COVID-19 e Circulação: transporte aéreo de passageiros e a rede urbana de São Paulo

11/04/2020 13:00

Recentemente fizemos uma reflexão sobre os possíveis desdobramentos após a redução dos voos de passageiros para a “malha essencial”[1].Fica cada vez mais evidente que em locais onde limitou-se a circulação, foram exatamente onde houveram menos casos de COVID-19, haja vista que as recomendações da Organização Mundial da Saúde seja exatamente o isolamento social.

 

O gráfico de casos da pandemia pelo país ruma ao seu ápice. Provavelmente daqui a duas semanas teremos noção da devastação que esse vírus deixará no país. Se em países onde restringiram-se severamente a circulação, mostram altos índices de casos, no Brasil, onde pouquíssimas localidades tentam fazer por “contra própria” o isolamento, teremos números alarmantes. Até porque, na contramão de TODOS os países que enfrentam o vírus, o “presidente” do Brasil é único que incentiva a população a ir para as ruas (contrariando a própria OMS).

 

A população de modo geral precisa se conscientizar do isolamento social. Quanto antes nos precavermos, mais cedo tudo passará, e aos poucos a quarentena vai sendo reduzida. Embora hajam setores que sejam impossíveis de parar, aqueles que podem exercer suas funções “de casa”, são os que mais devem “dar exemplo”. A realidade de vários municípios (inclusive de onde escrevo esse texto, Guapimirim, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro) é total o descaso da população. Agem como se nada estivesse causando várias mortes pelo mundo, que jamais serão contagiados, que não são grupo de risco, ou pior, “é apenas uma gripezinha”. O COVID-19 já provou que é muito mais agressivo que a H1N1[2], contrariando as fake news disparadas na rede.

 

Entendemos que a economia precisa funcionar, e é para isso que o Estado existe. Ele é fundamental para que, mesmo nesse período de crise, aja de forma consciente, principalmente em prol daqueles mais necessitados. Países como E.U.A. e Argentina, buscam de alguma maneira, manter a economia funcionando pagando o salário para as pessoas ficarem em casa e evitar aglomerações. Na contramão, o Brasil financia os Bancos privados, e vê o auxílio de R$600 como um “esforço” , o que é obrigação e dever do Governo. Entretanto, já era de se esperar que o Governo Bolsonaro iria agir dessa forma durante seus possíveis anos de mandato....

 

Mesmo assim, os Governadores estaduais buscam se unir em blocos “vizinhos” para combater o vírus, buscando medidas para limitar ao máximo a circulação de pessoas nas ruas (exemplo do bloco sudeste e nordeste). Embora tenham tentado limitar (em alguns casos de até suspender) as operações aéreas regulares de passageiros, quem tem o “poder” é a ANAC e a presidência da república.

 

Elencamos anteriormente que, se de fato a política de centralização de voos se mantivesse, as companhias se concentrariam no estado paulista, sobretudo em Guarulhos e Campinas [3], nada menos do que no epicentro da pandemia no país. Além do hub aeroportuário, vale lembrar que a rede urbana dessas cidades extrapola inclusive os limites estaduais, o que nos leva a refletir que, a zona de influência desses municípios abrange um alto contingente populacional. Podemos observar no mapa abaixo essa questão.

 
 

O setor aéreo é fundamental para o funcionamento de um país de larga escala territorial como Brasil. Atualmente desempenha o transporte de suprimentos entre as diferentes unidades da federação e cargas urgentes, além do transporte de passageiros.

 

No momento em que se concentram todos os voos nos aeroportos, exige-se que tenham mais fluidez para a atender a demanda, e com isso, a necessidade de mais pessoas interagindo no mesmo espaço.

 

Se numa pandemia em que a principal forma de evitar o contágio, é evitando o contato entre as pessoas, concentrar voos em um aeroporto (que já está numa área de risco) é uma ação correta?

 

Compreende-se que os voos mantidos são fundamentais para atender a demanda, mesmo que com números reduzidos. No entanto, essa política de concentração de voos não deveria ser aplicada no estado de São Paulo, mas sim numa localidade em que seja mais viável de manter o isolamento.

 

Será que, em algum momento se pensou no trabalhador aeroportuário? Nas pessoas que estão atuando no check-in, na segurança, nas esteiras, nas tripulações e em outros serviços necessários para a realização dos voos? Observe que, se essas pessoas têm contato com o vírus, quando seguem para casa, ao pegarem o transporte coletivo, aumentam ainda mais sua exposição. Ao chegarem em casa, têm contato com a família, e possivelmente a transmissão do vírus.

 

Exigir da logística de Estado (em pontos normativos) e da logística corporativa (estratégias competitivas) uma revisão do modelo que foi implementado é algo primordial. A ANAC pode transferir essas operações para um aeroporto numa localidade mais isolada e reduzir ao máximo os voos em zonas com alto índice de transmissão de COVID-19. Já as companhias, podem deixar de quarentena (em hotéis) aqueles trabalhadores que estão em contato direto com o público, limitando o contato com outras pessoas externas ao setor aéreo. Claro, que tudo isso atrelado aos controles sanitaristas.

 

Podemos usar a matemática simples de 1 funcionário que trabalhe no embarque de passageiros: supondo que ele faça o despacho de em média 4 voos por dia, este entra em contato com pelo menos 500 pessoas. Além disso, ele interage com outros setores do aeroporto e, após o serviço, segue para sua casa pelo transporte coletivo. Podemos considerar uma lotação média de 30 passageiros (seja no metrô ou ônibus, embora a realidade seja bem superior a isso), dessas 30 pessoas, contando que a família de cada um tenha 3 pessoas, serão mais 90 pessoas que estariam expostas. E por aí vai a conta... Se ficasse isolado, evitaria muitos riscos de contágio. Se observamos os casos de COVID-19 no Brasil, a maioria dos casos estão nas localidades em espaços de fluidez territorial, seja pelo transporte aéreo ou rodoviário (mapa abaixo).

 

Entretanto, a centralidade de capital emerge como um ponto fundamental para a tomada de decisão nesses casos. O isolamento dos funcionários aeroportuários exigiria um gasto maior do que o previsto, embora não seja algo exagerado para companhias. Porém, a busca incessante pelo lucro, faz com que o capital esteja acima de tudo e não o bem-estar social e do próprio funcionário.

 

É possível fazer isso e reduzir o contato? Sim! Cabe ao Estado firmar pactos normativos em prol disso. Mas se depender do Governo Federal Brasileiro, tratando o COVID-19 como uma “gripezinha” na figura do “presidente”, os resultados alarmantes farão parte de uma história em que a ciência foi substituída pelo achismo. E que o afrouxamento das regras de isolamento foi determinante para o ápice do gráfico de casos, e consecutivamente o colapso do sistema de saúde. Quando tudo isso acabar, o mundo não será o mesmo, disso não tenhamos dúvidas. O distanciamento social, o home office, precarização de outros serviços, aumento da informalidade, redução da circulação, dentre outros elementos farão parte do novo cotidiano que nos espera num futuro próximo. No entanto, a população precisa estar ciente de que temos outros “vilões” além do próprio vírus...

 

Para os otimistas, o setor irá se recuperar rápido, para outros, será lenta e gradual. O que podemos afirmar é que a retomada de crescimento do setor aéreo vai exigir reinvenções, novas estratégias logísticas e resgate fundamental da aviação regional.

 

Notas

 

[1][3] Transporte aéreo no brasil em tempos de covid-19: possibilidade de um novo mercado?. Disponível em: https://marciogedri.wixsite.com/geoeconomica/single-post/2020/03/28/TRANSPORTE-A%C3%89REO-NO-BRASIL-EM-TEMPOS-DE-COVID-19-POSSIBILIDADE-DE-UM-NOVO-MERCADO

 

[2] Mortality from pandemic A/H1N1 2009 influenza in England: public health surveillance study Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2791802/?fbclid=IwAR3lRuA50ZVPQzkSgDHA1PMHBgQzXaYH-Ke0nOIeCPULeLJGrAEl-3UXCnw Acesso em: 11/04/2020

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Covid-19: um retrato sobre seus efeitos e o papel do Estado em alguns países em momento de pandemia

07/04/2020 13:00

É mais que sabido, divulgado e comentado em todos os meios de comunicação, sejam eles no âmbito local, regional, nacional ou mundial, que estamos globalmente passando pela maior pandemia do século XXI decretada pela Organização Mundial da Saúde no dia 11/03/2020. Tal pandemia e os efeitos do Coronavírus SARS-Cov-2 e da doença (COVID-19) na vida de muitas pessoas é inexoravelmente avassalador, pois muita gente perdeu seus familiares e amigos queridos. Até o dia de hoje (06/03/2020) segundo dados do Ministério da Saúde, foi contabilizado 1.331.032 casos confirmados. Um total de 73.917 mil mortes pelo mundo, destes 39.692 mil estão na Europa. Somente na Itália estamos com mais de 16 mil mortes e na Espanha mais de 13 mil, conforme apresentado no gráfico 01.

 

Conforme os dados do Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde (OMS), expressos no gráfico 01, pode-se perceber que os casos são predominantemente na Europa, ou seja, em países que estão na União Europeia e que tem recursos, infraestruturas e um bem-estar social razoavelmente bom que facilitam, em tese, a prevenção, ou seja – o isolamento.

 

Nos Estados Unidos, país que como o Brasil e a Itália, entre outros, teve um presidente que relutou por aplicar a recomendações da Organização Mundial da Saúde, ultrapassou, segundo dados do Ministério da Saúde no dia 06 de abril, mais de 10.000 mil óbitos e mais de 350.000 mil casos, sendo que Nova York é a cidade com o maior número de vítimas fatais, com 2.475 mortes. São dados nada positivos que irão aumentar fortemente nos próximos dias.

 

Isso não é diferente em muitos outros países. No Brasil, país cujo presidente possui um posicionamento completamente oposto ao que a Organização Mundial da Saúde orienta, mas com um Ministro da Saúde que ainda respeita as recomendações da ciência e da OMS apresenta até o dia de hoje, conforme dados repassados pelos estados para o Ministério da Saúde, 12.056 casos (Sars-Cov-2) confirmados e 553 mortes pela (Covid-19), expressos regionalmente no gráfico 02.

 

Estamos em um momento delicado de muitas perdas humanas e muitas famílias passando por dificuldades econômicas. Na Europa tal situação gerou um consenso de que cabe aos governantes acionarem o Estado no intuito de dar condições econômicas para que as pessoas sigam as recomendações da Organização Mundial da Saúde. Sobretudo, o discurso econômico criou condições e trouxe o Estado para o centro do financiamento dos gastos, o que de certa forma forçou muitos países membros da União Europeia, os Estados Unidos e outros de várias partes do mundo, a retomar e reforçar o papel do Estado, dos investimentos públicos nos setores sociais e econômicos.

De toda forma, é necessário analisar e elencar o referido papel do Estado nesse momento nos principais países afetados, principalmente no Brasil. O que implica questiona de forma sucinta: Quais são as medidas econômicas e sociais adotadas por alguns países? Que efeito prático essas medidas irão ter nas nossas vidas, nos empregos/renda para que seja possível manter o isolamento tão necessário para o combate dessa pandemia?

 

Segundo a Reuters, agência britânica de notícias, com o avanço do COVID-19 de forma mais rápida na Europa, forçou alguns governos e seus respectivos bancos centrais, a tomarem medidas econômicas e estímulos fiscais. Só o Banco Central Europeu (BCE) reforçou seu programa de compra de ativos e injetou algo como 120 bilhões de euros e outros 750 bilhões de euros em flexibilização na compra mensal de ativos.

 

Na Alemanha foi aprovado um pacote de 750 bilhões de euros, destes 100 bilhões foram direcionados para assumir participação diretas em empresas. Já na França, o valor anunciado foi de 45 bilhões de euros diretamente para as empresas e trabalhadores. Na Itália, país mais afetado com essa pandemia e que decretou emergência no último dia 16 de março, liberou emergencialmente 25 bilhões de euros com o objetivo de suspender o pagamento de empréstimos e hipotecas de empresas e pessoas físicas e criou a possibilidade de garantia para empresas pagarem trabalhadores caso sejam demitidos temporariamente. Isso não foi diferente na Espanha que criou um pacote de 200 bilhões de euros como garantia de crédito para empresas e uma espécie de auxílio para pessoas vulneráveis.

 

No Reino Unido o plano de estimulo para a economia em vários setores foi de 30 bilhões de libras. A garantia de empréstimos para empresas foi da ordem de 330 bilhões de libras como meio de sustentar até 80% das despesas com salários de funcionários que tiverem que ser colocados em licença. Além de liberar as empresas a reter temporariamente 30 bilhões de libras de impostos sobre valor agregado (IVA). O Canadá tomou a medida de aplicar 55 bilhões de dólares em diferimento de impostos para empresas e famílias e mais 27 bilhões diretamente para trabalhadores e familiares. Já o Japão anunciou gastos extras de 430 bilhões de ienes, ou seja, 4,1 bilhões de dólares para pequenas, para médias empresas e melhorias nas instalações médicas. A China ampliou seus gastos e investimentos em infraestrutura direcionando 394 bilhões de dólares, gráfico 03.

 
 

E o Brasil?

 

No Brasil as medidas no campo da saúde, estão de certa forma, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde, mesmo sem muita mudança estrutural para novos financiamentos, seja das condições de trabalho para os profissionais da saúde ou nas estruturas dos hospitais e unidades de prontos atendimento. E aqui (sem nenhuma defesa do Ministro da Saúde, o mesmo que em tempos de atuação como Deputado Federal sempre votou por menos dinheiro na saúde e defendeu muitos cortes de programas importantes nesta área, entre eles o Mais Médicos) está de certa forma utilizando-se da estrutura do Ministério da Saúde para demostrar que está coordenando o combate ao corona vírus de forma racional. O que deixa claro que é muito mais medidas políticas do que de fato reforço do SUS ou dos investimentos na saúde pública. Na prática o Ministério da Saúde está jogando para população a responsabilidade de combatermos a pandemia e está se eximindo-os de das melhores condições de trabalho e aumento real de leitos hospitalares.

 

No que se refere às medidas econômicas que estão sendo tomadas nesse momento, cabe uma descrição e caracterização sucinta da população brasileira. A condição do Brasil é a de um país que havia conseguido sair do mapa da fome, mas que a partir 2016 voltou a ocupar este lugar, segundo a ONU. Temos atualmente no Brasil, segundo dados do Banco Mundial de 2019, 9,3 milhões de pessoas que vivem com US$ 1,90, o que seria uma renda mensal de R$ 150,00 reais. Cabe destacar que a maior parte delas vivem na cidade (80%) e atuam de forma autônoma ou na informalidade.

Portanto, para pensar o Brasil nesse momento de pandemia e de isolamento tão necessário para combater a propagação do corona vírus, deve-se no mínimo levar em consideração que nosso país com 210 milhões de habitantes tem 105.250 milhões de pessoas consideradas como População Economicamente Ativa (PEA), conforme a PNAD Contínua IBGE (2019), e destes 41,3% são trabalhadores informais.

É diante deste cenário socioeconômico brasileiro que temos que pensar as medidas que estão sendo tomadas pelo governo. Cenário este que apresenta a redução de direitos previdenciários e prorrogação do tempo de aposentadoria, com cortes significantes em auxílios doenças, corte nos benefícios de prestação continuada, no Bolsa Família e nos programas de geração de emprego e renda. É nesta conjuntura de cortes e redução brutal dos investimentos em pesquisas e bolsas de estudos que temos que pensar o Brasil e as escolhas recentes que o país tomou no campo da política. Escolhas essas que o governo Bolsonaro/Guedes está tomando muito mais para atender as necessidades dos grandes bancos e dos grandes capitalistas.

 

As referidas medidas protegem inexoravelmente o capital em detrimento da garantia das condições mais básicas de sobrevivência, num momento de forte agravamento de tais condições para muitas pessoas. O governo, através do seu ministro da economia, Paulo Guedes, forçou o Banco Central do Brasil a injetar somente no sistema de liquides R$ 1,2 trilhão de reais por meio de compras de carteiras de empréstimos, o que na prática está garantindo o lucro dos especuladores e grandes bancos. Estou falando lucros, ou seja, além do que investiram. O governo prorrogou as dívidas dos estados e ainda liberou mais de 88 bilhões para os estados e municípios. Criou-se um estimulo fiscal, como prorrogação do pagamento do FGTS, este que poderia ser utilizado emergencialmente para um plano de geração de renda vinculada ao tesouro nacional. Foi aprovada pelo Congresso Nacional a liberação de 150 bilhões, que em tese, seria para auxiliar as pessoas mais vulneráveis que estão desempregadas ou na informalidade (o que não foi liberado até o momento), além de garantir com que as empresas possam utilizar esse dinheiro via empréstimos para pagamentos de salários. A prova cabal de que o capital está se sobrepondo nas decisões do governo é a Medida Provisória que permite o empregador suspender o contrato de trabalho ou ainda a possibilidade de redução de salários (espera-se que o Congresso derrube tal medida).

 

Diante de todas essas medidas assumidas pelo Estado, na figura de Paulo Guedes, vai se tornando claro que a condição de milhões de brasileiros não mudará. São medidas que buscam atender a pressão dos grandes bancos e dos grandes capitalistas desse país. Tudo indica que o povo trabalhador, os pequenos e médios empresários (que de fato produzem nesse país) estão literalmente sendo deixados de lado pelas medidas até então adotadas. Cabe aqui a seguinte pergunta: se existe dinheiro para fazer tudo isso agora, então o Brasil nunca esteve quebrado? Se ao invés de um afastamento do Estado nos investimentos nos últimos cinco anos, o Congresso tivesse autorizado o governo a investir mais de 1 trilhão de reais na geração de empregos, infraestrutura, em pesquisa nas universidades, saúde e educação e tudo mais? Com certeza não teríamos mais de 50 milhões de pessoas nesse momento querendo voltar ao trabalho, vivendo na informalidade e tendo que escolher sair às ruas para trabalhar, expondo-se ao risco de adquirir a Covid-19, pois necessitam comer. Neste momento, é mais que importante salvar todas as vidas possíveis, mas é um momento também para a população perceba que necessitamos de um Estado forte atuando nos setores estratégicos, como por exemplo, pesquisa científica, saúde, educação e infraestrutura. Assim, o isolamento agora terá menos efeito negativo na economia do que ignorar o isolamento e fazer um isolamento vertical. a questão é o tempo e a ignorância!

 

Fonte:

https://br.reuters.com/

http://www.portaltransparencia.gov.br/funcoes/10-saude?ano=2020

https://saude.gov.br/

Tags: CoronavírusCOVID-19Geografia da FomePobrezaSaúde pública

Como enfrentar a Covid-19 sem hospital?

03/04/2020 13:00

Em meio às medidas restritivas e tentativas de retorno às atividades, como as cidades da Bacia Hidrográfica do Rio do Peixe enfrentarão a pandemia se muitas delas não têm hospital?

 
 

Se as atividades econômicas voltarem será possível atender os casos mais graves de covid-19 na região da Bacia Hidrográfica do Rio do Peixe em Santa Catarina? Diante da proposta de retomada das atividades econômicas divulgada pelo Governo do Estado no dia 26 de março de 2020 e de seu recuo para manutenção da quarentena e isolamento social na tentativa de minimizar a transmissão do vírus em Santa Catarina justificada sob termos técnicos, questionou-se sobre a infraestrutura dos municípios da região da Bacia do Rio do Peixe para lidar com a pandemia e seus casos.

 

Embora as Prefeituras tenham realizado um trabalho de acompanhamento, em conjunto com as Secretarias de Saúde, um breve cruzamento de dados entre a quantidade de leitos disponíveis nos hospitais da região e a população que habita o território pode demonstrar que a retomada das atividades nesse período crítico da pandemia pode promover uma sobrecarga no atendimento nos serviços de saúde, especialmente tendo em vista que muitas dessas cidades sequer possuem hospital.

 

Fonte: Sistema de Informações Geográficas de Santa Catarina – SIGSC. Elaborado: Alan A. Alievi, 2019.

 

A região é formada por 28 municípios que vão de pequeno à médio porte, como é característico do Estado e possui uma população total de 377.909 habitantes, segundo a estimativa do IBGE (2019). Destes 28 municípios, 20 possuem menos de 8.000 habitantes e apenas 6 deles contam com hospital público ou privado, somando 136 leitos disponíveis, de acordo com dados do CNES. Como a população de Alto Bela Vista, Calmon, Erval Velho, Ibiam, Ibicaré, Iomerê, Lacerdópolis, Macieira, Ouro, Pinheiro Preto, Piratuba, Rio das Antas, Treze Tílias e Zortéa age em casos de doenças graves? E como agirá diante dos casos de covid-19?

 

Fonte: IBGE, 2019. Cidades e Estados. Org: Diego da Luz Rocha, 2020.

 
 
 
 

A resposta para esta pergunta pode ser buscada na Geografia a partir do princípio de centralidade. De acordo com Pereira e Furtado (2011), o espaço urbano se organiza em torno de um núcleo urbano principal complementado por uma região em uma relação de codependência. Assim, o lugar central assume uma função principal ao disponibilizar mais ofertas de bens e serviços complexos, com maior diversidade. Essa posição é ocupada nessa região por cidades maiores, cujos habitantes variam entre 10.000 e 80.000, e que dispõem de maior oferta de serviços e bens.

 
 

Uma vez que estas cidades possuem um papel de núcleo dentro da geografia urbana regional, não cabe admiração ao perceber que possuem uma maior oferta de leitos hospitalares disponíveis. A cidade de Videira, por exemplo, possui sozinha quase a totalidade dos leitos gerais disponíveis na outra fração de municípios analisados. Mas a exceção à regra, nesse caso, é a cidade de Herval d’Oeste, que não possui hospital provavelmente por ser atendida por Joaçaba. Ao todo, portanto, essa parcela de municípios nucleares possui 525 leitos gerais (incluí todos os leitos existentes nos hospitais) para atender a população.

 

Considerando que a região da Bacia do Rio do Peixe possui uma população de 377.909 habitantes, seriam os 661 leitos gerais hospitalares existentes o suficiente para enfrentar a pandemia?

 

A situação fica mais delicada ao analisar o número de leitos em UTI pelo SUS.

Embora Videira, Joaçaba e Tangará tenham hospitais particulares, estas instituições não têm UTIs e encaminham os casos mais graves de diversas doenças para os leitos de UTIs dos hospitais públicos. Nos outros 20 municípios da região não há registro de UTIs. Os três municípios apresentados no gráfico também são os únicos a possuir respiradores/ventiladores, conforme pode ser visto no gráfico abaixo. E embora haja uma quantidade maior de leitos em Caçador do que nas demais cidades, verifica-se que há menos respiradores do que leitos disponíveis. Em Joaçaba, por sua vez, nenhum dos respiradores/ventiladores está disponível para o SUS.

De acordo com o NSC Total, Santa Catarina possui até o momento 219 casos confirmados da doença em 39 cidades, mas nenhuma delas fica nessa região. Felizmente, as medidas restritivas até o momento parecem ter surtido o efeito desejado e impedido a disseminação do vírus. A região tem à disposição um total de 48 leitos (o que não significa que estejam vazios) e 39 respiradores/ventiladores para atender uma população de 377.909 habitantes, um indicador que leva a crer que com um possível crescimento de casos do covid-19 na região, a chance de colapsar o sistema de saúde é extremamente grande e preocupante. Por isso, é válido considerar que, apesar do risco econômico, o isolamento social deve prosseguir na região (e também no restante do Estado) para que não ocorra um colapso no sistema de saúde e que os casos que virem a ocorrer possam receber o tratamento adequado, mesmo que para isso tenham que sair de suas cidades para procurar um hospital.

 
 

REFERÊNCIAS

CADASTRO NACIONAL DE ESTABELECIMENTOS DE SAÚDE – CNES. Indicadores de leitos. Disponível em: <http://cnes2.datasus.gov.br/Mod_Ind_Leitos_Listar.asp?VCod_Leito=33&VTipo_Leito=2&VListar=1&VEstado=42&VMun=&VComp=>. Acesso em: 29/03/2020 às 14:00 hrs.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Cidades e Estados. Disponível em: < https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados.html> Acesso em: 29/03/2020 às 15:00 horas.

PEREIRA, RAFAEL HENRIQUE MORAES, FURTADO, BERNARDO ALVES. Dinâmica urbano-regional: rede urbana e suas interfaces. Brasília: Ipea, 2011. 490 p.

MAPA DE EVOLUÇÃO DO VÍRUS. Disponível em: < https://www.nsctotal.com.br/coronavirus/mapa-de-evolucao-do-virus > Acesso em: 31/03/2020 às 17 horas.

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