Notas sobre a China e os investimentos externos no Brasil

28/11/2019 13:00

Com o avanço das políticas públicas de redução da participação do Estado na década de 1990, o Brasil passou por uma série de leilões de privatização e/ou concessões, nestes leilões, setores como bancários, energético e transporte encontravam-se como os mais expressivos.

 

Considerando uma década de abertura econômica e inserção do capital externo na economia brasileira, o Brasil passa a receber um aumento substancial de IED por via de fusões e aquisições. Chegada a década de 2000, com a entrada do governo de Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, a economia brasileira começa a passar por uma série de transformações no âmbito social e econômico, não somente interno como também externo, colaborando para o aumento do IED no país dada a segurança política e o crescimento econômico nacional.

 

Neste cenário de crescimento econômico positivo, a China torna-se um dos principais parceiros comerciais do Brasil, importando elevada quantidade de commodities e aumentando por sua vez seu fluxo de investimentos no país.

 

Setores como energético e metais no ano de 2005 encontram-se como os mais expressivos deste tipo de investimento, somando juntos um total de 670 milhões de dólares. Em 2009 o setor de metais, muito pela compra de parte da Vale pela CIC e investimento da WISCO em greenfield, somam juntas um total de 900 milhões de dólares em investimento chinês.

 

Durante o governo Lula o setor energético e metal foram os mais expressivos, no que diz respeito ao fluxo de capital externo chinês no Brasil, somando um total de 17 bilhões de dólares em investimentos incluindo setores como transporte, financeiro e imobiliário.

 

Passado o governo Lula e a entrada da presidenta Dilma Rousseff, temos o aparecimento de novos setores na pauto de investimentos chineses no país, como: químico, logística e tecnológico, os quais passam a também fazer parte deste leque de frentes de investimentos no Brasil pela China com um total aglomerado entre os anos 2011-2016 (ano do golpe sofrido pela presidenta) um total de 36 bilhões de dólares elevado principalmente pelo setor energético com um acumulado de 26 bilhões de dólares entre os mesmos anos.

 

Passado o ano do golpe (2016) os investimentos chineses se concentram em três principais frentes: energia, agricultura e transporte somando um total de 10 bilhões de dólares, destaque para o setor energético com um total acumulado entre os anos de 2017 -2018 de 6 bilhões de dólares.

 

No ano de 2019, que ainda não se encerrou, temos um total de 1,6 bilhões de dólares destaque para o setor de transportes com 680 milhões acumulados 100 milhões a menos que o setor energético 780 milhões investidos pela China General Nuclear na geração e compra das Usinas eólica e solar na região Nordeste do país. Cabe também ressaltar que os investimentos chineses no setor energético brasileiro principalmente no segundo mandato do governo Dilma, foi barrado pela presidenta na busca de manter o setor em sua maioria nacionalizado.

 

Em âmbito geral entre os anos de 2005-2019 temos um total de 65 bilhões de dólares investidos pela China no Brasil, o setor energético é de longe o que possui o maior acumulo de investimentos, seguido por metais e transportes como apresenta o gráfico a seguir:

 

Gráfico 1 – Investimento estrangeiro chinês por setor no Brasil (2005 – 2019)

Fonte: AEI, 2019. Org: HAMADA, G.K.F. 2019

Os setores no Brasil com maior montante de investimento estrangeiro chinês são: energético, metais e transporte entre os anos de 2004 – 2019; O primeiro (energético) acumula um total de 47, 3 bilhões de dólares; Metais 4,8 US$ bilhões; Transporte 4 US$ bilhões; também o setor da agricultura com 3,2 US$ bilhões.

 

Cabe ressaltar, que a retomada da proximidade política com os Estados Unidos pelo atual presidente Jair Messias Bolsonaro, assim como a instabilidade política e econômica interna, pode influenciar diretamente nos fluxos não somente de IED em greenfields ou fusões e aquisições, como também nas exportações e importações em alguns setores da economia brasileira dada a prioridade (submissão) do Brasil no atual momento político do país com os EUA.

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Algumas lições da Etiópia na atualidade

02/10/2017 13:00

Com alta do Produto Interno Bruto (PIB) estimada em 8,3% para 2017, segundo a previsão do Banco Mundial, a Etiópia está no topo da lista de perspectiva de crescimento para o ano corrente, impulsionado pelo investimento público em infraestrutura, expansão do setor de serviços e modernização da agricultura. A Etiópia – conhecida pela pobreza, miséria e fome – apresentou, entre 2004 e 2016, um crescimento médio do PIB de 8% ao ano, sendo resultado das políticas de desenvolvimento implementadas (ONU, 2016).

 

O país se localiza na África subsaariana, mais precisamente no “Chifre da África” (região nordeste do continente – imagem 1). A população de 76 milhões de pessoas é majoritariamente rural. Apenas 17% das pessoas vivem em áreas urbanas, porém a expansão dos serviços, da indústria e dos equipamentos públicos está estimulando o êxodo rural no país (ONU, 2016).

 

Imagem 1: Localização geográfica da Etiópia.

 

O desenvolvimento econômico da Etiópia está ligado aos gastos/inversões em infraestruturas liderados pelo setor público, incluindo as empresas estatais. Além disso, destacam-se os investimentos externos diretos (IEDs), com incremento dos investidores chineses, buscando novos mercados e benefícios para a acumulação, pautados na melhoria dos fixos de transportes no território da Etiópia, incentivos fiscais, mão de obra abundante e barata, legislação ambiental frágil e organização sindical mitigada.

 

Outros países africanos, caso da Costa do Marfim, Quênia, Senegal etc., também apresentaram, nos últimos anos, taxas de crescimento do PIB igual ou superior a 2%, com aumento da demanda doméstica e elevação da aplicação de recursos públicos na economia e em infraestruturas. Além dos investimentos, houve expansão, sobretudo na última década, do comércio exterior, com destaque às trocas com a América Latina (incluindo o Brasil), Oriente Médio, Índia, Europa, Estados Unidos e China (ONU, 2016).

 

O governo da Etiópia, sobretudo desde 2015, tem realizado inversões importantes na expansão rodoviária, em ferrovias, produção de energia elétrica, telecomunicações, além de estimular o turismo. O país está próximo de se tornar o maior produtor de energia hidrelétrica da África, quando completar a construção da barragem Grand Ethiopia Renaissance Dam – GERD (Grande Barragem do Renascimento da Etiópia – imagem 2) (ONU, 2016).

 

Imagem 2: Grand Ethiopia Renaissance Dam – GERD (Grande Barragem do Renascimento da Etiópia), 2017.

O país cria estratégias para fomentar a industrialização, com base na substituição de importações, nos investimentos públicos e privados, no crédito e nos incentivos fiscais. A Etiópia – embora não possua litoral – articulou-se de maneira mais eficiente ao Porto de Djibuti, no Mar Vermelho, através de uma linha férrea inaugurada em 2016, favorecendo as importações e exportações nacionais (imagem 3) (ONU, 2016).

 

Imagem 3: Ferrovia que articula a capital da Etiópia, Adis Abeba, ao Porto de Doraleh, no Djibuti, 2016.

Imagem 4 - Traçado da Ferrovia Ethiopia-Djibouti

 

A Etiópia adquire recursos com o fornecimento de energia elétrica a algumas nações africanas, principalmente ao Sudão, Djibuti, Tanzânia e Quênia, resultado de acordos recentes e do aumento da capacidade de geração de energia no seu território. Esse fato contribui para elevar a capacidade de inversões em setores estratégicos da economia e da sociedade, especialmente urbanos, como habitações, escolas, universidades, saneamento básico, ruas, avenidas, indústrias etc.

 

Relevantes são os investimentos da Etiópia em educação – o número de jovens matriculados em escolas era inferior a 20% em 1990, porém em 2012 chegou a 92%. No início dos anos de 1990 existia apenas uma universidade, contudo, atualmente, são mais de trinta no país. Além disso, a infraestrutura também recebeu/recebe investimentos importantes, principalmente em transporte e geração de energia. Em 1997, eram 26.550 km de rodovias, enquanto em 2015 eram 54.000 km (ONU, 2016).

 

A coexistência entre intervenção estatal e inversões da iniciativa privada é essencial para entender o atual cenário da Etiópia. O país tem um projeto de desenvolvimento industrial focado principalmente nas indústrias de manufaturas, como têxteis, calçados, artigos simples etc. O país possui dois bancos públicos que oferecem crédito e são basilares tanto à produção quanto ao consumo interno. Além disso, há reserva de mercado criada pelo Estado para proteger os bancos do país contra o capital estrangeiro (gráfico 1).

 
 

Gráfico 1: Produto interno bruto (PIB) da Etiópia.

 

A Etiópia apresenta, atualmente, taxas de crescimento elevadas, assim, a meta do governo é conduzir o país à categoria de renda média até 2035, entretanto, a pobreza elevada ainda é um obstáculo importante que deve ser combatido a longo prazo para viabilizar o desenvolvimento nacional (a renda per capita é de apenas um dólar por dia) (ONU, 2016).

 

A agricultura mecanizada está em expansão na Etiópia. Os principais produtos exportados pelo país são: café, ouro, produtos de couro, flores, carne etc. Os maiores compradores são a China, a Arábia Saudita, a Alemanha, os Estados Unidos e a Bélgica. Por causa da deficiência da indústria, o país importa muita comida, produtos derivados do petróleo, químicos, maquinários, veículos e artigos têxteis.

 

O governo da Etiópia – com base no planejamento – criou o Plano de Crescimento e Transformação (Growth and Transformation Plan), estabelecendo metas importantes entre 2011 e 2015. Todavia, o programa foi estendido para os próximos anos, mantendo as inversões e modernizações necessárias ao país. Uma característica da nação africana é a continuidade das políticas de desenvolvimento, sobretudo na última década, favorecendo a economia e a sociedade, caso, por exemplo, da melhoria da rede de transportes no território.

 

O plano de desenvolvimento é composto por cinco pilares: a) aumentar a produtividade, especialmente a produção dos pequenos agricultores; b) fortalecer os sistemas de marketing e comércio do país; c) aumentar a participação do setor privado na economia; d) expandir a quantidade de terras irrigadas; e) reduzir o número de pessoas com insegurança alimentar crônica. Apesar dos esforços para diversificar a economia, principalmente a indústria, as exportações se concentram em produtos de baixo valor agregado (ONU, 2016).

 

Bancos, seguradoras, setor de telecomunicações e as pequenas fábricas são mantidas, sobretudo, por investidores domésticos. Contudo, o país tem atraído muitos IEDs dos Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos, Índia, China e Alemanha, especialmente no setor têxtil, couro, agricultura, manufatura e hotelaria (ONU, 2016).

 

O governo da Etiópia está financiando a educação no país, visando manter os alunos matriculados regularmente, fornecer alimentação adequada, dormitórios e cuidados com a saúde, além de bolsas de estudos. Todavia, há ainda um longo caminho a ser percorrido, pois somente 24% da população adulta completou a educação básica. A escolarização da população é fundamental na estratégia de desenvolvimento da Etiópia, especialmente como motor para a distribuição de renda no país.

 

Apesar do crescimento do PIB, a renda per capita ainda é uma das menores do mundo. Do total, 39% da população vive abaixo da linha da pobreza e a taxa de fertilidade é de 5,1 crianças por mulher. Isso significa dizer que a trajetória de desenvolvimento deverá ser longa e que precisa de continuidade ao longo do tempo, visando reduzir as desigualdades sociais e inter-regionais do país africano, com ênfase no combate ao analfabetismo e à mortalidade infantil, expansão dos serviços médico-hospitalares, fortalecimento do mercado formal de trabalho e outros (ONU, 2016).

 

Apesar do subdesenvolvimento da Etiópia (resultado de fatores históricos), atualmente o país africano mostra ao Brasil algumas estratégias necessárias ao desenvolvimento econômico e social que deveriam ser adotadas em nosso país, entretanto, caminhamos na direção contrária, ou seja, do agravamento da recessão interna, do corte de gastos/inversões públicos, da elevação do desemprego, das privatizações equivocadas, entre outros.

 

Prof. Dr. Nelson Fernandes Felipe Junior

Universidade Federal de Sergipe UFS

Tags: Desenvolvimento socialEtiópiaFerroviasFinanciamento das infraestruturasInfraestruturas de transportesRelações internacionais

Especial governo Lula da Silva: o lapso de uma política externa independente

25/05/2017 13:00

O governo Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011) inaugurou um período de ascensão internacional do país enquanto potência emergente. Essa estratégia foi pautada na diversificação de parceiros comerciais e na ampliação de novas coalizões políticas, visando influir na arena de decisões em nível global. Por outro lado, foram direcionados esforços para ampliação da cooperação entre os países sul-americanos, com a consolidação de novas organizações internacionais de integração regional, que ampliaram as possibilidades de consenso entre os países da região, no que tange várias temáticas.

 

Outras mudanças na política externa tornaram-se evidentes, uma vez que se tornou mais ativa e altiva e inaugurou um trajeto em busca de projeção internacional. Para tanto, além de tornar-se credor do FMI, a diplomacia brasileira passou a intervir em variados fóruns internacionais e em contenções entre diversos países, realizando um grande esforço para conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).

 

O país voltou a colaborar em missões de paz sobre incumbência da ONU, feito que não ocorria desde 1947 na missão desenvolvida na região dos Bálcãs (abarcava Grécia, Albânia, Bulgária e ex-Iugoslávia), em que o país ficou encarregado de monitorar as fronteiras e auxiliar os refugiados. Para tanto, no ano de 2004, o governo brasileiro encaminhou tropas para missões de paz no Haiti, na operação Minustah; já em 2011 participou da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil). Tal conduta repercutiu nos anos seguintes na indicação do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que comandou as tropas brasileiras no Haiti, para chefiar a missão Monusco, na República Democrática do Congo, em 2013 e, na designação do tenente coronel de artilharia Ivo Werneck para compor a equipe de planejamento da Minusa, uma Missão de Estabilização Multidimensional Integrada na República Centro-Africana em 2014.

 

Vale lembrar que, no período do governo Fernando Henrique Cardoso a Política Externa apresentou enquanto foco a busca por credibilidade, cujo objetivo foi ampliar a cooperação para criação de normas internacionais, desta maneira a autonomia seria conquistada de fora para dentro [i]. Nesse sentido, havia uma tentativa de “autonomia por participação” que seria garantida pela simples presença brasileira nos regimes internacionais, que ocasionalmente asseguraria ao país influenciar na (re)elaboração das normas existentes [ii].

 

Por outro lado, no decorrer do governo Lula passou-se a ter o entendimento de que não bastava participar dos organismos internacionais, mas era necessário também uma atuação ativa na política externa, que possibilitasse alternativas para resistir às imposições de decisões que muitas vezes resultam danosas ao país. Desta maneira, buscou-se uma “autonomia pela diversificação”, isto é, a ampliação das coalizões políticas e comerciais com países que compartilham de interesses semelhantes, visando ampliar o poder de barganha nas negociações e reduzir a dependência do comércio exterior centralizado no mercado estadunidense [iii].

 

Nessa perspectiva, houve o fortalecimento do Itamaraty, a ampliação do número de embaixadas, principalmente na África, assim como em outros países que o comércio exterior ainda apresentava-se pouco relevante. Ademais, consolidou-se uma “diplomacia presidencialista” intensiva, consubstanciada na figura do presidente Luís Inácio Lula da Silva, “o cara” na expressão do presidente estadunidense Barack Obama [iv].

 

A frequência e destino das viagens presidenciais, um indicador importante para analisar a diplomacia presidencial, ganharam dimensões importantes, como pode-se verificar na Figura 01:

As viagens presidências no período do governo Lula da Silva em relação ao seu sucessor foram 110% superiores. As visitas ocorreram com maior intensidade em todas as regiões, elas cresceram 59% para a Améri­ca do Sul, para a América do Norte em 71% e, para a Europa em 74%. Ademais, houve um esforço para ampliação das relações com regiões periféricas, negligenciadas pelo antigo governo, resultando no aumento de viagens para América Central e Caribe, em 480%, África, em 750% e, Oriente Médio antes não visitado [v].

 

A concomitante aproximação política e econômica entre os países da região Sul-Sul influiu na redefinição dos fluxos de comércio internacional. Fato que resultou, consequentemente, na ampliação de um espaço econômico de trocas, que até certo nível, é contraditório às políticas globalizantes. Ora, a ampliação das relações comerciais e de cooperação sul-sul, a coalizão dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e a institucionalização de organizações internacionais de integração regional, como foi o caso da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos), contrapõem-se aos interesses globais hegemônicos e, até certa medida, ampliam as disputas geopolíticas.

 

Essa dinâmica, inaugurada no decorrer do governo Lula prosseguiu no decorrer do primeiro mandato da presidente reeleita Dilma W. Rousseff (2011-2014), que preservou as mesmas orientações da política externa do seu antecessor, ainda que com característica mais discreta e, aparentemente menor ímpeto por conquistar projeção internacional [vi]. Ou seja, podemos afirmar que houve “contenção na continuidade da política externa” mantendo-se os objetivos, porém despendendo menores esforços, uma política menos propositiva e ousada que seu precursor [vii].

 

Esta postura mais comedida refletiu na redução de viagens da presidente Dilma Rousseff para cumprir agendas de interesse bilateral ou multilateral (Figura 01). Essas foram 30% a menos que as ocorridas no primeiro mandato do presidente Lula e, aproximadamente 50% das realizadas no segundo mandato do petista [viii]. Além disso, ocorreu a redução da absorção do quadro de diplomatas de 100 candidatos/ano, mantido no último mandato do presidente Lula da Silva, para somente 18 no ano de 2014. Assim como, a redução do orçamento do Itamaraty, ainda que essa se justifique devido a descentralização do papel do organismo enquanto formulador de políticas externas, compensado com a ampliação da autonomia dos ministérios, para que suas próprias secretarias de relações exteriores atuem.

 

Nessa conjuntura o primeiro mandado da presidenta Dilma Rousseffe corresponde a um período de declínio da inserção nacional do país, após um período de ascensão internacional do país enquanto potência emergente no governo Lula da Silva [ix]. Essas premissas são pautadas na redução de investimentos, na ausência de política destinada ao comércio exterior, no encolhimento da influência do país na arena internacional, em que debate-se e decidem-se normas que influem no comércio exterior. Essa situação tornou-se mais evidente no segundo mandato da presidenta Dilma, cuja dificuldade para manter a governabilidade nesse momento requereu o direcionamento de esforços na tentativa de administrar a crise política doméstica, que desencadeou no processo de impeachment.

 

Com a ascensão de Michel Temer de vice à "presidente", em maio de 2016, uma nova política externa foi sinalizada como se pode constatar no documento elaborado pelo mesmo “Uma diplomacia presidencial a serviço do Brasil” [x], o governo buscaria por uma postura pragmática à retomada da confiança no país. Para tanto, ainda de acordo com documento, o Brasil deveria distanciar-se de “visões de mundo enviesadas”, isto é, ideologias que privilegiavam um conjunto de países em detrimento de outros. Uma proposta de política externa, no mínimo irônica, ou melhor, demagógica. Uma vez que, buscou reduzir as “influencias ideológicas” no Itamaraty, no entanto indicou-se para o cargo, que nos últimos 15 anos foi ocupado por profissionais de carreira, o senador Jose Serra do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), um político que possui uma orientação ideológica claramente americanista, conservadora e sem rumo certo.

 

Essa nomeação resultaria infeliz, devido a um encadeamento de discordâncias entre as posturas de Serra e Temer em relação a condução da política externa brasileira, que se refletem em temas como: a redução da prioridade dada a América do Sul; na participação do Brasil na disputa por um acento no Conselho de Segurança da ONU; na condução da política externa com Venezuela e Israel, onde as relações são delicadas, entre outras e que contribuíram para que o ministro apresentasse seu pedido de demissão do cargo.

 

Consecutivamente o cargo passou a ser ocupado pelo também tucano Aloysio Nunes, nome que não gerou boas expectativas, seja por seu temperamento que parece não condizente com o cargo [xi], seja pelas investigações que o mesmo responde no STF. Sendo, necessário tempo para avaliar a política externa do período do governo Temer, no entanto, parece seguro afirmar que, a retomada do status do Itamaraty, enquanto ministério-chave das relações internacionais, não passará de uma expectativa frustrada.

 

Por outro lado, a popularidade em queda livre do governo, que nos primeiros meses de mandato era de 14%, conquistando o preocupante título de pior popularidade no ranking das Américas (segundo consultoria da Mitofsky) [xii], para 10% no ano de 2017 [xiii], o que demonstra a discordância dos brasileiros em relação a implementação do programa de governo “Uma Ponte para o Futuro”, torna a política externa, cada vez mais, estratégica para conquistar legitimidade internacional, para um "presidente" impopular e desmoralizado no cenário nacional.

 
 
 

[i] Vide: LIMA, M. R. Soares de. “A Política Externa Brasileira e os Desafios da Cooperação Sul-Sul”. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 48, no 1, p. 2005, p. 24-59

 

[ii] Vide: VIGEVANI, T.; OLIVEIRA, Marcelo Fernandes de. A política externa brasileira na era FHC: um exercício de autonomia pela integração. Interthesis, Florianópolis, v. 3, n. 3, 2005, p. 1-44.

 

[iii] Vide: VIGEVANI, Tullo e CEPALUNI, Gabriel. “A Política Externa de Lula da Silva: A Estratégia da Autonomia pela Diversificação”. Contexto Internacional, vol. 29, nº 2, 2007, p. 273-335.

 

[iv] Vide: GARCIA, M. A. A política externa brasileira. In: JAKOBSEN, K. A nova política externa. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2010

 

[v] Vide: MILANI, C. R. S. et al., Atlas da política externa brasileira. 1º ed. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO; Rio de Janeiro: EDUerj, 2014

 

[vi] Vide: ALMEIDA, P. R. de. Política externa e diplomacia partidária no Brasil atual. Revista Interação, v. 6, n. 6, jan/jun, 2014, p.8-27.

 

[vii]Vide: CORNETET, João Marcelo C. A Política Externa de Dilma Rousseff: Contenção na Continuidade. Conjuntura Austral, v. 5, n. 24, 2014, p. 111-150

 

[viii] Vide: CORNETET, João Marcelo C. A Política Externa de Dilma Rousseff: Contenção na Continuidade. Conjuntura Austral, v. 5, n. 24, 2014, p. 111-150

 

[ix] Vide: CERVO, Amado Luiz; LESSA, Antônio Carlos. O declínio: inserção internacional do Brasil (2011-2014). Revista Brasileira de Política Internacional. v. 57, n. 2, p. 133-151, 2014.

 

[x] Vide: TEMER, Michel. Uma diplomacia presidencial a serviço do Brasil. O Estado de São Paulo. São Paulo 25/12/2016. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/529215>.

 

[xi] Vide: GIELOW, Igor. Escolha para o cargo de chanceler traz alívio e preocupação entre diplomatas. Folha de São Paulo. São Paulo. 3/3/2017.

 

[xii]Vide: Barrucho, Luis. Com 14% de aprovação, Temer tem segunda pior popularidade em ranking das Américas. BBC. Brasil. 5/10/ 2016

 

[xiii] Vide: MURAKAWA, Fabio; AGOSTINE, Cristiane. Avaliação positiva do governo Temer cai para 10,3%, diz CNT/MDA. Jornal Valor Econômico. Brasil. 15/02/2017

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