Mobilizar ou imobilizar? A pandemia da Covid-19 e a incompreensão do que é o desenvolvimento

29/03/2020 13:00

No Brasil de Bolsonaro e Guedes, assim como de seu antecessor Michel Temer, o sucateamento dos meios de reprodução da força de trabalho – dentre os quais a saúde pública – foram a tônica dos 4 anos que se seguiram ao Golpe de Estado em 2016. A agenda de austeridade neoliberal realizada por esses governos impôs um teto de gastos à saúde pública (EC/95), que só em 2019 retirou R$ 20 bilhões do setor, negligenciando o caráter estratégico do SUS. Mesmo em meio à atual crise de saúde pública gerada pela pandemia do coronavírus, o presidente-vassalo do imperialismo tem negado seguidamente a necessidade de isolamento domiciliar por parte dos brasileiros, criando uma falsa dicotomia entre o desenvolvimento econômico e o resguardo das vidas humanas, exortando a população ao retorno de todas as atividades, incluindo escolas, comércio e serviços em geral. A pergunta que fazemos é: de fato existe a dicotomia entre desenvolvimento econômico e o resguardo da saúde através do isolamento social, combinado a outras medidas?

 

Nos últimos dias a Rússia iniciou obras para um complexo hospitalar de 80 mil metros quadrados em Moscou, com 500 leitos, sendo 250 UTIs e um laboratório próprio de infectologia para a análise das infecções, mobilizando 5.000 trabalhadores (Fonte: Sputnik, 2020). Ao mesmo tempo, a prefeitura moscovita decretou o isolamento domiciliar e o fechamento de comércio e serviços não-essenciais, para desacelerar a disseminação do vírus. Trata-se de ações similares às que tomaram as autoridades chinesas dias atrás. Na China, empresas privadas e estatais foram mobilizadas para a produção massiva e com preços controlados, de itens como respiradores, testes para Covid-19, máscaras, luvas e desinfectantes, além de 2 grandes hospitais, um deles com 1.000 leitos, em apenas 10 dias.

 

Canteiro de obras do complexo hospitalar de infectologia no distrito Troitsky-Novomoskovsky de Moscou. Fonte: Sputnik.

É obvio que há perdas econômicas imediatas com a redução da circulação e do consumo. Mas o exemplo chinês, assim como o russo, nos mostra que não há uma dicotomia absoluta, desde que o Estado entre em ação. Inovações surgem nas crises, são novos problemas cujas soluções se realizam através de novas químicas finas, engenharias de materiais, softwares, robótica etc.

 

Se por um lado é fundamental que se cessem as mobilidades em geral momentaneamente e assim, interações espaciais – ou seja, os contatos interpessoais que geram transformações progressistas naqueles que estão nela envolvidos (que geram, portanto, desenvolvimento) –, por outro lado, outras formas de interações espaciais e mobilidades são necessárias para combater o Covid-19, bem como para já preparar estrategicamente os países para outras possíveis epidemias/pandemias. Assim, a circulação massiva de pessoas, que potencialmente amplia a transmissão da doença (transportes de massa, circulação em praças de comércio e serviços, shoppings, escolas, universidades e outras aglomerações), dá lugar a mobilidades específicas para o combate à doença. Ações combinadas desse tipo têm sido essenciais para a saída mais rápida da crise, por alguns países. Inclusive, as 184 estações do metrô de Wuhan estão sendo gradativamente reabertas, equipadas com scanners térmicos para avaliar a temperatura dos passageiros, mostrando que a resposta está na aplicação de ciência e tecnologia.

 

Fato é que a mobilidade nunca cessa completamente. A máxima do “caráter absoluto do movimento e do caráter relativo do repouso”, na dialética materialista, é plausível. Além disso, mobilidades essenciais para o tratamento dos doentes, para a geração de conhecimentos, P&D, tecnologia e infraestrutura para se vencer o Covid-19 devem ser protegidas com todas as tecnologias de segurança disponíveis, inclusive com a prioridade dos testes de Covid-19 e o acompanhamento diário de seus trabalhadores. A massa da população, no entanto, deve ser protegida pelo isolamento e um programa de renda mínima adequado, até que haja um correto mapeamento dos focos da doença no território e assim, o controle do problema. Mas nada disso tem sido feito pelo governo brasileiro.

 

O governo Bolsonaro, acompanhado de governos estaduais e municipais, não faz desses exemplos a sua lição de casa. Os testes para constatação do Covid-19 – uma ferramenta fundamental para o isolamento e acompanhamento dos casos, tal como nos mostrou a Coréia do Sul, são insuficientes em quantidade. Faltam máscaras, material de limpeza, luvas, respiradores e leitos públicos de UTI em todo o território nacional. Não bastassem essas carências, o próprio presidente exorta as pessoas a retornarem totalmente às suas atividades.

 

É importante lembrar que o Brasil possui um déficit crescente na balança comercial ligado à saúde pública que vem acompanhando o período de 20 anos na esteira da construção do SUS. O déficit salta do patamar de US$ 3,0 bilhões em 1996, para US$ 12 bilhões em 2016 (GADELHA, 2018), mostrando, por um lado, como os governos populares de Lula da Silva e Dilma Rousseff esforçaram-se por ampliar e equipar o sistema, mas por outro, demonstra a sua fragilidade tecnológica. A próxima etapa seria justamente a de internalizar tecnologias para a produção própria de equipamentos médicos (joint-ventures, engenharia reversa etc.), com o fim de criar certa independência estratégica nesse setor. Vale ressaltar que nesse momento, pelo menos 50 países do mundo estão restringindo exportações de produtos avançados de saúde, obviamente dando preferência para o atendimento de suas necessidades internas. Os bolsonaristas/neoliberais ignoram completamente esse problema.

 

Além disso, que dizer de nossas cidades e seus sistemas de transporte e mobilidade? No Brasil, as pessoas permanecem muito tempo dentro do sistema de transporte, ou seja, muito tempo em trânsito, o que faz delas alvos potenciais de acidentes, stress, cansaço físico além do normal, condições nas quais pode haver redução de imunidade contra doenças, além é claro, de maiores chances de uma contaminação direta, já que estão expostas a uma grande variação no sobe-desce de passageiros. Na Região Metropolitana de Florianópolis, deslocamentos entre a cidade de São José, no continente e a Ilha de Santa Catarina, em condições de congestionamento, podem gerar até 4 horas de permanência dentro do sistema de transporte público (ida e volta), tal como ocorreu há dias atrás. Como pode, o governador de Santa Catarina, exortar as pessoas ao retorno de suas atividades, espremidas umas contra as outras no interior de um ônibus várias horas por dia?

 

Ademais, trata-se de um transporte público não subsidiado e, portanto, economicamente frágil em contextos como o atual. Além disso, não há institucionalidades, um “pessoal de inteligência” ligado à mobilidade, capaz de criar, flexibilizar e adaptar os serviços de transporte público a contextos de crise. Que dizer das pessoas que tem que deslocar grandes distâncias, em deslocamentos pendulares para efetuar suas compras em um contexto de quarentena? Toda a política de transportes e mobilidade que não foi feita anteriormente hoje mostra seus efeitos.

 

Ônibus lotado na Grande Florianópolis. Fonte: Ndmais.com.br.

Ora, ao contrário do que dizem as “falanges terraplanistas” não são as “altas densidades das cidades europeias” o grande propagador do vírus. Falam como se o Brasil estivesse protegido por sua dispersão urbana! Se assim fosse, Japão, Cingapura e Coréia do Sul, com suas hiperdensidades, já contariam centenas de milhares de infectados. Não se trata de uma análise de causa e efeito entre densidades urbanas e propagação do vírus. Se assim fosse, a cidade sul-coreana de Seul, com 16.257 hab./km² estaria mais infectada do que a estadunidense Nova Iorque com seus 7.166 hab./km². A ação do Estado sim, é decisiva.

 

Por fim, uma última palavra sobre as negligencias históricas de nossa sociedade. Em sociedades intensivas em conhecimento e tecnologia, o fator humano é um bem inestimável. Já nos dizia o grande Ignácio Rangel, que “um único dia perdido da força de trabalho, não pode ser recuperado” (RANGEL, 2005). Não deve haver, portanto, dicotomia entre desenvolvimento e proteção da vida humana. Ao contrário do que dizem os “novos malthusianos”, a proteção da vida está incluída na categoria de desenvolvimento. Contudo, somente sociedades planejadoras, que se organizam para o longo prazo, sabem da importância do fator humano para o seu desenvolvimento. Afinal, vidas perdidas são histórias que se vão, juntamente com valores-trabalho, inovação, idéias, além da própria vida, que não tem preço.

 

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RANGEL, Ignácio. Obras Reunidas. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.

GADELHA, C.A.G. Desenvolvimento, Inovação e Saúde: a perspectiva teórica e política do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Revista Ciência e Saúde Coletiva, n. 23, 2018.

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Rodrigo Giraldi Cocco

Doutor em Geografia (UFSC)

Pós-Doutor pela Universidade de Guadalajara e pela UFSC

Laboratório de Estudos sobre Circulação, Transporte e Logística (LABCIT-UFSC)

Núcleo de Estudos sobre Transportes (NETRANS-UNILA)

Grupo de Estudos em Desenvolvimento Regionais e Infraestruturas (GEDRI-CNPq)

Tags: AcessibilidadeBrasilCOVID-19DesenvolvimentoMobilidadeTransporte Público

Educação e violência no trânsito em Aracaju (SE): algumas considerações

18/07/2018 13:00

Os acidentes de trânsito representam uma das principais causas de lesões corporais e óbitos no Brasil e em vários países, além de resultarem em altos custos sociais, tanto às vítimas quanto aos seus familiares e ao Sistema Único de Saúde (SUS). Sua ocorrência está relacionada, na maioria das vezes, a atitudes dos motoristas e pedestres que elevam os riscos, mas também se relacionam às inadequadas condições das vias de tráfego (infraestrutura e sinalização deficientes).

 

A violência no trânsito no estado de Sergipe provocou um impacto econômico de R$ 1,7 bilhão em 2017, representando 4% do produto interno bruto (PIB) estadual. Essa foi a perda da capacidade produtiva causada por acidentes que mataram 466 pessoas e deixaram outras 789 com invalidez permanente. O valor corresponde ao que seria gerado pelo trabalho das vítimas caso não tivessem se acidentado.

 

No que tange à legislação de trânsito, pode-se considerar que o Brasil apresenta uma situação adequada em comparação a outros países. Contudo, há ainda dificuldades na fiscalização e uma sensação de impunidade com relação à penalização de motoristas que provocam acidentes graves em função de negligência, ingestão de álcool e drogas ou comportamento perigoso no trânsito, como o excesso de velocidade. A justiça brasileira tende a aplicar penas pouco proporcionais aos danos causados às vítimas, mesmos que esses indivíduos tenham assumido o risco de produzir acidentes graves, sendo isso mais evidente quando se trata de pessoas de renda elevada (políticos, empresários, magistrados etc.).

 

A infraestrutura deficiente que caracteriza grande parte das cidades do país e, principalmente o espaço urbano de Aracaju/SE, é um fator que também contribui para a elevação do número de acidentes em geral, sendo resultado da falta de planejamento e do crescimento desordenado das cidades brasileiras, especialmente daquelas que fazem parte de regiões metropolitanas. Ademais, o aumento da frota veicular, juntamente a falta de maiores inversões no transporte público e na mobilidade urbana, resultaram na intensificação dos acidentes de trânsito no território nacional, pois historicamente o poder público privilegiou o transporte individual em detrimento do coletivo (imagem 1).

 
 

Imagem 1: Congestionamento na Avenida Gonçalo Rolemberg Leite (Aracaju/SE), 2018.

Fonte: os autores, 2018.

 
 

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a cada ano morrem, aproximadamente, 1,2 milhão de pessoas por causa da violência no trânsito e mais de 50 milhões sofrem lesões em todo o mundo. Por causa dos dados alarmantes, a ONU estipulou de 2011 a 2020 a década mundial de ações de segurança no trânsito, com foco, sobretudo, nos países em que os índices de acidentes são elevados, como China, Índia, Brasil, África do Sul, México e outros.

 

Em relação às principais causas de acidentes de trânsito em Aracaju/SE, têm-se: excesso de velocidade, embriaguez e uso de drogas, atravessar o sinal vermelho do semáforo, veículos individuais transitando nos corredores exclusivos de ônibus, condutores de veículos que desrespeitam a faixa de pedestres, veículos que estacionam em áreas não permitidas, ultrapassagem em local proibido, “buracos” e problemas nas vias, sinalização deficiente, falta de manutenção dos veículos, conversões em pontos proibidos, veículos na “contramão” das ruas, entre outros.

 

Os acidentes de trânsito no Brasil incluem diferentes tipos de vítimas, como pedestres, ciclistas, motociclistas, automóveis, veículos pesados, ônibus e outros modos de transporte (animal, trem, bonde, veículo especial etc.). Paralelamente às medidas de educação e melhoria da estrutura viária, outras ações são relevantes, como a fiscalização efetiva, rigor nas penalidades, proibir de dirigir os condutores que desrespeitam a sinalização e as leis de trânsito e geram acidentes graves, estratégias para estimular o uso do capacete pelos motociclistas (a não utilização desse equipamento obrigatório é frequente em Aracaju/SE e nas demais cidades sergipanas), maior controle para mitigar o número de pessoas que dirigem sem habilitação (sobretudo os jovens), evitar o transporte inadequado de crianças nos veículos (sem a devida proteção), valorizar o uso do cinto de segurança, entre outros.

 

O aumento da frota veicular e os investimentos insuficientes no transporte público devem ser considerados para entender a dinâmica dos acidentes em Aracaju/SE, em Sergipe e no Brasil. O crescimento econômico brasileiro, sobretudo entre 2003 e 2013, o incremento das classes médias, a expansão do crédito e dos financiamentos, o aumento relativo da renda e outros, criaram condições que estimularam a aquisição de motocicletas e automóveis pelas pessoas e, assim, acabaram gerando reflexos importantes no espaço urbano, com destaque à dificuldade de mobilidade (gráfico 1).

 

Gráfico 1: Frota de ciclomotores, veículos (automóveis) e ônibus no estado de Sergipe, 2006-2015 (porcentagem).

Fonte: Denatran, 2016.

 
 

A partir de 2010, observa-se um declínio de 2,3 pontos percentuais nos veículos e, neste mesmo período, um aumento de 2,4% dos ciclomotores. Com relação aos ônibus, verifica-se que pouco foi investido na ampliação dos mesmos, uma vez que entre 2006 e 2015 se manteve abaixo de 2% da frota veicular total, o que impacta e explica a reduzida mobilidade urbana em Aracaju/SE e em outras cidades sergipanas (gráfico 1).

 

No município de Aracaju/SE houve um crescimento considerável da frota de automóveis e ciclomotores na última década, elucidando uma pressão maior por mobilidade e acessibilidade no espaço urbano. Por conseguinte, as vias que apresentaram os maiores índices de acidentes na capital sergipana nos últimos anos são aquelas de fluxo diário mais intenso (tabela 1).

 

A avenida Tancredo Neves é a primeira do ranking de acidentes em Aracaju/SE, porém a avenida General Euclides Figueiredo destaca-se por apresentar um acréscimo de 38,46% de 2014 para 2015, a avenida Augusto Franco não apresentou variação e as demais reduziram em relação ao ano anterior (tabela 1). Alguns fatores explicam a queda dos acidentes em algumas vias públicas, caso da maior fiscalização (implantação e funcionamento de radares eletrônicos em pontos estratégicos) e os resultados positivos das campanhas educativas. Entretanto, ainda são elevados os índices apresentados, com destaque aos acidentes e óbitos de pessoas do sexo masculino.

 

Diante desse contexto, é fundamental que a “Educação para o Trânsito” seja um conteúdo obrigatório nos currículos escolares, pois isso amplia o entendimento do significado conceitual de trânsito, bem como a conscientização das pessoas sobre a temática, de modo a permitir o arrefecimento dos índices de mortes e/ou gravidades dos acidentes. Tal proposta se baseia nas ações adotadas por vários países desenvolvidos nas três últimas décadas, caso do Japão, da Alemanha e outros. É importante considerar também que não se pode pensar em trânsito apenas como ato de “ir e vir”, mas como um processo de ocupação do espaço pelos indivíduos.

 

A educação voltada ao trânsito deve estar presente nos níveis pré-escolar, fundamental, médio e superior, entretanto, é necessário um trabalho coletivo, com a participação de toda a sociedade, para que possamos obter resultados mais expressivos com a construção de um trânsito mais seguro. O desenvolvimento urbano e a reprodução social estão relacionados não somente à mobilidade urbana e ao fomento do transporte público, mas também é relevante reduzir de maneira significativa a violência no trânsito, notadamente os acidentes mais graves.

 

Todavia, em Aracaju/SE, no estado de Sergipe e no Brasil, além da insuficiência de recursos e ações efetivas, não há uma continuidade do planejamento, das políticas públicas e das estratégias voltadas a tornar o trânsito mais seguro, assim como melhorar a conscientização por parte das pessoas (motoristas, ciclistas e pedestres). Estas ações, em grande medida, são periódicas (sazonais), o que é pouco considerando a realidade brasileira. Dentre elas, destacam-se a Semana Municipal de Trânsito, a Semana Nacional de Trânsito e o Movimento Internacional Maio Amarelo.

 

Para melhorar as condições do trânsito brasileiro são necessárias ações integradas e intersetoriais, envolvendo o poder público, a iniciativa privada e a sociedade em geral. É preciso somar esforços com vistas à redução dos acidentes, com continuidade ao longo do tempo. Nesse sentido, é importante haver uma articulação eficiente entre os setores da educação, saúde, justiça e segurança pública na criação e implantação de ações de prevenção, bem como a capacitação de profissionais das diversas áreas para atuarem, direta ou indiretamente, no enfrentamento do problema.

 

Ações qualificadas e permanentes são fundamentais para arrefecer significativamente o problema da violência no trânsito a médio e longo prazos em Aracaju/SE, no estado de Sergipe e no Brasil, como a existência de mais projetos e recursos financeiros, educação voltada ao trânsito como prioridade (presente nas escolas e universidades), políticas públicas que valorizem a informação (em jornais, rádios, televisão, internet etc.), fiscalização adequada e punição, melhoria das condições viárias (sinalização, asfaltamento, infraestrutura etc.), expansão e modernização do transporte público (maior abrangência espacial, conforto, segurança e intermodalidade), entre outros.

 

O problema da violência no trânsito tem que ser enfrentado com eficiência no Brasil, pois os reflexos negativos atingem diretamente os acidentados (danos físicos e psicológicos), seus familiares e o Estado, considerando os altos custos financeiros envolvidos no tratamento e na recuperação. Dessa maneira, a educação para o trânsito pode e deve desenvolver atitudes e comportamentos adequados no meio social, resultando em redução da violência e valorização da vida.

Tags: AcessibilidadeAracajuEducação no trânsitoMobilidade urbanaTransporte PúblicoTransportes

Interações espaciais e a questão do transporte público: proposições nos municípios da Região Metropolitana de São Luís (MA)

27/03/2018 13:00

Nos últimos anos, o transporte foi alvo de problemas de deslocamento à medida que as cidades crescem e as empresas e o poder público não conseguiram atender à população com a mesma capacidade. As cidades cresceram, predominantemente, por meio de ocupações desordenadas, incentivadas pela industrialização e próximos aos conjuntos habitacionais para garantir oportunidades de emprego. As referidas ocupações não dispõem de equipamentos urbanos, infraestruturas adequadas e vias de acesso ao transporte coletivo, implicando na restrição de acesso aos serviços essenciais e a mobilidade.

 

Vários indicadores mostram que crescimento populacional é acompanhado pelas altas demandas de mobilidade. Segundo os dados do censo demográfico do IBGE (2010), no Brasil diariamente 5.924.107 trabalhadores (9,61%) levam mais de uma hora até duas horas para o deslocamento e 1.093.910 trabalhadores (1,78%) levam mais de duas horas para o deslocamento. Então pode-se dizer que 11,40% dos trabalhadores levam mais de uma hora para o deslocamento, isso equivale a 7.018.017 trabalhadores. Os dados não exibem custos de transporte, as condições de conforto e atrasos no serviço que diariamente registra problemas com a mobilidade casa-trabalho.

 

O transporte público é um serviço que atende aos diversos segmentos sociais, sendo fundamental no processo de desenvolvimento econômico e acesso à população aos serviços essenciais para potencializar a força de trabalho e reduzir o custo de circulação. Os trabalhadores que utilizam esse meio de transporte necessitam se deslocar diariamente para irem de casa ao trabalho e trajeto contrário. No entanto, os usuários possuem desigualdades no tempo de deslocamento devido às iniquidades da reprodução social, cujas referências são os que foram expulsos da área central ou moram em áreas distantes do serviço (COCCO, 2011a).

 

Em São Luís, a frota de automóveis cresceu entre 2005 a 2015 cerca de 282%, enquanto entre 2000 e 2010 a população do referido município cresceu 11,6%, o que significa que a frota cresceu mil vezes em relação à população. A frota de motocicleta em 2005 era de 17.641 e, em 2015, chegou a 91.410, o que representou um acréscimo de 618% (BRASIL, 2017; BRASIL, 2013). O crescimento da frota de automóveis em São Luís é maior do que em outros municípios da Ilha do Maranhão (São José de Ribamar, Raposa e Paço do Lumiar), assim como o crescimento populacional.

O crescimento populacional da Ilha do Maranhão causou problemas relacionados à acessibilidade, ao deslocamento e ao transporte. Neste cenário, tornam-se urgentes as políticas públicas locais e em escala regional para melhoria da eficiência e qualidade do transporte público próximo aos locais de moradia, além de geração de equipamentos urbanos próximos ao residente (comércio, loja, supermercado, escola, hospital entre outros) (MIRALLES-GUASCH, 2014; MIRALLES-GUASCH E MARQUET SADA, 2013).

 

A expansão imobiliária acompanhada pelo espraiamento urbano (FERREIRA, 2014; VILLAÇA, 2001; CORRÊA, 1989b), dificultam a acessibilidade e mobilidade cotidiana dos usuários de transporte público. São Luís, cidade maranhense que apresenta mais equipamentos de consumo coletivo, atrai grandes fluxos em direção ao trabalho. A produção automobilística e o crescimento urbano – resultado de inovações tecnológicas – promoveram ampliações do deslocamento em áreas distantes. No entanto, o aumento no número de automóveis levou a perdas de tempo nos congestionamentos no transporte público e automotivo (COCCO; SILVEIRA, 2011b). As dificuldades do trabalhador, devido à incompatibilidade do turno de trabalho e o horário de chegada, levam a perda de emprego.

 

Podemos observar na tabela a oferta de viagens dos ônibus durante o período analisado (2015). Na bacia do São Cristóvão apresenta baixo IPK, com a maior quantidade de passageiros transportados. Os ônibus enfrentam congestionamentos e possuem grande quantidade de frota, o que torna o ciclo de viagens intenso, aumentando o tempo de utilização dos veículos, e consequentemente o desgaste dos mesmos. A baixa renovação da frota afeta a confiabilidade do serviço, com aumento das interrupções de viagens por causa de problemas mecânicos. Isso prejudica o tempo de viagem aos usuários que utilizam o serviço e muitas vezes aguardam o próximo ônibus para seguir viagem na redução do tempo, conforto, segurança e IPK.

A situação acima descrita demonstra a necessidade urgente de investimentos em sistema de transporte e na sua licitação. A licitação do sistema de transporte urbano (município de São Luís) foi homologada em junho de 2016 e as vencedoras assinaram o contrato em setembro de 2016. A partir então, ocorreram investimentos na renovação da frota e adequação das linhas nos lotes definidos pela Prefeitura de São Luís. A licitação do sistema semiurbano (demais municípios integrantes da RMGSL) está em curso e será lançado em 2017. O referido processo ainda precisa avançar, pois é preciso investimentos em corredores de transporte e na eficiência do tempo de deslocamento para reduzir tempo e custo, aumentar a segurança e conforto dos usuários de transporte e garantir competitividade frente aos outros modos de transporte.

 

Em São Luís, por exemplo, 31% dos trabalhadores realizam o deslocamento casa-trabalho diariamente segundo dados do censo demográfico do IBGE (2010). Podemos perceber que, nos outros municípios da Ilha do Maranhão, identifica-se tempos de deslocamento bastante expressivo entre 6 min a 1 hora, sendo o número de deslocamento elevado. Com a finalidade de acessar tais serviços como compras, lazer e escola, os deslocamentos são longos e demorados. O município de Paço do Lumiar, com 30% dos trabalhadores, é o que apresenta o tempo de deslocamento expressivo cerca de 40% entre 30 minutos a 1 hora e 23% entre 1 hora até 2 horas, enquanto que 29% é entre 6 minutos a 30 minutos, 6% até 5 minutos e 2% com mais de 2 horas. São José de Ribamar é o município que apresenta o segundo maior tempo de deslocamento, sendo que em 17% dos casos, consome-se entre 1 hora até 2 horas, 38% em 30 minutos até 1 hora, 36% em 6 a 30 minutos. Raposa possui o terceiro maior tempo de deslocamento, sendo que 16% em 1 hora até 2 horas, 32% em 30 minutos a 1 hora, 35% em 6 minutos a 30 minutos e 12% em até 5 minutos. Em São Luís, 114.166 (36%) levam mais de meia hora até uma hora, acompanhado de 39.204 (12%) entre uma hora e duas horas e 5.428 (2%) levam mais de duas horas.

 

Os problemas do transporte coletivo na cidade de São Luís e por extensão na região metropolitana por ela polarizada, são praticamente os mesmos de outras aglomerações urbanas que cresceram de forma acelerada e o poder de gestão não monitorou a demanda por esse serviço e particularmente não se preocupou com o necessário planejamento. Com efeito, os usuários que têm baixo poder aquisitivo e que não dispõem de veículo particular se deparam com demora nos pontos de parada, ônibus cheios e frota envelhecida etc., o que é agravado por que não há outra opção, a exemplo de trem de superfície e metrô. A situação só não é mais grave tendo em vista que ante a precariedade desse serviço, algumas pessoas ofertam veículos “lotação”, vans e moto-taxi, o que iniciou na Área Itaqui-Bacanga e mais recentemente se estendeu para Cidade Operária e adjacências, bem como para as sedes dos municípios de Paço do Lumiar, Raposa e São José de Ribamar e conjuntos habitacionais do Programa Minha Casa, Minha Vida.

 

Quando o planejamento do serviço de transporte público estiver de forma adequada, tal qual preveem os projetos, garantirá a continuidade das interações espaciais com mais eficiência, menor tempo e custo. No entanto, há dificuldades na esfera político-econômica, social e cultural que torna um empecilho para expansão dos investimentos. Dentre eles tem o ambiente construído dessas obras como limitador de alargamento e expansão, causando custos e indenizações. Tais intervenções objetivam maior precisão do cálculo tarifário, na estruturação das rotas, na confiabilidade do serviço em atrasos, maior segurança e conforto para os usuários.

 

REFERÊNCIAS

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BORGES, Rodrigo César Neiva. Definição de transporte coletivo urbano. Câmara dos Deputados, Consultoria Legislativa. Brasília, 2006. Disponível em <http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/1720>. Acesso em 12 maio 2016.

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COCCO, Rodrigo Giraldi. Interações espaciais e sistemas de transporte público: uma abordagem para Bauru, Marília e Presidente Prudente. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia. Presidente Prudente, São Paulo, 2011a.

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Juan Guilherme Costa Siqueira

Universidade Estadual do Maranhão- UEMA

Marcelino Silva Farias Filho

Universidade Federal do Maranhão- UFMA

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Especial governo Lula da Silva: a suspensão do Programa Minha Casa Minha Vida e sua repercussão na economia

17/05/2017 13:00

Temos presenciado com muita atenção, nos últimos anos, as grandes intervenções do programa Minha Casa Minha Vida, que tem dotado de habitação a população carente e a classe media. E nestes dias, com muito assombro também presenciamos sua caída. Sedo o maior programa habitacional da América Latina, sua criação esta marcada por esforços e lutas pela moradia digna que vem de muitos anos, apresentamos aqui um breve resumo da importância deste programa para a diminuição do déficit habitacional e para a criação de empregos e renda.

 

Conjunto Habitacional Residencial Saudade –Biguaçu/SC, financiado com o programa Minha Casa Minha Vida – Faixa 1.

 

O ano 2003 marca o início de um período de grandes mudanças políticas e econômicas para o Brasil, com o início do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, define-se uma nova orientação social e urbana. Com o empenho de criar condições institucionais favoráveis para viabilizar uma nova política urbana no país, foram desenvolvidos projetos de lei, plataformas e programas apresentados no Fórum Nacional da Reforma Urbana por partidos políticos progressistas, instâncias legislativas, entidades sindicais, profissionais ou acadêmicas, que deram como resultado a criação do Ministério das Cidades, em 2003. O Ministério das Cidades veio a dar sequência às propostas que haviam sido configuradas no Programa Pro-Moradia cuja equipe técnica convocada para compor os quadros do Ministério tinha fortes vínculos com o Fórum Nacional da Reforma Urbana. O Ministério das Cidades foi fruto de um amplo movimento social progressista e sua criação parecia confirmar com os avanços, os novos tempos para as cidades no Brasil (ERMÍNIA MARICATO, 2012).

 

O Ministério das Cidades estruturou políticas setoriais e programas voltados à habitação, ao saneamento básico, ao transporte público, à mobilidade urbana, à regularização fundiária, ao planejamento urbano, dentre outros temas com o foco em reverter à desigualdade social das cidades brasileiras. Ao respeito Ermínia Maricato (2012) assinala que: cada política setorial constitui um universo em si mesma. No Ministério das Cidades essa globalidade era respeitada, mas construía-se especialmente nas reuniões semanais onde os problemas do Ministério das Cidades eram compartilhados, a subordinação integrada aos princípios da equidade social e sustentabilidade territorial.

 

Conjunto Habitacional Residencial Saudade –Biguaçu/SC, financiado com o programa Minha Casa Minha Vida – Faixa 1.

 

Desde sua criação o Ministério das Cidades, é o órgão coordenador, gestor e formulador da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, ligando estreitamente os projetos da cidade e resgatando a coordenação política e técnica das questões urbanas. De modo transversal, foram criados programas que operam com a lógica de enfrentamento das carências urbanas, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), além de programas que visam à melhoria da gestão urbana, como o Programa de Fortalecimento da Gestão Urbana.

 

O programa MCMV é o resultado de uma grande luta pelos direitos de moradia digna. Desde a sua criação no ano 2009, é o programa federal de Habitação de Interesse Social de maior importância no país e pode se dizer que também da América Latina, pela abrangência e fundos investidos.

 

A distribuição das habitações foi determinada a partir da composição do déficit habitacional nacional, que em 2008 correspondia a 5,572 milhões de domicílios, totalizando o percentual de 89,40% deste déficit nas famílias de renda mensal abaixo de três salários mínimos, segundo o IBGE/IPAD 2007.

 

Na primeira fase o programa MCMV cumpriu a meta de viabilizar o acesso a um milhão de moradias. Segundo o governo, já foram entregues mais de 2,6 milhões de unidades habitacionais nas duas primeiras fases do programa, em mais de 5.300 cidades no Brasil. Levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou que entre 2007 e 2012 houve redução de 6,27% no déficit habitacional no Brasil. Essa queda ocorreu ao mesmo tempo em que houve aumento de 12,6% no total de domicílios, de 55,918 milhões para 62,996 milhões. Assim, em termos relativos, o déficit caiu de 10% do total de domicílios para 8,53%.

 

Conjunto Habitacional Marlene Moreira Pierri– Palhoça/SC, financiado com o programa Minha Casa Minha Vida – Faixa 1.

 

Além disso, o programa representou 32,1% do total das construções de moradias do país no ano de 2014, e a cada R$ 1 milhão investido no Programa, o Governo Federal mantinha ativos 32 postos de trabalho (M. Cidades/IPEA, 2014). Esse investimento gera uma renda de forma direta e indireta, na construção civil e em outros setores da economia. Desta forma, o Minha Casa Minha Vida já injetou R$ 270 bilhões na economia brasileira até o ano 2015, de uma carteira de investimentos totais de cerca de R$ 550 bilhões em infraestruturas. A atividade da construção tem um impacto mais abrangente na economia do que o diretamente visualizado através do produto imobiliário. Existe uma complexa articulação entre os agentes por meio da cadeia produtiva do setor, ligando desde fornecedores de matérias-primas, serviços e outros insumos até atividades que trabalham os produtos imobiliários, como hotéis, aluguéis, administração e consultorias.

 

Efetivamente, a grande aceitação das empresas de construção civil ao programa, foi rápida, já que elas buscavam reagir frente à crise internacional de 2008. Coincide também com esta perspectiva MARICATO (2012) e FERREIRA (2012), que assinalam que o programa MCMV veio corroborar o novo cenário do mercado imobiliário brasileiro e foi lançado em parte para “aquecer o setor da construção civil” dos temores quanto aos efeitos no Brasil da crise econômica global de 2008, a qual era potencialmente capaz de dinamizar a economia nacional face à ameaça da crise.

 

No estado de Santa Catarina, a criação do programa MCMV, também teve forte presença, o financiamento para moradia popular vem contribuindo para melhorar os índices de déficit habitacional que era de 150.516 domicílios em 2010, e a maioria concentrava-se nas faixas de mais baixa renda, onde 77,1% se enquadram na renda de até 3 salários mínimos (PCHIS 2012 - COHAB/SC). Em relação a isso, o estado de Santa Catarina tem um total aproximado de 102 mil unidades habitacionais construídas até o ano 2016, o que corresponde a 3,79% do total contratado no país.

 

Antes do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, se lançou a terceira fase do programa Minha Casa Minha Vida, que ia contratar mais 2 milhões de moradias até 2018. No total, o programa MCMV 3 estava prevendo investimentos de R$ 210,6 bilhões ao longo de três anos, que iam dar continuação ao programa e reforçar a proposta da diminuição do déficit habitacional no Brasil. Dos 2 milhões de unidades que iam ser contratadas até 2018, metade estava destinado nas faixas 1 e 1,5, com 500 mil unidades para cada uma.

 

Após vários anos de desenvolvimento econômico, o governo brasileiro nunca tinha investido tanto dinheiro em subsídios habitacionais. Considera-se que o programa MCMV é um grande avanço para a política habitacional brasileira, apesar das grandes criticas feitas ao programa, que sugerem maior articulação dos empreendimentos com a cidade, o programa tem conseguido diminuir o déficit habitacional e integrado a população carente dentro da cidade formal.

 

É lamentável que nestes últimos dias, o "governo" do "presidente" Michel Temer, abandonou a meta traçada pela presidente afastada Dilma Rousseff, e declarou o programa suspenso, sendo que ainda muitas famílias que se encontram em situação de pobreza e esperam no cadastro único das prefeituras para serem atendidas.

 

Devemos refletir também em relação à repercussão do programa na economia brasileira, já que o programa foi por oito anos, gerador e produtor de renda, emprego e impostos. Esta paralisação, evidentemente já está trazendo consequências no desenvolvimento deste setor da construção civil e posteriormente trará consequências também para a economia Brasileira.

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