Educação e violência no trânsito em Aracaju (SE): algumas considerações

18/07/2018 13:00

Os acidentes de trânsito representam uma das principais causas de lesões corporais e óbitos no Brasil e em vários países, além de resultarem em altos custos sociais, tanto às vítimas quanto aos seus familiares e ao Sistema Único de Saúde (SUS). Sua ocorrência está relacionada, na maioria das vezes, a atitudes dos motoristas e pedestres que elevam os riscos, mas também se relacionam às inadequadas condições das vias de tráfego (infraestrutura e sinalização deficientes).

 

A violência no trânsito no estado de Sergipe provocou um impacto econômico de R$ 1,7 bilhão em 2017, representando 4% do produto interno bruto (PIB) estadual. Essa foi a perda da capacidade produtiva causada por acidentes que mataram 466 pessoas e deixaram outras 789 com invalidez permanente. O valor corresponde ao que seria gerado pelo trabalho das vítimas caso não tivessem se acidentado.

 

No que tange à legislação de trânsito, pode-se considerar que o Brasil apresenta uma situação adequada em comparação a outros países. Contudo, há ainda dificuldades na fiscalização e uma sensação de impunidade com relação à penalização de motoristas que provocam acidentes graves em função de negligência, ingestão de álcool e drogas ou comportamento perigoso no trânsito, como o excesso de velocidade. A justiça brasileira tende a aplicar penas pouco proporcionais aos danos causados às vítimas, mesmos que esses indivíduos tenham assumido o risco de produzir acidentes graves, sendo isso mais evidente quando se trata de pessoas de renda elevada (políticos, empresários, magistrados etc.).

 

A infraestrutura deficiente que caracteriza grande parte das cidades do país e, principalmente o espaço urbano de Aracaju/SE, é um fator que também contribui para a elevação do número de acidentes em geral, sendo resultado da falta de planejamento e do crescimento desordenado das cidades brasileiras, especialmente daquelas que fazem parte de regiões metropolitanas. Ademais, o aumento da frota veicular, juntamente a falta de maiores inversões no transporte público e na mobilidade urbana, resultaram na intensificação dos acidentes de trânsito no território nacional, pois historicamente o poder público privilegiou o transporte individual em detrimento do coletivo (imagem 1).

 
 

Imagem 1: Congestionamento na Avenida Gonçalo Rolemberg Leite (Aracaju/SE), 2018.

Fonte: os autores, 2018.

 
 

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a cada ano morrem, aproximadamente, 1,2 milhão de pessoas por causa da violência no trânsito e mais de 50 milhões sofrem lesões em todo o mundo. Por causa dos dados alarmantes, a ONU estipulou de 2011 a 2020 a década mundial de ações de segurança no trânsito, com foco, sobretudo, nos países em que os índices de acidentes são elevados, como China, Índia, Brasil, África do Sul, México e outros.

 

Em relação às principais causas de acidentes de trânsito em Aracaju/SE, têm-se: excesso de velocidade, embriaguez e uso de drogas, atravessar o sinal vermelho do semáforo, veículos individuais transitando nos corredores exclusivos de ônibus, condutores de veículos que desrespeitam a faixa de pedestres, veículos que estacionam em áreas não permitidas, ultrapassagem em local proibido, “buracos” e problemas nas vias, sinalização deficiente, falta de manutenção dos veículos, conversões em pontos proibidos, veículos na “contramão” das ruas, entre outros.

 

Os acidentes de trânsito no Brasil incluem diferentes tipos de vítimas, como pedestres, ciclistas, motociclistas, automóveis, veículos pesados, ônibus e outros modos de transporte (animal, trem, bonde, veículo especial etc.). Paralelamente às medidas de educação e melhoria da estrutura viária, outras ações são relevantes, como a fiscalização efetiva, rigor nas penalidades, proibir de dirigir os condutores que desrespeitam a sinalização e as leis de trânsito e geram acidentes graves, estratégias para estimular o uso do capacete pelos motociclistas (a não utilização desse equipamento obrigatório é frequente em Aracaju/SE e nas demais cidades sergipanas), maior controle para mitigar o número de pessoas que dirigem sem habilitação (sobretudo os jovens), evitar o transporte inadequado de crianças nos veículos (sem a devida proteção), valorizar o uso do cinto de segurança, entre outros.

 

O aumento da frota veicular e os investimentos insuficientes no transporte público devem ser considerados para entender a dinâmica dos acidentes em Aracaju/SE, em Sergipe e no Brasil. O crescimento econômico brasileiro, sobretudo entre 2003 e 2013, o incremento das classes médias, a expansão do crédito e dos financiamentos, o aumento relativo da renda e outros, criaram condições que estimularam a aquisição de motocicletas e automóveis pelas pessoas e, assim, acabaram gerando reflexos importantes no espaço urbano, com destaque à dificuldade de mobilidade (gráfico 1).

 

Gráfico 1: Frota de ciclomotores, veículos (automóveis) e ônibus no estado de Sergipe, 2006-2015 (porcentagem).

Fonte: Denatran, 2016.

 
 

A partir de 2010, observa-se um declínio de 2,3 pontos percentuais nos veículos e, neste mesmo período, um aumento de 2,4% dos ciclomotores. Com relação aos ônibus, verifica-se que pouco foi investido na ampliação dos mesmos, uma vez que entre 2006 e 2015 se manteve abaixo de 2% da frota veicular total, o que impacta e explica a reduzida mobilidade urbana em Aracaju/SE e em outras cidades sergipanas (gráfico 1).

 

No município de Aracaju/SE houve um crescimento considerável da frota de automóveis e ciclomotores na última década, elucidando uma pressão maior por mobilidade e acessibilidade no espaço urbano. Por conseguinte, as vias que apresentaram os maiores índices de acidentes na capital sergipana nos últimos anos são aquelas de fluxo diário mais intenso (tabela 1).

 

A avenida Tancredo Neves é a primeira do ranking de acidentes em Aracaju/SE, porém a avenida General Euclides Figueiredo destaca-se por apresentar um acréscimo de 38,46% de 2014 para 2015, a avenida Augusto Franco não apresentou variação e as demais reduziram em relação ao ano anterior (tabela 1). Alguns fatores explicam a queda dos acidentes em algumas vias públicas, caso da maior fiscalização (implantação e funcionamento de radares eletrônicos em pontos estratégicos) e os resultados positivos das campanhas educativas. Entretanto, ainda são elevados os índices apresentados, com destaque aos acidentes e óbitos de pessoas do sexo masculino.

 

Diante desse contexto, é fundamental que a “Educação para o Trânsito” seja um conteúdo obrigatório nos currículos escolares, pois isso amplia o entendimento do significado conceitual de trânsito, bem como a conscientização das pessoas sobre a temática, de modo a permitir o arrefecimento dos índices de mortes e/ou gravidades dos acidentes. Tal proposta se baseia nas ações adotadas por vários países desenvolvidos nas três últimas décadas, caso do Japão, da Alemanha e outros. É importante considerar também que não se pode pensar em trânsito apenas como ato de “ir e vir”, mas como um processo de ocupação do espaço pelos indivíduos.

 

A educação voltada ao trânsito deve estar presente nos níveis pré-escolar, fundamental, médio e superior, entretanto, é necessário um trabalho coletivo, com a participação de toda a sociedade, para que possamos obter resultados mais expressivos com a construção de um trânsito mais seguro. O desenvolvimento urbano e a reprodução social estão relacionados não somente à mobilidade urbana e ao fomento do transporte público, mas também é relevante reduzir de maneira significativa a violência no trânsito, notadamente os acidentes mais graves.

 

Todavia, em Aracaju/SE, no estado de Sergipe e no Brasil, além da insuficiência de recursos e ações efetivas, não há uma continuidade do planejamento, das políticas públicas e das estratégias voltadas a tornar o trânsito mais seguro, assim como melhorar a conscientização por parte das pessoas (motoristas, ciclistas e pedestres). Estas ações, em grande medida, são periódicas (sazonais), o que é pouco considerando a realidade brasileira. Dentre elas, destacam-se a Semana Municipal de Trânsito, a Semana Nacional de Trânsito e o Movimento Internacional Maio Amarelo.

 

Para melhorar as condições do trânsito brasileiro são necessárias ações integradas e intersetoriais, envolvendo o poder público, a iniciativa privada e a sociedade em geral. É preciso somar esforços com vistas à redução dos acidentes, com continuidade ao longo do tempo. Nesse sentido, é importante haver uma articulação eficiente entre os setores da educação, saúde, justiça e segurança pública na criação e implantação de ações de prevenção, bem como a capacitação de profissionais das diversas áreas para atuarem, direta ou indiretamente, no enfrentamento do problema.

 

Ações qualificadas e permanentes são fundamentais para arrefecer significativamente o problema da violência no trânsito a médio e longo prazos em Aracaju/SE, no estado de Sergipe e no Brasil, como a existência de mais projetos e recursos financeiros, educação voltada ao trânsito como prioridade (presente nas escolas e universidades), políticas públicas que valorizem a informação (em jornais, rádios, televisão, internet etc.), fiscalização adequada e punição, melhoria das condições viárias (sinalização, asfaltamento, infraestrutura etc.), expansão e modernização do transporte público (maior abrangência espacial, conforto, segurança e intermodalidade), entre outros.

 

O problema da violência no trânsito tem que ser enfrentado com eficiência no Brasil, pois os reflexos negativos atingem diretamente os acidentados (danos físicos e psicológicos), seus familiares e o Estado, considerando os altos custos financeiros envolvidos no tratamento e na recuperação. Dessa maneira, a educação para o trânsito pode e deve desenvolver atitudes e comportamentos adequados no meio social, resultando em redução da violência e valorização da vida.

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