O transporte fluvial no Paraguai

04/11/2019 13:00

O Paraguai, principalmente pelo escoamento de soja, nos últimos anos se tornou o líder em transporte hidroviário interior (fluvial) na América Latina (considerando a quantidade movimentada – toneladas), e está na terceira posição em âmbito mundial, atrás apenas dos Estados Unidos e da China (AGENCE FRANCE-PRESSE, 2018). O Paraguai não possui litoral, todavia, há rios com grande volume de água em seu território, com cursos em direção ao sul do país, caso do Pilcomayo, Paraná e Paraguai. O rio Paraná divide o território brasileiro e paraguaio, o rio Paraguai “corta” as planícies e “divide” o país em suas partes oriental e ocidental, e próximo à capital Assunção desemboca o Pilcomayo, com um curso que atravessa a região do Grande Chaco (importante área agrícola) (imagem 1).

 
 

Imagem 1 - Paraguai: principais cidades e cursos fluviais.

Nos anos de 2016 e 2017, o país sul-americano exportou 6 milhões de toneladas de soja, sobretudo para a União Europeia e Rússia. A frota de embarcações é operada por 46 empresas estrangeiras e 7 nacionais (paraguaias), sendo constituída, em 2018, por 3 mil barcaças e 200 rebocadores (AGENCE FRANCE-PRESSE, 2018). Os granéis sólidos são escoados via hidrovia e se destinam a portos do Uruguai (Nueva Palmira e Montevidéu) e da Argentina (Rosário e Buenos Aires) (imagem 2), e a partir daí, as cargas seguem em navios (transporte marítimo) para a Europa, Estados Unidos e Ásia.

 
 

Imagem 2 - Principal rota das cargas hidroviárias oriundas do Paraguai.

 

Na década de 1990 houve uma grande expansão do cultivo de soja no Paraguai, estimulada, sobretudo, pelo aumento dos preços das commodities no mercado internacional e pelos baixos custos aos produtores (muitos deles brasileiros). O crescimento da produção de grãos e farelos gerou demanda por transporte, especialmente pelo hidroviário, diante das possibilidades existentes no território (cursos fluviais perenes e com grande volume de água).

 

O Paraguai conseguiu avançar no transporte hidroviário interior por diversos fatores, quais sejam: planejamento estatal, investimentos públicos e privados, alterações/adequações do sistema normativo e tributário, financiamentos, aprimoramento da logística (transporte e armazenamento), inventivos fiscais que atraíram as empresas operadoras logísticas, os estaleiros e os armadores (atuação de empresas paraguaias e estrangeiras), além das dragagens para melhorar as condições de navegação nos três principais rios do país. Ademais, nas duas últimas décadas formou-se uma mão de obra importante para atender às demandas setoriais, com destaque aos cursos técnicos e superiores.

 

Houve ainda outros dois fatores que influenciaram/fomentaram o transporte fluvial no Paraguai: a criação do Mercosul (em 1991) e o Tratado da Hidrovia Paraguai-Paraná (em 1992), envolvendo a Argentina, a Bolívia, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai. Dessa maneira, é importante considerar a teoria das combinações geográficas (CHOLLEY, 1964), pois a combinação de diversos fatores possibilitaram o avanço do transporte hidroviário no território paraguaio, caso dos naturais/físicos (cursos fluviais), políticos (incentivos/ações estatais), econômicos (produção/circulação/demanda) e sociais (consumo).

 

De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (2018), o Paraguai apresentou uma produção de 700 mil toneladas de soja em 1992-1993, passando para 4,5 milhões de toneladas em 2002-2003. Atualmente, é o sexto maior produtor mundial, com 10,6 milhões de toneladas em 2016-2017, além de ser o quarto maior exportador, com 6,1 milhões de toneladas no mesmo período. A soja possui destaque no Paraguai, representando, em 2017, 70% da área cultivada e 40% das exportações do país.

 

As embarcações que navegam pelos rios (imagens 3 e 4) não escoam apenas a produção paraguaia, mas também parte da soja brasileira (estado de Mato Grosso do Sul) e matérias-primas da Bolívia (sobretudo zinco e seus concentrados). Isso foi estimulado pela inauguração do novo porto de Concepción em 2018 (localizado na região central do Paraguai – imagem 2). No ano de 2017, 21 milhões de toneladas de mercadorias foram transportadas pelos principais cursos fluviais paraguaios (Pilcomayo, Paraná e Paraguai) e, para 2030, a estimativa é de 56 milhões de toneladas, segundo informações do Centro de Armadores Fluviais e Marítimos do Paraguai.

 

Imagem 3 - Empurrador e chatas que realizam o transporte fluvial no Paraguai.

Imagem 4 - Comboio fluvial carregado com grãos no Paraguai.

De acordo com os dados do Centro de Armadores Fluviais e Marítimos do Paraguai, em 2017, a construção naval no país representou 2,3% do produto interno bruto (PIB) do país, recebeu investimentos de US$ 5 milhões, apresentou US$ 800 milhões de faturamento em fretes, além de gerar 5,4 mil empregos diretos e 16 mil indiretos.

 

Há um projeto do governo paraguaio, somado aos interesses da iniciativa privada, de impulsionar o transporte hidroviário de passageiros na próxima década, com previsão de investimentos via parcerias público-privadas (PPPs) e por meio de financiamentos internos e externos. Diariamente 250 mil pessoas se deslocam de outras cidades para trabalhar na capital Assunção (forte concentração das atividades econômicas – indústrias, comércio e serviços) (AGENCE FRANCE-PRESSE, 2018). Considerando esse grande fluxo diário de trabalhadores, é relevante fomentar o transporte fluvial de passageiros (construção de embarcações adequadas, contratação de profissionais especializados, estabelecimento de rotas e itinerários, regularidade, qualidade do serviço prestado, preços reduzidos das passagens para atrair as pessoas etc.).

 

As infraestruturas e os meios e vias de transportes permitem a criação de redes e fluxos no território, sendo fundamentais para a dinâmica econômica local, regional e nacional. A técnica, os fixos, as ações públicas e privadas e a otimização das estratégias logísticas permitem atender às demandas de diversos países por meio do transporte fluvial, aumentando a eficiência do escoamento de cargas no território e a competitividade no mercado internacional.

 

As interações espaciais potencializadas a partir do transporte hidroviário interior de mercadorias atribuem maior dinâmica ao território e à economia paraguaia. A modernização do sistema de comunicação e transportes, bem como a otimização das estratégias logísticas e competitivas das empresas, potencializam a fluidez no espaço. Ademais, o custo do transporte fluvial é um fator relevante, pois há uma redução média de 25% dos gastos das empresas em comparação ao modal rodoviário, somado à grande capacidade dos comboios fluviais – um comboio constituído por 15 barcaças equivale a 1050 caminhões carregados nas rodovias.

 

Por fim, destaca-se que a expansão do modal hidroviário no Paraguai gerou/gera impactos em outros territórios, caso do Brasil, da Bolívia, da Argentina e do Uruguai, com reflexos nas interações espaciais, na produção agrícola (principalmente de soja, farelos e minérios), nas atividades portuárias (fluviais e marítimas), nos fluxos de comércio, nos investimentos (especialmente ligados ao agronegócio), na busca por novas parcerias/acordos comerciais (inclusive envolvendo o Mercosul), entre outros.

 

Prof. Dr. Nelson Fernandes Felipe Junior

UNILA/ILATIT

PPGEO/UFS

Tags: América do SulDesenvolvimentoInfraestruturas de transporteParaguaiParaguayTransporte fluvialTransporte hidroviárioTransportes

O setor portuário de Sergipe e a dinâmica dos fluxos de cabotagem e longo curso

26/02/2018 13:00

Os portos e o transporte marítimo contribuem com o escoamento de mercadorias no espaço e permitem conectar diferentes regiões e países, sendo importantes para o desenvolvimento regional e nacional. A cabotagem e o longo curso constituem redes e fluxos de cargas que atendem demandas internas e externas. O Terminal Marítimo Inácio Barbosa (TMIB), situado no município de Barra dos Coqueiros/SE, ficou sob concessão da Companhia Vale do Rio Doce entre 1994 e 2013.

 

No ano de 2014, começou a funcionar o consórcio liderado pela Valor Logística Integrada (VLI), sendo incumbida de realizar todo o gerenciamento operacional e comercial no TMIB. A Vale do Rio Doce possui a maior parte das ações (38% do total), além dos outros parceiros, caso da japonesa Mitsui e da canadense Brookfield. O terminal movimenta produtos de menor valor agregado, atendendo o mercado interno e externo.

 

No Terminal Marítimo Inácio Barbosa podem atracar navios com comprimento máximo de 210 metros, boca (largura) de 32 metros e calado de 9,50 metros. O terminal possui seis armazéns e dois silos, com capacidade total de 64 mil toneladas, sendo articulado às rodovias SE-226 e BR-101 (imagens 1 e 2). Ademais, destaca-se no TMIB o transporte de longo curso (importações e exportações) em relação à cabotagem (tabela 1).

 

Imagens 1 e 2: Terminal Marítimo Inácio Barbosa, 2016.

 

Fonte: TMIB, 2016.

No setor portuário sergipano pouco se utiliza a cabotagem (tabela 1). Este tipo de transporte tem um impacto na redução dos fluxos pelo modal rodoviário, assim, faz-se necessário avançar na navegação de cabotagem, que ainda movimenta poucos produtos em Sergipe. Apesar do predomínio do longo curso nos fluxos de cargas marítimas, este é reduzido em comparação com outros portos e terminais privados do Nordeste e do país, como Salvador/BA, Suape/PE e Pecém/CE (tabela 2).

 

No Terminal Marítimo Inácio Barbosa, os fluxos de mercadorias de longo curso possuem como origem e destino a África, América do Norte, América do Sul, Ásia e Europa. Destacam-se as quedas expressivas na movimentação nos anos de 2016 e 2017, sendo resultado, sobretudo, da recessão econômica do estado de Sergipe e da perda de cargas para outros portos mais modernos, especialmente Suape/PE (tabela 2). Durante o ano de 2017, os fluxos também foram reduzidos, concentrando-se no longo curso (tabela 3).

 

A movimentação de mercadorias no TMIB é reduzida (tabela 3), sendo resultado, principalmente, da falta de ampliação e modernização do terminal. Muitas cargas que possuem o estado de Sergipe como origem e/ou destino são escoadas por outros portos do Nordeste, além do transporte pelo modal rodoviário. Soma-se ainda, o fato de que a Vale do Rio Doce valoriza outros terminais e mercados mais lucrativos à empresa (Ponta da Madeira/MA, Itaguaí/RJ, Ilha Guaíba/RJ, Tubarão/ES, Santos/SP etc.), em detrimento do terminal sergipano, sendo reflexo do modelo equivocado de concessão existente.

 

Portos/terminais menos dinâmicos apresentam uma hinterlândia (área de influência) menor, caso do Terminal Marítimo Inácio Barbosa. Há necessidade de maiores investimentos no setor portuário sergipano (públicos e privados), pois é importante para fortalecer a dinâmica econômica estadual e estimular o mercado formal de trabalho.

 

A recuperação do emprego, da renda e do consumo em Sergipe e no Brasil (entre 2003 e 2013) gerou, consequentemente, o incremento dos fluxos de mercadorias e da demanda efetiva, contudo, esse processo foi desacompanhado pelo planejamento e pelos investimentos no setor portuário de Sergipe. Este apresenta capacidade antiociosa e necessita avançar nos aspectos tangíveis e intangíveis, como tecnologias, sistema normativo, incentivos financeiros, criação de um plano de desenvolvimento setorial, entre outros. Inversões em infraestruturas portuárias são relevantes como ação anticíclica e para fomentar o desenvolvimento regional.

 

A falta de modernização prejudica a movimentação de cargas acondicionadas e de bens de maior tecnologia no terminal sergipano. A movimentação de contêineres voltados ao comércio iniciou em setembro de 2017, pois até então havia apenas o transporte acondicionado de alguns alimentos e produtos destinados aos trabalhadores das plataformas de petróleo e gás natural localizadas no litoral do estado (abastecimento). Apesar de Sergipe não possuir uma atividade industrial diversificada e apresentar um mercado consumidor reduzido, é relevante fomentar as atividades marítimas no estado, visto que influencia o efeito multiplicador interno, a demanda efetiva, os empregos e a renda regionalmente.

 

O TMIB não recebeu inversões do governo federal no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A falta de investimentos setoriais por parte do Estado e da iniciativa privada (modelo de concessão equivocado) prejudica sua expansão e a incorporação de novas tecnologias.

 

Diversos gargalos prejudicam o setor portuário de Sergipe, como a excessiva burocracia, a falta de ligação ferroviária eficiente ao TMIB, o modelo neoliberal de concessão, a falta de investimentos públicos e privados, a necessidade de dragagem para aprofundamento do canal de navegação e da área de atracação dos navios, a reduzida incorporação de tecnologias (portêineres, transtêineres, Ship Loaders, softwares etc.), a inexistência de um plano estratégico para fomentar o setor no estado, entre outros.

 

O desenvolvimento do setor portuário de Sergipe depende de vários fatores, quais sejam: presença do Estado como agente planejador e indutor, aumentar as inversões públicas e privadas, impulsionar a modernização tecnológica, realizar adequadas concessões de serviços públicos à iniciativa privada, estimular o carreamento de recursos ociosos ao setor (antiocioso), expandir os financiamentos, assegurar reserva de mercado para a utilização de navios e embarcações construídos no país, diminuir os afretamentos de navios estrangeiros, reduzir a burocracia e expansão da multimodalidade/intermodalidade.

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