MANIFESTO DA ANPEGE A FAVOR DO BRASIL, DOS BRASILEIROS E BRASILEIRAS

14/03/2016 13:00

https://static.wixstatic.com/media/ca979d_00e293e649cf4b2ba1f1dbaccd88571b.jpg/v1/fill/w_288,h_341,al_c,lg_1,q_80,enc_auto/ca979d_00e293e649cf4b2ba1f1dbaccd88571b.jpgA Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (ANPEGE) vem a público manifestar-se sobre o contexto atual que envolve a sociedade brasileira, em especial seu quadro político institucional.

Os pesquisadores geógrafos analisam a sociedade brasileira na relação com seu território, o que envolve questões agrárias, urbanas, populacionais e ambientais entre outros temas.

Atentos às discussões prementes na atualidade da sociedade brasileira, ressaltamos alguns eixos que consideramos de amplo valor social e estratégico, aos quais é necessário dar respostas positivas:

Fomentar um processo de planejamento e gestão do território brasileiro que leve em consideração a necessidade de frear o desmonte e o descrédito das bases informacionais dos principais organismos geradores de dados oficiais, a exemplo da cartografia oficial, que está cada vez mais desatualizada e com conflitos institucionais de atribuição. O Google não pode substituir a cartografia de Estado do país continental.

Instaurar políticas que considerem as demandas dos territórios tradicionais seculares – as matrizes indígenas e quilombolas, sobretudo. Essas políticas têm o dever de obstruir as práticas que se expressam num modelo impeditivo do exercício de direitos constitucionais territoriais e da efetiva inserção daquelas demandas no sistema oficial do país – práticas correntes e que são inibidoras de nova gestão para as terras indígenas e hostis à demarcação territorial dos remanescentes de quilombos. Tais práticas revelam o quanto é ainda presente e forte o "Brasil Colonial", que teme perder seus privilégios históricos e produtores de exclusões sociais, o que se expressa nas propostas conservadoras hoje em trânsito no Congresso Nacional, bem como em ações coercitivas promovidas por aqueles que detêm o poder econômico e exercem a política como uma extensão deste poder.

Um cuidado fundamental é o estabelecimento de políticas que contemplem as transformações demográficas atuais. Do ponto de vista demográfico, o Brasil vive a maturidade, com a maioria da população adulta pronta para o estudo, para o trabalho, para o produzir/criar de suas vidas. A extensão e a perpetuidade dos conflitos políticos nacionais podem trazer consequências várias para o "Brasil Maduro", no presente e no futuro próximo. Assistimos aos dramas de processos migratórios em várias partes da América, África, Ásia e Europa, enquanto a nova configuração etnográfica nacional está se desenhando em algumas metrópoles brasileiras, o que nos conduz a condições similares às presentes nos processos observados. Assistimos – como se ele fosse uma praga endêmica incurável – ao extermínio invisível de homens e mulheres daquela porção da juventude brasileira caracterizada por uma matriz étnica e por um lugar no território marcados de forma discriminatória pelo olhar preconceituoso. Opor-se aos preconceitos é dar imprescindível basta ao “Brasil Colonial”.

Ao par desses três eixos, denunciamos a superexploração de componentes da natureza, para atender interesses privados, de corporações e, enfatizamos a prioridade da manutenção das políticas de preservação/conservação e de exploração das riquezas nacionais pelos brasileiros, para os brasileiros – ênfase e alerta necessária face às incertezas do momento político. Consideramos que elemento crucial da instabilidade em que hoje estamos envolvidos diz respeito à regulação da exploração do pré-sal, uma das maiores riquezas de nosso país, pelo regime de partilha.

A regulação, debatida com a sociedade e aprovada em lei, não é aceita por opositores a essa forma de exploração dos recursos do pré-sal, uma vez que a gestão autônoma e soberana desses recursos constituiria uma ameaça à economia e à hegemonia política norte-americana em relação ao controle das reservas estratégicas de petróleo ao redor do mundo. Fato que se desdobra na retomada das pressões para a privatização da Petrobrás (Projeto de Lei 131/201). Tais pressões vinculam-se à busca pela retomada do poder governamental federal pelos representantes nacionais de interesses consorciados ao capital internacional. Faz-se necessário relembrar as consequências econômicas desestabilizadoras que podem ser geradas por medidas instigadas pelo capital internacional, como a redução do preço do barril de petróleo, medida induzida artificialmente, por tratar-se de uma commodity, e de modo articulado a setores da mídia partícipe dos mesmos interesses de acumulação e a setores do Judiciário.

Decorre desse cenário uma sequência de ações que, sob a camuflagem da luta contra a corrupção, promove uma seletividade do que é noticiado e facilita o vazamento de informações processuais. Alimenta o espetáculo midiático para o convencimento público quanto à necessidade de mudanças urgentes no poder – como se a corrupção, apresentada como o motivo de tais ações desestabilizadoras, não fosse um sistema histórico e estrutural enraizado nas instituições brasileiras e só agora a chaga houvesse sido descoberta, como se só agora houvesse se tornado justificável o clamor da indignação. Essas ações desestabilizadoras assemelham-se àquelas vividas em períodos anteriores pela sociedade brasileira, como em 1954 e 1964, quando o poder econômico, ameaçado de perder privilégios, engendrou movimentos golpistas.

Essas iniciativas políticas trazem, no seu âmago, o objetivo de conter os avanços democráticos conquistados pela sociedade brasileira. Agravam-se pela deflagrada ruptura em relação aos princípios democráticos e constitucionais, conforme os últimos acontecimentos o demonstram, sinalizando uma conjuntura de golpe com participação e apoio acintosos de setores da chamada grande mídia, que não se constrange em evidenciar seu facilitado e sistemático acesso a informações internas da Polícia Federal e do Judiciário. Duvidosos aspectos das práticas de delação premiada, assim como os vazamentos de informações seletivas, a espetacularização midiática e os recentes atos de coerção e constrangimento, ao se tornarem hábito instituído na condução das investigações, terminam por colocar em risco a garantia de segurança para o conjunto dos cidadãos brasileiros.

É nesse contexto que a ANPEGE vem a público em defesa do Estado Democrático de Direito que implica em mobilização social, em reconstrução do Estado e dos processos de transformação do modelo hoje expresso pelo neoliberalismo no Brasil e em outras partes do globo e, se une aos brasileiros e às brasileiras que se prontificam à defesa da democracia, do Estado de Direito e da convivência com respeito e dignidade.
Profa. Dra. Dirce Suertegaray
Presidente da ANPEGE (2016-2017)

Porto Alegre, 12 de março de 2016

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