Transporte aéreo no Brasil em tempos de Covid-19: possibilidade de um novo mercado?

28/03/2020 13:00

De acordo com a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), 2019 foi o primeiro ano após 2009 que a aviação obteve um crescimento anual inferior a 5%. Entretanto, outras variáveis se destacaram, como a pontualidade, taxa de ocupação e oferta de assentos, resultado dos aperfeiçoamentos logísticos que as companhias aéreas vêm adotando nos últimos anos por intermédio da indústria da aeronáutica. Contudo, do ano de 2019 para 2020, a imagem de aviões paralisados em aeroportos por todo o mundo vem tomando proporção conforme o avanço da COVID-19 (coronavírus). A pandemia que assola o planeta vem obrigando as companhias aéreas a adotarem medidas severas de contingenciamento de gastos. Dentre essas ações podemos destacar a paralização de voos internacionais e intercontinentais, além da alteração drástica da malha aérea e redução dos postos de emprego.

Figura 1: Aeroporto Logístico do Sul da Califórnia em Victorville, Califórnia.

Foto: Mark Ralston AFP/Getty Image.

Disponível em: Los Angeles Times, 2020

Embora a imagem acima seja condizente com o maior tráfego aéreo do mundo (E.U.A), no Brasil há de se tornar também realidade, sobretudo, após a publicação da ANAC no dia 27/03/2020, noticiando uma redução de 91% da malha aérea prevista pelas companhias aéreas brasileiras para o mesmo período sem anormalidades. A curva de casos do COVID-19 no Brasil inicia a escala para o momento de ápice, e um dos elementos fundamentais para diminuir o pico é a redução da circulação no país.

 

Ao observar como o vírus se instalou nos diferentes países do mundo, fica evidente que as menores ocorrências se deram justamente nos países que restringiram severamente a circulação de pessoas e mercadorias. Isto é, referem-se à diminuição quase que total dos meios de transporte em massa, dentre eles o transporte aéreo. Entretanto, a grande incógnita levantada pelas companhias, diante da paralisação das atividades, diz respeito aos custos operacionais obrigatórios com manutenção e pessoal.

 

Os mesmos agentes que buscam aplicar o modelo de livre mercado e intervenção mínima do Estado vão aos seus respectivos Governos solicitarem ajuda e resgate para o período de crise. Trata-se da maior crise que o setor teve desde seu início no primeiro quarto do século XX (do ponto de vista global). Por mais que seja contraditória pregar a menor atuação do Estado, mas ao mesmo tempo depender dele para se manter positiva, devemos ressaltar que as operações aéreas exigem cada vez mais da relação/interação a logística de Estado e a logística corporativa, atuando de forma combinada em prol de um maior bem-estar social, isto é, o Estado agir como órgão mais atuante a favor da população, e não apenas para as grandes corporações.

 

No Brasil, podemos destacar a atuação da Agência Nacional da Aviação Civil (ANAC) e da Secretaria da Aviação Civil (SAC), como os principais agentes normativos do setor, e também de órgãos representantes do meio corporativo como a Associação Brasileira da Aviação Civil (ABEAR). A aviação comercial brasileira sempre apresentou picos de movimentação desde o início das suas operações regulares na década de 1920 até o período recente, o qual se configura como período de transição de um segundo oligopólio (Gol, Latam e Azul) para a internacionalização do setor.

 

Entretanto, as respostas das companhias aéreas “brasileiras” têm sido semelhantes, como a redução de frota ativa (operando apenas as que possuem melhor custo-benefício), antecipação de férias, fechamento de bases (principalmente as regionais), licenciamento não-remunerada de trabalhadores, suspensão de voos internacionais, diminuição e corte de serviços de bordo, dentre outras ações (quem se beneficiou com isso foi o mercado financeiro, que assistiu a uma drástica desvalorização e recentemente uma nova valorização das ações das companhias). Por outro lado, o receio de viajar fez com que muitas viagens fossem canceladas ou adiadas, porém sem custos adicionais para o usuário.

 

O principal ponto de reflexão neste momento delicado de avanço do COVID-19 é exatamente a circulação que envolve o transporte aéreo. Isto é, as interações espaciais proporcionadas pela aviação numa escala local-global e vice-versa. Ora, numa operação aeroportuária envolvem-se agentes que circulam em diversos espaços, desde a tripulação a equipes de solo, manutenção, limpeza, catering, agentes aeroportuários, lanchonetes e restaurantes, transporte coletivo ou por aplicativo, dentre outros.

 

Isto significa que é incalculável a quantidade de pessoas e cargas que colaboram para a circulação dos fluxos aéreos. A estratégia de enxugamento das companhias brasileiras visou à concentração de voos nos seus hubs, isto é, nos principais aeroportos do estado paulista, exatamente no epicentro da pandemia no país. Se, por um lado, já foi comprovado que o COVID-19 chegou ao país por voos internacionais, por outro não se sabe quantas pessoas poderiam ter sido contaminadas. Diante do tempo de 3 a 5 dias para que o vírus se manifeste no corpo humano, muitas pessoas podem ter viajado sem ao menos saber que estavam contaminadas.

 

Isso serve de alerta. No que diz respeito à política de centralização das operações adotada pelas companhias aéreas brasileiras, trata-se de postura absolutamente equivocada, que tende a causar impactos negativos. Propor a ideia de conexão de voos exatamente onde há mais casos, só favorece uma maior circulação de pessoas (mesmo que a aviação esteja em números reduzidos). Veja-se, ainda, que as pessoas que trabalham nesses locais ficam mais vulneráveis ao vírus, e a chance de propagação é maior, principalmente devido ao contingente populacional da região.

 

Se observamos a quantidade de municípios com casos confirmados até o momento e a quantidade de voos que ocorreram no mês anterior, veremos que na sua maioria há um grande contingente populacional e circulação de pessoas, além da presença de aeroportos, basta vermos a figura abaixo. E em paralelo, temos a redução de 90% da malha área, concentrando voos exatamente em locais com grandes números de casos.

 

Figura 2. Mapa dos fluxos aéreos e do COVID-1

Embora seja recomendada a suspensão total da circulação como um todo, é necessário lembrar dos deslocamentos que precisam ser realizados de forma urgente, e que nessa relação espaço-tempo a aviação se destaca. Por isso, não é recomendável a suspensão completa, mas que seja ofertada uma demanda que seja apenas essencial. Contudo, o ato de concentrar voos em uma localidade, como estado de São Paulo, facilita a propagação do vírus. Uma boa estratégia seria a utilização de aeroportos mais isolados, com um menor número de pessoas circulando. O que estamos afirmando aqui é que o transporte aéreo (assim como outros meios de locomoção em massa) é um dos agentes responsáveis pela propagação do vírus, e o mesmo deve ser utilizado com o máximo de cautela e planejamento.

 

De antemão, o Covid-19 já deixou evidente alguns pontos que precisam ser revisados no que diz respeito à aviação comercial:

  • O Estado precisa intervir de forma mais consistente no setor aéreo, isto é, ser um agente mais ativo na aviação, buscando uma harmonia entre o meio corporativo e o usuário, diminuindo o domínio completo do mercado e estabelecendo mais regulação.

  • Revisão urgente dos algoritmos geradores das tarifas aéreas, pois nesse cenário houve uma queda considerável do preço das passagens, o que nos mostra que é possível uma redução do valor da passagem.

  • O Estado deve revisar o sistema de tributação sobre os serviços aeroportuários.

  • Num cenário de redução de custos, as fusões, associações, falências e aquisições serão cada vez mais visíveis, cabendo aos organismos de regulação a adoção de medidas que levem em conta os diferentes cenários, pois isso acarretará na concentração de capital, ao mesmo tempo em que postos de trabalho poderão ser extintos como forma de enxugamento da folha salarial.

  • Proteção aos trabalhadores do setor aéreo, tendo em vista a dinamicidade do setor diante das realidades socioeconômicas.

  • No caso brasileiro, por ter a flexibilidade 100% de capital estrangeiro nas empresas aéreas, assistiremos a fuga de capital para o meio corporativo (embora as companhias estejam na bolsa de valores).

  • Necessidade de revisar o sistema de hub e o fortalecimento (ou renascimento) da aviação regional quando houver a normalização da economia.

  • Revisar as políticas sanitaristas visando novas formas de conter possíveis pandemias futuras. Isto é, no âmbito nacional, por intermédio da Agência Brasileira de Vigilância Sanitária (ANVISA), criar um sistema que sirva de barreira para chegada de estrangeiros no país, tendo em vista que a maior parte dos contaminados do COVID-19 desembarcaram no Brasil em voos oriundos da Europa ou em navios de cruzeiro. Não se trata de proibir, mas de usar novas formas de precaução, como quarentena obrigatória em determinados casos, exames médicos rápidos, exigência de vacinas, dentre outros.

  • A retomada de crescimento econômico na escala nacional deveria se dar por intermédio do Estado. Entretanto, observando as formas debilitadas de atuação do Governo Federal, será algo que levará um bom tempo para a retomada de crescimento, principalmente diante da ausência de políticas desse tipo, como foi o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o Plano de Integração Logística (PIL), que mostraram a capacidade de crescimento do PIB brasileiro entre 2003 e 2012. Logo, acredita-se que na aviação o ritmo também se dará de forma devagar e anêmica, tendo em vista os serviços que necessitam do deslocamento via modal aéreo, como o turismo, responsável por uma parcela considerável do PIB nacional.

  • A necessidade de isolamento demonstrou no setor que há a possibilidade de enxugamento de diversos postos de trabalho, principalmente aqueles que exigem o quantitativo humano. Parte deles são feitos à distância. Entretanto, no setor aéreo algumas dessas mudanças já eram visíveis, como despacho automático, check-in online, embarque por código, ações pelo celular, dentre outras ações que há menos de 10 anos eram realizadas por trabalhadores.

Há a necessidade do Estado Nacional atuar em conjunto com os Governos Estaduais no combate ao COVID-19 (o que não vem acontecendo no Brasil). A limitação da circulação de pessoas (a qual inclui o transporte aéreo) em alguns estados foi medida implementada drasticamente, justamente por se considerar que é a principal forma de propagação do vírus, e o transporte aéreo assume esse papel de transmissor (mesmo que indiretamente). Portanto, quanto mais cedo a população se precaver, mais cedo a economia voltará a funcionar normalmente, embora se saiba que a recuperação não se dará em questão de dias. Mas, para isso, o Estado (principalmente federal) deve tomar medidas para que a população mais carente tenha acesso a fontes de renda, deixando apenas a operacionalidade de serviços essenciais.

 

As sequelas que o covid-19 deixará para o setor aéreo ainda são incalculáveis. No entanto, a necessidade de rever a forma de atuação do setor aéreo também é urgente. Os grandes capitais sempre agem em prol da lucratividade. O Estado (via neoliberalismo) flexibiliza ao máximo as regras do setor de forma predatória em prol do livre comércio, mas pouco pensa no bem-estar social, mas, sim, em atender aos interesses das grandes corporações. Talvez esse seja o momento para repensarmos no tipo de aviação que queremos. O alarmismo que o setor vem tonalizando no último mês é reflexo de que as ações da logística de Estado e corporativa devem agir de forma combinada em prol da população, pois sem passageiros não há fluxo. E diante desse contexto convém resgatar o pensamento de Milton Santos: de que o espaço é formado por um conjunto indissociável de sistemas e objetos em interação.

 

A concentração de voos (sistema de hub-and-spoke) precisa ser revista para evitar possíveis aglomerações em áreas com alto índice de casos. No entanto, para o capital corporativo, quanto menor o custo, maior o lucro (mesmo em períodos de crise), objetivando uma maior centralização do capital. Longe, é claro, da preocupação com o bem-estar social das pessoas envolvidas nessas interações espaciais que são propagadas por intermédio do transporte aéreo.

 

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Me. Lucas Azeredo Rodrigues

Graduado em Geografia (UFFS)

Doutorando em Geografia (PPGG-UFSC)

Laboratório de Estudos sobre Circulação, Transporte e Logística – LABCIT (UFSC)

Grupo de Estudos sobre Dinâmicas Regionais e Infraestrutura – GEDRI (CNPq)

Núcleo de Estudos sobre Transportes – NETRANS (UNILA)

ANEXOS

Tags: COVID-19EconomiaGeografia dos TransportesLogísticaTransporte aéreoTransporte aéreo comercial

A resposta de vários países à Covid-19 e à desaceleração econômica

25/03/2020 13:00
 

Fonte da Imagem: https://www.rclco.com/publication/impact-of-the-coronavirus-covid-19-outbreak-on-u-s-real-estate-markets/

Duas importantes características de vários países asiáticos e europeus, principalmente nos últimos sessenta anos, são o planejamento e os investimentos (sobretudo públicos). O atual enfrentamento ao Coronavírus (Covid-19), bem como as estratégias e ações lançadas nas últimas semanas para estimular a recuperação econômica dos países, mais uma vez evidenciam esse aspecto.

 

Em pouco tempo, o Covid-19 causou impactos negativos especialmente na demanda e na produção de muitos países. Assim, nações como China, Japão, Coreia do Sul, França, Alemanha e outros, possuem duas prioridades no momento: combater o Coronavírus e retomar a atividade econômica (produção, circulação, serviços, comércio e demanda efetiva).

 

Enquanto Jair Bolsonaro e sua equipe atacam pesadamente os servidores públicos, os trabalhadores e seus direitos, a ciência, as universidades públicas, os docentes e as empresas públicas, e ainda precarizam a educação, a saúde e os equipamentos e serviços de utilidade pública (baseando-se em uma política altamente conservadora e liberal), o governo chinês se destaca na resposta rápida e nos esforços para combate à epidemia, valorizando a saúde, a segurança, o planejamento e os investimentos (hospitais, equipamentos e insumos, pesquisas científicas, tentativa de criar uma vacina e/ou um medicamento altamente eficaz para combater o vírus, expansão das redes de transportes etc.) (AGÊNCIA BRASIL, 2020).

 

Segundo informações divulgadas nos últimos dias, as medidas adotadas pelo país asiático geram efeitos positivos, pois houve uma desaceleração da disseminação da doença internamente. Entre as medidas de emergência, destacam-se a utilização e a produção dos kits de detecção rápida do Coronavírus, construção de hospitais para atendimento dos enfermos, divulgação de informações à população, planejamento para qualificar o atendimento médico-hospitalar em regiões menos desenvolvidas da China, entre outros. Ou seja, verificou-se uma resposta ágil do Estado para o enfrentamento da crise, com base no planejamento estratégico, nas ações coordenadas e nas inversões públicas.

 

O impacto da epidemia na economia chinesa é expressivo, porém mostra-se até o momento menor em comparação aos reflexos da crise econômico-financeira de 2008/2009. Nos dois primeiros meses de 2020, o crescimento do comércio chinês foi o mais baixo desde 2016, sendo que as exportações caíram 17,2% e as importações 4,0%. Em 2009, em apenas um mês, as exportações e importações despencaram (-26,5% e -43,1%, respectivamente) (PORTAL NEGÓCIOS, 2020).

 

O governo da Coreia do Sul anunciou um pacote para combater o Covid-19 e recuperar a economia do país (US$ 78,6 bilhões serão aplicados nos próximos meses). Esses recursos serão destinados, sobretudo, à compra de equipamentos e insumos, construção de instalações médico-hospitalares, bem como oferecer auxílio financeiro às empresas, aos comerciantes e aos trabalhadores (ESTADÃO; ESTADO DE MINAS, 2020).

 

O parlamento japonês aprovou um projeto que permite ao primeiro-ministro Shinzo Abe declarar estado de emergência para lidar com o Coronavírus. Trata-se de uma revisão de uma lei de 2012 criada para frear a propagação de novos tipos de gripe. Assim, são permitidas medidas emergenciais adotadas pelo governo japonês e pelas administrações locais, como restrição de circulação, fechamento de estabelecimentos comerciais, escolas e universidades, isolamento da população, além de aumentar os recursos para ações voltadas à saúde e à economia (crédito aos empresários, auxílio financeiro para evitar demissões, construção/expansão de hospitais, mais recursos para pesquisas etc.) (ESTADÃO; ESTADO DE MINAS, 2020).

 

Todavia, não é somente na Ásia que ocorrem respostas à crise. O Grupo dos Sete (G7) – Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido – se comprometeu a ampliar as ações fiscais para restaurar o crescimento abalado pelo Covid-19. Foi aprovado um pacote de emergência usando um fundo de reserva de US$ 2,5 bilhões do atual orçamento para conter o vírus e minimizar o impacto negativo na economia. A União Europeia, por sua vez, anunciou uma ajuda de 25 bilhões de euros para combater a crise provocada pela epidemia do Coronavírus e retomar a atividade econômica nos países-membros. As prioridades serão as pequenas empresas, a manutenção de empregos e a melhoria dos sistemas de saúde (AGÊNCIA BRASIL, 2020).

 

A Alemanha anunciou um pacote de investimentos na saúde e na economia, pautado na facilitação do crédito e em medidas de proteção dos empregos. O governo alemão também elevará os gastos/investimentos públicos para retomar a atividade econômica. O país, entretanto, tem superávit em suas contas, situação diferente da maioria dos membros da União Europeia.

 

Em relação às medidas a serem adotadas em conjunto, têm-se a ampliação do crédito bancário na zona do euro e evitar o aumento da inadimplência, da falência de empresas e do desemprego. O plano emergencial da Itália compreende, principalmente, a destinação de 10 bilhões de euros para ajudar no pagamento de dívidas e hipotecas, conter o desemprego e estimular a economia do país. Na França, o governo anunciou o adiamento no pagamento de tributos para empresas em dificuldades e a devolução de tributos em casos mais graves. Ademais, o país pretende adotar um sistema flexível de jornada de trabalho, na qual parte da renda será paga pelo governo.

 

A Espanha também busca evitar demissões, ampliar as linhas de crédito para empresas em dificuldade e postergar o pagamento de tributos. Medidas de apoio ao sistema de saúde e aos setores de turismo e transporte também fazem parte do plano espanhol. No Reino Unido – que não faz mais parte da União Europeia – também há um projeto para aumentar os investimentos públicos e expandir o sistema de saúde. Também são previstas ajudas a empresas e pessoas em risco de inadimplência (FOLHA DE PERNAMBUCO, 2020).

 

Mesmo considerando que algumas medidas adotadas pelos países asiáticos e europeus não sejam as mais adequadas, que outras precisam de aprimoramentos e que diversas iniciativas importantes sofram resistência de setores conservadores, liberais e especulativos, muitas delas são relevantes para defender o emprego, a renda, a atividade produtiva e melhorar o sistema de saúde. Estrangular o consumo, reduzir/cortar salários, aumentar impostos dos trabalhadores e funcionários públicos, demissões em massa etc. – como defende o atual governo brasileiro – somente piora o quadro de crise interna e é um crime contra a sociedade brasileira.

 

Considerando esse cenário, infere-se que o discurso neoliberal de austeridade e contenção “paranoica” dos gastos públicos – que é um “dogma” no Brasil desde o golpe de 2016 e ratificada pelo legislativo e executivo nacional – não faz sentido e ainda impede a retomada da atividade econômica, a expansão das infraestruturas, dos equipamentos e serviços públicos, dos empregos, da renda e da demanda efetiva.

 

Diante disso, a teoria keynesiana é relevante para embasar as estratégias nesse momento de crise. Planejamento, ações e investimentos são fundamentais para a retomada da demanda efetiva e para a criação de empregos. A propensão marginal a consumir e o montante dos investimentos possuem relação direta, já que a classe trabalhadora tem maior estímulo e capacidade de consumir com a elevação da renda. A propensão marginal a investir determina o nível de emprego na região e/ou no país. Quando o emprego aumenta, cresce também a renda e o consumo real agregado (KEYNES, 1982).

 

Se a propensão marginal a consumir e o montante de novos investimentos resultam em uma insuficiência da demanda efetiva, o nível real do emprego reduz até ficar abaixo da oferta de mão de obra potencialmente disponível. A existência de demanda efetiva insuficiente prejudica o emprego e a renda da classe trabalhadora e ainda inibe o processo de produção. Os volumes agregados de emprego e renda aumentam paralelamente aos fluxos de investimentos públicos e privados (propensão marginal a investir) (KEYNES, 1982).

 

Segundo Keynes (1982), o mau funcionamento do capitalismo é resultado da falta de demanda, e essa característica é derivada da própria deficiência do sistema. Por conseguinte, tem-se o aumento do desemprego e a queda da renda. A demanda efetiva (consumo e investimentos) é quem determina o volume da produção e do emprego.

 

Mais uma vez a história evidencia que, para combater a recessão, é necessária a presença do Estado planejador e indutor, e que as respostas dos países diante da crise do Covid-19 e da desaceleração econômica devem se basear no planejamento e nos investimentos estratégicos, pois como dizia Ignácio Rangel “o mal a ser combatido é a crise e isso requer uma resposta eficiente do Estado”.

 

Prof. Nelson Fernandes Felipe Junior

Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA

Tags: COVID-19GeografiaGeografia Econômica

Notas sobre a China e os investimentos externos no Brasil

28/11/2019 13:00

Com o avanço das políticas públicas de redução da participação do Estado na década de 1990, o Brasil passou por uma série de leilões de privatização e/ou concessões, nestes leilões, setores como bancários, energético e transporte encontravam-se como os mais expressivos.

 

Considerando uma década de abertura econômica e inserção do capital externo na economia brasileira, o Brasil passa a receber um aumento substancial de IED por via de fusões e aquisições. Chegada a década de 2000, com a entrada do governo de Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, a economia brasileira começa a passar por uma série de transformações no âmbito social e econômico, não somente interno como também externo, colaborando para o aumento do IED no país dada a segurança política e o crescimento econômico nacional.

 

Neste cenário de crescimento econômico positivo, a China torna-se um dos principais parceiros comerciais do Brasil, importando elevada quantidade de commodities e aumentando por sua vez seu fluxo de investimentos no país.

 

Setores como energético e metais no ano de 2005 encontram-se como os mais expressivos deste tipo de investimento, somando juntos um total de 670 milhões de dólares. Em 2009 o setor de metais, muito pela compra de parte da Vale pela CIC e investimento da WISCO em greenfield, somam juntas um total de 900 milhões de dólares em investimento chinês.

 

Durante o governo Lula o setor energético e metal foram os mais expressivos, no que diz respeito ao fluxo de capital externo chinês no Brasil, somando um total de 17 bilhões de dólares em investimentos incluindo setores como transporte, financeiro e imobiliário.

 

Passado o governo Lula e a entrada da presidenta Dilma Rousseff, temos o aparecimento de novos setores na pauto de investimentos chineses no país, como: químico, logística e tecnológico, os quais passam a também fazer parte deste leque de frentes de investimentos no Brasil pela China com um total aglomerado entre os anos 2011-2016 (ano do golpe sofrido pela presidenta) um total de 36 bilhões de dólares elevado principalmente pelo setor energético com um acumulado de 26 bilhões de dólares entre os mesmos anos.

 

Passado o ano do golpe (2016) os investimentos chineses se concentram em três principais frentes: energia, agricultura e transporte somando um total de 10 bilhões de dólares, destaque para o setor energético com um total acumulado entre os anos de 2017 -2018 de 6 bilhões de dólares.

 

No ano de 2019, que ainda não se encerrou, temos um total de 1,6 bilhões de dólares destaque para o setor de transportes com 680 milhões acumulados 100 milhões a menos que o setor energético 780 milhões investidos pela China General Nuclear na geração e compra das Usinas eólica e solar na região Nordeste do país. Cabe também ressaltar que os investimentos chineses no setor energético brasileiro principalmente no segundo mandato do governo Dilma, foi barrado pela presidenta na busca de manter o setor em sua maioria nacionalizado.

 

Em âmbito geral entre os anos de 2005-2019 temos um total de 65 bilhões de dólares investidos pela China no Brasil, o setor energético é de longe o que possui o maior acumulo de investimentos, seguido por metais e transportes como apresenta o gráfico a seguir:

 

Gráfico 1 – Investimento estrangeiro chinês por setor no Brasil (2005 – 2019)

Fonte: AEI, 2019. Org: HAMADA, G.K.F. 2019

Os setores no Brasil com maior montante de investimento estrangeiro chinês são: energético, metais e transporte entre os anos de 2004 – 2019; O primeiro (energético) acumula um total de 47, 3 bilhões de dólares; Metais 4,8 US$ bilhões; Transporte 4 US$ bilhões; também o setor da agricultura com 3,2 US$ bilhões.

 

Cabe ressaltar, que a retomada da proximidade política com os Estados Unidos pelo atual presidente Jair Messias Bolsonaro, assim como a instabilidade política e econômica interna, pode influenciar diretamente nos fluxos não somente de IED em greenfields ou fusões e aquisições, como também nas exportações e importações em alguns setores da economia brasileira dada a prioridade (submissão) do Brasil no atual momento político do país com os EUA.

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Bicicleta fora dos planos: mobilidade urbana em Maringá (PR)

25/11/2019 13:00

A mobilidade urbana é um tema complexo que abarca inúmeras variáveis que vão desde escolhas de Estado no que se refere aos investimentos em políticas públicas e infraestruturas, até o posicionamento da sociedade frente os novos desafios e quebras de paradigmas na utilização do carro e dos combustíveis fósseis. Seu principal problema encontra-se na rápida e desordenada urbanização que as cidades brasileiras apresentaram ao longo das décadas – sobretudo a partir de 1930 - no espraiamento e segregação socioespacial que aumentou ainda mais as distâncias e tempos de deslocamento entre trabalho e moradia (por exemplo), na escolha do veículo automotor individual como modal prioritário da vida urbana, entre tantos outros que trazem à tona a relevância em se discutir essa questão. A definição pragmática de mobilidade urbana trazida pelo MCidades (2004), nos diz que a mesma está associada à circulação de bens e pessoas, correspondendo às necessidades de deslocamento de cada indivíduo e as respostas destes frente a isto. Para tanto, o esforço do deslocamento pode ser direto (deslocamento a pé), não-motorizado (bicicletas, carroças etc.) ou motorizado (coletivo ou individual).

 

No entanto, é preciso considerar a mobilidade urbana como algo que vai além dos transportes e modos de locomoção. Segundo Cocco (2017) a mobilidade está associada às políticas que abarcam os transportes, estendendo-se para as questões de uso do solo, proximidade entre lugares, integração etc. A bicicleta, especificamente, pode se enquadrar como uma forma de mobilidade urbana ativa, considerada como um eixo da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), que trata de uma maior ênfase dos modos coletivos e não-motorizados de deslocamento. De acordo com Neri, Filho e Savi (2016), em cidades médias, onde as viagens se caracterizam por serem mais curtas, a bicicleta é um meio de grande potencial nos deslocamentos urbanos, auxiliando uma grande parcela da população diariamente. Além disso, para distâncias de até 8 km, o tempo de deslocamento se assemelha muito ao de um carro. Dentro deste contexto, além de ser o veículo mais utilizado do mundo, representa uma das soluções que as cidades têm buscado para o problema da circulação e do trânsito. Neste cenário, sua utilização como meio de transporte, pode ser entendida como um ato político necessário ao debate sobre os modos de locomoção no meio urbano, sobre a humanização e equidade dos espaços, sobre o papel que cada modal representa e a quem eles devem servir. Nosso trabalho escolheu como objeto de análise a mobilidade por bicicleta, no entanto, é preciso entender que esta discussão não deve ser feita senão no âmbito de integração entre os modais disponíveis em determinada localidade - no nosso caso, o recorte espacial é o município de Maringá-PR.

 

Esta cidade, nasceu sob a lógica da colonização planejada do norte paranaense, que se deu inicialmente pela companhia inglesa Paraná Plantations Ltd e, desde sua concepção, as ações dos agentes produtores do espaço urbano estiveram presentes de modo muito intenso, especialmente na forma da especulação imobiliária impulsionada por ações do Estado. Em parte, esta característica de empreendimento imobiliário é o que implica a maneira como se desdobrou o planejamento urbano municipal em suas várias nuances, com a advento de leis, políticas públicas e infraestruturas que vêm - não raramente - ao encontro de interesses privados. Apesar de ser uma cidade moderna e planejada, com grande potencial de integração e diversificação de modais, ainda segue a velha lógica do carro como meio de transporte primordial, sendo pensada para este fim desde o primeiro esboço de plano durante a década de 1940. Suas avenidas largas e arborizadas, com amplas faixas de circulação e canteiro central com espaço suficiente para a implantação de ciclovias, receberam, antes de qualquer outra medida, um sistema binário (composto de vias de mão única e sincronização semafórica chamada de “onda verde”), confirmando mais uma vez, o usuário do modo privado de locomoção como centro dos investimentos públicos. Orgulhosa de ser uma cidade cujas instituições públicas e privadas se debruçam sobre planos estratégicos numa projeção de décadas à frente, o Plano de Mobilidade, determinado pela Política Nacional de Mobilidade Urbana - PNMU, ainda está em fase inicial de discussão em Maringá, mesmo que o terceiro prazo de prorrogação tenha finalizado em abril de 2019.

Partiu-se, portanto, da hipótese de que o município de Maringá teve, ao longo de sua história, decisões determinantes no que se refere ao planejamento urbano, sobretudo na questão da mobilidade e bicicleta como eixo central. Dessa forma, procurou-se responder ao seguinte questionamento: Qual a relação da dinâmica de mobilidade urbana do município de Maringá, seu processo de organização espacial e a atuação dos principais agentes produtores e modificadores do espaço urbano (com destaque para os agentes imobiliários e o Estado), que inviabilizam a constituição de uma matriz de transporte diversificada e acessível, e priorizam o automóvel (carros e motos) e deixando modos ativos, como a bicicleta, fora desses planos?

 
 

PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO MARINGAENSE

 

A produção do espaço urbano maringaense, está inserido dentro do contexto global e nacional, e obedece tanto às dinâmicas externas quanto os ciclos internos e os pactos de poder que fazem parte da Dualidade Básica brasileira defendida por Rangel (2005a). Dessa forma, a formação de seu território foi influenciada por fatos históricos como a II Grande Guerra, a Crise de 1929 e, dentro do Brasil, pela Revolução de 30 e as políticas nacional desenvolvimentistas de Getúlio Vargas. A questão dos transportes e da mobilidade urbana também foi influenciada por estas políticas, uma vez que se pretendia uma integração do território nacional através da confecção de malha viária representada antes pelas ferrovias e depois pelo rodoviarismo.

 

No caso de Maringá, o mesmo traçado ferroviário que deu origem ao plano inicial da cidade, foi aquele que trouxe o asfalto obedecendo a uma lógica do capital que construía cidades voltadas para o carro. Acompanhou também uma lógica tecnocrática baseada em planos e planejamentos que seguiram inicialmente as “cidades-jardins” europeias, mas, que logo se perderam para um crescimento populacional acelerado. Os principais planos diretores e legislações urbanísticas que fizeram parte da história maringaense, basearam-se não raramente nos interesses de agentes privados, sobretudo do capital imobiliário. Trazendo à tona decisões que beneficiaram determinadas classes em detrimento de outras, afastaram a pobreza das vistas de seus parques urbanos bem desenhados e, demandaram por mais transportes neste processo segregativo.

 

Com base nas formas e estruturas urbanas, implantadas ao longo do tempo, problemas como a violência no trânsito, já atingiram números maiores do que a capital paranaense, em termos relativos. A questão dos acidentes de trânsito, se analisadas sob o ponto de vista da quantidade de acidente/habitante, ultrapassa as duas maiores cidades do Estado: Curitiba e Londrina. Dessa forma, se as políticas de priorização da mobilidade continuarem voltadas para os veículos automotores individuais, como foi desde o início, teremos uma cidade média com características de metrópole, pelo menos no que se refere ao trânsito e à mobilidade.

 

Dados do Detran-PR (2019) apontam que entre 2008 e 2018 houve um aumento de 64,60% da frota de veículos na cidade[1], aumento este que continua a cada semestre e representa centenas de milhares de veículos em uma década. Nesse panorama, Maringá encontra-se com um dos maiores índices de habitantes por veículo do Estado (1,57 habitante/veículo contra índice do Paraná que é 1,32 habitante/veículo). A crescente quantidade de carros, deve-se a uma diversidade de fatores, dentre eles: às isenções fiscais sobre tal modalidade adotado pelo governo Lula em 2008 (Gráfico 1) para estimular a economia nacional num momento de crise internacional, aumento da renda e de crédito, preço equilibrado dos combustíveis, aumento do crédito, oligopolização e monopolização do transporte público com a formação de cartéis, implementação do Programa Proálcool e dos automóveis Flex. Estes fatores combinados, facilitaram a obtenção de veículos automotores por camadas da sociedade que antes não tinham acesso, mas, não previu de forma significativa o impacto do inchamento das vias que se agravaram sem a adoção de políticas de controle e fiscalização, como previu Maricato (2011) no trecho a seguir:

 

Melhoras sociais podem impactar significativamente o modo de vida urbano. O aumento do desemprego, fonte de muitos problemas sociais, é fatal para as cidades. As políticas macroeconômicas impactam a sociedade e o território. Para dar um exemplo, o comemorado aumento da produção de automóveis no Brasil em 2008 e 2010 - e consequentemente o aumento do PIB - tende a ser desastroso para as cidades. (p. 77)

 

O gráfico ainda nos aponta o número de licenciamentos total e de automóveis no Brasil de entre 1957 e 2019, indicando que nos anos de 2008 a 2012 (política de IPI reduzido e aumento de renda), houve um salto significativo na venda desses bens em nível nacional. No entanto, o índice relativo de crescimento de carro por habitante na cidade de Maringá, não demonstrou uma diferenciação tão acentuada entre as políticas dos governos FHC e Lula (Tabela 1). No primeiro deles, o poder de compra da classe média foi estimulada pela valorização do real e, uma vez que a presença dessa camada social é muito forte em Maringá, a obtenção de veículos ocorreu de forma mais ou menos intensa. No governo Lula, este poder de compra se estende para outras camadas da população, sendo maior o consumo de carros do que na gestão anterior, mas, não tão acentuada como no caso nacional.

 

Gráfico 1 – Licenciamento anual de automóveis no Brasil de 1957 a 2019.

Fonte: ANFAVEA, 2019.

Elaboração: BARBIERO, L., 2019.

Tabela 1 – Índice de crescimento do número de carros nos diferentes governos 1995-2018.

Fonte: IBGE Cidades / DETRAN-PR.

Elaboração: BARBIERO, L., 2019.

 

Obviamente, dar acesso amplo a uma classe social antes desprovida de condições de obter um dado bem, no caso o automóvel, não é o problema da mobilidade, afirmar isso, seria relacionar a manutenção da pobreza com a solução para os problemas urbanos. Segundo o documentário Mobilidade Urbana (2012), se comparado com as principais cidades dos Estados Unidos e Europa, o número de carros no Brasil é muito menor, ainda que os inúmeros problemas que circundam esta escolha sejam maiores e mais danosos. Ou seja, não se trata apenas de quantidade de carros, mas, sobretudo da qualidade das vias, sua capacidade de abarcar a maior quantidade de modais compartilhando seu espaço, a escolha correta do modal a ser priorizado e o uso racional dos veículos automotores.

 

MOBILIDADE POR BICICLETA EM MARINGÁ-PR

 

Apesar das questões apresentadas sobre mobilidade por bicicleta, temos também críticas ao modelo, no sentido de entender que existem diferenças entre aquele grupo de “privilegiados”, que segundo Monteiro (2019b) geralmente compõem o conjunto de cicloativistas das cidades e, utilizam a bicicleta como opção, e, àqueles que em sua dissertação ele categoriza como os que utilizam-na como única opção. Ou seja, locomover-se de bicicleta pela cidade para uns pode ser motivado como uma alternativa ao estresse do trânsito (bicicleta como opção) enquanto para outros, representa o meio mais barato de se locomover “e o valor economizado do petróleo garante a mistura do jantar” (MONTEIRO, 2019a, p. 32). A distinção está, quase sempre, na classe social à qual pertencem e, se a escolha de transitar de bicicleta pertence à uma decisão política, social ou econômica.

 

É importante salientar que as análises presentes neste trabalho, dizem respeito às condições apresentadas pelo município de Maringá em termos de clima, tempo de deslocamento, distâncias percorridas, relevo, entre outros. Estando assim em acordo com as potencialidades estudadas para este espaço urbano. No entanto, entendemos que a mesma conjuntura pode não ser tão facilitada em outras realidades geográficas, estando condicionadas a diversos fatores. Em metrópoles como São Paulo-SP e Rio de Janeiro-RJ, por exemplo, não se pode pensar na utilização da bicicleta sem refletir igualmente na integração com outros modais, uma vez que as distâncias percorridas são mais longas e, somente o transporte por bicicleta, pode não ser suficiente para se alcançar o destino desejado. Outros locais como Florianópolis-SC, com relevo acidentado e barreiras físicas e naturais, por vezes intransponíveis, também existe dificuldade em se utilizar a bicicleta como único modal. De acordo com Pezzuto (2002), nestes casos, o transporte cicloviário pode ser uma boa alternativa para a diminuição do número de carros, no entanto, deve ser conectado a outro modal, o que aumenta seu raio de atuação.

 

A discussão sobre mobilidade em Maringá, perpassa por uma série de questões atuais, que envolvem a revisão do Plano Diretor para os próximos 10 anos (2020-2030), a implantação do Plano de Mobilidade Urbana (em fase de assinatura de contrato licitatório) e a adoção de políticas que visem amenizar os problemas de trânsito que tem se mostrado cada vez mais acentuados, sobretudo, com relação à violência.

 

Por ser uma cidade média, com distâncias reduzidas entre um destino e outro; relativamente plana que num raio de 8 km pode-se percorrer quase todo o eixo de comércio e serviços principais (NERI, 2012); com avenidas e canteiros centrais largos, que podem comportar facilmente estruturas cicloviárias e; mais uma série de fatores, a bicicleta poderia ser melhor aproveitada como modo de transporte. No entanto, não é o que acontece.

 

Os automóveis têm crescido em quantidade e utilização, enquanto o transporte público coletivo e demais formas de locomoção perdem usuários a cada ano que passa. Sobre isto, o debate que se faz é a respeito do novo terminal intermodal e sua real funcionalidade e das possibilidades de taxa zero para o transporte público, para que se torne novamente uma opção viável para a população.

 

Defendemos que a questão central sobre mobilidade em Maringá hoje, precisa ser focada em decisões políticas no sentido de amenizar a questão da violência no trânsito, visto que Maringá, não necessariamente apresenta grandes congestionamentos, como nas grandes cidades. No entanto, o número de acidentes e mortes em decorrência do trânsito são relativamente maiores que as médias do Paraná e do Brasil, em muitos casos.

 

CICLOVIAS E CICLISTAS EM MARINGÁ

 

O número exato de ciclistas para a cidade de Maringá não foi passível de ser levantado em nenhum órgão local ou regional, uma vez que, por não possuírem registro, é difícil fazer o controle do número de bicicletas existentes e mais difícil ainda, daquelas que são efetivamente utilizadas. Nacionalmente, temos a estimativa de 70 milhões de unidades de acordo com a Abraciclo (2019).

 

Na cidade de Maringá, algumas iniciativas têm sido desenvolvidas no âmbito político para a viabilização desse tipo de mobilidade alternativa. Um exemplo, é a implantação de um terminal intermodal, que promete abarcar vários meios de transportes, integrando-os de forma sistemática. Dados da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana de Maringá (SEMOB, 2019), confirmam a existência de uma malha cicloviária (ciclovias e ciclofaixas) de aproximadamente 37 quilômetros, sendo que 3,2 quilômetros estão em execução e mais de 14 quilômetros em fase de estudo/projeto (Figura 1).

 

O fato é que as políticas voltadas pela mobilidade por bicicleta são muito recentes e abarcam mudanças nos paradigmas nacionais trazidos tanto pela instauração do Ministério das Cidades, quanto do Estatuto da Cidade e as demais políticas que surgiram desse ideal. A evolução na produção de malha cicloviária dentro de Maringá, só ganha força de fato a partir de 2008.

 

Figura 1 - Mapa de Ciclovias de Maringá

Fonte: SEMOB, 2019.

A bicicleta dentro do Plano Diretor de Maringá parece estar em discussão na atualização do mesmo, em conjunto com a possível elaboração do PlanMob do município que, embora esteja licitado, não tem contrato assinado por parte do poder público. Este seria um fator que poderia mudar os prognósticos que temos até agora sobre este modal.

 

Segundo os questionários aplicados em 2018, temos um perfil de ciclista maringaense muito diversificado em muitos aspectos, com predominância de homens entre 21 e 35 anos. A falta de respeito dos condutores de veículos automotores, sobretudo carros, é o maior problema enfrentado por eles na condução de bicicleta em Maringá, seguido da falta de infraestrutura cicloviária, ainda que esta tenha aumentado desde 2008.

 

NOTA:

[1] A frota de veículos é representada pela totalidade de automóveis, caminhões, ciclomotores, motocicletas, ônibus, reboque, entre outros. Em dezembro de 2008 a frota maringaense cadastrada no Detran-Pr era de 203.660 veículos, em 2018 este número alcançou 315.352 veículos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRACICLO. Associação Brasileira dos fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e similares. Estatísticas de bicicletas. 16 de outubro de 2019.

COCCO, Rodrigo Giraldi. Transporte Público e Mobilidade na Região Metropolitana de Florianópolis. Florianópolis: Insular, 2017. 378 p.

DETRAN (PR) – Estatísticas de Trânsito. Disponível em: <http://www.detran.pr.gov.br/modules/catasg/servicos-detalhes.php?tema=veiculo&id=191>. Acessado em 21/11/2018.

MARICATO, Ermínia. O impasse da política urbana no Brasil. Petrópolis: RJ, Editora Vozes Limitada, 2011.

MCIDADES - Ministério das Cidades – Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável. Coleções Especiais - Caderno 6, novembro, 2004. Disponível em: <http://www.ta.org.br/site/banco/7manuais/6politicanacionalmobilidadeurbanasustentavel.pdf>. Acessado em 21/11/2018.

MOBILIDADE URBANA. Direção: Rodrigo Furukawa. Argumento e Roteiro: Camila Nastari. Produção: Ana Cláudia Colagrande. São Paulo: BDT Planejamento e Comunicação, 2012. 5 vídeos (130 min.). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=7UvsvdXObcI&list=PLQ6ZmSBKqdz98JA_8pIUN5L6Ck36pxkXA> Acesso em 31/10/2018.

MONTEIRO, Felipe Violi. Cartografias em trânsito: A mobilidade de bicicleta pela cidade. [Dissertação de Mestrado]. Programa de Pós-Graduação em Administração (PPA) - Universidade Estadual de Maringá. Maringá: Paraná, 2019a.

MONTEIRO, Felipe Violi. Entrevista concedida a Laís Barbiero. Maringá, 1 de agosto de 2019b. [Doutorando no programa de Pós-Graduação em Administração (PPA) pela Universidade Estadual de Maringá. Coordenador Geral da Ciclonoroeste].

NERI, Thiago B. Proposta metodológica para definição de rede cicloviária: um estudo de caso de Maringá. 2012. Dissertação (mestrado)-Universidade Estadual de Maringá, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana.

NERI, Thiago B.; FILHO, Solano H. B.; SAVI, Elise. A pesquisa com ciclistas como suporte ao planejamento cicloviário: Estudo em Maringá/PR, Brasil. Pluris 2016. 7º Congresso Luso Brasileiro para o Planejamento Urbano, Regional, Integrado e Sustentável - Contrastes, Contradições e Complexidades. Maceió: Recife, 5 a 7 de outubro de 2016.

PEZZUTO, C. C. Fatores que Influenciam o Uso da Bicicleta. Dissertação (Mestrado em Engenharia Urbana), Universidade Federal de São Carlos. São Carlos/SP, 2002.

RANGEL, Ignácio. Obras Reunidas de Ignácio Rangel. Rio de Janeiro: Contraponto, v. 1, 2005a.

SEMOB - Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana de Maringá. Ciclovias existentes / em execução / em projeto. Prefeitura Municipal de Maringá. Disponível em: <encurtador.com.br/opwNO>. Acesso em 24/06/2019.

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Estudo sobre a rede urbana de Santa Catarina

13/11/2019 13:00

Este texto busca apresentar, de forma sucinta, alguns apontamentos da pesquisa de doutorado que está sendo desenvolvida junto ao programa de Pós-graduação em Geografia da UFSC e, também através do grupo de estudos em Desenvolvimento Regional e Infraestruturas (Gedri). Pesquisa essa que têm como propósito caracterizar o processo de formação, configuração e dinâmica da rede urbana de Santa Catarina. Para tanto, cabe elencar que a pesquisa leva em consideração as relações econômicas, sociais e políticas historicamente e dialeticamente articuladas na escala nacional, estadual e regional, fazendo uso das categorias conceituais de rede, espaço e região.

 

Esse estudo sobre a rede urbana de Santa Catarina tem como recorte temático (rede urbana), recorte territorial (Santa Catarina) e recorte temporal (o século XVIII). Nesse sentido, os conceitos e categorias analíticas aqui utilizados são Rede (configuração territorial); Espaço (formação socioespacial); Região (configuração socio-territorial e divisão territorial do trabalho) e as interações espaciais e o papel que elas desempenham na rede urbana de Santa Catarina e na sua dinâmica.

 

Assim sendo, cabe destacar e ponderar que não é possível estudar o processo de formação da rede urbana de Santa Catarina sem que façamos um panorama da formação socioespacial, primordialmente, utilizando tal processo de formação como possibilidade metodológica para caracterizar a configuração e dinâmica da rede urbana catarinense e suas formas de interações espaciais no espaço e no tempo. Ao utilizar essa abordagem metodológica, implicar dizer que o processo de pesquisa deve necessariamente estar sustentado no método materialista histórico-dialético, sobretudo, por ser este capaz de explicar a estrutura, processo, função e forma da rede urbana de Santa Catarina e sua metamorfose no espaço e no tempo.

 

Tendo como pano teórico-metodológico o materialismo histórico dialético, a pesquisa em questão está sendo desenvolvida metodologicamente utilizando-se de dados levantados a partir de trabalho de campo, entrevistas e dados secundários. Dados esses sobre a produção industrial e agrária (mapa 01 e 02); distribuição de mercadorias; circulação de pessoas e informação; consumo com ênfase nos serviços (mapa 03).

Mapa 01: Participação da atividade industrial na composição do PIB estadual

Mapa 02: Participação da atividade agropecuária na composição do PIB estadual

 

Mapa 03: Participação da atividade de serviços na composição do PIB estadual

 
 

Por ora, a partir do mapeamento das atividades agropecuária, industrial e de serviços, pode-se inferir que a formação socioespacial gerou uma divisão territorial do trabalho e, por conseguinte a etapas de (produção, distribuição, circulação e consumo) são elementos atuantes diretamente na formação da rede urbana de Santa Catarina. O que implica dizer, que o processo de formação, configuração e dinâmica da rede urbana de Santa Catarina são consequências da acumulação desigual das forças produtivas que geraram desequilíbrios regionais, o que por sua vez, criou-se estágios distintos de desenvolvimento também das infraestruturas (transportes e comunicação) responsáveis pelo movimento circulatório do capital.

 

É partir dessa premissa que a pesquisa busca responder como os principais elementos constituintes do movimento circulatório do capital (produção, distribuição, circulação e consumo) contribuíram para a organização territorial da rede urbana de Santa Catarina ao longo da sua formação socioespacial? Nesse sentido, o estágio no qual encontra-se a pesquisa nos permite afirmar que para responder tal pergunta é necessário entender o desenvolvimento das forças produtivas e relações de produção, pois somente assim será possível compreender o desenvolvimento da atual divisão territorial do trabalho expresso de forma sucinta nos mapas anteriores. Além de identificar o processo de formação das centralidades e das hierarquias urbanas presentes no estado de Santa Catarina.

 

De tal forma que o que está sendo feito objetivamente a partir da problemática anteriormente apresentada, e a partir do conceito de rede urbana, identificar e analisar os processos socioeconômicos e a dinâmica socioespacial, forjados tanto pelas forças produtivas quanto pelas relações de produção, que propiciaram a gênese, o desenvolvimento e a atual configuração da rede urbana de Santa Catarina. O que implica, em certo sentido, buscar identificar as tipologias e topologias das centralidades e das hierarquias da rede urbana de Santa Catarina, como por exemplo, a centralidade e hierarquia dos serviços financeiros, conforme o (mapa 04) as quais de certa forma “permitidas” pelas interações espaciais e desenvolvidas ao longo da formação socioespacial catarinense.

 
 

Mapa 04: Distribuição das agencias bancárias no estado de Santa Catarina

 
 

Diante dessas breves colocações e do que foi apresenta até o momento cabe mencionar que foi possível apresentar uma caracterização das concepções teóricas conceituais sobre rede urbana, uma certa delimitação metodologia e os principais conceitos e categorias basilares para o desenvolvimento da pesquisa. Esse panorama está presente no primeiro capítulo e intitulado como Rede Urbana: Antecedentes Teóricos e suas Premissa Conceitual. O tema central desse capítulo foi destacar a construção e reflexão teórica, a qual se refere ao desenvolvimento, aprofundamento bibliográfico e caracterização conceitual sobre o recorte temático. Também foi apresentado os apontamentos da divisão produtiva do presente como resultado da acumulação histórica, desigual e combinada, que por sua vez, caracterizam os indicativos da configuração da rede urbana atual e sua dinâmica.

 

Foi apresentado no segundo capítulo da tese a formação socioespacial e os apontamentos da rede urbana de Santa Catarina. Nessa etapa foi levantado o papel do Estado na construção das infraestruturas e no desenvolvimento dos setores produtivos além das atividades econômicas catarinense. Essa parte da pesquisa resultou em um capítulo intitulado como Formação Socioespacial como Categoria Teórica Metodológica, e os Apontamentos da Rede Urbana de Santa Catarina. O que cabe mencionar a partir desse capitulo é que o processo de formação socioespacial e a formação da rede urbana de Santa Catarina, são produtos do desenvolvimento capitalista desigual e combinado das forças produtivas e das relações de produção.

 

De modo geral, falar em rede urbana ou em redes geográficas, há que se considerar a divisão territorial do trabalho, as etapas da produção, da circulação, do consumo, o papel que a comunicação, o setor do comércio e serviços atuam na formação e dentro desta rede, sobretudo, cabe destacar que não é possível falar em rede urbana sem levar em consideração as formas de interações espaciais presente sobre o território aqui estudado. Portanto, falar em centralidades urbanas, passa necessariamente pelo o papel que esse centro desempenha em algumas das etapas do capitalismo, de tal modo que o processo de desenvolvimento do capitalismo e sua reprodução produz uma configuração espacial, que nesse caso, pode ser expressa via rede urbana.

 

De forma que definir qual rede urbana existe atualmente em Santa Catarina sua configuração e hierarquia urbana é algo que passa pela análise dos fluxos e quais tipos, além da sua intensidade sobre o território. Fluxos esses possível de ser mensurado a partir das formas e do papel que as interações espaciais desempenham sobre o território e na formação da rede urbana catarinense. De sorte que caracterizar à hierarquia urbana, é caracterizar o papel e importância que as formas de concentração espacial urbana, a integração e fragmentação territorial e interação espacial (ou demanda por mobilidade e conexões), quais caracterizam os fluxos entre pontos fixos situados em distintas localizações em uma cidade ou em cidades diferentes.

 

Assim, descrever qual configuração e rede urbana existe em Santa Catarina e sua Dinâmica, é algo que passa necessariamente pelo papel que o capital em suas mais variadas formas e modo de acumulação, necessita em algum momento fixar-se, ao longo da história, no espaço e no tempo de forma desigual, fazendo com que tenhamos cidades com as mais variadas funções e importância na rede urbana. O que constrói a hierarquia (ou ordem das cidades) que descreve as “leis” da organização no espaço urbano ampliado, isto é, no conjunto de cidades que se articulam nas mais distintas escalas.

 

Por fim, o que se pode inferir até o momento é que os elementos constituintes do movimento circulatório do capital (produção, distribuição, circulação e consumo) e seu processo de evolução atuaram e atuam diretamente na organização territorial de Santa Catarina e, por conseguinte, na formação e configuração da rede urbana que passam necessariamente pelo processo de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção e pelas formas de interações espaciais geradoras de centralidades e de hierarquias urbanas no estado catarinense.

 
 Por Rafael Matos Felácio, Doutorando do PPGG/UFSC.
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Homepage:<http://www.sef.sc.gov.br/relatorios/dior/boletim-de indicadores-econômico-fiscais> Acesso em: julho 2018.

IBGE. https://cidades.ibge.gov.br/ <acessado em julho de 2017>.

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