Planejamento e mobilidade urbana: antagonismos para a implantação da Região Metropolitana De Florianópolis (RMF)

15/03/2011 12:00

Márcio Rogério Silveira

Professor do Programa de Pós-Graduação e do Departamento de Geociências da UFSC. Líder do Grupo de Estudos em Desenvolvimento Regional e Infraestruturas (GEDRI). Pesquisador do CNPq.

De algumas lembranças da minha infância e adolescência a que me marca até hoje é o percurso realizado entre São José e Florianópolis para estudar e, com pouca freqüência, pelas condições materiais não permitirem muito, o lazer. Percurso propício para admirar uma exuberante paisagem natural e construída, pouco valorizada na época, mas uma paisagem que, muitas vezes, acalantava meu coração, diante das contradições que vivenciávamos no país, ou seja, um passo entre a ditadura e uma falsa democracia dos neoliberais, dos oligarcas na forma do Sarney, do Fernando Collor, do Fernando Henrique, de José Serra e de muitas outras figuras bastante caricaturadas do nosso momento histórico. “Figurinhas” repetidas e em repetição que hora apresentam-se enquanto tragédia e outra enquanto farsa, conforme trouxe à baila Karl Marx, nos “O 18 Brumário de Louis Bonaparte” (Napoleão III), referindo-se ao retorno da monarquia na França pelas mãos do sobrinho de Napoleão Bonaparte (Napoleão I).

Acalantar a alma com belas paisagens, com amor, com alegria, com o compartilhamento, ou seja, alimentar a vida social e produzi-la é uma condição humana posta pela forma como produzimos nossa vida material. Assim apaziguar a angustia é necessário, é uma condição humana, principalmente porque o Brasil enfrentava um alto índice de desemprego, com pouca perspectiva de futuro e, que, em muitos momentos, era capaz de “arrancar nossos sonhos”, “penetrando em nossas mentes” com “duas mãos” repletas “de unhas afiadas”. Sonhos ideais construídos pela possibilidade de concretização de um governo socialista e democrático. Sonhos que, como água, “escorreu entre nossos dedos”. O porvir, através de uma lobotomia política, concretizou-se com a figura de Fernando Collor, expressão de uma burguesia rural e urbana amedrontada, repleta de conservadorismos, desunida e entregue aos interesses do capital estrangeiro, novo padrinho político de Collor e FHC.

Foi nesse contexto que começamos a conhecer e a conviver com os grandes “figurões” da política brasileira, uns mudando suas posições, outros deixando a “mascara” cair. Passamos, portanto, a vivenciar a desindustrialização, o aumento da pobreza e os fortes agravos ambientais liderados por uma elite predadora de espaços, para seu próprio uso, para o mercado imobiliário ou para especulação. Estamos, portanto, atualmente, vivenciando isso, estamos nos confortando com o pouco que nos dão, mas ainda estamos felizes, diante de uma luta de classes que não compreendemos plenamente ou não queremos ter consciência dela.

São José e Florianópolis cresceram. São José da Terra Firme mais em função de Desterro do que ao contrário, mas cresceram certamente desigualmente juntas, conurbaram-se e também apresentaram problemas particulares, típicos de grandes centros urbanos. O planejamento urbano e seus planos diretores figuraram como parcimônias de governos pouco preocupados com uma organização, uma mobilidade e uma acessibilidade urbana capazes de dar aos seus citadinos orgulho e tranqüilidade para desenvolver suas atividades cotidianas.

Hoje, portanto, um pouco diferente do passado, mas não muito, o maior problema dessas duas cidades, como também de toda Grande Florianópolis, é a realização de um “moralmente” decente planejamento da mobilidade urbana, do uso dos espaços públicos, do uso do solo urbano e das questões ambientais. Está última tão cara a uma elite ambientalista que após ter ocupado espaços públicos e de preservação fazem apologia a preservação ambiental (criando suas pousadas, suas comunidades capitalistas alternativas, seus comércios e serviços, colocando as amenidades naturais da região como capital-mercadoria. Vide, por exemplo, entre outros, o que se passa na Lagoa da Conceição) como se a mesma só a eles interessasse. Já assumimos, por mais que inconscientemente, a noção de que nossas cidades estão integradas, conurbadas e, portanto, formam um todo, uma totalidade indissociável. Outrora, fora essa percepção dos cidadãos da “Região Metropolitana de Florianópolis”, o poder público e seus principais atores político-partidários não se interessam por entender a real importância da formação legal dessa região. Obviamente, é porque os mesmos tomaram posições na luta de classes, isto é, dos grandes capitais, principalmente relacionados ao monopólio do transporte público e ao capital imobiliário. Portanto, a culpa dos nossos problemas urbanos não está somente no alto consumo de automóveis, mas, sobretudo, na falta de novas infraestruturas de transportes, de uma logística urbana eficiente e de um transporte público adequado às novas necessidades da região.

Porque defendemos aqui, entre outros fatores, a implementação de infraestruturas de transportes ao invés do que faz a burguesia medíocre (alegando que o crédito e o aumento de automóveis pelos segmentos médio-baixo e baixo é uma política equivocada do Governo Federal que enche as cidades com automóveis populares. Lembramos que, para fortalecer esse discurso, a burguesia regional possui diversos representantes na mídia) e alguns grupos idealistas que se dizem de esquerda (que pregam a tarifa zero, a limitação do uso do automóvel, entre outros)? É fato que todos nós, todos nós! Queremos um automóvel, queremos a liberdade, o status, a comodidade, entre outros fatores, que ele proporciona, sejam integrantes dessa elite ou discursivamente alternativos. Por mais que alguns façam discursos contra o mesmo é bem provável que possuam automóveis e só não o possuam por falta de condições materiais (mas quando elas existirem o discurso muda). Assim, é óbvio que o discurso contra o automóvel, que é só um discurso barato e momentâneo, passará para alguns. Uma quarta ponte, alguns elevados, algumas avenidas e duplicações de outras são concretamente necessários.

Outrora, ao planejar as cidades individualmente e num contexto de região metropolitana, uma das prioridades do(s) poder(es) público(s) deve(m) ser a mobilidade e acessibilidade urbana. E, nesse contexto, a prioridade deve ser o transporte público e algumas formas alternativas de transporte. Quer dizer que, em nossa perspectiva, a prioridade não deve ser dedicada exclusivamente ao automóvel, mas também o mesmo não carece ser colocado na orla dos inimigos, quer dizer que, a sua utilização necessita ser planejada. Então, qual deve ser a prioridade? Nossa resposta é o transporte público e outras formas alternativas de transportes! Mas as mesmas não podem ser alçadas como inimigas do automóvel, mas sim, concorrentes em certas situações e complementares em outras.

Se o transporte público é a solução, como ele deve ser consolidado como o líder da mobilidade de pessoas pela região e, principalmente, entre São José e Florianópolis, onde há o maior fluxo de pessoas? Ora, um ponto, do qual já tratamos, é muito pertinente e pode ser respondido com algumas perguntas. Onde “anda” a “Região Metropolitana de Florianópolis”? Por que não há integração física e tarifária nos transportes públicos desses espaços? Por que não temos ônibus melhores (novos, pouco poluentes, capazes de atender aos portadores de necessidades especiais e idosos, confortáveis: ar-condicionado, bancos estofados, etc.), mais baratos e com linhas mais adequadas? A primeira pergunta deve ser respondida pelo Governo do Estado, pelos deputados estaduais e pelos prefeitos dessas cidades que já deveriam ter implementado autarquias para planejar e regular as ações públicas e privadas na pretensa região metropolitana ou até mesmo criar empresas públicas, como uma “Empresa Metropolitana de Transporte Urbano da Grande Florianópolis (EMTUGF)”, um “Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano da Grande Florianópolis (IPPUGF)” e outras empresas públicas ligadas com a preservação ambiental, ao controle do uso do solo urbano e rural, a implementação de moradias populares, etc. É claro que autarquias, com relativa autonomia, para planejar e regular ações na região não interessam a grande parte dos políticos e das empresas a qual estes estão coligados por interesses legais ou escusos. As autarquias são geralmente mais independentes e menos suscetíveis as indicações de cargos políticas e ao atendimento de interesses empresariais. Autarquias não interessam, portanto, ao capital imobiliário especulativo (propenso a lotar os espaços dessa região com empreendimentos turísticos e de moradia de alto padrão), aos empresários do transporte público (que planejam o transporte e tarifas que prejudiciais os usuários, com aval do poder público) e certos seguimentos sociais beneficiários das amenidades naturais (isolados em condomínios fechados e outros paraísos naturais, como é claramente visível nos morros da Lagoa da Conceição, da Trindade, do Pantanal, etc. ou nas áreas de restinga das praias, das lagoas, com deques, com trapiches e com pousadas em áreas irregulares ou que, pelo menos, deveriam ser irregulares), entre outros.

Ou seja, se queremos mudança, é preciso mobilização pública para tal, é preciso planejar concretamente uma região mais humanizada e acessível para todos. Não estou falando daquela representação que temos da nossa infância, pois essa não volta mais, mas também não da que temos em nossos pesadelos. E esse pesadelo está prestes a se tornar realidade ou já é para alguns, principalmente quando: 1) nos deparamos com as imensas filas no trânsito (para o trabalho, para uma emergência, para a escola, etc.); 2) com vias e calçadas inacessíveis para cadeirantes, deficientes visuais e idosos; 3) com ruas e calçadas esburacadas; 4) com falta de ciclovias, 5) com falta de passarelas, sinais para travessia e faixas de pedestres; 5) com falta de corredores exclusivos para ônibus, ambulância e bombeiros; 6) com falta de pontos de ônibus cobertos e filas gigantescas nos terminais e; 7) com a baixa confortabilidade e altas tarifas do transporte público coletivo.

Já vivemos esse pesadelo! A não ser que você tenha um helicóptero ou é um alienado!

São José/SC, 13 de março de 2012.