Raio-X da COVID-19 em Santa Catarina
Nesse momento de pandemia que provocou fortes mudanças nas relações de trabalho, lazer, estudos e outras rotinas e atividades da população em geral, os doutorandos em Geografia da UFSC Rafael Matos Felacio e Diego Da Luz Rocha, com a colaboração da doutoranda Laís Barbiero, todos integrantes do Laboratório de Estudos sobre Circulação, Transporte e Logística (LabCit) e Grupo de Estudos em Desenvolvimento Regional e Infraestruturas (Gedri) sob a coordenação e orientação do Prof. Dr, Márcio Rogério Silveira, e também com o professor João Henrique Quoos, do Instituto Federal de Santa Catarina, câmpus Garopaba, doutorando em Geografia pela Universidade Federal de Santa Maria e integrante do Grupo de Pesquisa PANGEA (Patrimônio Natural, Geoconservação e Gestão da Água) sob a orientação do Prof. Dr. Adriano Severo Figueiró com pesquisa ligadas ao Geoturismo, desenvolveram um trabalho de mapeamento da COVID-19 em tempo real no estado de Santa Catarina e de todos os seus 295 municípios. Esses dados são atualizados diariamente envolvendo casos confirmados por 100.00 mil habitantes, casos confirmados absolutos, óbitos por 100.000 mil habitantes, letalidade e óbitos confirmados em números absolutos.
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O objetivo primordial a partir do qual nos propusermos a fazer tal análise nesse período de quarentena foi contribuir, a partir da geografia, com o mapeamento dos casos da COVID-19 em Santa Catarina. O estado tem 295 municípios e, segundo dados do IBGE (2020), possui 7.164.788 milhões de habitantes concentrando 39% da população basicamente em apenas 11 cidades, que são: Joinville, com 590.466 mil habitantes; Florianópolis, com 500.973 mil; Blumenau, com 357.199 mil; São José, com 246.586 mil; Itajaí, com 219.536 mil; Chapecó, com 220.367 mil; Criciúma, com 215.180; Palhoça, com 171.797 mil; Lages, com 157.544 mil; Balneário Camboriú, com 142.295 mil e Turbarão, com 105.686 mil habitantes. Diante desse contexto, em que basicamente 11 cidades desempenham papel significante no espaço urbano de Santa Catarina e na rede urbana, realiza-se o cotidiano de quase 40% da população catarinense, além das centralidades regionais que muitas delas exercem cotidianamente, predominando assim a maior dinamização econômica do estado. É esse um dos objetivos do trabalho em questão, que pretende analisar a forma de propagação da doença em Santa Catarina, levando em consideração que o estado parece estar no caminho para se tornar o novo foco do caos do Coronavírus, de acordo com os técnicos do Ministério da Saúde.
Como sabemos, menos de dois meses depois de ser decretada a pandemia global do novo Coronavírus, o mundo caminha rapidamente para a marca de 4 milhões de casos confirmados e 300 mil mortes causadas pela doença Covid-19. Muitos cenários foram projetados e colocados em prática para o enfrentamento da doença, e hoje já conseguimos ver o resultado de decisões políticas diversas colocadas em tabelas e jogadas em um mapa: vidas perdidas demonstradas através de estatísticas subnotificadas. A China, primeiro país a ter de lidar com a doença, tomou medidas rápidas, rígidas e assertivas, assegurando que o vírus não se espalhasse para além da província de Wuhan, através do controle da mobilidade, testes em massa e intervenção estatal pesada. Países europeus, como a Itália e a Espanha, viram-se diante de um caos sanitário logo depois.
Esse é um vírus que pode contaminar a todos sem distinção, mas pode matar, como sempre, os mais vulneráveis, no caso do Brasil, escancarando a desigualdade que foi base da formação socioespacial brasileira. Estamos na casa de 10 mil mortes oficiais, com estudos apontando que este número é no mínimo dez vezes maior, já que somos o país que menos testa no mundo. Num país em que se proclama a falsa contradição entre salvar a economia e as vidas humanas, nação que se nega a adotar a fila única de espera por UTI’s, que coloca seus trabalhadores na linha de frente, seja na reabertura forçada do comércio, seja nas filas da Caixa Econômica Federal para receber míseros 600 reais, é algo que agrava brutalmente a situação.
Com a alta velocidade de contaminação e, ao mesmo tempo, afetando as classes com menor poder aquisitivo com mais rigor em números de mortes, a propagação do vírus no estado de Santa Catarina não está mais concentrada somente na região litorânea, mas gera um aumento significativo no interior do estado. Essa situação pode ser explicada pela ciência geográfica a partir do conceito de rede urbana, que corresponde ao estudo das questões geoeconômicas das cidades, sua rede de transações econômicas, fluxos de pessoas e mercadorias, entre outros. Assim, cidades que exercem um nível mais elevado de centralidade regional apresentam casos em elevação justamente por abrigarem em seu território uma interação espacial maior com outras localidades. Mesmo que o estado estivesse em quarentena entre março e abril, muitas indústrias não pararam sua produção – especialmente a indústria alimentícia – o que permitiu que determinado fluxo de pessoas continuasse ocorrendo. Posteriormente, com a reabertura econômica, Santa Catarina viu uma tentativa de retomada das relações entre cidades, seja com trânsito de pessoas ou mercadorias, o que permitiu uma guinada nos casos de Covid-19 em boa parte do estado. Em função das relações entre as cidades e sua participação na rede urbana catarinense, a perspectiva para o sistema de saúde não parece ser uma das melhores, especialmente quando os casos começarem a despontar em locais periféricos, revelando o despreparo político de combate à pandemia, conforme podemos acompanhar em tempo real todos os casos e óbitos ocorrendo no estado de Santa Catarina.