendo uso das categorias conceituais de rede, espaço e região.

 

Esse estudo sobre a rede urbana de Santa Catarina tem como recorte temático (rede urbana), recorte territorial (Santa Catarina) e recorte temporal (o século XVIII). Nesse sentido, os conceitos e categorias analíticas aqui utilizados são Rede (configuração territorial); Espaço (formação socioespacial); Região (configuração socio-territorial e divisão territorial do trabalho) e as interações espaciais e o papel que elas desempenham na rede urbana de Santa Catarina e na sua dinâmica.

 

Assim sendo, cabe destacar e ponderar que não é possível estudar o processo de formação da rede urbana de Santa Catarina sem que façamos um panorama da formação socioespacial, primordialmente, utilizando tal processo de formação como possibilidade metodológica para caracterizar a configuração e dinâmica da rede urbana catarinense e suas formas de interações espaciais no espaço e no tempo. Ao utilizar essa abordagem metodológica, implicar dizer que o processo de pesquisa deve necessariamente estar sustentado no método materialista histórico-dialético, sobretudo, por ser este capaz de explicar a estrutura, processo, função e forma da rede urbana de Santa Catarina e sua metamorfose no espaço e no tempo.

 

Tendo como pano teórico-metodológico o materialismo histórico dialético, a pesquisa em questão está sendo desenvolvida metodologicamente utilizando-se de dados levantados a partir de trabalho de campo, entrevistas e dados secundários. Dados esses sobre a produção industrial e agrária (mapa 01 e 02); distribuição de mercadorias; circulação de pessoas e informação; consumo com ênfase nos serviços (mapa 03).

Mapa 01: Participação da atividade industrial na composição do PIB estadual

Mapa 02: Participação da atividade agropecuária na composição do PIB estadual

 

Mapa 03: Participação da atividade de serviços na composição do PIB estadual

 
 

Por ora, a partir do mapeamento das atividades agropecuária, industrial e de serviços, pode-se inferir que a formação socioespacial gerou uma divisão territorial do trabalho e, por conseguinte a etapas de (produção, distribuição, circulação e consumo) são elementos atuantes diretamente na formação da rede urbana de Santa Catarina. O que implica dizer, que o processo de formação, configuração e dinâmica da rede urbana de Santa Catarina são consequências da acumulação desigual das forças produtivas que geraram desequilíbrios regionais, o que por sua vez, criou-se estágios distintos de desenvolvimento também das infraestruturas (transportes e comunicação) responsáveis pelo movimento circulatório do capital.

 

É partir dessa premissa que a pesquisa busca responder como os principais elementos constituintes do movimento circulatório do capital (produção, distribuição, circulação e consumo) contribuíram para a organização territorial da rede urbana de Santa Catarina ao longo da sua formação socioespacial? Nesse sentido, o estágio no qual encontra-se a pesquisa nos permite afirmar que para responder tal pergunta é necessário entender o desenvolvimento das forças produtivas e relações de produção, pois somente assim será possível compreender o desenvolvimento da atual divisão territorial do trabalho expresso de forma sucinta nos mapas anteriores. Além de identificar o processo de formação das centralidades e das hierarquias urbanas presentes no estado de Santa Catarina.

 

De tal forma que o que está sendo feito objetivamente a partir da problemática anteriormente apresentada, e a partir do conceito de rede urbana, identificar e analisar os processos socioeconômicos e a dinâmica socioespacial, forjados tanto pelas forças produtivas quanto pelas relações de produção, que propiciaram a gênese, o desenvolvimento e a atual configuração da rede urbana de Santa Catarina. O que implica, em certo sentido, buscar identificar as tipologias e topologias das centralidades e das hierarquias da rede urbana de Santa Catarina, como por exemplo, a centralidade e hierarquia dos serviços financeiros, conforme o (mapa 04) as quais de certa forma “permitidas” pelas interações espaciais e desenvolvidas ao longo da formação socioespacial catarinense.

 
 

Mapa 04: Distribuição das agencias bancárias no estado de Santa Catarina

 
 

Diante dessas breves colocações e do que foi apresenta até o momento cabe mencionar que foi possível apresentar uma caracterização das concepções teóricas conceituais sobre rede urbana, uma certa delimitação metodologia e os principais conceitos e categorias basilares para o desenvolvimento da pesquisa. Esse panorama está presente no primeiro capítulo e intitulado como Rede Urbana: Antecedentes Teóricos e suas Premissa Conceitual. O tema central desse capítulo foi destacar a construção e reflexão teórica, a qual se refere ao desenvolvimento, aprofundamento bibliográfico e caracterização conceitual sobre o recorte temático. Também foi apresentado os apontamentos da divisão produtiva do presente como resultado da acumulação histórica, desigual e combinada, que por sua vez, caracterizam os indicativos da configuração da rede urbana atual e sua dinâmica.

 

Foi apresentado no segundo capítulo da tese a formação socioespacial e os apontamentos da rede urbana de Santa Catarina. Nessa etapa foi levantado o papel do Estado na construção das infraestruturas e no desenvolvimento dos setores produtivos além das atividades econômicas catarinense. Essa parte da pesquisa resultou em um capítulo intitulado como Formação Socioespacial como Categoria Teórica Metodológica, e os Apontamentos da Rede Urbana de Santa Catarina. O que cabe mencionar a partir desse capitulo é que o processo de formação socioespacial e a formação da rede urbana de Santa Catarina, são produtos do desenvolvimento capitalista desigual e combinado das forças produtivas e das relações de produção.

 

De modo geral, falar em rede urbana ou em redes geográficas, há que se considerar a divisão territorial do trabalho, as etapas da produção, da circulação, do consumo, o papel que a comunicação, o setor do comércio e serviços atuam na formação e dentro desta rede, sobretudo, cabe destacar que não é possível falar em rede urbana sem levar em consideração as formas de interações espaciais presente sobre o território aqui estudado. Portanto, falar em centralidades urbanas, passa necessariamente pelo o papel que esse centro desempenha em algumas das etapas do capitalismo, de tal modo que o processo de desenvolvimento do capitalismo e sua reprodução produz uma configuração espacial, que nesse caso, pode ser expressa via rede urbana.

 

De forma que definir qual rede urbana existe atualmente em Santa Catarina sua configuração e hierarquia urbana é algo que passa pela análise dos fluxos e quais tipos, além da sua intensidade sobre o território. Fluxos esses possível de ser mensurado a partir das formas e do papel que as interações espaciais desempenham sobre o território e na formação da rede urbana catarinense. De sorte que caracterizar à hierarquia urbana, é caracterizar o papel e importância que as formas de concentração espacial urbana, a integração e fragmentação territorial e interação espacial (ou demanda por mobilidade e conexões), quais caracterizam os fluxos entre pontos fixos situados em distintas localizações em uma cidade ou em cidades diferentes.

 

Assim, descrever qual configuração e rede urbana existe em Santa Catarina e sua Dinâmica, é algo que passa necessariamente pelo papel que o capital em suas mais variadas formas e modo de acumulação, necessita em algum momento fixar-se, ao longo da história, no espaço e no tempo de forma desigual, fazendo com que tenhamos cidades com as mais variadas funções e importância na rede urbana. O que constrói a hierarquia (ou ordem das cidades) que descreve as “leis” da organização no espaço urbano ampliado, isto é, no conjunto de cidades que se articulam nas mais distintas escalas.

 

Por fim, o que se pode inferir até o momento é que os elementos constituintes do movimento circulatório do capital (produção, distribuição, circulação e consumo) e seu processo de evolução atuaram e atuam diretamente na organização territorial de Santa Catarina e, por conseguinte, na formação e configuração da rede urbana que passam necessariamente pelo processo de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção e pelas formas de interações espaciais geradoras de centralidades e de hierarquias urbanas no estado catarinense.

 
 Por Rafael Matos Felácio, Doutorando do PPGG/UFSC.
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Homepage:<http://www.sef.sc.gov.br/relatorios/dior/boletim-de indicadores-econômico-fiscais> Acesso em: julho 2018.

IBGE. https://cidades.ibge.gov.br/ <acessado em julho de 2017>.

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