A modernização do transporte ferroviário de Cuba

31/12/2021 13:00

Por: Profº Dr. Nelson Fernandes Felipe Jr (UNILA)

 

Em 1837, Cuba foi o sétimo país do mundo e o primeiro da América Latina e Caribe a possuir o transporte ferroviário. Todavia, nos últimos trinta anos, houve uma precarização do serviço, principalmente porque desde a década de 1970 Cuba não recebia mais trens e locomotivas para operarem no sistema. A União Soviética enviou, nos anos de 1960 e 1970, algumas composições novas e, sobretudo, trens usados para serem utilizados no país caribenho. As ferrovias cubanas, desde os anos de 1990, são prejudicadas pela falta de manutenção e escassez de equipamentos modernos, como resultado da dissolução da União Soviética, da dificuldade de estabelecimento de novas parcerias tecnológicas e do embargo econômico/comercial dos Estados Unidos (SPUTNIK; vermelho, 2019).

Para mudar esse cenário, o governo cubano criou o Programa de Recuperação e Desenvolvimento do Meio de Transporte Ferroviário, que se estenderá até 2028. Como consequência desse projeto, a Russian Railways – empresa que controla as estradas de ferro na Rússia – firmou um contrato de US$ 1,98 bilhão com a União de Ferrovias de Cuba. A estatal russa será responsável por promover a ampliação e modernização da infraestrutura ferroviária no território cubano, com o objetivo de incrementar a circulação de passageiros e produtos e fomentar o desenvolvimento econômico. O projeto e o contrato firmado entre os países estabelecem que pouco mais de mil quilômetros de ferrovias serão modernizadas, além da criação de um centro de controle para gerenciar o tráfego ferroviário (SPUTNIK; vermelho, 2019).

Essas melhorias permitirão aumentar a segurança no transporte, elevar a velocidade, ampliar a abrangência espacial da rede ferroviária e otimizar o funcionamento do sistema (fluxos, horários, identificação e redução de erros de operação etc.). Outrossim, em 2019 e 2020, Cuba recebeu 160 novos vagões fabricados na China que estão em circulação para atender a demanda por transporte no país, especialmente na capital Havana, e essa frota será ampliada nos próximos anos (ALEKSÁNDROVA, 2019, 2020).

A aquisição dos novos vagões e locomotivas foi/é resultado de uma parceria com a China, assim, esse acordo prevê que o país asiático deverá produzi-los e também fornecer empréstimos para Cuba poder compra-los. A modernização e a operação das novas composições ferroviárias permitem aumentar a velocidade e diminuir o tempo das viagens. Cada trem possui capacidade para transportar 766 passageiros e existem diversas linhas que interligam cidades importantes, como Havana, Matanzas, Santiago de Cuba, Holguín e outras (SPUTNIK; vermelho, 2019).

Em 2018, o sistema ferroviário de Cuba transportou 6,1 milhões de passageiros e, a partir desse projeto, das parcerias com a Rússia e a China e os investimentos que serão realizados nos próximos anos, o governo cubano prevê que todas as obras estejam finalizadas até 2030. Além disso, há possibilidade de construção de uma linha ferroviária para circulação de trens de alta velocidade, conectando Havana ao balneário de Varadero (ALEKSÁNDROVA, 2019).

Os países da América Latina e Caribe apresentam pontos de estrangulamento nas infraestruturas e precisam avançar no processo de integração territorial, diante disso, é importante fomentar especialmente o modal ferroviário e a multimodalidade/intermodalidade. Em relação aos grandes projetos de infraestruturas na atualidade, destaca-se a Iniciativa Cinturão e Rota (também denominada de Nova Rota da Seda), em que o governo da China pretende investir mais de US$ 1 trilhão em infraestruturas na Ásia, Europa, Oriente Médio e África. O plano chinês iniciou-se em 2013 visando criar novas oportunidades de investimentos, impulsionar o comércio e o crescimento econômico, aumentar a fluidez e as redes intermodais, entre outros.

A China se destaca na expansão dos fixos no seu território e também em outros países. O desenvolvimento econômico chinês é resultado de vários fatores, como o planejamento estatal, os vultosos investimentos em infraestruturas econômicas e sociais (grandes projetos e obras, notadamente a expansão/modernização dos equipamentos e serviços de utilidade pública), o fomento da indústria, a agregação de valor e tecnologia na produção, a valorização da C&T, as empresas estatais estratégicas, os financiamentos e subsídios, entre outros.

A intensificação da inserção chinesa no comércio, nas parcerias e nos investimentos internacionais, bem como as mudanças na lógica produtiva e exportadora, são relevantes para compreender o dinamismo do país asiático. Ademais, a China vem ampliando as inversões e os acordos comerciais com os países periféricos, principalmente com nações da África e da América Latina e Caribe (caso da modernização do sistema ferroviário de Cuba). Assim, a China assegura o acesso às matérias-primas (importantes para a produção industrial), aumenta as possibilidades de investimentos das empresas estatais e privadas chinesas (energia, construção civil pesada, indústrias de média e alta tecnologia, mercado de ações etc.) e garante mercados consumidores para suas mercadorias, sobretudo manufaturas, têxteis, eletroeletrônicos, informática e bens de capital (JABBOUR, 2010).

Considerando o ambiente internacional de exacerbada competição, cujos efeitos se desdobram rapidamente na América Latina e Caribe, é necessário os países avançarem na integração territorial e nas parcerias estratégicas, valorizando a expansão das infraestruturas, a cooperação política, econômica, financeira e tecnológica, o incremento do comércio, a defesa dos interesses comuns das nações, entre outros. Entretanto, isso somente é possível com a existência de condições políticas favoráveis (o que não existe no Brasil desde 2016) e com o estabelecimento de uma política macroeconômica desenvolvimentista, com destaque à expansão/modernização dos equipamentos e serviços de utilidade pública (transportes, energia, telecomunicações, saúde, educação, saneamento básico, internet etc.). Exemplos nesse sentido são verificados atualmente na África (Etiópia), na América Latina e Caribe (Cuba) e na Ásia (Vietnã, China, Coreia do Sul, Cingapura etc.). Ao mesmo tempo que alguns países estabelecem projetos e programas de desenvolvimento, o Brasil afunda na crise política, econômica e social. Esperamos um futuro melhor!

Referências

ALEKSÁNDROVA, M. Cuba receberá US$ 2 bilhões da Rússia para suas redes ferroviárias. 2019. Disponível em: https://br.rbth.com/economia/82937-russia-dara-2-bilhoes-ferrovias-cuba. Acesso em: 17/08/2021.

JABBOUR, E. Projeto nacional, desenvolvimento e socialismo de mercado na China de hoje. Tese de Doutorado em Geografia. Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2010.

SPUTNIK. Cuba inaugura novo sistema ferroviário em parceria com Rússia e China. 2019. Disponível em: https://operamundi.uol.com.br/sociedade/59478/cuba-inaugura-novo-sistema-ferroviario-em-parceria-com-russia-e-china. Acesso em: 16/08/2021.

VERMELHO. Com a ajuda de China e Rússia, Cuba inaugura sistema ferroviário. 2019. Disponível em: https://vermelho.org.br/2019/07/14/com-a-ajuda-de-china-e-russia-cuba-inaugura-sistema-ferroviario/. Acesso em: 18/08/2021.

Autor

Prof. Dr. Nelson Fernandes Felipe Junior

Docente do curso de Geografia

UNILA/PPGICAL

Tags: CubaDesenvolvimento econômicoInfraestruturasTransporte ferroviário

Difusão da Covid-19 em São José (SC)

24/04/2020 13:00

Santa Catarina anunciou medidas de afrouxamento no isolamento social recentemente, mesmo com números de casos confirmados e óbitos subindo cotidianamente e contrariando as recomendações da OMS, que apresenta o isolamento social como melhor medida de contenção na difusão da COVID-19.

 

Os dados apresentados dia 24 de abril pelo Governo de Santa Catarina evidencia que os quatro municípios mais populosos, segundo estimativas do IBGE em 2019, são os com maiores números de casos confirmados, são eles: Florianópolis (251 casos), Joinville (127 casos), Blumenau (90 casos) e São José (49 casos). Os três primeiros municípios se destacam por serem polos regionais, gerando fluxos por conta das interações espaciais, principalmente regionais, enquanto São José faz parte da Região Metropolitana de Florianópolis, na qual sofreu forte expansão nas últimas décadas por conta da pressão imobiliária, tendo um aumento expressivo no adensamento populacional.

 

A RMF (Região Metropolitana de Florianópolis) tem Florianópolis como principal polo de confirmados por COVID-19, sendo que Capital é responsável por grande parte dos movimentos pendulares dessa região. Com as medidas de afrouxamento, liberando diversos setores da economia, os deslocamentos dentro da RMF podem provocar o aumento na disseminação do vírus em municípios que atualmente tem baixos índices de casos confirmados e óbitos.

 

Casos Confirmados e de Óbitos por COVID-19 nos municípios da RMF

Fonte: Governo do Estado de Santa Catarina (24/04/2020)

O município de São José ainda não conta com a confirmação de casos da COVID-19 em todo seu território, sendo possível o controle maior da disseminação do vírus caso o Estado siga as orientações da OMS, abaixo será possível verificar o número de casos confirmados por bairro no município.

Casos de COVID-19 por bairros em São José/SC

São José tem casos tantos nos bairros mais populosos como Serraria e Barreiros, como em bairros menos populosos, caso da Ponta de Baixo, Picadas do Sul e outros, porém ainda há bairros no qual não há casos confirmados, como Roçado, Sertão do Maruim, Forquilinhas e outros. Não ter casos confirmados não significa não haver pessoas nesses bairros com COVID-19, pois não há em São José testagem em massa, ou seja, a população josefense não está sendo testada, apenas alguns casos suspeitos estão sendo submetidos a testes.

 

Os casos suspeitos são pacientes que se deslocam ao centro de triagem no município com sintomas ou pessoas que passam pelas “blitz da saúde” realizada em alguns bairros onde é aferido a temperatura, sendo as pessoas com febre encaminhadas a triagem, logo, o número de amostragem para pessoas com COVID-19 é subestimado, pois segundo o Ministério da Saúde[1] 80% das pessoas que tem a COVID-19 podem ser assintomáticos, ou seja, a amostragem por testagem é extremamente baixo e ainda pode haver uma parcela significativa da população circulando, principalmente com as medidas de afrouxamento, transmitindo o vírus de forma assintomática.

 

Há estudos no Brasil que apresentam um número de contaminados de 12 a 15 vezes[2] maior do que os números oficiais do país, principalmente por ser realizado poucos testes, esse fato se reflete nos números apresentados, segundo médico Julival Ribeiro, porta-voz da Sociedade Brasileira de Infectologia, o número é baixo para comparativos com outros países, até o dia 22 de abril o Governo Federal entregou apenas 2,5 milhões de testes[3] aos estados, que possibilita o teste em apenas 1,19% da população do país, o que torna os dados oficiais dos Governo Federal, Estaduais e Municipais, insuficientes para compreensão da realidade dos casos no território.

 

Para haver maior controle é necessário planejamento e para isso o Estado deve realizar testagem em massa, como outros países realizaram, pois atualmente no Brasil há uma subnotificação de casos por conta da falta de testes, o que impossibilita, inclusive, o Estado ter poder na tomada de decisão.

 

Atualmente o Governo Federal vem negligenciando medidas que já deveriam ter sido tomadas, como manutenção do isolamento social, pagamento de auxílio a população, testagem em massa, construção de hospitais, chamamento público de profissionais de saúde e demandar a indústria nacional para produção de insumos necessários ao combate da COVID-19. Na contramão dos esforços internacionais de combate a Pandemia, o Presidente Jair Bolsonaro ataca Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS[4], isolando o Brasil internacionalmente e criando crises internas com Governadores e seus próprios ministros, com a retirada do ex-Ministro Saúde Mandetta e ex-Ministro Moro.

 

Nesse momento de Pandemia o Estado brasileiro deveria concentrar os esforços em garantir a população segurança para o isolamento social, como outros Estados Nacionais o fizeram e estão fazendo e não gerando insegurança com falas anticientíficas ou até mesmo fictícias.

[1] https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-a-doenca

[2] https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/04/14/pesquisas-subnotificacao-c%20asos-confirmados-brasil.htm

[3] https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/saude/teich-ignora-subnotificacao-ao-dizer-que-brasil-tem-melhor-desempenho-contra-o-coronavirus,22e17014c4427dcaa03aa7c1ebc16e9evt9uc19k.html

[4] Brasil é deixado de fora de aliança sobre acesso a tratamentos na OMS (UOL) https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/04/24/sem-brasil-oms-faz-mega-evento-com-lideres-mundiais-e-rebate-bolsonaro.htm

Tags: CidadesCoronavírusCOVID-19PandemiaRegião Metropolitana de FlorianópolisSão JoséUrbanização

Notas sobre a indústria chinesa e a queda dos lucros nos primeiros meses de 2020

15/04/2020 13:00

Passados quatro meses desde a primeira morte pelo vírus COVID-19 na China (11 de janeiro) na cidade Wuhan, nestes últimos dias tivemos a retomada das atividades no país asiático e a diminuição do número de pessoas contagiadas pelo vírus no país.

 

Dado o início dos primeiros casos de COVID-19 ainda no ano de 2019, a cidade de Wuhan nas primeiras semanas de janeiro iniciou uma série de medidas de isolamento total da cidade e da população como: restrição da movimentação da população nas ruas, acessos a determinadas regiões e distanciamento social além do fechamento de atividades não fundamentais, medidas estas que foram colocadas em prática em outras regiões do país dado rápido aumento do número de casos de infecções nos meses passados.

 

Com o início do isolamento, houve a diminuição das atividades comerciais e industriais. A China sofreu com uma elevada diminuição dos lucros da indústria nos primeiros dois meses do ano de 2020. De acordo com a National Bureau of Statistics of China essa queda dos lucros comparada ano a ano (2019 – 2020) foi de cerca de 38,3%, setores como mineração (-21,1%), produção e distribuição de energia (-23,2%) tornam-se expressivos na queda dos lucros no setor industrial.

 

De acordo com a agência dos 41 setores industriais levantados, 37 tiveram expressiva diminuição dos lucros nos dois primeiros meses do ano de 2020, estes ligados principalmente a produção e manufatura para indústria (maquinário e equipamento elétrico, produtos de minerais não-metálicos, têxtil entre outros), além do setor energético que também teve quedas na produção de energia voltada para indústria dada a queda na produção e o aumento da produção de gás natural e petróleo que continuam crescendo.

 

Portanto, à baixa na produção industrial, desaceleração das exportações e comércio interno, no efeito cascata acarretaram na taxa média de 38,3% na queda dos lucros, vale ressaltar que empresas de capital estrangeiro de Hong Kong, Macau e Taiwan na China tiveram uma perda nos lucros de mais de 50% neste mesmo período sendo o setor dentre os quatro (empresas estatais, privadas, sociedade anônima e empresas de capital externo) que teve maiores taxas de perdas. Vide o gráfico apresentado.

 

Assim, dada a queda de lucros e aumento das dívidas e devedores estes principalmente de menor tamanho, fez com que o governo chinês interferisse nas ações bancárias buscando a não rescisão ou restabelecimento de empréstimos, incentivando os bancos a fazer novos empréstimos principalmente para as empresas que foram afetadas pelo vírus, diminuindo os efeitos colaterais causados pela baixa na produção e comércio.

 

Espera-se que com essas intervenções o movimento de baixa nas receitas se normalize e os dividendos diminuam, algo que ainda é difícil de se prever visto que economias dependentes das exportações chinesas como Brasil, Estados Unidos, Alemanha entre outros, passam por período semelhante.

 

Fonte: National Bureau of Statistics of China, 2020.

Tags: ChinaCoronavírusCOVID-19Indústrias

COVID-19 e Circulação: transporte aéreo de passageiros e a rede urbana de São Paulo

11/04/2020 13:00

Recentemente fizemos uma reflexão sobre os possíveis desdobramentos após a redução dos voos de passageiros para a “malha essencial”[1].Fica cada vez mais evidente que em locais onde limitou-se a circulação, foram exatamente onde houveram menos casos de COVID-19, haja vista que as recomendações da Organização Mundial da Saúde seja exatamente o isolamento social.

 

O gráfico de casos da pandemia pelo país ruma ao seu ápice. Provavelmente daqui a duas semanas teremos noção da devastação que esse vírus deixará no país. Se em países onde restringiram-se severamente a circulação, mostram altos índices de casos, no Brasil, onde pouquíssimas localidades tentam fazer por “contra própria” o isolamento, teremos números alarmantes. Até porque, na contramão de TODOS os países que enfrentam o vírus, o “presidente” do Brasil é único que incentiva a população a ir para as ruas (contrariando a própria OMS).

 

A população de modo geral precisa se conscientizar do isolamento social. Quanto antes nos precavermos, mais cedo tudo passará, e aos poucos a quarentena vai sendo reduzida. Embora hajam setores que sejam impossíveis de parar, aqueles que podem exercer suas funções “de casa”, são os que mais devem “dar exemplo”. A realidade de vários municípios (inclusive de onde escrevo esse texto, Guapimirim, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro) é total o descaso da população. Agem como se nada estivesse causando várias mortes pelo mundo, que jamais serão contagiados, que não são grupo de risco, ou pior, “é apenas uma gripezinha”. O COVID-19 já provou que é muito mais agressivo que a H1N1[2], contrariando as fake news disparadas na rede.

 

Entendemos que a economia precisa funcionar, e é para isso que o Estado existe. Ele é fundamental para que, mesmo nesse período de crise, aja de forma consciente, principalmente em prol daqueles mais necessitados. Países como E.U.A. e Argentina, buscam de alguma maneira, manter a economia funcionando pagando o salário para as pessoas ficarem em casa e evitar aglomerações. Na contramão, o Brasil financia os Bancos privados, e vê o auxílio de R$600 como um “esforço” , o que é obrigação e dever do Governo. Entretanto, já era de se esperar que o Governo Bolsonaro iria agir dessa forma durante seus possíveis anos de mandato....

 

Mesmo assim, os Governadores estaduais buscam se unir em blocos “vizinhos” para combater o vírus, buscando medidas para limitar ao máximo a circulação de pessoas nas ruas (exemplo do bloco sudeste e nordeste). Embora tenham tentado limitar (em alguns casos de até suspender) as operações aéreas regulares de passageiros, quem tem o “poder” é a ANAC e a presidência da república.

 

Elencamos anteriormente que, se de fato a política de centralização de voos se mantivesse, as companhias se concentrariam no estado paulista, sobretudo em Guarulhos e Campinas [3], nada menos do que no epicentro da pandemia no país. Além do hub aeroportuário, vale lembrar que a rede urbana dessas cidades extrapola inclusive os limites estaduais, o que nos leva a refletir que, a zona de influência desses municípios abrange um alto contingente populacional. Podemos observar no mapa abaixo essa questão.

 
 

O setor aéreo é fundamental para o funcionamento de um país de larga escala territorial como Brasil. Atualmente desempenha o transporte de suprimentos entre as diferentes unidades da federação e cargas urgentes, além do transporte de passageiros.

 

No momento em que se concentram todos os voos nos aeroportos, exige-se que tenham mais fluidez para a atender a demanda, e com isso, a necessidade de mais pessoas interagindo no mesmo espaço.

 

Se numa pandemia em que a principal forma de evitar o contágio, é evitando o contato entre as pessoas, concentrar voos em um aeroporto (que já está numa área de risco) é uma ação correta?

 

Compreende-se que os voos mantidos são fundamentais para atender a demanda, mesmo que com números reduzidos. No entanto, essa política de concentração de voos não deveria ser aplicada no estado de São Paulo, mas sim numa localidade em que seja mais viável de manter o isolamento.

 

Será que, em algum momento se pensou no trabalhador aeroportuário? Nas pessoas que estão atuando no check-in, na segurança, nas esteiras, nas tripulações e em outros serviços necessários para a realização dos voos? Observe que, se essas pessoas têm contato com o vírus, quando seguem para casa, ao pegarem o transporte coletivo, aumentam ainda mais sua exposição. Ao chegarem em casa, têm contato com a família, e possivelmente a transmissão do vírus.

 

Exigir da logística de Estado (em pontos normativos) e da logística corporativa (estratégias competitivas) uma revisão do modelo que foi implementado é algo primordial. A ANAC pode transferir essas operações para um aeroporto numa localidade mais isolada e reduzir ao máximo os voos em zonas com alto índice de transmissão de COVID-19. Já as companhias, podem deixar de quarentena (em hotéis) aqueles trabalhadores que estão em contato direto com o público, limitando o contato com outras pessoas externas ao setor aéreo. Claro, que tudo isso atrelado aos controles sanitaristas.

 

Podemos usar a matemática simples de 1 funcionário que trabalhe no embarque de passageiros: supondo que ele faça o despacho de em média 4 voos por dia, este entra em contato com pelo menos 500 pessoas. Além disso, ele interage com outros setores do aeroporto e, após o serviço, segue para sua casa pelo transporte coletivo. Podemos considerar uma lotação média de 30 passageiros (seja no metrô ou ônibus, embora a realidade seja bem superior a isso), dessas 30 pessoas, contando que a família de cada um tenha 3 pessoas, serão mais 90 pessoas que estariam expostas. E por aí vai a conta... Se ficasse isolado, evitaria muitos riscos de contágio. Se observamos os casos de COVID-19 no Brasil, a maioria dos casos estão nas localidades em espaços de fluidez territorial, seja pelo transporte aéreo ou rodoviário (mapa abaixo).

 

Entretanto, a centralidade de capital emerge como um ponto fundamental para a tomada de decisão nesses casos. O isolamento dos funcionários aeroportuários exigiria um gasto maior do que o previsto, embora não seja algo exagerado para companhias. Porém, a busca incessante pelo lucro, faz com que o capital esteja acima de tudo e não o bem-estar social e do próprio funcionário.

 

É possível fazer isso e reduzir o contato? Sim! Cabe ao Estado firmar pactos normativos em prol disso. Mas se depender do Governo Federal Brasileiro, tratando o COVID-19 como uma “gripezinha” na figura do “presidente”, os resultados alarmantes farão parte de uma história em que a ciência foi substituída pelo achismo. E que o afrouxamento das regras de isolamento foi determinante para o ápice do gráfico de casos, e consecutivamente o colapso do sistema de saúde. Quando tudo isso acabar, o mundo não será o mesmo, disso não tenhamos dúvidas. O distanciamento social, o home office, precarização de outros serviços, aumento da informalidade, redução da circulação, dentre outros elementos farão parte do novo cotidiano que nos espera num futuro próximo. No entanto, a população precisa estar ciente de que temos outros “vilões” além do próprio vírus...

 

Para os otimistas, o setor irá se recuperar rápido, para outros, será lenta e gradual. O que podemos afirmar é que a retomada de crescimento do setor aéreo vai exigir reinvenções, novas estratégias logísticas e resgate fundamental da aviação regional.

 

Notas

 

[1][3] Transporte aéreo no brasil em tempos de covid-19: possibilidade de um novo mercado?. Disponível em: https://marciogedri.wixsite.com/geoeconomica/single-post/2020/03/28/TRANSPORTE-A%C3%89REO-NO-BRASIL-EM-TEMPOS-DE-COVID-19-POSSIBILIDADE-DE-UM-NOVO-MERCADO

 

[2] Mortality from pandemic A/H1N1 2009 influenza in England: public health surveillance study Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2791802/?fbclid=IwAR3lRuA50ZVPQzkSgDHA1PMHBgQzXaYH-Ke0nOIeCPULeLJGrAEl-3UXCnw Acesso em: 11/04/2020

Tags: Aviação comercialCoronavírusCOVID-19LogísticaPandemiaSaúde públicaTransporte aéreoTransportes

Covid-19: um retrato sobre seus efeitos e o papel do Estado em alguns países em momento de pandemia

07/04/2020 13:00

É mais que sabido, divulgado e comentado em todos os meios de comunicação, sejam eles no âmbito local, regional, nacional ou mundial, que estamos globalmente passando pela maior pandemia do século XXI decretada pela Organização Mundial da Saúde no dia 11/03/2020. Tal pandemia e os efeitos do Coronavírus SARS-Cov-2 e da doença (COVID-19) na vida de muitas pessoas é inexoravelmente avassalador, pois muita gente perdeu seus familiares e amigos queridos. Até o dia de hoje (06/03/2020) segundo dados do Ministério da Saúde, foi contabilizado 1.331.032 casos confirmados. Um total de 73.917 mil mortes pelo mundo, destes 39.692 mil estão na Europa. Somente na Itália estamos com mais de 16 mil mortes e na Espanha mais de 13 mil, conforme apresentado no gráfico 01.

 

Conforme os dados do Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde (OMS), expressos no gráfico 01, pode-se perceber que os casos são predominantemente na Europa, ou seja, em países que estão na União Europeia e que tem recursos, infraestruturas e um bem-estar social razoavelmente bom que facilitam, em tese, a prevenção, ou seja – o isolamento.

 

Nos Estados Unidos, país que como o Brasil e a Itália, entre outros, teve um presidente que relutou por aplicar a recomendações da Organização Mundial da Saúde, ultrapassou, segundo dados do Ministério da Saúde no dia 06 de abril, mais de 10.000 mil óbitos e mais de 350.000 mil casos, sendo que Nova York é a cidade com o maior número de vítimas fatais, com 2.475 mortes. São dados nada positivos que irão aumentar fortemente nos próximos dias.

 

Isso não é diferente em muitos outros países. No Brasil, país cujo presidente possui um posicionamento completamente oposto ao que a Organização Mundial da Saúde orienta, mas com um Ministro da Saúde que ainda respeita as recomendações da ciência e da OMS apresenta até o dia de hoje, conforme dados repassados pelos estados para o Ministério da Saúde, 12.056 casos (Sars-Cov-2) confirmados e 553 mortes pela (Covid-19), expressos regionalmente no gráfico 02.

 

Estamos em um momento delicado de muitas perdas humanas e muitas famílias passando por dificuldades econômicas. Na Europa tal situação gerou um consenso de que cabe aos governantes acionarem o Estado no intuito de dar condições econômicas para que as pessoas sigam as recomendações da Organização Mundial da Saúde. Sobretudo, o discurso econômico criou condições e trouxe o Estado para o centro do financiamento dos gastos, o que de certa forma forçou muitos países membros da União Europeia, os Estados Unidos e outros de várias partes do mundo, a retomar e reforçar o papel do Estado, dos investimentos públicos nos setores sociais e econômicos.

De toda forma, é necessário analisar e elencar o referido papel do Estado nesse momento nos principais países afetados, principalmente no Brasil. O que implica questiona de forma sucinta: Quais são as medidas econômicas e sociais adotadas por alguns países? Que efeito prático essas medidas irão ter nas nossas vidas, nos empregos/renda para que seja possível manter o isolamento tão necessário para o combate dessa pandemia?

 

Segundo a Reuters, agência britânica de notícias, com o avanço do COVID-19 de forma mais rápida na Europa, forçou alguns governos e seus respectivos bancos centrais, a tomarem medidas econômicas e estímulos fiscais. Só o Banco Central Europeu (BCE) reforçou seu programa de compra de ativos e injetou algo como 120 bilhões de euros e outros 750 bilhões de euros em flexibilização na compra mensal de ativos.

 

Na Alemanha foi aprovado um pacote de 750 bilhões de euros, destes 100 bilhões foram direcionados para assumir participação diretas em empresas. Já na França, o valor anunciado foi de 45 bilhões de euros diretamente para as empresas e trabalhadores. Na Itália, país mais afetado com essa pandemia e que decretou emergência no último dia 16 de março, liberou emergencialmente 25 bilhões de euros com o objetivo de suspender o pagamento de empréstimos e hipotecas de empresas e pessoas físicas e criou a possibilidade de garantia para empresas pagarem trabalhadores caso sejam demitidos temporariamente. Isso não foi diferente na Espanha que criou um pacote de 200 bilhões de euros como garantia de crédito para empresas e uma espécie de auxílio para pessoas vulneráveis.

 

No Reino Unido o plano de estimulo para a economia em vários setores foi de 30 bilhões de libras. A garantia de empréstimos para empresas foi da ordem de 330 bilhões de libras como meio de sustentar até 80% das despesas com salários de funcionários que tiverem que ser colocados em licença. Além de liberar as empresas a reter temporariamente 30 bilhões de libras de impostos sobre valor agregado (IVA). O Canadá tomou a medida de aplicar 55 bilhões de dólares em diferimento de impostos para empresas e famílias e mais 27 bilhões diretamente para trabalhadores e familiares. Já o Japão anunciou gastos extras de 430 bilhões de ienes, ou seja, 4,1 bilhões de dólares para pequenas, para médias empresas e melhorias nas instalações médicas. A China ampliou seus gastos e investimentos em infraestrutura direcionando 394 bilhões de dólares, gráfico 03.

 
 

E o Brasil?

 

No Brasil as medidas no campo da saúde, estão de certa forma, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde, mesmo sem muita mudança estrutural para novos financiamentos, seja das condições de trabalho para os profissionais da saúde ou nas estruturas dos hospitais e unidades de prontos atendimento. E aqui (sem nenhuma defesa do Ministro da Saúde, o mesmo que em tempos de atuação como Deputado Federal sempre votou por menos dinheiro na saúde e defendeu muitos cortes de programas importantes nesta área, entre eles o Mais Médicos) está de certa forma utilizando-se da estrutura do Ministério da Saúde para demostrar que está coordenando o combate ao corona vírus de forma racional. O que deixa claro que é muito mais medidas políticas do que de fato reforço do SUS ou dos investimentos na saúde pública. Na prática o Ministério da Saúde está jogando para população a responsabilidade de combatermos a pandemia e está se eximindo-os de das melhores condições de trabalho e aumento real de leitos hospitalares.

 

No que se refere às medidas econômicas que estão sendo tomadas nesse momento, cabe uma descrição e caracterização sucinta da população brasileira. A condição do Brasil é a de um país que havia conseguido sair do mapa da fome, mas que a partir 2016 voltou a ocupar este lugar, segundo a ONU. Temos atualmente no Brasil, segundo dados do Banco Mundial de 2019, 9,3 milhões de pessoas que vivem com US$ 1,90, o que seria uma renda mensal de R$ 150,00 reais. Cabe destacar que a maior parte delas vivem na cidade (80%) e atuam de forma autônoma ou na informalidade.

Portanto, para pensar o Brasil nesse momento de pandemia e de isolamento tão necessário para combater a propagação do corona vírus, deve-se no mínimo levar em consideração que nosso país com 210 milhões de habitantes tem 105.250 milhões de pessoas consideradas como População Economicamente Ativa (PEA), conforme a PNAD Contínua IBGE (2019), e destes 41,3% são trabalhadores informais.

É diante deste cenário socioeconômico brasileiro que temos que pensar as medidas que estão sendo tomadas pelo governo. Cenário este que apresenta a redução de direitos previdenciários e prorrogação do tempo de aposentadoria, com cortes significantes em auxílios doenças, corte nos benefícios de prestação continuada, no Bolsa Família e nos programas de geração de emprego e renda. É nesta conjuntura de cortes e redução brutal dos investimentos em pesquisas e bolsas de estudos que temos que pensar o Brasil e as escolhas recentes que o país tomou no campo da política. Escolhas essas que o governo Bolsonaro/Guedes está tomando muito mais para atender as necessidades dos grandes bancos e dos grandes capitalistas.

 

As referidas medidas protegem inexoravelmente o capital em detrimento da garantia das condições mais básicas de sobrevivência, num momento de forte agravamento de tais condições para muitas pessoas. O governo, através do seu ministro da economia, Paulo Guedes, forçou o Banco Central do Brasil a injetar somente no sistema de liquides R$ 1,2 trilhão de reais por meio de compras de carteiras de empréstimos, o que na prática está garantindo o lucro dos especuladores e grandes bancos. Estou falando lucros, ou seja, além do que investiram. O governo prorrogou as dívidas dos estados e ainda liberou mais de 88 bilhões para os estados e municípios. Criou-se um estimulo fiscal, como prorrogação do pagamento do FGTS, este que poderia ser utilizado emergencialmente para um plano de geração de renda vinculada ao tesouro nacional. Foi aprovada pelo Congresso Nacional a liberação de 150 bilhões, que em tese, seria para auxiliar as pessoas mais vulneráveis que estão desempregadas ou na informalidade (o que não foi liberado até o momento), além de garantir com que as empresas possam utilizar esse dinheiro via empréstimos para pagamentos de salários. A prova cabal de que o capital está se sobrepondo nas decisões do governo é a Medida Provisória que permite o empregador suspender o contrato de trabalho ou ainda a possibilidade de redução de salários (espera-se que o Congresso derrube tal medida).

 

Diante de todas essas medidas assumidas pelo Estado, na figura de Paulo Guedes, vai se tornando claro que a condição de milhões de brasileiros não mudará. São medidas que buscam atender a pressão dos grandes bancos e dos grandes capitalistas desse país. Tudo indica que o povo trabalhador, os pequenos e médios empresários (que de fato produzem nesse país) estão literalmente sendo deixados de lado pelas medidas até então adotadas. Cabe aqui a seguinte pergunta: se existe dinheiro para fazer tudo isso agora, então o Brasil nunca esteve quebrado? Se ao invés de um afastamento do Estado nos investimentos nos últimos cinco anos, o Congresso tivesse autorizado o governo a investir mais de 1 trilhão de reais na geração de empregos, infraestrutura, em pesquisa nas universidades, saúde e educação e tudo mais? Com certeza não teríamos mais de 50 milhões de pessoas nesse momento querendo voltar ao trabalho, vivendo na informalidade e tendo que escolher sair às ruas para trabalhar, expondo-se ao risco de adquirir a Covid-19, pois necessitam comer. Neste momento, é mais que importante salvar todas as vidas possíveis, mas é um momento também para a população perceba que necessitamos de um Estado forte atuando nos setores estratégicos, como por exemplo, pesquisa científica, saúde, educação e infraestrutura. Assim, o isolamento agora terá menos efeito negativo na economia do que ignorar o isolamento e fazer um isolamento vertical. a questão é o tempo e a ignorância!

 

Fonte:

https://br.reuters.com/

http://www.portaltransparencia.gov.br/funcoes/10-saude?ano=2020

https://saude.gov.br/

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