Abertura, concorrência e renovação das concessões ferroviárias: avanços e retrocessos recentes

27/04/2017 13:00

Passados quase duas décadas das concessões ferroviárias brasileiras é possível observar que o discurso do governo do período de que a atuação de empresas privadas resolveria os problemas decorrentes da falta de investimento da malha nacional, como: os dormentes danificados, lastros contaminados, trilhos gastos e desalinhados, sinalização deficiente, pátios sem equipamentos e operação onerosa, não se concretizaram. As concessionárias priorizaram corredores de exportação específicos e consequentemente desativaram e subutilizaram trechos de acordo com o interesse das mesmas e os produtos que o mercado externo buscava, sem uma preocupação com o mercado interno e a integração produtiva nacional.

 

Em uma tentativa de alterar alguns dos problemas identificados, em 2012, o Governo Dilma, através do Programa de Investimento em Logística (PIL) propôs a implantação de um novo modelo de concessão com a separação do fornecimento da infraestrutura ferroviária (vias, pátios e sistemas de controle de tráfego) e o serviço de operação, principalmente em função das características dos novos projetos. A Ferrovia Norte-Sul, por exemplo, é uma via férrea troncal que ligará o norte do país ao sudeste, e quando concluída, também ao sul. Por integrar todo o país não é interessante que ela seja concedida no modelo vertical para a atuação de uma única empresa, ao contrário o ideal é que ela seja integrada a malha nacional e diferentes operadoras tenham o acesso a mesma.

 

Trata-se de um processo de desverticalização do transporte ferroviário, ou seja, separação entre a infraestrutura e a operação. Este modelo de separação vertical previsto pelo PIL é próximo ao que foi adotado na União Europeia, na década de 1990. Ela definiu a separação vertical como forma de introduzir a concorrência nas ferrovias e melhorar a qualidade dos serviços. No caso brasileiro, a Valec forneceria a infraestrutura, faria a negociação de preços e a venda da capacidade da via para as transportadoras e operadoras de serviço. Caberia a empresa pública fomentar as operações ferroviárias através do aumento da capacidade no subsistema federal e promover a interoperabilidade da malha, de modo a não deixar malha com capacidade ociosa e ampliar a competição no setor.

 

A mudança do modelo de concessão estabeleceu novos desafios para a gestão do modal ferroviário nacional, ao mesmo tempo em que surgiram vários questionamentos quanto operacionalidade e às vantagens e desvantagens do modelo desverticalizado para a realidade brasileira. A principal vantagem seria criar a concorrência no serviço, eliminar possíveis discriminação de usuários pelo prestador de serviço e a possibilidade de diminuição do custo de capital associados as vias férreas. No Brasil isto tem um caráter a mais tendo em vista que os maiores operadores ferroviários são empresas ligadas ao setor produtivo e que possuem seus próprios produtos para transportar. Assim, além de aumentar a concorrência dentro do modal a alteração também permitirá o acesso de diferentes produtores ao modal, não somente de commodities, mas também de carga geral por meio da expansão do uso de contêineres. A possibilidade de empresas prestadoras de serviços de transporte ou usuários dependentes poderem transportar cargas pela malha diminuirá os custos e o tempo de circulação, permitindo maior fluidez entre as diferentes regiões. Os usuários da malha em Santa Catarina, Pernambuco e Minas Gerais, por exemplo, poderiam ser estimulados a usar a ferrovia. Com um maior número de operadores a produtividade dos trechos seria maior, assim como o retorno social, devido a retirada de caminhões das estradas.

 

Para este modelo funcionar é necessário uma série de adequações técnicas, uma vez que um operador não poderá mudar as especificidades do material rodante para se adequar a diferentes infraestruturas ferroviárias, sistemas de sinalização e comunicação. Atualmente existe uma incompatibilidade entre os sistemas das concessionárias no Brasil.

 

À despeito dos problemas técnicos e normativos, aqui apenas pincelados, para aplicação de referido modelo de operação ferroviário no Brasil, ele foi um avanço pois iniciou a discussão do monopólio e abriu o cadastro para Operadores Ferroviários Independentes (OFI) usar a malha férrea, que vale lembrar, é pública. Contudo, ainda durante o processo de debate e início da abertura, a desaceleração da economia brasileira no ano de 2015 travou o processo de investimentos em obras de infraestruturas e o governo do período sinalizou a possibilidade de prorrogação dos contratos das atuais concessionárias.

 

A instauração do Governo Temer alterou significativamente pontos importantes para a melhoria do sistema ferroviário nacional. De modo que passados apenas cinco anos do início da discussão no Brasil, a qual tampouco se tratou de um enfrentamento direto dos problemas das concessões ferroviárias, o país é confrontado com um retrocesso à política neoliberal da década de 1990. Apesar de prever a disponibilização de capacidade mínima de transporte para terceiros, quando couber, e a relicitação do objeto de contrato em caso de descumprimento de disposições ou incapacidade financeira, o atual governo retoma o discurso do final do século XX e está em vias de retroagir e cometer exatamente os mesmos acordos de interesse com grupos específicos, os quais são totalmente contrários ao interesse nacional.

 

O processo de alteração iniciou com a promulgação da Lei nº 13.334 de 13 setembro de 2016 a qual cria o Programa de Parcerias de Investimento (PPI), projeto do atual governo para ampliar os investimentos, via adoção de um modelo de concessão que atraia mais a iniciativa privada e novas privatizações, com a justificativa de que isto irá tirar o país da crise.

 

No que se refere respectivamente ao modal ferroviário nacional o PPI definirá os projetos ferroviários prioritários e o modelo de concessão e contratos com a iniciativa privada. Dentre os objetivos do PPI está a “assegurar a estabilidade e a segurança jurídica, com a garantia da mínima intervenção nos negócios e investimentos” e “fortalecer o papel regulador do Estado e a autonomia das entidades estatais de regulação”, portanto, tem-se que não haverá mudança na liberdade de atuação das concessionárias e uma fiscalização rigorosa, por parte da ANTT, no sentido de fazer cumprir os acordos e responsabilidades previstos nos contratos. O programa incluiu três obras ferroviárias, sendo que duas já estão em execução, a saber: o trecho entre Palmas e Estrela D’Oeste da EF-151 e entre Ilhéus e Caetité da EF-334 (Ferrovia de Integração Oeste-Leste). E o projeto a ser executado a EF-170 (Ferrogrão) que neste programa aparece com o traçado de Sinop/MT até Mirituba/PA ao invés de Lucas do Rio Verde/MT a Mirituba.

 

O golpe efetivo sobre o modal ferroviário foi a promulgação da Medida provisória nº752, de 24 de novembro de 2016. Esta estabelece as diretrizes para a prorrogação e relicitação dos contratos de concessão rodoviárias, ferroviários e aeroportuárias. De modo que, as atuais concessionárias poderão renovar o contrato de concessão por igual período ao contrato anterior, por meio da inclusão de investimentos não previstos na concessão vigente. A medida define que a prorrogação seja condiciona pela prestação de serviço adequada, por parte da concessionária. O que é uma contradição tendo em vista que este critério eliminaria parte das atuais concessionárias, devido ao abandono de ramais ferroviários e também descumprimento das metas, como pode ser observado pelo número de processos no Ministério Público e outros órgãos contra as mesmas.

 

Ao mesmo tempo, a prorrogação das atuais concessionárias dificultará o uso da malha por terceiros. As atuais operadoras controlam as vias de acesso aos principais portos, estes trechos possuem pequena capacidade ociosa e alguns ainda tem restrições de horários e velocidade por cortarem áreas urbanas. Estas especificidades limitará a atuação de operadores independentes e a capacidade de tráfego dos mesmos. Sem uma definição clara de quais serão os tipos de investimentos exigidos das concessionárias para a prorrogação e com os cortes nos investimentos públicos tem-se que a capacidade de tráfego das malhas não se alterará de modo a absorver o aumento da demanda do setor produtivo e a demanda de novos operadores.

 

Outro artigo de respectiva medida provisória permite que a entidade competente desvincule ramais ferroviários propondo parâmetros diferenciados para cada contrato. De fato, este item permite que as atuais concessionárias realizem a prorrogação somente dos trechos com maior produtividade e o restante seja negligenciado com o respaldo dos entes públicos. A Rumo, por exemplo, manifestou interesse de prorrogar a concessão somente da malha paulista, que liga Rondonópolis/MT a Santos/SP, por ser o trecho com maior produtividade de toda a sua malha. O restante da malha que já acumula prejuízos, haja vista, a falta de investimento da América Latina Logística, durante toda a concessão, será desassistida e os usuários da mesma serão obrigados a migrar para as rodovias.

 

Um último ponto igualmente representativo do direcionamento da política de transporte ferroviário de modo a atender o interesse das empresas controladoras das concessionárias, sem nenhuma preocupação com o provimento de um sistema ferroviário de qualidade para o país, é a definição de que a União está autorizada a compensar haveres e deverem de natureza não tributária com as concessionárias, inclusive pela devolução de trechos ferroviários, e estes valores poderão ser utilizados para o investimento, diretamente pelos respectivos concessionários. Este artigo faz referência direta ao caso da Ferrovia Centro Atlântica. Esta concessionária, controlada pela Vale, recebeu autorização da ANTT, através da Resolução 4.131 de 03 de julho de 2013, a proceder a devolução de quase metade da malha originalmente concedida. Ao total seriam 3.989 km de vias férreas devolvidas.

A resolução definiu que a ficaria assegurada à FCA uma capacidade operacional, equivalente a entregue na devolução, nos novos trechos ferroviários que estavam previstos para construção no Programa de Investimento em Logística (PIL). Segundo o documento a realização de investimentos pela concessionária seria mais benéfica para o sistema ferroviário nacional do que o pagamento em espécie. Todavia, os contratos das concessões já constam a necessidade de investimentos, apesar de não especificar quais sejam, sendo assim, o dinheiro seria utilizado para fazer obras de manutenção e de melhoria na malha que já são de responsabilidade da mesma.

 

Em desacordo o Ministério Público entendeu a resolução como um privilégio dos interesses privados em detrimento do patrimônio público e resolveu por determinar que a ANTT revogasse toda a Resolução 4.131[1]. Por se tratar de trechos economicamente viáveis o MPF considerou que se tratava de destruição pura e simples das linhas férreas, com imensos danos aos cofres públicos e ao patrimônio cultural. Esse caso elucida as recorrentes falhas e omissões da ANTT em fiscalizar e fazer cumprir as obrigações contratuais pelas concessionárias ou ao contrário ao fazer prevalecer o interesse das mesmas. Portanto, o Art. 24 da Medida Provisória legitima um crime contra o patrimônio público.

 

A Medida Provisória 752 foi prorrogada até maio e segue em tramitação em regime de urgência na Câmara dos Deputados para se tornar lei. Novas emendas podem ser inseridas, mas apenas com os artigos, aqui apontados, do texto base fica claro os objetivos de manutenção de um modelo de monopólio que não fomenta a expansão do modal ferroviário no Brasil, tampouco contribui para o desenvolvimento regional e integração nacional.

[1] Inicialmente a ANTT alterou o texto da Resolução nº4131 com a Resolução nº 4160, de 26 de agosto de 2013. Em 2015 foi realizado uma nova mudança com a resolução nº 4750, de 18 de junho de 2015 que substituiu uma das planilhas de obras a serem executadas e em 2016 foi revogado os dispositivos que previam a desativação de trechos economicamente viáveis, através da resolução nº5101, de 16 de maio de 2016.

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Eventual governo Temer não pacificará nem retomará crescimento

05/05/2016 13:00

Rodeado por indiciados e delatados, de popularidade medíocre e com propostas impopulares, eventual governo de Temer não conseguirá pacificar o país nem retomar crescimento. Expectativa é que militantes pró-impeachment migrem para movimento Fora Temer e paralisem o país.

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Brasília – Para oficializar a cartada final para a admissibilidade do processo de impeachment da titular da cadeira de presidente do Brasil, o vice, Michel Temer (PMDB), reuniu sob a batuta do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), 85% de deputados indiciados, delatados ou réus. Para formar este time, Temer prometeu ministérios e cargos de alto escalão em empresas públicas aos parlamentares do “bonde do impeachment”.

A construção política do processo de impedimento de Dilma se deu com base na estratégia de paralisação de seu governo, ao passo que deputados aliados de Temer trabalharam, com dedicação exclusiva, nos últimos 18 meses, para obstruir pautas que pudessem facilitar o caminho para a retomada do crescimento, via Câmara dos Deputados. Enquanto isso, formulava as propostas que viriam a compor a “Ponte para o Futuro”.

Uma ponte para a união dos protestos

Como parte da estratégia para tomar o poder, o PMDB lançou, em outubro de 2015, o programa “Uma Ponte Para o Futuro”, onde acenava para o capital estrangeiro e especulativo, além dos grandes conglomerados econômicos. Deixava claro para estes setores qual seria o retorno caso apoiassem o processo de impeachment. No Brasil, prontamente, Fiesp e similares, câmaras de dirigentes lojistas e associações comerciais, lojas maçônicas e grupos patronais abraçaram o projeto e passaram a investir nele.

Em recentes declarações, sob o efeito do “já ganhou”, Temer tem deixado clara sua intenção de flexibilizar a legislação trabalhista e desvincular receitas da União para saúde e educação. Com isso, o vice mostra aos empresários que está disposto a facilitar a terceirização e reduzir direitos dos trabalhadores, além de sinalizar aos planos de saúde e universidades privadas que reduzirá significativamente o investimento em saúde e educação públicas. Ao capital estrangeiro, a piscadela comporta as privatizações.

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Tags: DesenvolvimentoEconomiaLula e DilmaPolítica
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