Bicicleta fora dos planos: mobilidade urbana em Maringá (PR)

25/11/2019 13:00

A mobilidade urbana é um tema complexo que abarca inúmeras variáveis que vão desde escolhas de Estado no que se refere aos investimentos em políticas públicas e infraestruturas, até o posicionamento da sociedade frente os novos desafios e quebras de paradigmas na utilização do carro e dos combustíveis fósseis. Seu principal problema encontra-se na rápida e desordenada urbanização que as cidades brasileiras apresentaram ao longo das décadas – sobretudo a partir de 1930 - no espraiamento e segregação socioespacial que aumentou ainda mais as distâncias e tempos de deslocamento entre trabalho e moradia (por exemplo), na escolha do veículo automotor individual como modal prioritário da vida urbana, entre tantos outros que trazem à tona a relevância em se discutir essa questão. A definição pragmática de mobilidade urbana trazida pelo MCidades (2004), nos diz que a mesma está associada à circulação de bens e pessoas, correspondendo às necessidades de deslocamento de cada indivíduo e as respostas destes frente a isto. Para tanto, o esforço do deslocamento pode ser direto (deslocamento a pé), não-motorizado (bicicletas, carroças etc.) ou motorizado (coletivo ou individual).

 

No entanto, é preciso considerar a mobilidade urbana como algo que vai além dos transportes e modos de locomoção. Segundo Cocco (2017) a mobilidade está associada às políticas que abarcam os transportes, estendendo-se para as questões de uso do solo, proximidade entre lugares, integração etc. A bicicleta, especificamente, pode se enquadrar como uma forma de mobilidade urbana ativa, considerada como um eixo da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), que trata de uma maior ênfase dos modos coletivos e não-motorizados de deslocamento. De acordo com Neri, Filho e Savi (2016), em cidades médias, onde as viagens se caracterizam por serem mais curtas, a bicicleta é um meio de grande potencial nos deslocamentos urbanos, auxiliando uma grande parcela da população diariamente. Além disso, para distâncias de até 8 km, o tempo de deslocamento se assemelha muito ao de um carro. Dentro deste contexto, além de ser o veículo mais utilizado do mundo, representa uma das soluções que as cidades têm buscado para o problema da circulação e do trânsito. Neste cenário, sua utilização como meio de transporte, pode ser entendida como um ato político necessário ao debate sobre os modos de locomoção no meio urbano, sobre a humanização e equidade dos espaços, sobre o papel que cada modal representa e a quem eles devem servir. Nosso trabalho escolheu como objeto de análise a mobilidade por bicicleta, no entanto, é preciso entender que esta discussão não deve ser feita senão no âmbito de integração entre os modais disponíveis em determinada localidade - no nosso caso, o recorte espacial é o município de Maringá-PR.

 

Esta cidade, nasceu sob a lógica da colonização planejada do norte paranaense, que se deu inicialmente pela companhia inglesa Paraná Plantations Ltd e, desde sua concepção, as ações dos agentes produtores do espaço urbano estiveram presentes de modo muito intenso, especialmente na forma da especulação imobiliária impulsionada por ações do Estado. Em parte, esta característica de empreendimento imobiliário é o que implica a maneira como se desdobrou o planejamento urbano municipal em suas várias nuances, com a advento de leis, políticas públicas e infraestruturas que vêm - não raramente - ao encontro de interesses privados. Apesar de ser uma cidade moderna e planejada, com grande potencial de integração e diversificação de modais, ainda segue a velha lógica do carro como meio de transporte primordial, sendo pensada para este fim desde o primeiro esboço de plano durante a década de 1940. Suas avenidas largas e arborizadas, com amplas faixas de circulação e canteiro central com espaço suficiente para a implantação de ciclovias, receberam, antes de qualquer outra medida, um sistema binário (composto de vias de mão única e sincronização semafórica chamada de “onda verde”), confirmando mais uma vez, o usuário do modo privado de locomoção como centro dos investimentos públicos. Orgulhosa de ser uma cidade cujas instituições públicas e privadas se debruçam sobre planos estratégicos numa projeção de décadas à frente, o Plano de Mobilidade, determinado pela Política Nacional de Mobilidade Urbana - PNMU, ainda está em fase inicial de discussão em Maringá, mesmo que o terceiro prazo de prorrogação tenha finalizado em abril de 2019.

Partiu-se, portanto, da hipótese de que o município de Maringá teve, ao longo de sua história, decisões determinantes no que se refere ao planejamento urbano, sobretudo na questão da mobilidade e bicicleta como eixo central. Dessa forma, procurou-se responder ao seguinte questionamento: Qual a relação da dinâmica de mobilidade urbana do município de Maringá, seu processo de organização espacial e a atuação dos principais agentes produtores e modificadores do espaço urbano (com destaque para os agentes imobiliários e o Estado), que inviabilizam a constituição de uma matriz de transporte diversificada e acessível, e priorizam o automóvel (carros e motos) e deixando modos ativos, como a bicicleta, fora desses planos?

 
 

PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO MARINGAENSE

 

A produção do espaço urbano maringaense, está inserido dentro do contexto global e nacional, e obedece tanto às dinâmicas externas quanto os ciclos internos e os pactos de poder que fazem parte da Dualidade Básica brasileira defendida por Rangel (2005a). Dessa forma, a formação de seu território foi influenciada por fatos históricos como a II Grande Guerra, a Crise de 1929 e, dentro do Brasil, pela Revolução de 30 e as políticas nacional desenvolvimentistas de Getúlio Vargas. A questão dos transportes e da mobilidade urbana também foi influenciada por estas políticas, uma vez que se pretendia uma integração do território nacional através da confecção de malha viária representada antes pelas ferrovias e depois pelo rodoviarismo.

 

No caso de Maringá, o mesmo traçado ferroviário que deu origem ao plano inicial da cidade, foi aquele que trouxe o asfalto obedecendo a uma lógica do capital que construía cidades voltadas para o carro. Acompanhou também uma lógica tecnocrática baseada em planos e planejamentos que seguiram inicialmente as “cidades-jardins” europeias, mas, que logo se perderam para um crescimento populacional acelerado. Os principais planos diretores e legislações urbanísticas que fizeram parte da história maringaense, basearam-se não raramente nos interesses de agentes privados, sobretudo do capital imobiliário. Trazendo à tona decisões que beneficiaram determinadas classes em detrimento de outras, afastaram a pobreza das vistas de seus parques urbanos bem desenhados e, demandaram por mais transportes neste processo segregativo.

 

Com base nas formas e estruturas urbanas, implantadas ao longo do tempo, problemas como a violência no trânsito, já atingiram números maiores do que a capital paranaense, em termos relativos. A questão dos acidentes de trânsito, se analisadas sob o ponto de vista da quantidade de acidente/habitante, ultrapassa as duas maiores cidades do Estado: Curitiba e Londrina. Dessa forma, se as políticas de priorização da mobilidade continuarem voltadas para os veículos automotores individuais, como foi desde o início, teremos uma cidade média com características de metrópole, pelo menos no que se refere ao trânsito e à mobilidade.

 

Dados do Detran-PR (2019) apontam que entre 2008 e 2018 houve um aumento de 64,60% da frota de veículos na cidade[1], aumento este que continua a cada semestre e representa centenas de milhares de veículos em uma década. Nesse panorama, Maringá encontra-se com um dos maiores índices de habitantes por veículo do Estado (1,57 habitante/veículo contra índice do Paraná que é 1,32 habitante/veículo). A crescente quantidade de carros, deve-se a uma diversidade de fatores, dentre eles: às isenções fiscais sobre tal modalidade adotado pelo governo Lula em 2008 (Gráfico 1) para estimular a economia nacional num momento de crise internacional, aumento da renda e de crédito, preço equilibrado dos combustíveis, aumento do crédito, oligopolização e monopolização do transporte público com a formação de cartéis, implementação do Programa Proálcool e dos automóveis Flex. Estes fatores combinados, facilitaram a obtenção de veículos automotores por camadas da sociedade que antes não tinham acesso, mas, não previu de forma significativa o impacto do inchamento das vias que se agravaram sem a adoção de políticas de controle e fiscalização, como previu Maricato (2011) no trecho a seguir:

 

Melhoras sociais podem impactar significativamente o modo de vida urbano. O aumento do desemprego, fonte de muitos problemas sociais, é fatal para as cidades. As políticas macroeconômicas impactam a sociedade e o território. Para dar um exemplo, o comemorado aumento da produção de automóveis no Brasil em 2008 e 2010 - e consequentemente o aumento do PIB - tende a ser desastroso para as cidades. (p. 77)

 

O gráfico ainda nos aponta o número de licenciamentos total e de automóveis no Brasil de entre 1957 e 2019, indicando que nos anos de 2008 a 2012 (política de IPI reduzido e aumento de renda), houve um salto significativo na venda desses bens em nível nacional. No entanto, o índice relativo de crescimento de carro por habitante na cidade de Maringá, não demonstrou uma diferenciação tão acentuada entre as políticas dos governos FHC e Lula (Tabela 1). No primeiro deles, o poder de compra da classe média foi estimulada pela valorização do real e, uma vez que a presença dessa camada social é muito forte em Maringá, a obtenção de veículos ocorreu de forma mais ou menos intensa. No governo Lula, este poder de compra se estende para outras camadas da população, sendo maior o consumo de carros do que na gestão anterior, mas, não tão acentuada como no caso nacional.

 

Gráfico 1 – Licenciamento anual de automóveis no Brasil de 1957 a 2019.

Fonte: ANFAVEA, 2019.

Elaboração: BARBIERO, L., 2019.

Tabela 1 – Índice de crescimento do número de carros nos diferentes governos 1995-2018.

Fonte: IBGE Cidades / DETRAN-PR.

Elaboração: BARBIERO, L., 2019.

 

Obviamente, dar acesso amplo a uma classe social antes desprovida de condições de obter um dado bem, no caso o automóvel, não é o problema da mobilidade, afirmar isso, seria relacionar a manutenção da pobreza com a solução para os problemas urbanos. Segundo o documentário Mobilidade Urbana (2012), se comparado com as principais cidades dos Estados Unidos e Europa, o número de carros no Brasil é muito menor, ainda que os inúmeros problemas que circundam esta escolha sejam maiores e mais danosos. Ou seja, não se trata apenas de quantidade de carros, mas, sobretudo da qualidade das vias, sua capacidade de abarcar a maior quantidade de modais compartilhando seu espaço, a escolha correta do modal a ser priorizado e o uso racional dos veículos automotores.

 

MOBILIDADE POR BICICLETA EM MARINGÁ-PR

 

Apesar das questões apresentadas sobre mobilidade por bicicleta, temos também críticas ao modelo, no sentido de entender que existem diferenças entre aquele grupo de “privilegiados”, que segundo Monteiro (2019b) geralmente compõem o conjunto de cicloativistas das cidades e, utilizam a bicicleta como opção, e, àqueles que em sua dissertação ele categoriza como os que utilizam-na como única opção. Ou seja, locomover-se de bicicleta pela cidade para uns pode ser motivado como uma alternativa ao estresse do trânsito (bicicleta como opção) enquanto para outros, representa o meio mais barato de se locomover “e o valor economizado do petróleo garante a mistura do jantar” (MONTEIRO, 2019a, p. 32). A distinção está, quase sempre, na classe social à qual pertencem e, se a escolha de transitar de bicicleta pertence à uma decisão política, social ou econômica.

 

É importante salientar que as análises presentes neste trabalho, dizem respeito às condições apresentadas pelo município de Maringá em termos de clima, tempo de deslocamento, distâncias percorridas, relevo, entre outros. Estando assim em acordo com as potencialidades estudadas para este espaço urbano. No entanto, entendemos que a mesma conjuntura pode não ser tão facilitada em outras realidades geográficas, estando condicionadas a diversos fatores. Em metrópoles como São Paulo-SP e Rio de Janeiro-RJ, por exemplo, não se pode pensar na utilização da bicicleta sem refletir igualmente na integração com outros modais, uma vez que as distâncias percorridas são mais longas e, somente o transporte por bicicleta, pode não ser suficiente para se alcançar o destino desejado. Outros locais como Florianópolis-SC, com relevo acidentado e barreiras físicas e naturais, por vezes intransponíveis, também existe dificuldade em se utilizar a bicicleta como único modal. De acordo com Pezzuto (2002), nestes casos, o transporte cicloviário pode ser uma boa alternativa para a diminuição do número de carros, no entanto, deve ser conectado a outro modal, o que aumenta seu raio de atuação.

 

A discussão sobre mobilidade em Maringá, perpassa por uma série de questões atuais, que envolvem a revisão do Plano Diretor para os próximos 10 anos (2020-2030), a implantação do Plano de Mobilidade Urbana (em fase de assinatura de contrato licitatório) e a adoção de políticas que visem amenizar os problemas de trânsito que tem se mostrado cada vez mais acentuados, sobretudo, com relação à violência.

 

Por ser uma cidade média, com distâncias reduzidas entre um destino e outro; relativamente plana que num raio de 8 km pode-se percorrer quase todo o eixo de comércio e serviços principais (NERI, 2012); com avenidas e canteiros centrais largos, que podem comportar facilmente estruturas cicloviárias e; mais uma série de fatores, a bicicleta poderia ser melhor aproveitada como modo de transporte. No entanto, não é o que acontece.

 

Os automóveis têm crescido em quantidade e utilização, enquanto o transporte público coletivo e demais formas de locomoção perdem usuários a cada ano que passa. Sobre isto, o debate que se faz é a respeito do novo terminal intermodal e sua real funcionalidade e das possibilidades de taxa zero para o transporte público, para que se torne novamente uma opção viável para a população.

 

Defendemos que a questão central sobre mobilidade em Maringá hoje, precisa ser focada em decisões políticas no sentido de amenizar a questão da violência no trânsito, visto que Maringá, não necessariamente apresenta grandes congestionamentos, como nas grandes cidades. No entanto, o número de acidentes e mortes em decorrência do trânsito são relativamente maiores que as médias do Paraná e do Brasil, em muitos casos.

 

CICLOVIAS E CICLISTAS EM MARINGÁ

 

O número exato de ciclistas para a cidade de Maringá não foi passível de ser levantado em nenhum órgão local ou regional, uma vez que, por não possuírem registro, é difícil fazer o controle do número de bicicletas existentes e mais difícil ainda, daquelas que são efetivamente utilizadas. Nacionalmente, temos a estimativa de 70 milhões de unidades de acordo com a Abraciclo (2019).

 

Na cidade de Maringá, algumas iniciativas têm sido desenvolvidas no âmbito político para a viabilização desse tipo de mobilidade alternativa. Um exemplo, é a implantação de um terminal intermodal, que promete abarcar vários meios de transportes, integrando-os de forma sistemática. Dados da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana de Maringá (SEMOB, 2019), confirmam a existência de uma malha cicloviária (ciclovias e ciclofaixas) de aproximadamente 37 quilômetros, sendo que 3,2 quilômetros estão em execução e mais de 14 quilômetros em fase de estudo/projeto (Figura 1).

 

O fato é que as políticas voltadas pela mobilidade por bicicleta são muito recentes e abarcam mudanças nos paradigmas nacionais trazidos tanto pela instauração do Ministério das Cidades, quanto do Estatuto da Cidade e as demais políticas que surgiram desse ideal. A evolução na produção de malha cicloviária dentro de Maringá, só ganha força de fato a partir de 2008.

 

Figura 1 - Mapa de Ciclovias de Maringá

Fonte: SEMOB, 2019.

A bicicleta dentro do Plano Diretor de Maringá parece estar em discussão na atualização do mesmo, em conjunto com a possível elaboração do PlanMob do município que, embora esteja licitado, não tem contrato assinado por parte do poder público. Este seria um fator que poderia mudar os prognósticos que temos até agora sobre este modal.

 

Segundo os questionários aplicados em 2018, temos um perfil de ciclista maringaense muito diversificado em muitos aspectos, com predominância de homens entre 21 e 35 anos. A falta de respeito dos condutores de veículos automotores, sobretudo carros, é o maior problema enfrentado por eles na condução de bicicleta em Maringá, seguido da falta de infraestrutura cicloviária, ainda que esta tenha aumentado desde 2008.

 

NOTA:

[1] A frota de veículos é representada pela totalidade de automóveis, caminhões, ciclomotores, motocicletas, ônibus, reboque, entre outros. Em dezembro de 2008 a frota maringaense cadastrada no Detran-Pr era de 203.660 veículos, em 2018 este número alcançou 315.352 veículos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRACICLO. Associação Brasileira dos fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e similares. Estatísticas de bicicletas. 16 de outubro de 2019.

COCCO, Rodrigo Giraldi. Transporte Público e Mobilidade na Região Metropolitana de Florianópolis. Florianópolis: Insular, 2017. 378 p.

DETRAN (PR) – Estatísticas de Trânsito. Disponível em: <http://www.detran.pr.gov.br/modules/catasg/servicos-detalhes.php?tema=veiculo&id=191>. Acessado em 21/11/2018.

MARICATO, Ermínia. O impasse da política urbana no Brasil. Petrópolis: RJ, Editora Vozes Limitada, 2011.

MCIDADES - Ministério das Cidades – Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável. Coleções Especiais - Caderno 6, novembro, 2004. Disponível em: <http://www.ta.org.br/site/banco/7manuais/6politicanacionalmobilidadeurbanasustentavel.pdf>. Acessado em 21/11/2018.

MOBILIDADE URBANA. Direção: Rodrigo Furukawa. Argumento e Roteiro: Camila Nastari. Produção: Ana Cláudia Colagrande. São Paulo: BDT Planejamento e Comunicação, 2012. 5 vídeos (130 min.). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=7UvsvdXObcI&list=PLQ6ZmSBKqdz98JA_8pIUN5L6Ck36pxkXA> Acesso em 31/10/2018.

MONTEIRO, Felipe Violi. Cartografias em trânsito: A mobilidade de bicicleta pela cidade. [Dissertação de Mestrado]. Programa de Pós-Graduação em Administração (PPA) - Universidade Estadual de Maringá. Maringá: Paraná, 2019a.

MONTEIRO, Felipe Violi. Entrevista concedida a Laís Barbiero. Maringá, 1 de agosto de 2019b. [Doutorando no programa de Pós-Graduação em Administração (PPA) pela Universidade Estadual de Maringá. Coordenador Geral da Ciclonoroeste].

NERI, Thiago B. Proposta metodológica para definição de rede cicloviária: um estudo de caso de Maringá. 2012. Dissertação (mestrado)-Universidade Estadual de Maringá, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana.

NERI, Thiago B.; FILHO, Solano H. B.; SAVI, Elise. A pesquisa com ciclistas como suporte ao planejamento cicloviário: Estudo em Maringá/PR, Brasil. Pluris 2016. 7º Congresso Luso Brasileiro para o Planejamento Urbano, Regional, Integrado e Sustentável - Contrastes, Contradições e Complexidades. Maceió: Recife, 5 a 7 de outubro de 2016.

PEZZUTO, C. C. Fatores que Influenciam o Uso da Bicicleta. Dissertação (Mestrado em Engenharia Urbana), Universidade Federal de São Carlos. São Carlos/SP, 2002.

RANGEL, Ignácio. Obras Reunidas de Ignácio Rangel. Rio de Janeiro: Contraponto, v. 1, 2005a.

SEMOB - Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana de Maringá. Ciclovias existentes / em execução / em projeto. Prefeitura Municipal de Maringá. Disponível em: <encurtador.com.br/opwNO>. Acesso em 24/06/2019.

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O Golpe de Estado de 2016 e as políticas públicas: uma vala perigosa no caminho das políticas de mobilidade

06/08/2016 11:38

De modo diverso às políticas de mobilidade urbana e transportes “pesadas” (VLT, BRT, Monotrilhos, metrôs etc.), discorrerei nessa ocasião sobre o caso de políticas de mobilidade auxiliares, mas que apenas aparentemente não exigem investimentos contínuos importantes. Normalmente essas políticas são abordadas quase que de modo isolado das dinâmicas políticas e econômicas mais amplas, como se a gestão e a “governança” local fossem suficientes para leva-las a cabo de modo pleno. É o caso das mobilidades não-motorizadas e em especial, da promoção de infraestruturas e serviços de bicicleta pública.

O grave momento de retrocesso político vivido pelo Brasil atualmente exige a elevação da consciência social dos diferentes grupos sociais sobre o tema da mobilidade urbana, tanto quando da saúde e da educação, os quais vem sendo fortemente ameaçados pelo governo interino. Em especial, os jovens e os novos eleitores que vem iniciando sua participação na política, com vistas a que tenham uma noção real do que o Golpe de 2016 representa em termos de interrupção de políticas públicas de seu interesse. Estes grupos, no entanto, vem sendo alvo de forte manipulação por parte dos setores golpistas nacionais e internacionais que tem atuado no país, os quais valem-se de argumentos e fórmulas simplistas de explicação da realidade. Atualmente se trava uma difícil luta no campo da formação da opinião pública, do esclarecimento sobre as implicações desse processo.

 

Com efeito, há grande dificuldade de aclarar a esses grupos sociais e populações, como funcionam o Estado, suas instituições e os equipamentos e serviços públicos que estas utilizam em seu cotidiano. De modo mais urgente, se trata da dificuldade em explicar como a postura e a tomada de decisões do governo interino de Michel Temer – meros valetes dos interesses do capital financeiro nacional/internacional – no campo geopolítico e das relações internacionais; na formatação das instituições; na macroeconomia e no campo social, já são uma ameaça concreta à manutenção e aos avanços dos direitos sociais, como é o caso das políticas de transporte e mobilidade.

 

No caso específico da mobilidade urbana, diversas iniciativas encampadas desde o Ministério das Cidades, bem como de Prefeituras que solicitaram auxílio ao Estado ao longo dos 13 anos de administração petista – com todas as limitações que já conhecemos – passam agora a serem vistas como custos a serem dirimidos. Possibilidades de aperfeiçoamento e aprofundamento dessas políticas reduzem-se praticamente a zero.

 
 

Mas como fazer-se entender? Como explicar ao cidadão comum e ao jovem que sai às ruas empunhando a nefasta bandeira neoliberal do MBL (Movimento Brasil Livre), que a ciclovia que muitos destes também defendem e que as bicicletas públicas presentes em outros países – e que tanto invejam – exigem um fortalecimento do Estado e em muitos casos recursos a fundo perdido do tesouro nacional? Vale lembrar que este movimento (MBL e outros semelhantes), ao empregar fórmulas fascistas de engajamento e um conteúdo neoliberal, lança mão de um marketing pautado em bandeiras “difusas”, misturando agendas inclusive contraditórias. Vale lembrar que nas Manifestações de junho/julho de 2013 – a qual atuou como ponta-de-lança na criação para uma “atmosfera favorável” ao Golpe de Estado de 2016 – parte do Movimento Passe Livre (MPL) se equivocou e acabou engrossando, nas ruas, as fileiras de grupos que recentemente foram decisivos para a deflagração do Golpe.

 

A estes jovens, mas também a todos os cidadãos interessados, afirmamos que a importância do Estado para a expansão da mobilidade não-motorizada e do uso de bicicletas se fez necessária em todos os países que tem feito desta, uma parte de suas políticas de mobilidade e transporte. Um exemplo interessante é o dos serviços de bicicletas públicas europeus, os quais poderiam ser uma possibilidade inclusive de estimulo à expansão de infraestrutura ciclável, no caso brasileiro. Ressalta-se que a razão de ser deste tipo de serviço está ligada não à oferta de lazer, mas a questões muito concretas de redução do uso diário de automóveis e de aumento da conectividade com transporte público em deslocamentos regulares (laborais, de estudos, reprodução social etc.). Os franceses, por exemplo, foram um dos pioneiros na aplicação de investimentos mais massivos em serviços de bicicletas públicas, fazendo com que Paris conte hoje com uma frota de 18.000 bicicletas públicas.

 
 

Em Barcelona, igualmente, se vem fortalecendo historicamente o uso da bicicleta por iniciativa estatal, o que tem exigindo internalização contínua de conhecimento por parte dos planejadores do Estado e aplicação continua de recursos estatais a fundo perdido, ainda que os operadores do serviço sejam privados (via concessão). Atualmente, o serviço é gerido e planejado pela empresa pública BSM (Barcelona Serviços Municipais), mas é operado pelo Grupo Clear Channel Communications, o qual detêm a expertise para a operação de uma complexa estratégia logística, baseada na predição horária de demanda e na reposição de bicicletas entre as estações cheias e vazias.

 

O processo de implantação e consolidação desse sistema em Barcelona começa com a criação da BSM, que é uma empresa estatal de gestão e planejamento da Prefeitura de Barcelona, estruturada nos anos de 1980, para gerir e planejar serviços urbanos como estacionamentos, zona azul, reboques etc. Já em 2006, o governo socialista então vitorioso na cidade, observou outros projetos de bicicletas públicas de sucesso (O programa Vélo’v de Lyon e os programas de Estocolmo e Oslo), solicitando à BSM a montagem de um projeto semelhante para Barcelona.

 

Ressalta-se que antes da implantação das bicicletas públicas em Barcelona, haviam cerca de 100 quilômetros de ciclovias, mas posteriormente à implantação do serviço foi se sedimentando a ideia de que uma vez operado um grande investimento público em bicicletas e estações, a expansão da infraestrutura ciclável deveria ocorrer mais intensamente. Em decorrência disso, atualmente Barcelona conta com mais de 200 quilômetros em ciclovias municipais/interurbanas e uma frota de mais de 6.000 bicicletas públicas, distribuídas em 420 estações totalmente automáticas, dotadas de interface em tempo real entre usuário e sistema.

 
 

Ora, aqui se observa a importância da presença do Estado neste tipo de iniciativa, mas no caso das bicicletas públicas essa importância faz-se ainda mais profunda, talvez mais até do que no próprio serviço de transporte público coletivo motorizado. O fato é que no caso do exemplo que estamos tratando, no primeiro ano de implantação do serviço, houve perdas estimadas em 2 milhões de Euros, em grande medida derivadas de roubo e depredação. Em um único ano, praticamente toda a frota de bicicletas públicas de Barcelona foi roubada. Segundo Raúl Aguilera (Direção técnica da BSM), vulnerabilidades nas estações e nas bicicletas facilitavam esses roubos, o que exigiu novos investimentos do Estado na infraestrutura, na ordem de 400.000,00 Euros (bicicletas com o dobro do peso e sistemas de anclagem mais robustos). Outro fato que se deve comentar é que após um período de expansão de usuários, se passou a observar que uma parcela importante dos usuários inscritos no sistema público de bicicletas não permanecia ao longo dos meses seguintes. De fato, no ano de 2002 contavam-se 120.000 inscritos e atualmente estes são cerca de 96.000, com uma taxa de abandono do sistema que é persistente.

 

Ora, tais fatos seriam um forte argumento para que os setores políticos conservadores e defensores do “Estado mínimo” pressionassem pela extinção do serviço de bicicletas. Mas ao investigar as razões do abandono, constatou-se que embora tenham deixado o sistema, estes usuários passam a adquirir suas próprias bicicletas. Na verdade, aprovaram a bicicleta enquanto modo de transporte.

 

Um dado que demonstra esse fato é que após sua implantação, o uso de bicicletas privadas na cidade triplicou, uma vez que em 2007 ocorriam cerca de 40.000 viagens/dia em bicicleta e em 2014, computaram-se cerca de 120.000 viagens/dia, sendo 50.000 destas, correspondem à bicicleta pública. Ou seja, modificaram-se e ampliaram-se certos padrões de mobilidade, beneficiando a cidade. Em outras palavras, o custo-benefício social do projeto – seu efeito positivo para a sociedade em geral – foi priorizado em relação à solvência isolada daquele ativo estatal. Trata-se de uma outra concepção da atuação do Estado, a qual obviamente exige maior capacidade do mesmo no que se refere a investimentos contínuos em determinados setores.

 

Finalmente, vale destacar que o sistema, do ponto de vista contábil é deficitário: A fatura a ser paga pelos custos do operador privado é de cerca de 16 milhões de Euros anuais, mas apenas 4 milhões de Euros provêm dos tickets dos 96.000 usuários. Dos 12 milhões restantes, 1 milhão provêm de Vodafone (um dos patrocinadores, em troca de publicidade) e 11 milhões – a maior parte dos recursos – quem paga é o Estado. Ora, diante do que temos assistido no Brasil pós-golpe, essa que seria uma possível agenda para avançar nas políticas voltadas à mobilidade não-motorizada, está distante dos objetivos governamentais. Consoante esses fatos, podemos afirmar aos jovens cicloativistas, que definitivamente as suas demandas e os movimentos de defesa do neoliberalismo – travestidos de supostos “movimentos pela liberdade e a democracia” – não combinam em absoluto...

 

Trouxemos aqui um exemplo dentro da temática da mobilidade urbana não-motorizada – desfazendo o mito de que não exigem maiores investimentos, nem a presença do Estado – mas muitos outros poderiam ser colocados. O atual governo golpista ameaça o avanço de políticas dessa natureza ao abrir mão de potenciais ativos naturalmente presentes no território nacional, como é o caso da revogação da preferência da Petrobras sobre as camadas Pré-Sal. Não obstante, quaisquer que sejam os exemplos de equipamentos coletivos, todos eles guardam uma relação com a capacidade da nação em pôr em marcha um projeto genuíno de desenvolvimento econômico.

 

As possibilidades de mudança, de remoção dos obstáculos às políticas de mobilidade efetivamente contundentes, também dependem da ação de intelectuais ligados ao problema, articulados a outras demandas sociais nacionais, bem como de uma vigilância constante dos grupos e coletivos sociais interessados. Infelizmente, os sectarismos, o caráter demasiadamente “difuso” das pautas de alguns desses movimentos e os posicionamentos que impedem uma ação estratégica sobre a realidade, fazem com que as duas rodas mobilizadas pela tração humana se avizinhem cada vez mais dos caminhos esburacados gerados pela falta de investimentos.

Rodrigo Giraldi Cocco

Doutor em Geografia

Universidade Federal de Santa Catarina

Transporte público coletivo e mobilidade urbana na Região Metropolitana da Grande Florianópolis

20/06/2016 11:23

A Região Metropolitana de Florianópolis possui aspectos derivados de sua Formação Sócio-Espacial que dificultam o planejamento e a execução de planejamentos em transportes. Dificulta também as interações espaciais e, portanto, os saltos dialéticos no sentido do desenvolvimento. A própria escolha do assentamento principal da colonização portuguesa, que inicia no lado oeste da Ilha de Santa Catarina, na porção mais próxima do continente é um ponto fundamental, derivado deum planejamento colonial que buscava a adaptação das edificações ao relevo acidentado, preocupando-se fundamentalmente com a defesa territorial. Posteriormente (1748-1756), a tradição açoriana de partilha dos lotes levou à formação de servidões. Esta consistiuna herança de parte das terras, para cada filho que se casava e constituía uma nova família, donde a grande fragmentação dos lotes exigia a abertura de caminhos que conferissem acesso às estradas principais, formando caminhos (“servidões”) estreitos e longos, que chegam a 4 quilômetros de comprimento, ineptos às atuais necessidades de mobilidades.

Estas formas presentes no espaço urbano da região pouco se modificaram com o passar do tempo, pela pouca intervenção histórica do Estado no sentido da máxima eficácia da mobilidade terrestre. Em parte em função disso, os transportes públicos são severamente afetados pelos congestionamentos, pela carência de acessos e, pela dispersão urbana nas pontas das servidões, as quais quase sempre exigem aproveitamentos de linha que reduzem a eficácia do serviço de transporte por ônibus. Na parte insular da capital – a Ilha de Santa Catarina – então, desenvolveram-se instalações públicas de diferentes autarquias do estado e da União (desde 1950), fomentando outros investimentos, intensificando o comércio e os serviços e assim, gerando um polo de atração de mobilidade insular, destino preferencial de fluxos dos arrabaldes insulares e continentais. É neste contexto que principiam os serviços de transporte público por ônibus, desde a construção da Ponte Hercílio Luz (1920).

Todo este contexto repercutiu no desenvolvimento urbano da ilha e da área continental da Região, também influenciada por um quadro natural singular, onde, além da condição insular – que exige necessariamente uma infraestrutura de ligação – apresenta um quadro natural muito peculiar. Por exemplo, há a ocorrência de maciços que se interpõem entre os assentamentos, como é o caso do morro da Cruz, entre distritos populosos como Trindade, Itacorubi e Centro. Ou o morro da Costa da Lagoa, que juntamente com uma formação lacustre de 12 quilômetros de extensão (a Lagoa da Conceição) dificulta o acesso rodoviário entre oeste e leste da ilha. Os manguezais, como o Manguezal do Itacorubi, que segrega a área central do único acesso pela rodovia SC-401, para o populoso norte da ilha, etc. O próprio alargamento das rodovias de ligação dos balneários é dificultado por estas formações adjacentes. Como é evidente, esta diversidade de formações naturais e formas-conteúdo socialmente construídas, exigem soluções mistas em termos de mobilidade, mas o principal obstáculo aqui é a estrutura institucional, que inclui ferramentas legais, financeiras e um corpo técnico de funcionários capaz de operar com esta complexidade territorial. As interações institucionais entre estado, municípios e União também são fundamentais e explicam muito das dificuldades vividas atualmente na Região Metropolitana de Florianópolis (RMF). Por exemplo, na RMF as frotas de automóveis cresceram significativamente, como resultado de medidas anticíclicas adotadas desde o Governo Lula da Silva (2003-2010). Somente em Florianópolis essa frota cresceu 80,7% e em Palhoça, 210% entre 2002 e 2014, mas nas cidades catarinenses e na RMF, não foram acompanhadas em mesmo ritmo, da reorganização do espaço urbano com reforço do transporte público. A produção de imóveis, também estimulada pelo Estado, expandiu a mancha urbana da região a taxas altíssimas, desconsiderando a necessidade de acesso adequado aos centros urbanos, gerando inclusive processos de expulsão das baixas rendas para periferias ainda mais distantes. As dificuldades de geração de densidades urbanas e usos de solo mistos, ao longo corredores estruturantes de transporte público na região refletem, entre outros entraves, as dificuldadesinerentes às características conservadoras – patrimonialistas e clientelistas – da Formação Social brasileira, donde se favorecem os capitais imobiliários que atuam na região (sem que suas ações sejam orientadas) em detrimento da necessidade de uma integração metropolitana do planejamento.

Resultam deste contexto, intensos deslocamentos cotidianos pendulares entre a área continental da RMF, onde predomina a função moradia e, a parte insular de Florianópolis, que ainda centraliza os destinos. Estes deslocamentos são efetuados em média, em 57,8 minutos por transporte público e, em 28 minutos por automóvel, exibindo a baixa competitividade do transporte público, em que pese à necessidade deste serviço, de atrair usuários de automóveis para redução dos congestionamentos. Apesar dos aumentos de custos operacionais conduzidos por este cenário, os capitais de transporte mais dinâmicos imprimem estratégias logísticas, mas também extra-econômicas, as quais não necessariamente resultam em eficácia para o usuário. Estas, no entanto, garantem a continuidade destes capitais (eficiência econômica) apesar do ambiente ineficaz em que operam e, em especial, dos commutings (continente-ilha) e entre núcleos distantes da ilha (norte-centro e sul-centro).

Vale ressaltar que este padrão de deslocamentos foi condicionado pela estruturação da região, baseada na urbanização ao longo de eixos rodoviários, que passaram a funcionar como avenidas urbanas. Não há, no entanto, uma governança integrada destas infraestruturas, em função do que, ainda são operadas como rodovias, isto é, sem infraestruturas específicas para transportes públicos. Estes problemas são muito presentes no norte da Ilha, em São José e em Biguaçu, cujo viário preexistente é baseado em servidões, seguido de uma expansão urbana recente desordenada e sem alternativas viárias de acesso adequadas, aos novos loteamentos. A urbanização dispersa já se encontra no extremo sul do município de Palhoça, aonde as frequências de transporte coletivo chegam a intervalos de até 4 horas, com o agravante de que aproximadamente 40% dos usuários do transporte público são commuters, os quais, em horários de pico, levam cerca de 3 horas diariamente para o centro de Florianópolis, devido aos congestionamentos. Em suma, as contradições entre a organização espacial e os sistemas de transportes públicos na RMF resultamde fragilidades institucionais na escala metropolitana, as quais dificultam uma ação mais efetiva sobre estes problemas. São determinadas também, pela ausência de uma política nacional e estadual de subsídios públicos; de estímulo ao emprego de outras tecnologias de transportes integradas; de contratos de concessão ineficazes e pouco adaptados às diferentes demandas espaciais e; licitações pouco atraentes para que novos capitais atuem no setor e em particular, na RMF. Assim, resulta que, em geral, o serviço de transporte tem sido produzido pelos mesmos agentes que o fizeram desde seu início, com pouco estímulo à inovação e em prejuízo do usuário.

Rodrigo Giraldi Cocco

Doutor em Geografia

Departamento de Geociências

Universidade Federal de Santa Catarina

Expansão urbana e sua repercussão no sistema de transporte público e mobilidade na área conurbada de

20/06/2016 10:51

Este capítulo tem como objetivo avaliar as recentes dinâmicas do transporte público e mobilidade nas áreas de expansão urbana e seus impactos na estruturação do território dos municípios da área conurbada de Florianópolis, conformada por Biguaçu, Florianópolis, Palhoça, Santo Amaro da Imperatriz e São José. Através da identificação do papel dos agentes sócias, o levantamento, a caracterização das imobiliárias e sua produção no espaço, se avaliarão as repercussões que a localização dos empreendimentos vêm determinando na consolidação do processo de expansão urbana e verticalização. Impactos que trazem consequências na mobilidade urbana, assim como a transformação da paisagem e a reprodução de fortes disparidades territoriais no Brasil.

No inicio do século XX, a capital Florianópolis tinha a maior população da região, mas os dados apontam que este crescimento praticamente se inverteu, segundo sensos do IBGE (1980, 1991, 2000), em menos de cinquenta anos, o crescimento dos municípios conurbados foi maior em relação ao crescimento do município de Florianópolis, sendo que na década de 50, o município abriga 73,72% da população total do aglomerado urbano, em meados da década de 90, representa só o 34,81%.Este crescimento da população de Florianópolis nas últimas décadas do século XX extrapolou os limites territoriais do município, envolvendo diretamente nesta dinâmica ao município de São José. Enquanto isso, Palhoça, Santo Amaro da Imperatriz e Biguaçu começam o período de fortes transformações de rural ao urbano. Os anos de 1970 consagram a dinâmica de urbanização acelerada. Os Planos Urbanos, baseados em propostas e projetos onde o motor do desenvolvimento foi às obras viárias, trouxeram como consequência a expansão da malha urbana, a integração entre os municípios, e a massificação do uso do transporte individual, porem, persistia a falta de investimentos públicos para a organização e o desenvolvimento do transporte coletivo.

A localização dos investimentos viários foram de grande importância no processo de formação e desenvolvimento da capital assim como também na valorização imobiliária em alguns eixos importantes como, por exemplo o eixo da rodovia BR-101 (1940-1971) e a Beira Mar Norte (1977-1981) e o aterro da Baia Sul (1972-1974), a via do Contorno Norte-Ilha (1977-1981)e outras áreas onde se localizavam alguns órgãos ligados à administração pública, entre os quais se destaca a UFSC. A conformação espacial destas áreas se consolidou graças as legislações para o uso do solo, assim como pactos e acordos entre o capital imobiliário e o poder público.

Estas características de ocupação nas áreas de expansão urbana têm fortes implicações sociais, sobre todo no que respeita a cobertura do transporte público e ao aumento da sua demanda motivado pelo aumento dos deslocamentos entre o centro e as áreas periféricas, com o consequente aumento do trânsito, desigualdades nos tempos de deslocamentos o que conduz a iniquidades no que tange às possibilidades de reprodução social dos segmentos, sobretudo dos grupos sócias excluídos das áreas mais centrais pelos mecanismos de valorização da terra. Consideramos que os sistemas de transporte público são fundamentais para os processos de estruturação e reestruturação do espaçojá que repercutem nos padrões de distribuição das atividades econômicas e da habitação.

Diante disso, o presente capítulo está norteado pelos seguintes questionamentos: Como o processo de expansão urbana repercutiu no sistema de transporte público e mobilidade na área conurbada de Florianópolis? Quais são as dinâmicas do mercado imobiliário e seus impactos na estruturação do território? Para entender estes processos é preciso identificar não só os fatores que influenciaram o espalhamento da cidade, as direções de crescimento, a forma da mancha urbana, a verticalização, a densidades, etc., mas também é indispensável à análise do enfoque das politicas locais de mobilidade e ocupação de solo. Analisaremos também os componentes que produzem dinâmicas excludentes para a população que usa o transporte publico e mora em áreas periféricas nos municípios em questão.

As inadequadas condições de mobilidade e acessibilidade urbana também se constituem em barreiras efetivas para inclusão social e são consequência dos mecanismos de acumulação do capital e renta do solo urbano dos setores que possuem o monopólio imobiliário e por outro lado, o acesso a este bem é restrito para a população de baixa renda. Sendo assim, pode-se dizer que investimentos imobiliários públicos e privados são elementos configuradores e produtores do espaço. Estes investimentos constituem mecanismos importantes de acumulação do capital, agindo de forma decorrente do mercado imobiliário, prevalecendo os interesses que regem o movimento e as trocas entre os diversos agentes presentes no território.

Margaux Hildebrandt Vera

Doutoranda em Geografia

Departamento de Geociências

Universidade Federal de Santa Catarina