A modernização do transporte ferroviário de Cuba

31/12/2021 13:00

Por: Profº Dr. Nelson Fernandes Felipe Jr (UNILA)

 

Em 1837, Cuba foi o sétimo país do mundo e o primeiro da América Latina e Caribe a possuir o transporte ferroviário. Todavia, nos últimos trinta anos, houve uma precarização do serviço, principalmente porque desde a década de 1970 Cuba não recebia mais trens e locomotivas para operarem no sistema. A União Soviética enviou, nos anos de 1960 e 1970, algumas composições novas e, sobretudo, trens usados para serem utilizados no país caribenho. As ferrovias cubanas, desde os anos de 1990, são prejudicadas pela falta de manutenção e escassez de equipamentos modernos, como resultado da dissolução da União Soviética, da dificuldade de estabelecimento de novas parcerias tecnológicas e do embargo econômico/comercial dos Estados Unidos (SPUTNIK; vermelho, 2019).

Para mudar esse cenário, o governo cubano criou o Programa de Recuperação e Desenvolvimento do Meio de Transporte Ferroviário, que se estenderá até 2028. Como consequência desse projeto, a Russian Railways – empresa que controla as estradas de ferro na Rússia – firmou um contrato de US$ 1,98 bilhão com a União de Ferrovias de Cuba. A estatal russa será responsável por promover a ampliação e modernização da infraestrutura ferroviária no território cubano, com o objetivo de incrementar a circulação de passageiros e produtos e fomentar o desenvolvimento econômico. O projeto e o contrato firmado entre os países estabelecem que pouco mais de mil quilômetros de ferrovias serão modernizadas, além da criação de um centro de controle para gerenciar o tráfego ferroviário (SPUTNIK; vermelho, 2019).

Essas melhorias permitirão aumentar a segurança no transporte, elevar a velocidade, ampliar a abrangência espacial da rede ferroviária e otimizar o funcionamento do sistema (fluxos, horários, identificação e redução de erros de operação etc.). Outrossim, em 2019 e 2020, Cuba recebeu 160 novos vagões fabricados na China que estão em circulação para atender a demanda por transporte no país, especialmente na capital Havana, e essa frota será ampliada nos próximos anos (ALEKSÁNDROVA, 2019, 2020).

A aquisição dos novos vagões e locomotivas foi/é resultado de uma parceria com a China, assim, esse acordo prevê que o país asiático deverá produzi-los e também fornecer empréstimos para Cuba poder compra-los. A modernização e a operação das novas composições ferroviárias permitem aumentar a velocidade e diminuir o tempo das viagens. Cada trem possui capacidade para transportar 766 passageiros e existem diversas linhas que interligam cidades importantes, como Havana, Matanzas, Santiago de Cuba, Holguín e outras (SPUTNIK; vermelho, 2019).

Em 2018, o sistema ferroviário de Cuba transportou 6,1 milhões de passageiros e, a partir desse projeto, das parcerias com a Rússia e a China e os investimentos que serão realizados nos próximos anos, o governo cubano prevê que todas as obras estejam finalizadas até 2030. Além disso, há possibilidade de construção de uma linha ferroviária para circulação de trens de alta velocidade, conectando Havana ao balneário de Varadero (ALEKSÁNDROVA, 2019).

Os países da América Latina e Caribe apresentam pontos de estrangulamento nas infraestruturas e precisam avançar no processo de integração territorial, diante disso, é importante fomentar especialmente o modal ferroviário e a multimodalidade/intermodalidade. Em relação aos grandes projetos de infraestruturas na atualidade, destaca-se a Iniciativa Cinturão e Rota (também denominada de Nova Rota da Seda), em que o governo da China pretende investir mais de US$ 1 trilhão em infraestruturas na Ásia, Europa, Oriente Médio e África. O plano chinês iniciou-se em 2013 visando criar novas oportunidades de investimentos, impulsionar o comércio e o crescimento econômico, aumentar a fluidez e as redes intermodais, entre outros.

A China se destaca na expansão dos fixos no seu território e também em outros países. O desenvolvimento econômico chinês é resultado de vários fatores, como o planejamento estatal, os vultosos investimentos em infraestruturas econômicas e sociais (grandes projetos e obras, notadamente a expansão/modernização dos equipamentos e serviços de utilidade pública), o fomento da indústria, a agregação de valor e tecnologia na produção, a valorização da C&T, as empresas estatais estratégicas, os financiamentos e subsídios, entre outros.

A intensificação da inserção chinesa no comércio, nas parcerias e nos investimentos internacionais, bem como as mudanças na lógica produtiva e exportadora, são relevantes para compreender o dinamismo do país asiático. Ademais, a China vem ampliando as inversões e os acordos comerciais com os países periféricos, principalmente com nações da África e da América Latina e Caribe (caso da modernização do sistema ferroviário de Cuba). Assim, a China assegura o acesso às matérias-primas (importantes para a produção industrial), aumenta as possibilidades de investimentos das empresas estatais e privadas chinesas (energia, construção civil pesada, indústrias de média e alta tecnologia, mercado de ações etc.) e garante mercados consumidores para suas mercadorias, sobretudo manufaturas, têxteis, eletroeletrônicos, informática e bens de capital (JABBOUR, 2010).

Considerando o ambiente internacional de exacerbada competição, cujos efeitos se desdobram rapidamente na América Latina e Caribe, é necessário os países avançarem na integração territorial e nas parcerias estratégicas, valorizando a expansão das infraestruturas, a cooperação política, econômica, financeira e tecnológica, o incremento do comércio, a defesa dos interesses comuns das nações, entre outros. Entretanto, isso somente é possível com a existência de condições políticas favoráveis (o que não existe no Brasil desde 2016) e com o estabelecimento de uma política macroeconômica desenvolvimentista, com destaque à expansão/modernização dos equipamentos e serviços de utilidade pública (transportes, energia, telecomunicações, saúde, educação, saneamento básico, internet etc.). Exemplos nesse sentido são verificados atualmente na África (Etiópia), na América Latina e Caribe (Cuba) e na Ásia (Vietnã, China, Coreia do Sul, Cingapura etc.). Ao mesmo tempo que alguns países estabelecem projetos e programas de desenvolvimento, o Brasil afunda na crise política, econômica e social. Esperamos um futuro melhor!

Referências

ALEKSÁNDROVA, M. Cuba receberá US$ 2 bilhões da Rússia para suas redes ferroviárias. 2019. Disponível em: https://br.rbth.com/economia/82937-russia-dara-2-bilhoes-ferrovias-cuba. Acesso em: 17/08/2021.

JABBOUR, E. Projeto nacional, desenvolvimento e socialismo de mercado na China de hoje. Tese de Doutorado em Geografia. Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2010.

SPUTNIK. Cuba inaugura novo sistema ferroviário em parceria com Rússia e China. 2019. Disponível em: https://operamundi.uol.com.br/sociedade/59478/cuba-inaugura-novo-sistema-ferroviario-em-parceria-com-russia-e-china. Acesso em: 16/08/2021.

VERMELHO. Com a ajuda de China e Rússia, Cuba inaugura sistema ferroviário. 2019. Disponível em: https://vermelho.org.br/2019/07/14/com-a-ajuda-de-china-e-russia-cuba-inaugura-sistema-ferroviario/. Acesso em: 18/08/2021.

Autor

Prof. Dr. Nelson Fernandes Felipe Junior

Docente do curso de Geografia

UNILA/PPGICAL

Tags: CubaDesenvolvimento econômicoInfraestruturasTransporte ferroviário

As ferrovias em Santa Catarina e as contradições na produção do espaço

20/06/2016 11:03

O estado de Santa Catarina teve cinco linhas férreas construídas em seu território, a saber: Ferrovia Tereza Cristina – FTC (1884), Estrada de Ferro Santa Catarina – EFSC (1909), Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande – EFSPRG, Ramal São Francisco (1913) e o Ramal Sul entre Mafra e Lages (1969). Essas linhas férreas constituíram um importante fator de desenvolvimento, auxiliando para o escoamento do excedente da pequena produção mercantil, transportes de imigrantes e consolidação de algumas colônias, posteriormente, municípios.

As estradas de ferro catarinense seguiram as mudanças na lógica de investimento em transporte, do Governo Federal. Assim, parte da malha catarinense foi desativada entre a década de 1960 e 1970 após a construção das rodovias. Em 1997, no contexto da desestatização da antiga Rede Ferroviária Federal-FFSA, a malha ferroviária catarinense foi concedida para dois consórcios: a malha da Tereza Cristina para um consórcio com o mesmo nome e o restante foi concedido para o Consórcio Ferrovias Sul Atlântico (FSA) (alterado posteriormente para Amércia Latina Logística-ALL). Deficiências na elaboração dos contratos e falta de fiscalização possibilitaram a desativação de trechos que não interessavam as concessionárias. Assim, o estado possui três ramais ferroviários operantes: os ramais da Ferrovia Tereza Cristina- FTC que ligam as minas de carvão até a termelétrica Jorge Lacerda, no município de Capivari de Baixo; o Ramal Sul que corta o estado entre Mafra e Lages e o ramal São Francisco entre o porto de São Francisco do Sul e Mafra, que são utilizados pela ALL.
Os transportes, a logística e o armazenamento são forças produtivas importantes para a circulação do capital, contudo o sistema ferroviário é relevante, não apenas para o transporte de cargas, mas também para ampliar as interações espaciais, expandir as dinâmicas regionais, aumentar a competitividade e contribuir para a integração nacional. Santa Catarina, da mesma forma que todo o Brasil, necessita de uma expansão da malha férrea e apresenta setores que seriam favorecidas com a existência de uma rede férrea de transporte. Parte das exportações do estado são produtos tipicamente ferroviários como as carnes, o fumo, a soja e a madeira, mas seguem por rodovias, devido a inexistência de uma ferrovia que atenda a demanda regional.
A despeito das necessidades ferroviárias do estado, o Programa de Aceleração do Crescimento-PAC 2 (lançado em 2011) apresentou o projeto de construção do corredor ferroviário cruzando o estado de leste a oeste, projeto antigo de intersse estadual. Também foram retomadas as discussões para a construção da Ferrovia Litorânea, a modernização do Tronco Sul da antiga RFFSA entre a cidade de Mairinque/SP até o Porto de Rio Grande/RS e a construção do eixo sul da Ferrovia Norte-Sul (EF-151) ligando Panorama/SP até Chapecó/SC.
A partir desse contexto, o capítulo busca analisar alguns aspectos na discussão sobre a ampliação da rede ferroviária catarinense. A questão que norteia o capítulo é identificar quais os maiores entraves para a construção da Ferrovia Oeste-Leste (ou “Ferrovia do Frango”) e da Ferrovia Litorânea e outros traçados que atendam aos interesses de fluidez do território catarinense. A metodologia utilizada foi sobretudo revisão bibliográfica sobre as ferrovias e leitura de textos que abordam a realidade atual do estado e do país. Porteriormente foi realizada a analise das demandas ao setor de transporte ferroviário. Foram levantados dados da produção estadual, assim como busca de informações e documentos em órgãos públicos e empresas.
De acordo com a VALEC – Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. (2013) o projeto do Corredor Ferroviário de Santa Catarina deverá ligar o Porto de Itajaí ao município de Dionísio Cerqueira (862 km). Em 2013 a VALEC abriu edital para contratação de empresa para elaboração de Estudo de Viabilidade Técnica dessa ferrovia, mas ele foi suspenso pelo Tribunal de Contas da União por irregularidades na concorrência. Na Assembleia Legislativa do estado existem várias proposições de deputados para impetrar alterações no trajeto da Ferrovia Oeste-Leste. Tais fatos evidenciam as divergências de interesses quanto ao traçado e demonstram a força dos pactos de poder regionais e nacionais que sobrepujam os interesses sociais.
 Fffoi possível identificar outros problemas que implicam na não construção dos trechos ferroviários, a saber: inexistência de um estudo claro e objetivo sobre os vários aspectos que envolvem a implantação de uma rede ferroviária como geologia, economia regional, demandas, etc.; inexistência de recursos públicos para construção; falta de investimentos por parte da da iniciativa privada; deficiências de planejamento e execução do Estado; uso de projetos para campanhas partidárias e os conflitos entre projetos do governo e de Estado.
Os problemas identificados no estado de Santa Catarina são parte de um problema de infraestrutura em âmbito nacional, apesar das suas particularidades históricas. Em ambos os casos deveria prevalecer os interesses públicos, com a integração dos modos de transporte regional, estadual e nacional, contudo, prevalecem os interesses do capital privado e de grupos locais e regionais.
Alessandra Júlio dos Santos
Doutoranda em Geografia
Departamento de Geociências
Universidade Federal de Santa Catarina