A resposta de vários países à Covid-19 e à desaceleração econômica

25/03/2020 13:00
 

Fonte da Imagem: https://www.rclco.com/publication/impact-of-the-coronavirus-covid-19-outbreak-on-u-s-real-estate-markets/

Duas importantes características de vários países asiáticos e europeus, principalmente nos últimos sessenta anos, são o planejamento e os investimentos (sobretudo públicos). O atual enfrentamento ao Coronavírus (Covid-19), bem como as estratégias e ações lançadas nas últimas semanas para estimular a recuperação econômica dos países, mais uma vez evidenciam esse aspecto.

 

Em pouco tempo, o Covid-19 causou impactos negativos especialmente na demanda e na produção de muitos países. Assim, nações como China, Japão, Coreia do Sul, França, Alemanha e outros, possuem duas prioridades no momento: combater o Coronavírus e retomar a atividade econômica (produção, circulação, serviços, comércio e demanda efetiva).

 

Enquanto Jair Bolsonaro e sua equipe atacam pesadamente os servidores públicos, os trabalhadores e seus direitos, a ciência, as universidades públicas, os docentes e as empresas públicas, e ainda precarizam a educação, a saúde e os equipamentos e serviços de utilidade pública (baseando-se em uma política altamente conservadora e liberal), o governo chinês se destaca na resposta rápida e nos esforços para combate à epidemia, valorizando a saúde, a segurança, o planejamento e os investimentos (hospitais, equipamentos e insumos, pesquisas científicas, tentativa de criar uma vacina e/ou um medicamento altamente eficaz para combater o vírus, expansão das redes de transportes etc.) (AGÊNCIA BRASIL, 2020).

 

Segundo informações divulgadas nos últimos dias, as medidas adotadas pelo país asiático geram efeitos positivos, pois houve uma desaceleração da disseminação da doença internamente. Entre as medidas de emergência, destacam-se a utilização e a produção dos kits de detecção rápida do Coronavírus, construção de hospitais para atendimento dos enfermos, divulgação de informações à população, planejamento para qualificar o atendimento médico-hospitalar em regiões menos desenvolvidas da China, entre outros. Ou seja, verificou-se uma resposta ágil do Estado para o enfrentamento da crise, com base no planejamento estratégico, nas ações coordenadas e nas inversões públicas.

 

O impacto da epidemia na economia chinesa é expressivo, porém mostra-se até o momento menor em comparação aos reflexos da crise econômico-financeira de 2008/2009. Nos dois primeiros meses de 2020, o crescimento do comércio chinês foi o mais baixo desde 2016, sendo que as exportações caíram 17,2% e as importações 4,0%. Em 2009, em apenas um mês, as exportações e importações despencaram (-26,5% e -43,1%, respectivamente) (PORTAL NEGÓCIOS, 2020).

 

O governo da Coreia do Sul anunciou um pacote para combater o Covid-19 e recuperar a economia do país (US$ 78,6 bilhões serão aplicados nos próximos meses). Esses recursos serão destinados, sobretudo, à compra de equipamentos e insumos, construção de instalações médico-hospitalares, bem como oferecer auxílio financeiro às empresas, aos comerciantes e aos trabalhadores (ESTADÃO; ESTADO DE MINAS, 2020).

 

O parlamento japonês aprovou um projeto que permite ao primeiro-ministro Shinzo Abe declarar estado de emergência para lidar com o Coronavírus. Trata-se de uma revisão de uma lei de 2012 criada para frear a propagação de novos tipos de gripe. Assim, são permitidas medidas emergenciais adotadas pelo governo japonês e pelas administrações locais, como restrição de circulação, fechamento de estabelecimentos comerciais, escolas e universidades, isolamento da população, além de aumentar os recursos para ações voltadas à saúde e à economia (crédito aos empresários, auxílio financeiro para evitar demissões, construção/expansão de hospitais, mais recursos para pesquisas etc.) (ESTADÃO; ESTADO DE MINAS, 2020).

 

Todavia, não é somente na Ásia que ocorrem respostas à crise. O Grupo dos Sete (G7) – Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido – se comprometeu a ampliar as ações fiscais para restaurar o crescimento abalado pelo Covid-19. Foi aprovado um pacote de emergência usando um fundo de reserva de US$ 2,5 bilhões do atual orçamento para conter o vírus e minimizar o impacto negativo na economia. A União Europeia, por sua vez, anunciou uma ajuda de 25 bilhões de euros para combater a crise provocada pela epidemia do Coronavírus e retomar a atividade econômica nos países-membros. As prioridades serão as pequenas empresas, a manutenção de empregos e a melhoria dos sistemas de saúde (AGÊNCIA BRASIL, 2020).

 

A Alemanha anunciou um pacote de investimentos na saúde e na economia, pautado na facilitação do crédito e em medidas de proteção dos empregos. O governo alemão também elevará os gastos/investimentos públicos para retomar a atividade econômica. O país, entretanto, tem superávit em suas contas, situação diferente da maioria dos membros da União Europeia.

 

Em relação às medidas a serem adotadas em conjunto, têm-se a ampliação do crédito bancário na zona do euro e evitar o aumento da inadimplência, da falência de empresas e do desemprego. O plano emergencial da Itália compreende, principalmente, a destinação de 10 bilhões de euros para ajudar no pagamento de dívidas e hipotecas, conter o desemprego e estimular a economia do país. Na França, o governo anunciou o adiamento no pagamento de tributos para empresas em dificuldades e a devolução de tributos em casos mais graves. Ademais, o país pretende adotar um sistema flexível de jornada de trabalho, na qual parte da renda será paga pelo governo.

 

A Espanha também busca evitar demissões, ampliar as linhas de crédito para empresas em dificuldade e postergar o pagamento de tributos. Medidas de apoio ao sistema de saúde e aos setores de turismo e transporte também fazem parte do plano espanhol. No Reino Unido – que não faz mais parte da União Europeia – também há um projeto para aumentar os investimentos públicos e expandir o sistema de saúde. Também são previstas ajudas a empresas e pessoas em risco de inadimplência (FOLHA DE PERNAMBUCO, 2020).

 

Mesmo considerando que algumas medidas adotadas pelos países asiáticos e europeus não sejam as mais adequadas, que outras precisam de aprimoramentos e que diversas iniciativas importantes sofram resistência de setores conservadores, liberais e especulativos, muitas delas são relevantes para defender o emprego, a renda, a atividade produtiva e melhorar o sistema de saúde. Estrangular o consumo, reduzir/cortar salários, aumentar impostos dos trabalhadores e funcionários públicos, demissões em massa etc. – como defende o atual governo brasileiro – somente piora o quadro de crise interna e é um crime contra a sociedade brasileira.

 

Considerando esse cenário, infere-se que o discurso neoliberal de austeridade e contenção “paranoica” dos gastos públicos – que é um “dogma” no Brasil desde o golpe de 2016 e ratificada pelo legislativo e executivo nacional – não faz sentido e ainda impede a retomada da atividade econômica, a expansão das infraestruturas, dos equipamentos e serviços públicos, dos empregos, da renda e da demanda efetiva.

 

Diante disso, a teoria keynesiana é relevante para embasar as estratégias nesse momento de crise. Planejamento, ações e investimentos são fundamentais para a retomada da demanda efetiva e para a criação de empregos. A propensão marginal a consumir e o montante dos investimentos possuem relação direta, já que a classe trabalhadora tem maior estímulo e capacidade de consumir com a elevação da renda. A propensão marginal a investir determina o nível de emprego na região e/ou no país. Quando o emprego aumenta, cresce também a renda e o consumo real agregado (KEYNES, 1982).

 

Se a propensão marginal a consumir e o montante de novos investimentos resultam em uma insuficiência da demanda efetiva, o nível real do emprego reduz até ficar abaixo da oferta de mão de obra potencialmente disponível. A existência de demanda efetiva insuficiente prejudica o emprego e a renda da classe trabalhadora e ainda inibe o processo de produção. Os volumes agregados de emprego e renda aumentam paralelamente aos fluxos de investimentos públicos e privados (propensão marginal a investir) (KEYNES, 1982).

 

Segundo Keynes (1982), o mau funcionamento do capitalismo é resultado da falta de demanda, e essa característica é derivada da própria deficiência do sistema. Por conseguinte, tem-se o aumento do desemprego e a queda da renda. A demanda efetiva (consumo e investimentos) é quem determina o volume da produção e do emprego.

 

Mais uma vez a história evidencia que, para combater a recessão, é necessária a presença do Estado planejador e indutor, e que as respostas dos países diante da crise do Covid-19 e da desaceleração econômica devem se basear no planejamento e nos investimentos estratégicos, pois como dizia Ignácio Rangel “o mal a ser combatido é a crise e isso requer uma resposta eficiente do Estado”.

 

Prof. Nelson Fernandes Felipe Junior

Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA

Tags: COVID-19GeografiaGeografia Econômica

Notas sobre a China e os investimentos externos no Brasil

28/11/2019 13:00

Com o avanço das políticas públicas de redução da participação do Estado na década de 1990, o Brasil passou por uma série de leilões de privatização e/ou concessões, nestes leilões, setores como bancários, energético e transporte encontravam-se como os mais expressivos.

 

Considerando uma década de abertura econômica e inserção do capital externo na economia brasileira, o Brasil passa a receber um aumento substancial de IED por via de fusões e aquisições. Chegada a década de 2000, com a entrada do governo de Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, a economia brasileira começa a passar por uma série de transformações no âmbito social e econômico, não somente interno como também externo, colaborando para o aumento do IED no país dada a segurança política e o crescimento econômico nacional.

 

Neste cenário de crescimento econômico positivo, a China torna-se um dos principais parceiros comerciais do Brasil, importando elevada quantidade de commodities e aumentando por sua vez seu fluxo de investimentos no país.

 

Setores como energético e metais no ano de 2005 encontram-se como os mais expressivos deste tipo de investimento, somando juntos um total de 670 milhões de dólares. Em 2009 o setor de metais, muito pela compra de parte da Vale pela CIC e investimento da WISCO em greenfield, somam juntas um total de 900 milhões de dólares em investimento chinês.

 

Durante o governo Lula o setor energético e metal foram os mais expressivos, no que diz respeito ao fluxo de capital externo chinês no Brasil, somando um total de 17 bilhões de dólares em investimentos incluindo setores como transporte, financeiro e imobiliário.

 

Passado o governo Lula e a entrada da presidenta Dilma Rousseff, temos o aparecimento de novos setores na pauto de investimentos chineses no país, como: químico, logística e tecnológico, os quais passam a também fazer parte deste leque de frentes de investimentos no Brasil pela China com um total aglomerado entre os anos 2011-2016 (ano do golpe sofrido pela presidenta) um total de 36 bilhões de dólares elevado principalmente pelo setor energético com um acumulado de 26 bilhões de dólares entre os mesmos anos.

 

Passado o ano do golpe (2016) os investimentos chineses se concentram em três principais frentes: energia, agricultura e transporte somando um total de 10 bilhões de dólares, destaque para o setor energético com um total acumulado entre os anos de 2017 -2018 de 6 bilhões de dólares.

 

No ano de 2019, que ainda não se encerrou, temos um total de 1,6 bilhões de dólares destaque para o setor de transportes com 680 milhões acumulados 100 milhões a menos que o setor energético 780 milhões investidos pela China General Nuclear na geração e compra das Usinas eólica e solar na região Nordeste do país. Cabe também ressaltar que os investimentos chineses no setor energético brasileiro principalmente no segundo mandato do governo Dilma, foi barrado pela presidenta na busca de manter o setor em sua maioria nacionalizado.

 

Em âmbito geral entre os anos de 2005-2019 temos um total de 65 bilhões de dólares investidos pela China no Brasil, o setor energético é de longe o que possui o maior acumulo de investimentos, seguido por metais e transportes como apresenta o gráfico a seguir:

 

Gráfico 1 – Investimento estrangeiro chinês por setor no Brasil (2005 – 2019)

Fonte: AEI, 2019. Org: HAMADA, G.K.F. 2019

Os setores no Brasil com maior montante de investimento estrangeiro chinês são: energético, metais e transporte entre os anos de 2004 – 2019; O primeiro (energético) acumula um total de 47, 3 bilhões de dólares; Metais 4,8 US$ bilhões; Transporte 4 US$ bilhões; também o setor da agricultura com 3,2 US$ bilhões.

 

Cabe ressaltar, que a retomada da proximidade política com os Estados Unidos pelo atual presidente Jair Messias Bolsonaro, assim como a instabilidade política e econômica interna, pode influenciar diretamente nos fluxos não somente de IED em greenfields ou fusões e aquisições, como também nas exportações e importações em alguns setores da economia brasileira dada a prioridade (submissão) do Brasil no atual momento político do país com os EUA.

Tags: ChinaComércio ExteriorGlobalizaçãoIEDInvestimento Externo DiretoReestruturação econômicaRelações internacionais

Bicicleta fora dos planos: mobilidade urbana em Maringá (PR)

25/11/2019 13:00

A mobilidade urbana é um tema complexo que abarca inúmeras variáveis que vão desde escolhas de Estado no que se refere aos investimentos em políticas públicas e infraestruturas, até o posicionamento da sociedade frente os novos desafios e quebras de paradigmas na utilização do carro e dos combustíveis fósseis. Seu principal problema encontra-se na rápida e desordenada urbanização que as cidades brasileiras apresentaram ao longo das décadas – sobretudo a partir de 1930 - no espraiamento e segregação socioespacial que aumentou ainda mais as distâncias e tempos de deslocamento entre trabalho e moradia (por exemplo), na escolha do veículo automotor individual como modal prioritário da vida urbana, entre tantos outros que trazem à tona a relevância em se discutir essa questão. A definição pragmática de mobilidade urbana trazida pelo MCidades (2004), nos diz que a mesma está associada à circulação de bens e pessoas, correspondendo às necessidades de deslocamento de cada indivíduo e as respostas destes frente a isto. Para tanto, o esforço do deslocamento pode ser direto (deslocamento a pé), não-motorizado (bicicletas, carroças etc.) ou motorizado (coletivo ou individual).

 

No entanto, é preciso considerar a mobilidade urbana como algo que vai além dos transportes e modos de locomoção. Segundo Cocco (2017) a mobilidade está associada às políticas que abarcam os transportes, estendendo-se para as questões de uso do solo, proximidade entre lugares, integração etc. A bicicleta, especificamente, pode se enquadrar como uma forma de mobilidade urbana ativa, considerada como um eixo da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), que trata de uma maior ênfase dos modos coletivos e não-motorizados de deslocamento. De acordo com Neri, Filho e Savi (2016), em cidades médias, onde as viagens se caracterizam por serem mais curtas, a bicicleta é um meio de grande potencial nos deslocamentos urbanos, auxiliando uma grande parcela da população diariamente. Além disso, para distâncias de até 8 km, o tempo de deslocamento se assemelha muito ao de um carro. Dentro deste contexto, além de ser o veículo mais utilizado do mundo, representa uma das soluções que as cidades têm buscado para o problema da circulação e do trânsito. Neste cenário, sua utilização como meio de transporte, pode ser entendida como um ato político necessário ao debate sobre os modos de locomoção no meio urbano, sobre a humanização e equidade dos espaços, sobre o papel que cada modal representa e a quem eles devem servir. Nosso trabalho escolheu como objeto de análise a mobilidade por bicicleta, no entanto, é preciso entender que esta discussão não deve ser feita senão no âmbito de integração entre os modais disponíveis em determinada localidade - no nosso caso, o recorte espacial é o município de Maringá-PR.

 

Esta cidade, nasceu sob a lógica da colonização planejada do norte paranaense, que se deu inicialmente pela companhia inglesa Paraná Plantations Ltd e, desde sua concepção, as ações dos agentes produtores do espaço urbano estiveram presentes de modo muito intenso, especialmente na forma da especulação imobiliária impulsionada por ações do Estado. Em parte, esta característica de empreendimento imobiliário é o que implica a maneira como se desdobrou o planejamento urbano municipal em suas várias nuances, com a advento de leis, políticas públicas e infraestruturas que vêm - não raramente - ao encontro de interesses privados. Apesar de ser uma cidade moderna e planejada, com grande potencial de integração e diversificação de modais, ainda segue a velha lógica do carro como meio de transporte primordial, sendo pensada para este fim desde o primeiro esboço de plano durante a década de 1940. Suas avenidas largas e arborizadas, com amplas faixas de circulação e canteiro central com espaço suficiente para a implantação de ciclovias, receberam, antes de qualquer outra medida, um sistema binário (composto de vias de mão única e sincronização semafórica chamada de “onda verde”), confirmando mais uma vez, o usuário do modo privado de locomoção como centro dos investimentos públicos. Orgulhosa de ser uma cidade cujas instituições públicas e privadas se debruçam sobre planos estratégicos numa projeção de décadas à frente, o Plano de Mobilidade, determinado pela Política Nacional de Mobilidade Urbana - PNMU, ainda está em fase inicial de discussão em Maringá, mesmo que o terceiro prazo de prorrogação tenha finalizado em abril de 2019.

Partiu-se, portanto, da hipótese de que o município de Maringá teve, ao longo de sua história, decisões determinantes no que se refere ao planejamento urbano, sobretudo na questão da mobilidade e bicicleta como eixo central. Dessa forma, procurou-se responder ao seguinte questionamento: Qual a relação da dinâmica de mobilidade urbana do município de Maringá, seu processo de organização espacial e a atuação dos principais agentes produtores e modificadores do espaço urbano (com destaque para os agentes imobiliários e o Estado), que inviabilizam a constituição de uma matriz de transporte diversificada e acessível, e priorizam o automóvel (carros e motos) e deixando modos ativos, como a bicicleta, fora desses planos?

 
 

PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO MARINGAENSE

 

A produção do espaço urbano maringaense, está inserido dentro do contexto global e nacional, e obedece tanto às dinâmicas externas quanto os ciclos internos e os pactos de poder que fazem parte da Dualidade Básica brasileira defendida por Rangel (2005a). Dessa forma, a formação de seu território foi influenciada por fatos históricos como a II Grande Guerra, a Crise de 1929 e, dentro do Brasil, pela Revolução de 30 e as políticas nacional desenvolvimentistas de Getúlio Vargas. A questão dos transportes e da mobilidade urbana também foi influenciada por estas políticas, uma vez que se pretendia uma integração do território nacional através da confecção de malha viária representada antes pelas ferrovias e depois pelo rodoviarismo.

 

No caso de Maringá, o mesmo traçado ferroviário que deu origem ao plano inicial da cidade, foi aquele que trouxe o asfalto obedecendo a uma lógica do capital que construía cidades voltadas para o carro. Acompanhou também uma lógica tecnocrática baseada em planos e planejamentos que seguiram inicialmente as “cidades-jardins” europeias, mas, que logo se perderam para um crescimento populacional acelerado. Os principais planos diretores e legislações urbanísticas que fizeram parte da história maringaense, basearam-se não raramente nos interesses de agentes privados, sobretudo do capital imobiliário. Trazendo à tona decisões que beneficiaram determinadas classes em detrimento de outras, afastaram a pobreza das vistas de seus parques urbanos bem desenhados e, demandaram por mais transportes neste processo segregativo.

 

Com base nas formas e estruturas urbanas, implantadas ao longo do tempo, problemas como a violência no trânsito, já atingiram números maiores do que a capital paranaense, em termos relativos. A questão dos acidentes de trânsito, se analisadas sob o ponto de vista da quantidade de acidente/habitante, ultrapassa as duas maiores cidades do Estado: Curitiba e Londrina. Dessa forma, se as políticas de priorização da mobilidade continuarem voltadas para os veículos automotores individuais, como foi desde o início, teremos uma cidade média com características de metrópole, pelo menos no que se refere ao trânsito e à mobilidade.

 

Dados do Detran-PR (2019) apontam que entre 2008 e 2018 houve um aumento de 64,60% da frota de veículos na cidade[1], aumento este que continua a cada semestre e representa centenas de milhares de veículos em uma década. Nesse panorama, Maringá encontra-se com um dos maiores índices de habitantes por veículo do Estado (1,57 habitante/veículo contra índice do Paraná que é 1,32 habitante/veículo). A crescente quantidade de carros, deve-se a uma diversidade de fatores, dentre eles: às isenções fiscais sobre tal modalidade adotado pelo governo Lula em 2008 (Gráfico 1) para estimular a economia nacional num momento de crise internacional, aumento da renda e de crédito, preço equilibrado dos combustíveis, aumento do crédito, oligopolização e monopolização do transporte público com a formação de cartéis, implementação do Programa Proálcool e dos automóveis Flex. Estes fatores combinados, facilitaram a obtenção de veículos automotores por camadas da sociedade que antes não tinham acesso, mas, não previu de forma significativa o impacto do inchamento das vias que se agravaram sem a adoção de políticas de controle e fiscalização, como previu Maricato (2011) no trecho a seguir:

 

Melhoras sociais podem impactar significativamente o modo de vida urbano. O aumento do desemprego, fonte de muitos problemas sociais, é fatal para as cidades. As políticas macroeconômicas impactam a sociedade e o território. Para dar um exemplo, o comemorado aumento da produção de automóveis no Brasil em 2008 e 2010 - e consequentemente o aumento do PIB - tende a ser desastroso para as cidades. (p. 77)

 

O gráfico ainda nos aponta o número de licenciamentos total e de automóveis no Brasil de entre 1957 e 2019, indicando que nos anos de 2008 a 2012 (política de IPI reduzido e aumento de renda), houve um salto significativo na venda desses bens em nível nacional. No entanto, o índice relativo de crescimento de carro por habitante na cidade de Maringá, não demonstrou uma diferenciação tão acentuada entre as políticas dos governos FHC e Lula (Tabela 1). No primeiro deles, o poder de compra da classe média foi estimulada pela valorização do real e, uma vez que a presença dessa camada social é muito forte em Maringá, a obtenção de veículos ocorreu de forma mais ou menos intensa. No governo Lula, este poder de compra se estende para outras camadas da população, sendo maior o consumo de carros do que na gestão anterior, mas, não tão acentuada como no caso nacional.

 

Gráfico 1 – Licenciamento anual de automóveis no Brasil de 1957 a 2019.

Fonte: ANFAVEA, 2019.

Elaboração: BARBIERO, L., 2019.

Tabela 1 – Índice de crescimento do número de carros nos diferentes governos 1995-2018.

Fonte: IBGE Cidades / DETRAN-PR.

Elaboração: BARBIERO, L., 2019.

 

Obviamente, dar acesso amplo a uma classe social antes desprovida de condições de obter um dado bem, no caso o automóvel, não é o problema da mobilidade, afirmar isso, seria relacionar a manutenção da pobreza com a solução para os problemas urbanos. Segundo o documentário Mobilidade Urbana (2012), se comparado com as principais cidades dos Estados Unidos e Europa, o número de carros no Brasil é muito menor, ainda que os inúmeros problemas que circundam esta escolha sejam maiores e mais danosos. Ou seja, não se trata apenas de quantidade de carros, mas, sobretudo da qualidade das vias, sua capacidade de abarcar a maior quantidade de modais compartilhando seu espaço, a escolha correta do modal a ser priorizado e o uso racional dos veículos automotores.

 

MOBILIDADE POR BICICLETA EM MARINGÁ-PR

 

Apesar das questões apresentadas sobre mobilidade por bicicleta, temos também críticas ao modelo, no sentido de entender que existem diferenças entre aquele grupo de “privilegiados”, que segundo Monteiro (2019b) geralmente compõem o conjunto de cicloativistas das cidades e, utilizam a bicicleta como opção, e, àqueles que em sua dissertação ele categoriza como os que utilizam-na como única opção. Ou seja, locomover-se de bicicleta pela cidade para uns pode ser motivado como uma alternativa ao estresse do trânsito (bicicleta como opção) enquanto para outros, representa o meio mais barato de se locomover “e o valor economizado do petróleo garante a mistura do jantar” (MONTEIRO, 2019a, p. 32). A distinção está, quase sempre, na classe social à qual pertencem e, se a escolha de transitar de bicicleta pertence à uma decisão política, social ou econômica.

 

É importante salientar que as análises presentes neste trabalho, dizem respeito às condições apresentadas pelo município de Maringá em termos de clima, tempo de deslocamento, distâncias percorridas, relevo, entre outros. Estando assim em acordo com as potencialidades estudadas para este espaço urbano. No entanto, entendemos que a mesma conjuntura pode não ser tão facilitada em outras realidades geográficas, estando condicionadas a diversos fatores. Em metrópoles como São Paulo-SP e Rio de Janeiro-RJ, por exemplo, não se pode pensar na utilização da bicicleta sem refletir igualmente na integração com outros modais, uma vez que as distâncias percorridas são mais longas e, somente o transporte por bicicleta, pode não ser suficiente para se alcançar o destino desejado. Outros locais como Florianópolis-SC, com relevo acidentado e barreiras físicas e naturais, por vezes intransponíveis, também existe dificuldade em se utilizar a bicicleta como único modal. De acordo com Pezzuto (2002), nestes casos, o transporte cicloviário pode ser uma boa alternativa para a diminuição do número de carros, no entanto, deve ser conectado a outro modal, o que aumenta seu raio de atuação.

 

A discussão sobre mobilidade em Maringá, perpassa por uma série de questões atuais, que envolvem a revisão do Plano Diretor para os próximos 10 anos (2020-2030), a implantação do Plano de Mobilidade Urbana (em fase de assinatura de contrato licitatório) e a adoção de políticas que visem amenizar os problemas de trânsito que tem se mostrado cada vez mais acentuados, sobretudo, com relação à violência.

 

Por ser uma cidade média, com distâncias reduzidas entre um destino e outro; relativamente plana que num raio de 8 km pode-se percorrer quase todo o eixo de comércio e serviços principais (NERI, 2012); com avenidas e canteiros centrais largos, que podem comportar facilmente estruturas cicloviárias e; mais uma série de fatores, a bicicleta poderia ser melhor aproveitada como modo de transporte. No entanto, não é o que acontece.

 

Os automóveis têm crescido em quantidade e utilização, enquanto o transporte público coletivo e demais formas de locomoção perdem usuários a cada ano que passa. Sobre isto, o debate que se faz é a respeito do novo terminal intermodal e sua real funcionalidade e das possibilidades de taxa zero para o transporte público, para que se torne novamente uma opção viável para a população.

 

Defendemos que a questão central sobre mobilidade em Maringá hoje, precisa ser focada em decisões políticas no sentido de amenizar a questão da violência no trânsito, visto que Maringá, não necessariamente apresenta grandes congestionamentos, como nas grandes cidades. No entanto, o número de acidentes e mortes em decorrência do trânsito são relativamente maiores que as médias do Paraná e do Brasil, em muitos casos.

 

CICLOVIAS E CICLISTAS EM MARINGÁ

 

O número exato de ciclistas para a cidade de Maringá não foi passível de ser levantado em nenhum órgão local ou regional, uma vez que, por não possuírem registro, é difícil fazer o controle do número de bicicletas existentes e mais difícil ainda, daquelas que são efetivamente utilizadas. Nacionalmente, temos a estimativa de 70 milhões de unidades de acordo com a Abraciclo (2019).

 

Na cidade de Maringá, algumas iniciativas têm sido desenvolvidas no âmbito político para a viabilização desse tipo de mobilidade alternativa. Um exemplo, é a implantação de um terminal intermodal, que promete abarcar vários meios de transportes, integrando-os de forma sistemática. Dados da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana de Maringá (SEMOB, 2019), confirmam a existência de uma malha cicloviária (ciclovias e ciclofaixas) de aproximadamente 37 quilômetros, sendo que 3,2 quilômetros estão em execução e mais de 14 quilômetros em fase de estudo/projeto (Figura 1).

 

O fato é que as políticas voltadas pela mobilidade por bicicleta são muito recentes e abarcam mudanças nos paradigmas nacionais trazidos tanto pela instauração do Ministério das Cidades, quanto do Estatuto da Cidade e as demais políticas que surgiram desse ideal. A evolução na produção de malha cicloviária dentro de Maringá, só ganha força de fato a partir de 2008.

 

Figura 1 - Mapa de Ciclovias de Maringá

Fonte: SEMOB, 2019.

A bicicleta dentro do Plano Diretor de Maringá parece estar em discussão na atualização do mesmo, em conjunto com a possível elaboração do PlanMob do município que, embora esteja licitado, não tem contrato assinado por parte do poder público. Este seria um fator que poderia mudar os prognósticos que temos até agora sobre este modal.

 

Segundo os questionários aplicados em 2018, temos um perfil de ciclista maringaense muito diversificado em muitos aspectos, com predominância de homens entre 21 e 35 anos. A falta de respeito dos condutores de veículos automotores, sobretudo carros, é o maior problema enfrentado por eles na condução de bicicleta em Maringá, seguido da falta de infraestrutura cicloviária, ainda que esta tenha aumentado desde 2008.

 

NOTA:

[1] A frota de veículos é representada pela totalidade de automóveis, caminhões, ciclomotores, motocicletas, ônibus, reboque, entre outros. Em dezembro de 2008 a frota maringaense cadastrada no Detran-Pr era de 203.660 veículos, em 2018 este número alcançou 315.352 veículos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRACICLO. Associação Brasileira dos fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e similares. Estatísticas de bicicletas. 16 de outubro de 2019.

COCCO, Rodrigo Giraldi. Transporte Público e Mobilidade na Região Metropolitana de Florianópolis. Florianópolis: Insular, 2017. 378 p.

DETRAN (PR) – Estatísticas de Trânsito. Disponível em: <http://www.detran.pr.gov.br/modules/catasg/servicos-detalhes.php?tema=veiculo&id=191>. Acessado em 21/11/2018.

MARICATO, Ermínia. O impasse da política urbana no Brasil. Petrópolis: RJ, Editora Vozes Limitada, 2011.

MCIDADES - Ministério das Cidades – Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável. Coleções Especiais - Caderno 6, novembro, 2004. Disponível em: <http://www.ta.org.br/site/banco/7manuais/6politicanacionalmobilidadeurbanasustentavel.pdf>. Acessado em 21/11/2018.

MOBILIDADE URBANA. Direção: Rodrigo Furukawa. Argumento e Roteiro: Camila Nastari. Produção: Ana Cláudia Colagrande. São Paulo: BDT Planejamento e Comunicação, 2012. 5 vídeos (130 min.). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=7UvsvdXObcI&list=PLQ6ZmSBKqdz98JA_8pIUN5L6Ck36pxkXA> Acesso em 31/10/2018.

MONTEIRO, Felipe Violi. Cartografias em trânsito: A mobilidade de bicicleta pela cidade. [Dissertação de Mestrado]. Programa de Pós-Graduação em Administração (PPA) - Universidade Estadual de Maringá. Maringá: Paraná, 2019a.

MONTEIRO, Felipe Violi. Entrevista concedida a Laís Barbiero. Maringá, 1 de agosto de 2019b. [Doutorando no programa de Pós-Graduação em Administração (PPA) pela Universidade Estadual de Maringá. Coordenador Geral da Ciclonoroeste].

NERI, Thiago B. Proposta metodológica para definição de rede cicloviária: um estudo de caso de Maringá. 2012. Dissertação (mestrado)-Universidade Estadual de Maringá, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana.

NERI, Thiago B.; FILHO, Solano H. B.; SAVI, Elise. A pesquisa com ciclistas como suporte ao planejamento cicloviário: Estudo em Maringá/PR, Brasil. Pluris 2016. 7º Congresso Luso Brasileiro para o Planejamento Urbano, Regional, Integrado e Sustentável - Contrastes, Contradições e Complexidades. Maceió: Recife, 5 a 7 de outubro de 2016.

PEZZUTO, C. C. Fatores que Influenciam o Uso da Bicicleta. Dissertação (Mestrado em Engenharia Urbana), Universidade Federal de São Carlos. São Carlos/SP, 2002.

RANGEL, Ignácio. Obras Reunidas de Ignácio Rangel. Rio de Janeiro: Contraponto, v. 1, 2005a.

SEMOB - Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana de Maringá. Ciclovias existentes / em execução / em projeto. Prefeitura Municipal de Maringá. Disponível em: <encurtador.com.br/opwNO>. Acesso em 24/06/2019.

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Estudo sobre a rede urbana de Santa Catarina

13/11/2019 13:00

Este texto busca apresentar, de forma sucinta, alguns apontamentos da pesquisa de doutorado que está sendo desenvolvida junto ao programa de Pós-graduação em Geografia da UFSC e, também através do grupo de estudos em Desenvolvimento Regional e Infraestruturas (Gedri). Pesquisa essa que têm como propósito caracterizar o processo de formação, configuração e dinâmica da rede urbana de Santa Catarina. Para tanto, cabe elencar que a pesquisa leva em consideração as relações econômicas, sociais e políticas historicamente e dialeticamente articuladas na escala nacional, estadual e regional, fazendo uso das categorias conceituais de rede, espaço e região.

 

Esse estudo sobre a rede urbana de Santa Catarina tem como recorte temático (rede urbana), recorte territorial (Santa Catarina) e recorte temporal (o século XVIII). Nesse sentido, os conceitos e categorias analíticas aqui utilizados são Rede (configuração territorial); Espaço (formação socioespacial); Região (configuração socio-territorial e divisão territorial do trabalho) e as interações espaciais e o papel que elas desempenham na rede urbana de Santa Catarina e na sua dinâmica.

 

Assim sendo, cabe destacar e ponderar que não é possível estudar o processo de formação da rede urbana de Santa Catarina sem que façamos um panorama da formação socioespacial, primordialmente, utilizando tal processo de formação como possibilidade metodológica para caracterizar a configuração e dinâmica da rede urbana catarinense e suas formas de interações espaciais no espaço e no tempo. Ao utilizar essa abordagem metodológica, implicar dizer que o processo de pesquisa deve necessariamente estar sustentado no método materialista histórico-dialético, sobretudo, por ser este capaz de explicar a estrutura, processo, função e forma da rede urbana de Santa Catarina e sua metamorfose no espaço e no tempo.

 

Tendo como pano teórico-metodológico o materialismo histórico dialético, a pesquisa em questão está sendo desenvolvida metodologicamente utilizando-se de dados levantados a partir de trabalho de campo, entrevistas e dados secundários. Dados esses sobre a produção industrial e agrária (mapa 01 e 02); distribuição de mercadorias; circulação de pessoas e informação; consumo com ênfase nos serviços (mapa 03).

Mapa 01: Participação da atividade industrial na composição do PIB estadual

Mapa 02: Participação da atividade agropecuária na composição do PIB estadual

 

Mapa 03: Participação da atividade de serviços na composição do PIB estadual

 
 

Por ora, a partir do mapeamento das atividades agropecuária, industrial e de serviços, pode-se inferir que a formação socioespacial gerou uma divisão territorial do trabalho e, por conseguinte a etapas de (produção, distribuição, circulação e consumo) são elementos atuantes diretamente na formação da rede urbana de Santa Catarina. O que implica dizer, que o processo de formação, configuração e dinâmica da rede urbana de Santa Catarina são consequências da acumulação desigual das forças produtivas que geraram desequilíbrios regionais, o que por sua vez, criou-se estágios distintos de desenvolvimento também das infraestruturas (transportes e comunicação) responsáveis pelo movimento circulatório do capital.

 

É partir dessa premissa que a pesquisa busca responder como os principais elementos constituintes do movimento circulatório do capital (produção, distribuição, circulação e consumo) contribuíram para a organização territorial da rede urbana de Santa Catarina ao longo da sua formação socioespacial? Nesse sentido, o estágio no qual encontra-se a pesquisa nos permite afirmar que para responder tal pergunta é necessário entender o desenvolvimento das forças produtivas e relações de produção, pois somente assim será possível compreender o desenvolvimento da atual divisão territorial do trabalho expresso de forma sucinta nos mapas anteriores. Além de identificar o processo de formação das centralidades e das hierarquias urbanas presentes no estado de Santa Catarina.

 

De tal forma que o que está sendo feito objetivamente a partir da problemática anteriormente apresentada, e a partir do conceito de rede urbana, identificar e analisar os processos socioeconômicos e a dinâmica socioespacial, forjados tanto pelas forças produtivas quanto pelas relações de produção, que propiciaram a gênese, o desenvolvimento e a atual configuração da rede urbana de Santa Catarina. O que implica, em certo sentido, buscar identificar as tipologias e topologias das centralidades e das hierarquias da rede urbana de Santa Catarina, como por exemplo, a centralidade e hierarquia dos serviços financeiros, conforme o (mapa 04) as quais de certa forma “permitidas” pelas interações espaciais e desenvolvidas ao longo da formação socioespacial catarinense.

 
 

Mapa 04: Distribuição das agencias bancárias no estado de Santa Catarina

 
 

Diante dessas breves colocações e do que foi apresenta até o momento cabe mencionar que foi possível apresentar uma caracterização das concepções teóricas conceituais sobre rede urbana, uma certa delimitação metodologia e os principais conceitos e categorias basilares para o desenvolvimento da pesquisa. Esse panorama está presente no primeiro capítulo e intitulado como Rede Urbana: Antecedentes Teóricos e suas Premissa Conceitual. O tema central desse capítulo foi destacar a construção e reflexão teórica, a qual se refere ao desenvolvimento, aprofundamento bibliográfico e caracterização conceitual sobre o recorte temático. Também foi apresentado os apontamentos da divisão produtiva do presente como resultado da acumulação histórica, desigual e combinada, que por sua vez, caracterizam os indicativos da configuração da rede urbana atual e sua dinâmica.

 

Foi apresentado no segundo capítulo da tese a formação socioespacial e os apontamentos da rede urbana de Santa Catarina. Nessa etapa foi levantado o papel do Estado na construção das infraestruturas e no desenvolvimento dos setores produtivos além das atividades econômicas catarinense. Essa parte da pesquisa resultou em um capítulo intitulado como Formação Socioespacial como Categoria Teórica Metodológica, e os Apontamentos da Rede Urbana de Santa Catarina. O que cabe mencionar a partir desse capitulo é que o processo de formação socioespacial e a formação da rede urbana de Santa Catarina, são produtos do desenvolvimento capitalista desigual e combinado das forças produtivas e das relações de produção.

 

De modo geral, falar em rede urbana ou em redes geográficas, há que se considerar a divisão territorial do trabalho, as etapas da produção, da circulação, do consumo, o papel que a comunicação, o setor do comércio e serviços atuam na formação e dentro desta rede, sobretudo, cabe destacar que não é possível falar em rede urbana sem levar em consideração as formas de interações espaciais presente sobre o território aqui estudado. Portanto, falar em centralidades urbanas, passa necessariamente pelo o papel que esse centro desempenha em algumas das etapas do capitalismo, de tal modo que o processo de desenvolvimento do capitalismo e sua reprodução produz uma configuração espacial, que nesse caso, pode ser expressa via rede urbana.

 

De forma que definir qual rede urbana existe atualmente em Santa Catarina sua configuração e hierarquia urbana é algo que passa pela análise dos fluxos e quais tipos, além da sua intensidade sobre o território. Fluxos esses possível de ser mensurado a partir das formas e do papel que as interações espaciais desempenham sobre o território e na formação da rede urbana catarinense. De sorte que caracterizar à hierarquia urbana, é caracterizar o papel e importância que as formas de concentração espacial urbana, a integração e fragmentação territorial e interação espacial (ou demanda por mobilidade e conexões), quais caracterizam os fluxos entre pontos fixos situados em distintas localizações em uma cidade ou em cidades diferentes.

 

Assim, descrever qual configuração e rede urbana existe em Santa Catarina e sua Dinâmica, é algo que passa necessariamente pelo papel que o capital em suas mais variadas formas e modo de acumulação, necessita em algum momento fixar-se, ao longo da história, no espaço e no tempo de forma desigual, fazendo com que tenhamos cidades com as mais variadas funções e importância na rede urbana. O que constrói a hierarquia (ou ordem das cidades) que descreve as “leis” da organização no espaço urbano ampliado, isto é, no conjunto de cidades que se articulam nas mais distintas escalas.

 

Por fim, o que se pode inferir até o momento é que os elementos constituintes do movimento circulatório do capital (produção, distribuição, circulação e consumo) e seu processo de evolução atuaram e atuam diretamente na organização territorial de Santa Catarina e, por conseguinte, na formação e configuração da rede urbana que passam necessariamente pelo processo de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção e pelas formas de interações espaciais geradoras de centralidades e de hierarquias urbanas no estado catarinense.

 
 Por Rafael Matos Felácio, Doutorando do PPGG/UFSC.
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Homepage:<http://www.sef.sc.gov.br/relatorios/dior/boletim-de indicadores-econômico-fiscais> Acesso em: julho 2018.

IBGE. https://cidades.ibge.gov.br/ <acessado em julho de 2017>.

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O patrimônio cultural ferroviário no Ramal São Francisco: da formação das cidades até as recentes reestruturações

10/11/2019 13:00

O início da exploração da malha ferroviária no Brasil data-se do ano de 1852, ainda no período imperial, conforme dados do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT, 2018), onde cita o Decreto n.º 641 de 26 de junho de 1852, que propunha vantagens, isenções e garantias aos investidores nacionais e estrangeiros. Este movimento teve como início a necessidade de escoar com maior facilidade a produção agrícola dos Estados para as regiões portuárias. Conforme Carrion (2015), a partir da instalação das primeiras ferrovias no país, a expansão ferroviária deu-se de forma rápida. Ainda, segundo o autor, estima-se que em 1907 a malha ferroviária atingia 17.280 quilômetros, transportava 35 milhões de passageiros e 7,5 milhões de toneladas de carga. Estes números demonstram o grande potencial econômico do meio de transporte, devido a sua utilização para o transporte de pessoas e escoamento da produção agrícola e extrativista. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1957), o sistema ferroviário no Brasil chegou a aproximadamente 38 mil quilômetros de extensão, sendo considerada a 8ª maior ferrovia do mundo.

 

A ferrovia é concluída na região nordeste do estado de Santa Catarina no ano de 1910, com ramal que fazia parte da Estrada de Ferro São Paulo Rio Grande (EFSPRG) conforme retratado por Henkels (2005) “[...] na concessão original (da EFSPRG) se previam dois ramais laterais, um para Guarapuava PR e outro que buscasse algum porto no estado de Santa Catarina a ser definido”. O porto escolhido foi o de São Francisco do Sul, então em 1903 começam os estudos para construção do Ramal São Francisco, que partiria “[...] de Rio Negro, no Estado do Paraná, atravessaria a Serra Geral (atual Serra do Mar), passando por Joinville, em busca de um porto na baía de São Francisco.” (HENKELS, 2005). A obra era vista com bons olhos pela população, que a compreendia como um instrumento de desenvolvimento, sendo que a estrada de ferro mudou as características sócio-econômicas da região levando, inclusive, a criação de municípios como Jaraguá do Sul, que antes era distrito de Joinville.

 

Figura 1: Estação Ferroviária de Jaraguá do Sul, Terminal de Passageiros em 1962.

Fonte: Acervo de Ergon Arno Krepsky

A RFFSA foi criada em 1957, através da Lei nº 3.115, de 16 de março de 1957, com o objetivo principal de promover e gerir os interesses da União no setor de transportes ferroviários. Além disso, a empresa seria responsável por resolver conflitos referentes à falta de integração das malhas ferroviárias brasileiras, que:

 

Estavam voltadas à exportação de produtos primários, eram desarticuladas entre si, atendiam a interesse privados localizados, não seguiam parâmetros técnicos comuns (do que a diferença de bitolas é a expressão mais óbvia) o que dificultava a integração física entre as diferentes malhas e aumentava os custos de operação, devido à necessidade de sucessivos transbordos de cargas (CARRION, 2015).

 

Com isso, a partir da década de 1960, o transporte ferroviário começa a sofrer um declínio em todo o país, Santos e Silva (2015) afirmam que isso deu-se devido a substituição dos investimentos na área pelo investimento no transporte rodoviário, que apesar de mais custoso a longo prazo, exige menos investimentos para sua aplicação. Telles (2011) declara que esta mudança ocorre principalmente após a instalação da primeira indústria automobilística no país. Com a popularização do transporte rodoviário e o investimento feito na construção de estradas (como a BR-101 e BR-280) o transporte de passageiros por ferrovias começa a sofrer um processo gradativo de abandono “[...] com a diminuição dos passageiros e cargas, com a competitividade do transporte rodoviário e com a diminuição dos investimentos do Governo Federal” (JULIO e SILVEIRA, 2016).

 

Entre os anos de 1996 e 1998, o modelo ferroviário brasileiro foi segmentado em seis malhas regionais, concedendo a empresas privadas o direito de exploração das malhas pelo período de 30 anos. Com isso, a RFFSA foi dissolvida através do Decreto nº 3.277, de 7 de dezembro de 1999.

 

Com a extinção da RFFSA, a maioria das estações foram fechadas por falta de utilidade na operação para o transporte de cargas, processo que levou à deterioração gradativa dos prédios, devido ao esquecimento e invasões recorrentes, representando uma ameaça iminente ao desaparecimento de importantes exemplares do Patrimônio Cultural Ferroviário.

 

Figura 2: Estação Rio Vermelho em São Bento do Sul em 2018

Fonte: Acervo de Anthar C. Hartmann

O Conceito de Patrimônio Cultural surge em 1988 na Constituição Federal, em seu Artigo 2016 que ampliou o conceito de patrimônio estabelecido pelo Decreto-lei nº25, de 30 de novembro de 1937, substituindo a denominação de Patrimônio Histórico e Artístico por Patrimônio Cultural Brasileiro. Essa alteração incorporou o conceito de referência cultural a definição dos bens passíveis de reconhecimento, sobretudo os de caráter imaterial

 

Com a necessidade de nomear-se um órgão para ser o responsável pelo espólio da extinta RFFSA, Prochnow (2014) afirma que a Lei nº 11.483 de 31 de maio de 2007 foi responsável por atribuir ao IPHAN a responsabilidade pela preservação dos cerca de 50 mil bens móveis e imóveis:

 

Art. 9o Caberá ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural, oriundos da extinta RFFSA, bem como zelar pela sua guarda e manutenção (BRASIL, 2007).

 

Ao fazer uma análise superficial da estrutura das cidades do nordeste de Santa Catarina, já é possível perceber a importância histórica da ferrovia e sua relevância na compreensão da morfologia urbana dos municípios por onde passa. A malha ferroviária é um dos principais estruturadores de formação das cidades. É quase impossível encontrar áreas onde as estações não estejam em regiões urbanas ou de pequenas centralidades, desenvolvidas predominantemente durante o período de utilização das linhas para o transporte de passageiros.

 

Como exemplo claro deste processo, podemos usar o município de Jaraguá do Sul, que teve o início de sua ocupação às margens do rio Itapocu. Com a instalação das estações ferroviárias (uma no atual bairro Centro e outra no atual bairro Nereu Ramos) a ocupação da cidade começa a se desenvolver naquelas regiões, incentivando a formação de centros comerciais e de serviços conforme retratado por Costa (2015) ao afirmar que “[...] a estrutura influenciou a vida social de Jaraguá do Sul. O local também era um ponto de encontro da comunidade”.

 

Sendo assim, deve-se considerar a ferrovia e os bens móveis e imóveis provenientes de sua exploração, principalmente no século passado, parte da dinâmica social de diversas cidades, ao ocupar papel importante na memória de seus habitantes. Porém, ao realizar pesquisas de publicações sobre o assunto, é possível perceber a falta de documentos que comprovem esta relação, o Patrimônio Cultural Ferroviário encontra-se em risco. Atualmente existe dificuldade por parte do IPHAN em gerir e garantir a manutenção dos bens imóveis, sem contar o problema relacionado aos bens móveis que correm grande risco de desaparecer como retratado por Xavier e Constantino (2017, p. 162):

 

Em relação às cidades que possuem esse acervo, sabemos que existe um rico conjunto de edificações ferroviárias que merece atenção e ações efetivas dos órgãos de preservação municipais e estaduais, visto que muitos edifícios ainda estão abandonados, alguns deles na zona rural, sendo necessárias medidas urgentes de restauro e conservação, evitando assim maiores perdas deste patrimônio.

 

Este projeto visa enfatizar a importância da ferrovia como instrumento transformador do espaço. Ao mapear a estrutura urbana no entorno das edificações de patrimônio ferroviário na região nordeste do Estado, será possível esclarecer para as futuras gerações a importância destes no processo de desenvolvimento das cidades. Além disso, ao propor este estudo será possível ter uma visão do patrimônio ferroviário no região de forma menos generalista, garantindo o respeito às suas particularidades sócio-econômicas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ANTF. Associação Nacional dos Transportes Ferroviários: Histórico. Histórico. Disponível em: <http://www2.antf.org.br/historico>. Acesso em: 06 mar. 2018.

 

BRASIL. Decreto nº 3277, de 07 de setembro de 1999. Dispõe sobre a dissolução, liquidação e extinção da Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA. . Brasília, DF.

 

_____. Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes. Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes. Ferrovias. Disponível em: <http://www1.dnit.gov.br/ferrovias/historico.asp>. Acesso em: 17 set. 2018.

 

_____. Lei nº 3115, de 16 de março de 1957. Determina a transformação das empresas ferroviárias da União em sociedades por ações, autoriza a constituição da Rede Ferroviária S.A., e outras providências. Brasília, DF,

 

_____. Lei nº 11483, de 31 de maio de 2007. Dispõe sobre a revitalização do setor ferroviário, altera dispositivos da Lei no 10.233, de 5 de junho de 2001, e outras providências. Brasília, DF,

 

_____. Decreto nº 641, de 26 de junho de 1852. Autoriza o Governo para conceder a huma ou mais companhias a construção total ou parcial de um caminho de ferro que, partindo do Municipio da Côrte, terminar nos pontos das Províncias de Minas Geraes e S. Paulo, que mais convenientes forem. Leis do Império do Brasil - 1855. Rio de Janeiro, RJ,

 

CARRION, Raul. As ferrovias como instrumento de desenvolvimento nacional. 2015. Disponível em: <http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=7225&id_coluna=147>. Acesso em: 05 set. 2018.

 

CASTELLS, Alicia Norma González de; NARDI, Letícia. Patrimônio Cultural e Cidade Contemporânea. Florianópolis: Editora da Ufsc, 2012. 280 p.

 

COSTA, Cláudio. Antigamente em Jaraguá do Sul: os primeiros dias da Estação Ferroviária. 2015. Disponível em: <https://poracaso.com/estacao-ferroviaria-jaragua-do-sul-historia-antigamente/>. Acesso em: 17 set. 2018.

 

European Federation of Museum & Tourist Railways. Carta de Riga Riga: Fedecrail, 2005.

 

HENKELS, Henry. Canal do Linguado. 2005. Disponível em: <https://sites.google.com/site/hhenkels/canal_linguado-1>. Acesso em: 17 set. 2018.

 

IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Portaria nº 407, de 21 de dezembro de 2010. Dispõe sobre o estabelecimento dos parâmetros de valoração e procedimento de inscrição na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário, visando à proteção da memória ferroviária, em conformidade com o art. 9º da Lei n.º 11.483/2007. Brasília, DF,

 

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. . Ferrovias do Brasil. Rio de Janeiro: Ibge, 1956. 193 p. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=293301>. Acesso em: 05 set. 2018.

 

JULIO, Alessandra dos Santos; SILVEIRA, Márcio Rogério. As estradas de ferro em Santa Catarina: Evolução, projetos e contradições. In: SILVEIRA, Márcio Rogério (Org.). Circulação, transportes e logística: No estado de Santa Catarina. Florianópolis: Insular, 2016. p. 139-174.

 

MORAES, Ewerton Henrique; OLIVEIRA, Eduardo Romero. O Patrimônio Ferroviário nos Tombamentos do Estado de São Paulo. Revista Memória em Rede. Pelotas, p. 18-42. 10 jan. 2017.

 

RFFSA. Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima. Histórico da Extinta RFFSA. Disponível em: <http://www.rffsa.gov.br/principal/historico.htm>. Acesso em: 02 mar. 2018.

 

ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 309 p.

 

SANTA CATARINA. Sie - Secretaria de Estado da Infraestrutura. Sie - Secretaria de Estado da Infraestrutura. Ferroviário. Disponível em: <http://www.sie.sc.gov.br/conteudo/ferroviario>. Acesso em: 03 set. 2018.

 

SANTOS, Adauto Rocha dos; SILVA, Helder Antônio da. Modais de transporte rodoviário e ferroviário: comparativo de viabilidade para escoamento de carga de uma multinacional produtora de cimento e agregados. Sodebras, S.i., v. 115, n. 10, p.91-96, jul. 2015.

 

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XAVIER, Janaina Silva; CONSTANTINO, Marta da Silva. A construção do patrimônio ferroviário: uma análise do reuso da Estação Ferroviária de Mogi Mirim - SP. Museologia e Patrimônio, Rio de Janeiro, v. 1, n. 10, p.145-165, jan. 2017.

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