Transporte aéreo no Brasil em tempos de Covid-19: possibilidade de um novo mercado?

28/03/2020 13:00

De acordo com a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), 2019 foi o primeiro ano após 2009 que a aviação obteve um crescimento anual inferior a 5%. Entretanto, outras variáveis se destacaram, como a pontualidade, taxa de ocupação e oferta de assentos, resultado dos aperfeiçoamentos logísticos que as companhias aéreas vêm adotando nos últimos anos por intermédio da indústria da aeronáutica. Contudo, do ano de 2019 para 2020, a imagem de aviões paralisados em aeroportos por todo o mundo vem tomando proporção conforme o avanço da COVID-19 (coronavírus). A pandemia que assola o planeta vem obrigando as companhias aéreas a adotarem medidas severas de contingenciamento de gastos. Dentre essas ações podemos destacar a paralização de voos internacionais e intercontinentais, além da alteração drástica da malha aérea e redução dos postos de emprego.

Figura 1: Aeroporto Logístico do Sul da Califórnia em Victorville, Califórnia.

Foto: Mark Ralston AFP/Getty Image.

Disponível em: Los Angeles Times, 2020

Embora a imagem acima seja condizente com o maior tráfego aéreo do mundo (E.U.A), no Brasil há de se tornar também realidade, sobretudo, após a publicação da ANAC no dia 27/03/2020, noticiando uma redução de 91% da malha aérea prevista pelas companhias aéreas brasileiras para o mesmo período sem anormalidades. A curva de casos do COVID-19 no Brasil inicia a escala para o momento de ápice, e um dos elementos fundamentais para diminuir o pico é a redução da circulação no país.

 

Ao observar como o vírus se instalou nos diferentes países do mundo, fica evidente que as menores ocorrências se deram justamente nos países que restringiram severamente a circulação de pessoas e mercadorias. Isto é, referem-se à diminuição quase que total dos meios de transporte em massa, dentre eles o transporte aéreo. Entretanto, a grande incógnita levantada pelas companhias, diante da paralisação das atividades, diz respeito aos custos operacionais obrigatórios com manutenção e pessoal.

 

Os mesmos agentes que buscam aplicar o modelo de livre mercado e intervenção mínima do Estado vão aos seus respectivos Governos solicitarem ajuda e resgate para o período de crise. Trata-se da maior crise que o setor teve desde seu início no primeiro quarto do século XX (do ponto de vista global). Por mais que seja contraditória pregar a menor atuação do Estado, mas ao mesmo tempo depender dele para se manter positiva, devemos ressaltar que as operações aéreas exigem cada vez mais da relação/interação a logística de Estado e a logística corporativa, atuando de forma combinada em prol de um maior bem-estar social, isto é, o Estado agir como órgão mais atuante a favor da população, e não apenas para as grandes corporações.

 

No Brasil, podemos destacar a atuação da Agência Nacional da Aviação Civil (ANAC) e da Secretaria da Aviação Civil (SAC), como os principais agentes normativos do setor, e também de órgãos representantes do meio corporativo como a Associação Brasileira da Aviação Civil (ABEAR). A aviação comercial brasileira sempre apresentou picos de movimentação desde o início das suas operações regulares na década de 1920 até o período recente, o qual se configura como período de transição de um segundo oligopólio (Gol, Latam e Azul) para a internacionalização do setor.

 

Entretanto, as respostas das companhias aéreas “brasileiras” têm sido semelhantes, como a redução de frota ativa (operando apenas as que possuem melhor custo-benefício), antecipação de férias, fechamento de bases (principalmente as regionais), licenciamento não-remunerada de trabalhadores, suspensão de voos internacionais, diminuição e corte de serviços de bordo, dentre outras ações (quem se beneficiou com isso foi o mercado financeiro, que assistiu a uma drástica desvalorização e recentemente uma nova valorização das ações das companhias). Por outro lado, o receio de viajar fez com que muitas viagens fossem canceladas ou adiadas, porém sem custos adicionais para o usuário.

 

O principal ponto de reflexão neste momento delicado de avanço do COVID-19 é exatamente a circulação que envolve o transporte aéreo. Isto é, as interações espaciais proporcionadas pela aviação numa escala local-global e vice-versa. Ora, numa operação aeroportuária envolvem-se agentes que circulam em diversos espaços, desde a tripulação a equipes de solo, manutenção, limpeza, catering, agentes aeroportuários, lanchonetes e restaurantes, transporte coletivo ou por aplicativo, dentre outros.

 

Isto significa que é incalculável a quantidade de pessoas e cargas que colaboram para a circulação dos fluxos aéreos. A estratégia de enxugamento das companhias brasileiras visou à concentração de voos nos seus hubs, isto é, nos principais aeroportos do estado paulista, exatamente no epicentro da pandemia no país. Se, por um lado, já foi comprovado que o COVID-19 chegou ao país por voos internacionais, por outro não se sabe quantas pessoas poderiam ter sido contaminadas. Diante do tempo de 3 a 5 dias para que o vírus se manifeste no corpo humano, muitas pessoas podem ter viajado sem ao menos saber que estavam contaminadas.

 

Isso serve de alerta. No que diz respeito à política de centralização das operações adotada pelas companhias aéreas brasileiras, trata-se de postura absolutamente equivocada, que tende a causar impactos negativos. Propor a ideia de conexão de voos exatamente onde há mais casos, só favorece uma maior circulação de pessoas (mesmo que a aviação esteja em números reduzidos). Veja-se, ainda, que as pessoas que trabalham nesses locais ficam mais vulneráveis ao vírus, e a chance de propagação é maior, principalmente devido ao contingente populacional da região.

 

Se observamos a quantidade de municípios com casos confirmados até o momento e a quantidade de voos que ocorreram no mês anterior, veremos que na sua maioria há um grande contingente populacional e circulação de pessoas, além da presença de aeroportos, basta vermos a figura abaixo. E em paralelo, temos a redução de 90% da malha área, concentrando voos exatamente em locais com grandes números de casos.

 

Figura 2. Mapa dos fluxos aéreos e do COVID-1

Embora seja recomendada a suspensão total da circulação como um todo, é necessário lembrar dos deslocamentos que precisam ser realizados de forma urgente, e que nessa relação espaço-tempo a aviação se destaca. Por isso, não é recomendável a suspensão completa, mas que seja ofertada uma demanda que seja apenas essencial. Contudo, o ato de concentrar voos em uma localidade, como estado de São Paulo, facilita a propagação do vírus. Uma boa estratégia seria a utilização de aeroportos mais isolados, com um menor número de pessoas circulando. O que estamos afirmando aqui é que o transporte aéreo (assim como outros meios de locomoção em massa) é um dos agentes responsáveis pela propagação do vírus, e o mesmo deve ser utilizado com o máximo de cautela e planejamento.

 

De antemão, o Covid-19 já deixou evidente alguns pontos que precisam ser revisados no que diz respeito à aviação comercial:

  • O Estado precisa intervir de forma mais consistente no setor aéreo, isto é, ser um agente mais ativo na aviação, buscando uma harmonia entre o meio corporativo e o usuário, diminuindo o domínio completo do mercado e estabelecendo mais regulação.

  • Revisão urgente dos algoritmos geradores das tarifas aéreas, pois nesse cenário houve uma queda considerável do preço das passagens, o que nos mostra que é possível uma redução do valor da passagem.

  • O Estado deve revisar o sistema de tributação sobre os serviços aeroportuários.

  • Num cenário de redução de custos, as fusões, associações, falências e aquisições serão cada vez mais visíveis, cabendo aos organismos de regulação a adoção de medidas que levem em conta os diferentes cenários, pois isso acarretará na concentração de capital, ao mesmo tempo em que postos de trabalho poderão ser extintos como forma de enxugamento da folha salarial.

  • Proteção aos trabalhadores do setor aéreo, tendo em vista a dinamicidade do setor diante das realidades socioeconômicas.

  • No caso brasileiro, por ter a flexibilidade 100% de capital estrangeiro nas empresas aéreas, assistiremos a fuga de capital para o meio corporativo (embora as companhias estejam na bolsa de valores).

  • Necessidade de revisar o sistema de hub e o fortalecimento (ou renascimento) da aviação regional quando houver a normalização da economia.

  • Revisar as políticas sanitaristas visando novas formas de conter possíveis pandemias futuras. Isto é, no âmbito nacional, por intermédio da Agência Brasileira de Vigilância Sanitária (ANVISA), criar um sistema que sirva de barreira para chegada de estrangeiros no país, tendo em vista que a maior parte dos contaminados do COVID-19 desembarcaram no Brasil em voos oriundos da Europa ou em navios de cruzeiro. Não se trata de proibir, mas de usar novas formas de precaução, como quarentena obrigatória em determinados casos, exames médicos rápidos, exigência de vacinas, dentre outros.

  • A retomada de crescimento econômico na escala nacional deveria se dar por intermédio do Estado. Entretanto, observando as formas debilitadas de atuação do Governo Federal, será algo que levará um bom tempo para a retomada de crescimento, principalmente diante da ausência de políticas desse tipo, como foi o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o Plano de Integração Logística (PIL), que mostraram a capacidade de crescimento do PIB brasileiro entre 2003 e 2012. Logo, acredita-se que na aviação o ritmo também se dará de forma devagar e anêmica, tendo em vista os serviços que necessitam do deslocamento via modal aéreo, como o turismo, responsável por uma parcela considerável do PIB nacional.

  • A necessidade de isolamento demonstrou no setor que há a possibilidade de enxugamento de diversos postos de trabalho, principalmente aqueles que exigem o quantitativo humano. Parte deles são feitos à distância. Entretanto, no setor aéreo algumas dessas mudanças já eram visíveis, como despacho automático, check-in online, embarque por código, ações pelo celular, dentre outras ações que há menos de 10 anos eram realizadas por trabalhadores.

Há a necessidade do Estado Nacional atuar em conjunto com os Governos Estaduais no combate ao COVID-19 (o que não vem acontecendo no Brasil). A limitação da circulação de pessoas (a qual inclui o transporte aéreo) em alguns estados foi medida implementada drasticamente, justamente por se considerar que é a principal forma de propagação do vírus, e o transporte aéreo assume esse papel de transmissor (mesmo que indiretamente). Portanto, quanto mais cedo a população se precaver, mais cedo a economia voltará a funcionar normalmente, embora se saiba que a recuperação não se dará em questão de dias. Mas, para isso, o Estado (principalmente federal) deve tomar medidas para que a população mais carente tenha acesso a fontes de renda, deixando apenas a operacionalidade de serviços essenciais.

 

As sequelas que o covid-19 deixará para o setor aéreo ainda são incalculáveis. No entanto, a necessidade de rever a forma de atuação do setor aéreo também é urgente. Os grandes capitais sempre agem em prol da lucratividade. O Estado (via neoliberalismo) flexibiliza ao máximo as regras do setor de forma predatória em prol do livre comércio, mas pouco pensa no bem-estar social, mas, sim, em atender aos interesses das grandes corporações. Talvez esse seja o momento para repensarmos no tipo de aviação que queremos. O alarmismo que o setor vem tonalizando no último mês é reflexo de que as ações da logística de Estado e corporativa devem agir de forma combinada em prol da população, pois sem passageiros não há fluxo. E diante desse contexto convém resgatar o pensamento de Milton Santos: de que o espaço é formado por um conjunto indissociável de sistemas e objetos em interação.

 

A concentração de voos (sistema de hub-and-spoke) precisa ser revista para evitar possíveis aglomerações em áreas com alto índice de casos. No entanto, para o capital corporativo, quanto menor o custo, maior o lucro (mesmo em períodos de crise), objetivando uma maior centralização do capital. Longe, é claro, da preocupação com o bem-estar social das pessoas envolvidas nessas interações espaciais que são propagadas por intermédio do transporte aéreo.

 

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Me. Lucas Azeredo Rodrigues

Graduado em Geografia (UFFS)

Doutorando em Geografia (PPGG-UFSC)

Laboratório de Estudos sobre Circulação, Transporte e Logística – LABCIT (UFSC)

Grupo de Estudos sobre Dinâmicas Regionais e Infraestrutura – GEDRI (CNPq)

Núcleo de Estudos sobre Transportes – NETRANS (UNILA)

ANEXOS

Tags: COVID-19EconomiaGeografia dos TransportesLogísticaTransporte aéreoTransporte aéreo comercial

Transporte aéreo de passageiros em Santa Catarina

05/11/2019 13:00

A aviação no Brasil cresceu de acordo com o ritmo imposto pela economia nacional e suas respectivas reestruturações econômicas, sobretudo no que se refere às políticas públicas para o desenvolvimento do setor. Cada região (e cidades polo) obteve seu auge e seu apogeu no que concerne a aviação, pautados no seu desenvolvimento regional e urbano. O modal aéreo proporcionou diferentes organizações espaciais, justamente por haver cada vez mais uma série de exigências para sua operacionalidade.

 

Ao se atentar com o processo de evolução do transporte aéreo no estado catarinense, resgatamos a configuração territorial proporcionada após a revolução de 1930, atrelada a ascensão de governos desenvolvimentistas no poder, fez com que o Brasil passasse por uma reestruturação urbano-industrial. Santa Catarina, no entanto, enfrentou o êxodo rural sob a óptica do crescimento industrial desconcentrado, porém com regiões definidas por sua formação socioespacial distinta e uma divisão territorial do trabalho diversificada. A descentralização (espacialização da divisão territorial e social do trabalho) dos parques industriais pelo estado colaborou para a definição de oito grandes regiões com cidades polo, fazendo de Florianópolis apenas polo político administrativo do Estado catarinense durante as primeiras décadas iniciais da segunda metade do século XX.

 

A chegada do transporte aéreo em Santa Catarina, é iniciada no final da década de 1920 pela faixa litorânea. Mais precisamente Florianópolis e São Francisco do Sul faziam o papel de escala técnica do voo entre Rio de Janeiro e Porto Alegre, pelos hidroaviões da Sindicato Condor. E mais tarde, com a chegada de migrantes e das políticas de povoamento do interior, tendo em vista as disputas territoriais a oeste, iniciou-se o processo de interiorização da aviação (também na escala nacional), efetivada em meados da década de 1940, objetivando integrar a região à capital Florianópolis e o eixo Rio – São Paulo.

 

O avião proporcionou até certo momento uma integração territorial, ligando centros regionais, e, por mais que no início tenha atendido uma parcela específica da sociedade, isto é, a elite, o desenvolvimento do transporte aéreo fazia o papel da troca de mercadorias e de malas postais (ação que ainda hoje continua sendo realizada, mas não com ênfase igual ao transporte de passageiros). Isso transparece os anos iniciais da aviação no estado catarinense. A regulamentação do setor nos indica o papel que o Governo teve nos anos iniciais. Os DC-3 (figura 1) foram de grande importância para a intensificação e criação de novas companhias na década 1950. A fusão e falência de algumas empresas aéreas, foram estopim para a ligação diretas das economias e das políticas da época (como o caso Varig). Santa Catarina passou por um período de transição econômico-regional entre 1950 e 1960, fruto da ascensão da renda de populações locais que viram na indústria, uma forma de acumulação capitalista.

 

Figura 1: DC-3 da Sadia Linhas Aéreas

Fonte: https://hinouye.wordpress.com/

 

Em 1969, com a criação da Embraer, o Governo visou um fomento maior da demanda regional, inclusive com voos subsidiados (e programas como o SITAR – Sistema de Integração do Transporte Aéreo Regional), a integração territorial de alguns centros. Com o “envelhecimento” dos DC-3 excedentes de Guerra, a Embraer lançou o Bandeirante (EMB-110) para suprir a demanda. Aeronave que assumira a imagem da aviação regional no Brasil, e com a onda neoliberal e as correntes do avião a jato, sairiam de cena na virada do século.

 

Figura 2: Conexão da Transbrasil entre o EMB-110 e o Boeing 727

Fonte: www.jetsite.com.br

Santa Catarina teve um êxodo rural (modernização do campo atrelada aos fatores de atratividade dos conglomerados urbanos), e um inchaço nas cidades urbanizadas, alterando a configuração territorial de Santa Catarina, resultado das reestruturações econômicas. A inversão da população rural pela urbana gerou uma maior demanda de atividades do setor terciário, e atrelado a isso, uma melhor infraestrutura nos serviços básico, como os transportes.

 

Ademais, a partir da década de 1970 passaram a ser construídas diversas estradas por Santa Catarina com o intuito de interligar as regiões. Pois, o Estado favorecia a dinâmica do capital, porém, o montante que circulava nas pequenas cidades já não era o suficiente para o capital corporativo. Logo, a aviação no estado passa por reformulações, e os voos passam a ser cada vez mais concentrados nas cidades de maior influência regional.

 

Ao analisarmos as cidades que tinham ligações aéreas na década de 1950 para 2000, veremos que as que mantiveram voos, são justamente aquelas de concentração de serviços e grande área de influência. A manutenção e adequação das infraestruturas de transporte (aéreo) nessas cidades fizeram com que houvesse novas dinâmicas impostas, mas também, um forte elo com o poder público nas diferentes esferas, assim, como as estratégias logísticas adotadas pelas companhias aéreas, corroborando com mais elementos que concernem a concentração das operações de voos regulares de passageiros.

 

Com o fim do governo militar, em meados da década de 1980, e Collor na presidência implementando a política neoliberal, o “Império Varig” começa a dar indícios de seu declínio. Dentre elas, a privatização da Vasp e a retirada da Varig de sua exclusividade no mercado internacional pelo Governo Federal, mostrou o descontentamento da companhia. A empresa não foi capaz de se autogestionar perante as novas ordens mercadológicas dos novos tempos de abertura econômica.

 

Os governos neoliberais abriram e flexibilizaram o mercado da aviação civil brasileira para a livre concorrência entre as companhias aéreas (inclusive internacionais). Sobreviveriam aquelas que se adequassem às novas tendências do mercado, caso contrário, encerraria as operações, como o caso da Transbrasil (originada no território catarinense como Sadia Linhas Aéreas). A companhia, que com o fim do monopólio dos voos internacionais da Varig, assumia algumas rotas internacionais, não fomentou o mercado da aviação regional-nacional para a alimentação desses trechos operados. Obtendo baixa ocupação nos segmentos, a empresa encerra as operações em 2001.

 

As diferentes reestruturações econômicas proporcionadas pelos ciclos econômicos mundiais colaboraram para a intensificação de fluxos ao longo dos anos, sejam de pessoas, mercadorias, informações, dentre outros. A necessidade do aperfeiçoamento das técnicas fez com que o setor de pesquisa e desenvolvimento buscasse cada vez mais o processo de inovação.

 

Na aviação, o estopim para o progresso da indústria aeronáutica foi a necessidade de aperfeiçoar as aeronaves para o combate da Segunda Guerra mundial. Com o crescimento em larga escala do mercado, foram se formando os órgãos mundiais de controle de navegação aérea, como a IATA e o OACI, objetivando a padronização das operações aéreas, mas também de diretrizes fundamentais de regulação. Em paralelo, o Brasil criava a DAC e o Ministério da Aeronáutica, uma vez que, observaram que o transporte aéreo seria um elemento fundamental para a integração do país.

 

Ao longo dos anos, a regulação aeronáutica passou a ser cada vez mais rigorosa. A quantidade de desastres aéreos, quando não era falha do fabricante, era um erro de infraestrutura ou humana, fazendo com que cada vez mais se intensificasse os cursos de aperfeiçoamento de tripulação, o tempo de teste de aeronaves, e os requisitos mínimos de segurança nos complexos aeroportuários.

 

No caso da regulação brasileira, a mesma foi acompanhada pelas políticas de desenvolvimento adotadas pelos governos. No período da Ditadura (1964-1985) uma intensa regulamentação, favorecendo companhias estreitamente ligadas ao poder público. Por exemplo, as vantagens que a Varig chegou a ter, como exclusividade nas rotas internacionais no Brasil, onde a Vasp, Transbrasil e a Cruzeiro (antes de ser adquirida pela Varig) não podiam ter, pois, a precisava de autorização da DAC.

 

A década de 1990 foi marcada pela intensa instabilidade da situação econômica do Brasil (e da abertura descontrolada e negligenciada do mercado nacional), e no âmbito da aviação, pode-se constatar um período de abertura para os investimentos externos na aviação. Isto é, as políticas de flexibilização da regulação do transporte aéreo passam por várias mudanças, dentre elas, a política de precificação, criação de rotas, competitividade entre as companhias aéreas, abertura de capital, dentre outras.

 

De 2003 a 2005 foram anos cruciais para esse processo de reconfiguração da aviação, isto é, houve um “boom” no movimento de passageiros no país. Essa “ruptura” da aviação regional, é oriunda da dialética de vários elementos, como podemos destacar as políticas de flexibilização e demais políticas públicas voltadas para o setor aéreo, assim como as dinâmicas de atuação territorial das companhias aéreas, a ascensão econômica promovida a partir do Governo Lula da Silva (chegou a apresentar crescimento médio de aproximadamente 10% ao ano até 2012), o fortalecimento das inovações na indústria da aeronáutica, as novas formas de acesso ao crédito, a inserção de companhias aéreas com novos modelos de competitividade, o crescimento populacional, o desenvolvimento regional e urbano de algumas localidades, dentre outros elementos, que colaboraram para a transformação do espaço aéreo nas diferentes escalas.

 

Nos governos populares (2003-2016), a visão de planejamento a longo prazo emerge com o pensamento do desenvolvimento nacional. Durante o Governo Lula, foi criada a ANAC, para substituir a DAC, assim como o início dos estudos para desenvolvimento do setor. Pois, por mais que tenham tido um vertiginoso crescimento da movimentação de passageiros após 2005 (junto de outros fatores interligados já citados anteriormente neste trabalho), as infraestruturas aeroportuárias não se adequaram ao mesmo ritmo, surgindo então, a ideia de concessão à iniciativa privada. Foram contratados diversos estudos, e iniciaram a ser implementadas no o Governo Dilma. Durante o Governo da Presidenta, foram desenvolvidas várias questões, sobretudo programas de incentivo à aviação regional, e criação de outros organismos como a SAC-PR.

 

Essas mudanças obtiveram respaldos nas diferentes escalas espaciais, sobretudo em Santa Catarina, uma vez que, o contexto político e econômico, regional, nacional e internacional, influenciaram diretamente nas dinâmicas proporcionadas pelo setor, configurando transformações na escala local-global ou vice-versa. A aviação nacional cresceu de forma significativa, apresentando uma variação anual de em médica 10% entre 2008 a 2018, exceto em 2016, que apresentou um recuo devido à crise político-econômica instaurada no país após impeachment. E, no estado catarinense, aeroportos cresceram acima da média nacional, destacando os aeroportos de Chapecó e Navegantes (gráfico 1). Vale destacar que, em relação ao nível internacional em diferentes países, assim como suas respectivas economias, a aviação viveu ciclos que são resultados da dialética entre múltiplos fatores externos e internos.

Gráfico 1: Movimento de Passageiros em Santa Catarina entre 2000 e 2018

Fonte: ANAC, 2019. Organização: Lucas Azeredo Rodrigues

Em Santa Catarina, a taxa média de crescimento também foi de aproximadamente 10% no mesmo período supracitado anteriormente. Segundo dados da ANAC (2019) a movimentação de passageiros no território catarinense saltou dos 1.697.000 em 2000, para 6.650.057 em 2018 (crescimento de 291%), diante do cenário nacional que cresceu de 66.358.279 para 210.707.659 entre 2000 e 2018 (crescimento de 217%). Ambos crescimentos proporcionados a partir de 2005, porém com algumas oscilações mensais e anuais. Das cidades catarinenses que mantiveram operações regulares durante o século XXI, Chapecó apresentou um crescimento na movimentação de passageiros (acumulativo) de 613%, Florianópolis 304%, Joinville 98% e Navegantes 346%, entre 2000 e 2018. Aeroportos de outras localidades deixaram de operar voos, desde a questão da infraestrutura aeroportuária à demanda por voos.

 

Outro fator importante no que diz respeito aos voos no estado catarinense, é a operacionalidade regular de aeroportos. A centralidade dos voos no estado é voltada para Florianópolis, Joinville, Navegantes e Chapecó, e aeroportos de Jaguaruna, Criciúma (Forquilinha), Lages, Caçador, Videira ficam em segundo plano de atuação das companhias aéreas, uma vez que, esses aeroportos regionais não receberam grandes investimentos nas infraestruturas.

 

Dos voos que existiram entre 2000 e 2018 em Santa Catarina (figura 3), até meados de 2004, no interior, eram voos curtos, com aeronaves regionais. No momento em que as companhias passam a adotar o sistema de hub and spoke, os voos passam a ser concentrados no eixo Santa Catarina – São Paulo (Congonhas, Campinas e Guarulhos). Muitos voos que extrapolam a região centro-sul, em sua maioria são chaters, alimentando a alta temporada (verão) na região litorânea, principalmente Florianópolis, mas também em alguns eventos específicos, como o período de inverno na serra e a octoberfest realizada anualmente na cidade de Blumenau.Por outro lado, os voos internacionais, na maioria, ligam o estado à aeroportos da América Andina, principalmente Argentina. Desses voos, os regulares, ligam Florianópolis e Navegantes à Buenos Aires.

 

Figura 3: Mapa de fluxos aéreos de passageiro do estado de Santa Catarina entre 2000-2018

Elaboração: Lucas Azeredo Rodrigues

 

Chapecó, Joinville e Lages emergem como aeroportos de negócios, isto é, o perfil do passageiro que circula nesses aeroportos, geralmente são empresários, ou pessoas que estão viajando a trabalho. Por outro lado, o passageiro que viaja a lazer, tem as opções de embarque em Florianópolis e Navegantes por questão de tarifação da passagem aérea mais competitiva entre as companhias. Contudo, há também aqueles que se deslocam para outros aeroportos maiores por causa de uma maior oferta, como o caso de Joinville-Curitiba. Vale lembrar a existência de linhas de ônibus ligando diariamente o aeroporto de Curitiba às cidades catarinenses de Joinville, Piçarras, Jaraguá do Sul, Itajaí, Balneário Camboriú, Tijucas e Florianópolis. Chapecó por um tempo contou com linhas diárias ligando o aeroporto a cidades da região oeste, como Xanxerê, Xaxim, Ponte Serrada e Joaçaba.

 

A retomada de crescimento proporcionada a partir do Governo Lula revelou novos investimentos que buscaram a interiorização da aviação, ocupando espaços regionais, antes ocupados por companhias aéreas de pequeno e médio porte nos anos anteriores. A inserção de novas companhias aéreas, assim como a falência de outras, indicam a flexibilização das dinâmicas territoriais de atuação das companhias aéreas visando a intensificação da competição por novos mercados, inclusive, o monopólio de mercado.

 

Com golpe de Estado e o regresso ao neoliberalismo a partir de 2016, as políticas de concessões foram modificadas, não adotando o modelo de concessão mista, isto é, participação do Governo no controle da concessão. A ascensão de um grupo conservador e ultraneoliberais no poder, faz com que a política de concessão seja entregue a preços baixos para a iniciativa privada. A equipe econômica do atual Presidente Bolsonaro age de tal forma que, o preço do leilão dos aeroportos é inferior ao preço das últimas reformas para receber a Copa do Mundo de Futebol de 2014 (mesmo com o saldo negativo, há a justificativa por parte dos entes governamentais de que o Estado saiu ganhando).

 

Além do mais, a retirada da participação do Estado nos aeroportos, colaboram para o aumento da precarização dos serviços prestados à sociedade. A justificativa até o momento de baratear as passagens aéreas bem quanto as taxas aeroportuárias ainda não vingou, deixando mais evidente a inadimplência dos órgãos reguladores, como a ANAC, no que tange à prestação dos serviços públicos à população.

 

Tem-se como proposição que a alteração dos fluxos aéreos em Santa Catarina, é fruto dessas dinâmicas econômicas transescalares (interação de diferentes escalas entre o local e global), bem como das políticas competitivas da aviação nacional, resultado das ações de políticas normativas da aviação internacional com respaldos na regional, atrelados à desregulamentação da aviação e a criação de políticas públicas para o setor. Algumas delas, advindas das logísticas de Estado ou da logística corporativa, influenciando na competitividade territorial, ou melhor, das reestruturações econômicas proporcionadas pelo Governo, e pela dinâmica correspondente a mobilidade do capital. Com isso, a formação socioespacial assume o papel de desconcentração regional, no que se trata das diferentes interações socioeconômicas.

 

OBSERVAÇÃO: Resultados parciais da pesquisa de mestrado em andamento "Transporte Aéreo Comercial de Passageiros do Estado de Santa Catarina", submetida ao PPGG-UFSC, sob orientação do Profº Dr. Márcio Rogério Silveira.

 

Lucas Azeredo Rodrigues

Licenciado em Geografia (UFFS-Chapecó)

Mestrando em Geografia (PPGG-UFSC)

Grupo de Estudos Dinâmicas Regionais e Infraestruturas (GEDRI-CNPq)

Laboratório de Estudos sobre Circulação, Transporte e Logística (LABCIT-UFSC)

Núcleo de Estudos sobre Transporte (NETRANS-UNILA)

Tags: Aviação comercialAviação em Santa CatarinaGeografia dos TransportesGeografia RegionalTransporte aéreoTransportes