Especial governo Lula da Silva: o PAC – saneamento básico e sua contribuição para o desenvolvimento

04/05/2017 13:00

O saneamento deve possuir destaque nas políticas e programas governamentais, visto que é basilar para a saúde pública e para o desenvolvimento social. Está relacionado ao abastecimento de água potável, ao manejo da água pluvial, à coleta e tratamento de esgoto, à limpeza urbana e ao manejo de resíduos sólidos.

 

Segundo dados da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), para cada quatro dólares investidos em saneamento básico são economizados dez dólares em saúde pública. No Brasil, houve um avanço no setor na década de 1970 e início dos anos de 1980, com o Plano Nacional de Saneamento (Planasa), visando arrefecer um histórico no país. Mota (2016) revela que saúde, educação e saneamento devem ser temas centrais nas políticas públicas, sendo este último uma forma de medicina preventiva. Em outras palavras, a “vacina” para as doenças transmitidas pela água é o saneamento básico.

 

O Brasil – considerando suas desigualdades e regiões com falta de equipamentos e serviços de utilidade pública – apresenta reflexos da escassez de investimentos em saneamento ao longo do tempo, caso das elevadas taxas de mortalidade infantil e reduzida expectativa de vida, principalmente em municípios do sertão nordestino e do interior da Amazônia.

 

As expansões desordenadas e sem planejamento das regiões metropolitanas brasileiras, a falta de investimentos, sobretudo, em áreas periféricas e o rápido crescimento demográfico entre as décadas de 1930 e 1980 agravaram o problema da carência de saneamento básico no país, afetando principalmente as periferias sociais (desestruturadas) e as regiões Norte e Nordeste.

 

A política neoliberal dos anos de 1990 restringiu significativamente as inversões em saneamento básico no Brasil, sob o argumento do controle fiscal e da redução dos gastos/investimentos públicos. Isso agravou o problema no país e impediu um avanço maior nas ações/medidas sanitárias em bairros e regiões periféricas. Ademais, o atual governo de Michel Temer está retomando fortemente a política liberal no país, com cortes significativos, por exemplo, no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Programa Minha Casa, Minha Vida, Luz para Todos, Água para Todos e outros.

 

A retomada dos investimentos em saneamento no Brasil ocorreu nos governos de Lula e Dilma Rousseff, após vinte anos de reduzidas inversões estatais. Segundo dados do Ministério do Planejamento e do Ministério das Cidades, houve a conclusão de 1.058 obras ligadas à água e esgoto entre 2007 e 2015 (total de 104,2 bilhões de reais), beneficiando cinquenta milhões de pessoas.

 

O PAC – saneamento básico atendeu quase a “população da Inglaterra” em oito anos (2007-2015). Tal fato elucida o compromisso assumido pelo governo federal no sentido de tentar mitigar esse gargalo histórico do Brasil. Nesse período, foram financiadas 2.914 obras pela União ou instituições estatais, com destaque à Caixa Econômica Federal (CEF) e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em parceria com estados e municípios. No entanto, 52% das construções do PAC – saneamento básico apresentavam problemas em 2016, como paralisações, erros de projeto/ execução ou ainda não iniciadas, prejudicando, assim, o andamento das obras (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, 2017).

 

Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNI), o abastecimento de água tratada no Brasil atingia 82,5% da população em 2014, mas apenas 48,6% tinham acesso à coleta de esgoto. Os governos de Lula e Dilma Rousseff intensificaram os investimentos comparando-se com os anos de 1990, principalmente com o período de Fernando Henrique Cardoso (tabela 1). Além disso, em 2013, foi criado o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), estabelecendo diretrizes, metas e ações de saneamento básico para o Brasil entre 2014 e 2033.

 
 

De acordo com o Ministério das Cidades, entre 2003 e 2006, a média de inversões federais em saneamento foi de 1,5 bilhão de reais por ano. Todavia, esse montante aumentou para uma média anual de 7,1 bilhões de reais entre 2007 e 2015, compreendendo o período do PAC 1 e 2. No ano de 2014, somente a União aplicou 11,4 bilhões de reais em obras de saneamento básico no país, além dos financiamentos da CEF e BNDES. Em 2015, mesmo com o severo ajuste fiscal, foram investidos 5,8 bilhões de reais no setor (tabela 1).

 

O saneamento básico não contribui apenas com a saúde pública e com o desenvolvimento social, mas também pode fomentar o efeito multiplicador interno e o desenvolvimento regional/nacional. Investimentos estatais, participação de empresas públicas de saneamento e adequadas parcerias público-privadas (PPPs) são importantes para expandir as obras ligadas à água e esgoto no Brasil. Ademais, destaca-se a necessidade de avançar no planejamento participativo no país, visando melhor compreender as demandas sociais existentes e qualificar as políticas públicas, especialmente na oferta de saneamento à população.

 

Concessões adequadas e parcerias com empresas brasileiras podem criar demanda efetiva na economia e movimentar vários setores, como as indústrias de base, cimento e bens de capital, construção civil pesada etc., gerando resultados econômicos e sociais positivos, sobretudo no que tange à criação de empregos e renda.

 

Ignácio Rangel (1987) destaca que o Estado deve ser, ao mesmo tempo, o poder concedente e o credor hipotecário, isto é, realiza a concessão do serviço ao capital privado e coloca os bens do concessionário em hipoteca, para que, em caso de não cumprimento das metas e das obrigações estabelecidas em contrato, o Estado possa tomá-los como garantia (para evitar prejuízos) e transferir a concessão para outra pessoa jurídica.

 

Assim, permite-se criar demanda efetiva na economia, estimular a distribuição de renda e valorizar a saúde coletiva, especialmente das pessoas que vivem em bairros e áreas periféricas, com escassez de equipamentos e serviços públicos. A atuação do Estado deve seguir duas estratégias principais, quais sejam: a) realizar inversões em setores antiociosos (saneamento básico, por exemplo); b) estimular os investimentos privados em áreas que demandam maiores recursos (concessões adequadas para obras de água e esgoto).

 

Por fim, destaca-se que o severo ajuste fiscal, a aprovação da PEC dos gastos e as paralisações de muitas obras decorrentes da Operação Lava Jato estão prejudicando a construção de infraestruturas no país e, em especial, de saneamento básico. No Brasil – diferentemente de outros países como Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão e Alemanha – as ações judiciais de combate à corrupção nas grandes empresas (caso das construtoras nacionais) “paralisam as obras”, fato que acaba punindo o trabalhador e as pessoas que necessitam gozar de melhores condições sanitárias e ambientais. Diante disso, é necessário lembrar um princípio básico do Direito: “deve-se punir o réu e não a vítima!”.

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Abertura, concorrência e renovação das concessões ferroviárias: avanços e retrocessos recentes

27/04/2017 13:00

Passados quase duas décadas das concessões ferroviárias brasileiras é possível observar que o discurso do governo do período de que a atuação de empresas privadas resolveria os problemas decorrentes da falta de investimento da malha nacional, como: os dormentes danificados, lastros contaminados, trilhos gastos e desalinhados, sinalização deficiente, pátios sem equipamentos e operação onerosa, não se concretizaram. As concessionárias priorizaram corredores de exportação específicos e consequentemente desativaram e subutilizaram trechos de acordo com o interesse das mesmas e os produtos que o mercado externo buscava, sem uma preocupação com o mercado interno e a integração produtiva nacional.

 

Em uma tentativa de alterar alguns dos problemas identificados, em 2012, o Governo Dilma, através do Programa de Investimento em Logística (PIL) propôs a implantação de um novo modelo de concessão com a separação do fornecimento da infraestrutura ferroviária (vias, pátios e sistemas de controle de tráfego) e o serviço de operação, principalmente em função das características dos novos projetos. A Ferrovia Norte-Sul, por exemplo, é uma via férrea troncal que ligará o norte do país ao sudeste, e quando concluída, também ao sul. Por integrar todo o país não é interessante que ela seja concedida no modelo vertical para a atuação de uma única empresa, ao contrário o ideal é que ela seja integrada a malha nacional e diferentes operadoras tenham o acesso a mesma.

 

Trata-se de um processo de desverticalização do transporte ferroviário, ou seja, separação entre a infraestrutura e a operação. Este modelo de separação vertical previsto pelo PIL é próximo ao que foi adotado na União Europeia, na década de 1990. Ela definiu a separação vertical como forma de introduzir a concorrência nas ferrovias e melhorar a qualidade dos serviços. No caso brasileiro, a Valec forneceria a infraestrutura, faria a negociação de preços e a venda da capacidade da via para as transportadoras e operadoras de serviço. Caberia a empresa pública fomentar as operações ferroviárias através do aumento da capacidade no subsistema federal e promover a interoperabilidade da malha, de modo a não deixar malha com capacidade ociosa e ampliar a competição no setor.

 

A mudança do modelo de concessão estabeleceu novos desafios para a gestão do modal ferroviário nacional, ao mesmo tempo em que surgiram vários questionamentos quanto operacionalidade e às vantagens e desvantagens do modelo desverticalizado para a realidade brasileira. A principal vantagem seria criar a concorrência no serviço, eliminar possíveis discriminação de usuários pelo prestador de serviço e a possibilidade de diminuição do custo de capital associados as vias férreas. No Brasil isto tem um caráter a mais tendo em vista que os maiores operadores ferroviários são empresas ligadas ao setor produtivo e que possuem seus próprios produtos para transportar. Assim, além de aumentar a concorrência dentro do modal a alteração também permitirá o acesso de diferentes produtores ao modal, não somente de commodities, mas também de carga geral por meio da expansão do uso de contêineres. A possibilidade de empresas prestadoras de serviços de transporte ou usuários dependentes poderem transportar cargas pela malha diminuirá os custos e o tempo de circulação, permitindo maior fluidez entre as diferentes regiões. Os usuários da malha em Santa Catarina, Pernambuco e Minas Gerais, por exemplo, poderiam ser estimulados a usar a ferrovia. Com um maior número de operadores a produtividade dos trechos seria maior, assim como o retorno social, devido a retirada de caminhões das estradas.

 

Para este modelo funcionar é necessário uma série de adequações técnicas, uma vez que um operador não poderá mudar as especificidades do material rodante para se adequar a diferentes infraestruturas ferroviárias, sistemas de sinalização e comunicação. Atualmente existe uma incompatibilidade entre os sistemas das concessionárias no Brasil.

 

À despeito dos problemas técnicos e normativos, aqui apenas pincelados, para aplicação de referido modelo de operação ferroviário no Brasil, ele foi um avanço pois iniciou a discussão do monopólio e abriu o cadastro para Operadores Ferroviários Independentes (OFI) usar a malha férrea, que vale lembrar, é pública. Contudo, ainda durante o processo de debate e início da abertura, a desaceleração da economia brasileira no ano de 2015 travou o processo de investimentos em obras de infraestruturas e o governo do período sinalizou a possibilidade de prorrogação dos contratos das atuais concessionárias.

 

A instauração do Governo Temer alterou significativamente pontos importantes para a melhoria do sistema ferroviário nacional. De modo que passados apenas cinco anos do início da discussão no Brasil, a qual tampouco se tratou de um enfrentamento direto dos problemas das concessões ferroviárias, o país é confrontado com um retrocesso à política neoliberal da década de 1990. Apesar de prever a disponibilização de capacidade mínima de transporte para terceiros, quando couber, e a relicitação do objeto de contrato em caso de descumprimento de disposições ou incapacidade financeira, o atual governo retoma o discurso do final do século XX e está em vias de retroagir e cometer exatamente os mesmos acordos de interesse com grupos específicos, os quais são totalmente contrários ao interesse nacional.

 

O processo de alteração iniciou com a promulgação da Lei nº 13.334 de 13 setembro de 2016 a qual cria o Programa de Parcerias de Investimento (PPI), projeto do atual governo para ampliar os investimentos, via adoção de um modelo de concessão que atraia mais a iniciativa privada e novas privatizações, com a justificativa de que isto irá tirar o país da crise.

 

No que se refere respectivamente ao modal ferroviário nacional o PPI definirá os projetos ferroviários prioritários e o modelo de concessão e contratos com a iniciativa privada. Dentre os objetivos do PPI está a “assegurar a estabilidade e a segurança jurídica, com a garantia da mínima intervenção nos negócios e investimentos” e “fortalecer o papel regulador do Estado e a autonomia das entidades estatais de regulação”, portanto, tem-se que não haverá mudança na liberdade de atuação das concessionárias e uma fiscalização rigorosa, por parte da ANTT, no sentido de fazer cumprir os acordos e responsabilidades previstos nos contratos. O programa incluiu três obras ferroviárias, sendo que duas já estão em execução, a saber: o trecho entre Palmas e Estrela D’Oeste da EF-151 e entre Ilhéus e Caetité da EF-334 (Ferrovia de Integração Oeste-Leste). E o projeto a ser executado a EF-170 (Ferrogrão) que neste programa aparece com o traçado de Sinop/MT até Mirituba/PA ao invés de Lucas do Rio Verde/MT a Mirituba.

 

O golpe efetivo sobre o modal ferroviário foi a promulgação da Medida provisória nº752, de 24 de novembro de 2016. Esta estabelece as diretrizes para a prorrogação e relicitação dos contratos de concessão rodoviárias, ferroviários e aeroportuárias. De modo que, as atuais concessionárias poderão renovar o contrato de concessão por igual período ao contrato anterior, por meio da inclusão de investimentos não previstos na concessão vigente. A medida define que a prorrogação seja condiciona pela prestação de serviço adequada, por parte da concessionária. O que é uma contradição tendo em vista que este critério eliminaria parte das atuais concessionárias, devido ao abandono de ramais ferroviários e também descumprimento das metas, como pode ser observado pelo número de processos no Ministério Público e outros órgãos contra as mesmas.

 

Ao mesmo tempo, a prorrogação das atuais concessionárias dificultará o uso da malha por terceiros. As atuais operadoras controlam as vias de acesso aos principais portos, estes trechos possuem pequena capacidade ociosa e alguns ainda tem restrições de horários e velocidade por cortarem áreas urbanas. Estas especificidades limitará a atuação de operadores independentes e a capacidade de tráfego dos mesmos. Sem uma definição clara de quais serão os tipos de investimentos exigidos das concessionárias para a prorrogação e com os cortes nos investimentos públicos tem-se que a capacidade de tráfego das malhas não se alterará de modo a absorver o aumento da demanda do setor produtivo e a demanda de novos operadores.

 

Outro artigo de respectiva medida provisória permite que a entidade competente desvincule ramais ferroviários propondo parâmetros diferenciados para cada contrato. De fato, este item permite que as atuais concessionárias realizem a prorrogação somente dos trechos com maior produtividade e o restante seja negligenciado com o respaldo dos entes públicos. A Rumo, por exemplo, manifestou interesse de prorrogar a concessão somente da malha paulista, que liga Rondonópolis/MT a Santos/SP, por ser o trecho com maior produtividade de toda a sua malha. O restante da malha que já acumula prejuízos, haja vista, a falta de investimento da América Latina Logística, durante toda a concessão, será desassistida e os usuários da mesma serão obrigados a migrar para as rodovias.

 

Um último ponto igualmente representativo do direcionamento da política de transporte ferroviário de modo a atender o interesse das empresas controladoras das concessionárias, sem nenhuma preocupação com o provimento de um sistema ferroviário de qualidade para o país, é a definição de que a União está autorizada a compensar haveres e deverem de natureza não tributária com as concessionárias, inclusive pela devolução de trechos ferroviários, e estes valores poderão ser utilizados para o investimento, diretamente pelos respectivos concessionários. Este artigo faz referência direta ao caso da Ferrovia Centro Atlântica. Esta concessionária, controlada pela Vale, recebeu autorização da ANTT, através da Resolução 4.131 de 03 de julho de 2013, a proceder a devolução de quase metade da malha originalmente concedida. Ao total seriam 3.989 km de vias férreas devolvidas.

A resolução definiu que a ficaria assegurada à FCA uma capacidade operacional, equivalente a entregue na devolução, nos novos trechos ferroviários que estavam previstos para construção no Programa de Investimento em Logística (PIL). Segundo o documento a realização de investimentos pela concessionária seria mais benéfica para o sistema ferroviário nacional do que o pagamento em espécie. Todavia, os contratos das concessões já constam a necessidade de investimentos, apesar de não especificar quais sejam, sendo assim, o dinheiro seria utilizado para fazer obras de manutenção e de melhoria na malha que já são de responsabilidade da mesma.

 

Em desacordo o Ministério Público entendeu a resolução como um privilégio dos interesses privados em detrimento do patrimônio público e resolveu por determinar que a ANTT revogasse toda a Resolução 4.131[1]. Por se tratar de trechos economicamente viáveis o MPF considerou que se tratava de destruição pura e simples das linhas férreas, com imensos danos aos cofres públicos e ao patrimônio cultural. Esse caso elucida as recorrentes falhas e omissões da ANTT em fiscalizar e fazer cumprir as obrigações contratuais pelas concessionárias ou ao contrário ao fazer prevalecer o interesse das mesmas. Portanto, o Art. 24 da Medida Provisória legitima um crime contra o patrimônio público.

 

A Medida Provisória 752 foi prorrogada até maio e segue em tramitação em regime de urgência na Câmara dos Deputados para se tornar lei. Novas emendas podem ser inseridas, mas apenas com os artigos, aqui apontados, do texto base fica claro os objetivos de manutenção de um modelo de monopólio que não fomenta a expansão do modal ferroviário no Brasil, tampouco contribui para o desenvolvimento regional e integração nacional.

[1] Inicialmente a ANTT alterou o texto da Resolução nº4131 com a Resolução nº 4160, de 26 de agosto de 2013. Em 2015 foi realizado uma nova mudança com a resolução nº 4750, de 18 de junho de 2015 que substituiu uma das planilhas de obras a serem executadas e em 2016 foi revogado os dispositivos que previam a desativação de trechos economicamente viáveis, através da resolução nº5101, de 16 de maio de 2016.

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O Golpe de Estado de 2016 e as políticas públicas: uma vala perigosa no caminho das políticas de mobilidade

06/08/2016 11:38

De modo diverso às políticas de mobilidade urbana e transportes “pesadas” (VLT, BRT, Monotrilhos, metrôs etc.), discorrerei nessa ocasião sobre o caso de políticas de mobilidade auxiliares, mas que apenas aparentemente não exigem investimentos contínuos importantes. Normalmente essas políticas são abordadas quase que de modo isolado das dinâmicas políticas e econômicas mais amplas, como se a gestão e a “governança” local fossem suficientes para leva-las a cabo de modo pleno. É o caso das mobilidades não-motorizadas e em especial, da promoção de infraestruturas e serviços de bicicleta pública.

O grave momento de retrocesso político vivido pelo Brasil atualmente exige a elevação da consciência social dos diferentes grupos sociais sobre o tema da mobilidade urbana, tanto quando da saúde e da educação, os quais vem sendo fortemente ameaçados pelo governo interino. Em especial, os jovens e os novos eleitores que vem iniciando sua participação na política, com vistas a que tenham uma noção real do que o Golpe de 2016 representa em termos de interrupção de políticas públicas de seu interesse. Estes grupos, no entanto, vem sendo alvo de forte manipulação por parte dos setores golpistas nacionais e internacionais que tem atuado no país, os quais valem-se de argumentos e fórmulas simplistas de explicação da realidade. Atualmente se trava uma difícil luta no campo da formação da opinião pública, do esclarecimento sobre as implicações desse processo.

 

Com efeito, há grande dificuldade de aclarar a esses grupos sociais e populações, como funcionam o Estado, suas instituições e os equipamentos e serviços públicos que estas utilizam em seu cotidiano. De modo mais urgente, se trata da dificuldade em explicar como a postura e a tomada de decisões do governo interino de Michel Temer – meros valetes dos interesses do capital financeiro nacional/internacional – no campo geopolítico e das relações internacionais; na formatação das instituições; na macroeconomia e no campo social, já são uma ameaça concreta à manutenção e aos avanços dos direitos sociais, como é o caso das políticas de transporte e mobilidade.

 

No caso específico da mobilidade urbana, diversas iniciativas encampadas desde o Ministério das Cidades, bem como de Prefeituras que solicitaram auxílio ao Estado ao longo dos 13 anos de administração petista – com todas as limitações que já conhecemos – passam agora a serem vistas como custos a serem dirimidos. Possibilidades de aperfeiçoamento e aprofundamento dessas políticas reduzem-se praticamente a zero.

 
 

Mas como fazer-se entender? Como explicar ao cidadão comum e ao jovem que sai às ruas empunhando a nefasta bandeira neoliberal do MBL (Movimento Brasil Livre), que a ciclovia que muitos destes também defendem e que as bicicletas públicas presentes em outros países – e que tanto invejam – exigem um fortalecimento do Estado e em muitos casos recursos a fundo perdido do tesouro nacional? Vale lembrar que este movimento (MBL e outros semelhantes), ao empregar fórmulas fascistas de engajamento e um conteúdo neoliberal, lança mão de um marketing pautado em bandeiras “difusas”, misturando agendas inclusive contraditórias. Vale lembrar que nas Manifestações de junho/julho de 2013 – a qual atuou como ponta-de-lança na criação para uma “atmosfera favorável” ao Golpe de Estado de 2016 – parte do Movimento Passe Livre (MPL) se equivocou e acabou engrossando, nas ruas, as fileiras de grupos que recentemente foram decisivos para a deflagração do Golpe.

 

A estes jovens, mas também a todos os cidadãos interessados, afirmamos que a importância do Estado para a expansão da mobilidade não-motorizada e do uso de bicicletas se fez necessária em todos os países que tem feito desta, uma parte de suas políticas de mobilidade e transporte. Um exemplo interessante é o dos serviços de bicicletas públicas europeus, os quais poderiam ser uma possibilidade inclusive de estimulo à expansão de infraestrutura ciclável, no caso brasileiro. Ressalta-se que a razão de ser deste tipo de serviço está ligada não à oferta de lazer, mas a questões muito concretas de redução do uso diário de automóveis e de aumento da conectividade com transporte público em deslocamentos regulares (laborais, de estudos, reprodução social etc.). Os franceses, por exemplo, foram um dos pioneiros na aplicação de investimentos mais massivos em serviços de bicicletas públicas, fazendo com que Paris conte hoje com uma frota de 18.000 bicicletas públicas.

 
 

Em Barcelona, igualmente, se vem fortalecendo historicamente o uso da bicicleta por iniciativa estatal, o que tem exigindo internalização contínua de conhecimento por parte dos planejadores do Estado e aplicação continua de recursos estatais a fundo perdido, ainda que os operadores do serviço sejam privados (via concessão). Atualmente, o serviço é gerido e planejado pela empresa pública BSM (Barcelona Serviços Municipais), mas é operado pelo Grupo Clear Channel Communications, o qual detêm a expertise para a operação de uma complexa estratégia logística, baseada na predição horária de demanda e na reposição de bicicletas entre as estações cheias e vazias.

 

O processo de implantação e consolidação desse sistema em Barcelona começa com a criação da BSM, que é uma empresa estatal de gestão e planejamento da Prefeitura de Barcelona, estruturada nos anos de 1980, para gerir e planejar serviços urbanos como estacionamentos, zona azul, reboques etc. Já em 2006, o governo socialista então vitorioso na cidade, observou outros projetos de bicicletas públicas de sucesso (O programa Vélo’v de Lyon e os programas de Estocolmo e Oslo), solicitando à BSM a montagem de um projeto semelhante para Barcelona.

 

Ressalta-se que antes da implantação das bicicletas públicas em Barcelona, haviam cerca de 100 quilômetros de ciclovias, mas posteriormente à implantação do serviço foi se sedimentando a ideia de que uma vez operado um grande investimento público em bicicletas e estações, a expansão da infraestrutura ciclável deveria ocorrer mais intensamente. Em decorrência disso, atualmente Barcelona conta com mais de 200 quilômetros em ciclovias municipais/interurbanas e uma frota de mais de 6.000 bicicletas públicas, distribuídas em 420 estações totalmente automáticas, dotadas de interface em tempo real entre usuário e sistema.

 
 

Ora, aqui se observa a importância da presença do Estado neste tipo de iniciativa, mas no caso das bicicletas públicas essa importância faz-se ainda mais profunda, talvez mais até do que no próprio serviço de transporte público coletivo motorizado. O fato é que no caso do exemplo que estamos tratando, no primeiro ano de implantação do serviço, houve perdas estimadas em 2 milhões de Euros, em grande medida derivadas de roubo e depredação. Em um único ano, praticamente toda a frota de bicicletas públicas de Barcelona foi roubada. Segundo Raúl Aguilera (Direção técnica da BSM), vulnerabilidades nas estações e nas bicicletas facilitavam esses roubos, o que exigiu novos investimentos do Estado na infraestrutura, na ordem de 400.000,00 Euros (bicicletas com o dobro do peso e sistemas de anclagem mais robustos). Outro fato que se deve comentar é que após um período de expansão de usuários, se passou a observar que uma parcela importante dos usuários inscritos no sistema público de bicicletas não permanecia ao longo dos meses seguintes. De fato, no ano de 2002 contavam-se 120.000 inscritos e atualmente estes são cerca de 96.000, com uma taxa de abandono do sistema que é persistente.

 

Ora, tais fatos seriam um forte argumento para que os setores políticos conservadores e defensores do “Estado mínimo” pressionassem pela extinção do serviço de bicicletas. Mas ao investigar as razões do abandono, constatou-se que embora tenham deixado o sistema, estes usuários passam a adquirir suas próprias bicicletas. Na verdade, aprovaram a bicicleta enquanto modo de transporte.

 

Um dado que demonstra esse fato é que após sua implantação, o uso de bicicletas privadas na cidade triplicou, uma vez que em 2007 ocorriam cerca de 40.000 viagens/dia em bicicleta e em 2014, computaram-se cerca de 120.000 viagens/dia, sendo 50.000 destas, correspondem à bicicleta pública. Ou seja, modificaram-se e ampliaram-se certos padrões de mobilidade, beneficiando a cidade. Em outras palavras, o custo-benefício social do projeto – seu efeito positivo para a sociedade em geral – foi priorizado em relação à solvência isolada daquele ativo estatal. Trata-se de uma outra concepção da atuação do Estado, a qual obviamente exige maior capacidade do mesmo no que se refere a investimentos contínuos em determinados setores.

 

Finalmente, vale destacar que o sistema, do ponto de vista contábil é deficitário: A fatura a ser paga pelos custos do operador privado é de cerca de 16 milhões de Euros anuais, mas apenas 4 milhões de Euros provêm dos tickets dos 96.000 usuários. Dos 12 milhões restantes, 1 milhão provêm de Vodafone (um dos patrocinadores, em troca de publicidade) e 11 milhões – a maior parte dos recursos – quem paga é o Estado. Ora, diante do que temos assistido no Brasil pós-golpe, essa que seria uma possível agenda para avançar nas políticas voltadas à mobilidade não-motorizada, está distante dos objetivos governamentais. Consoante esses fatos, podemos afirmar aos jovens cicloativistas, que definitivamente as suas demandas e os movimentos de defesa do neoliberalismo – travestidos de supostos “movimentos pela liberdade e a democracia” – não combinam em absoluto...

 

Trouxemos aqui um exemplo dentro da temática da mobilidade urbana não-motorizada – desfazendo o mito de que não exigem maiores investimentos, nem a presença do Estado – mas muitos outros poderiam ser colocados. O atual governo golpista ameaça o avanço de políticas dessa natureza ao abrir mão de potenciais ativos naturalmente presentes no território nacional, como é o caso da revogação da preferência da Petrobras sobre as camadas Pré-Sal. Não obstante, quaisquer que sejam os exemplos de equipamentos coletivos, todos eles guardam uma relação com a capacidade da nação em pôr em marcha um projeto genuíno de desenvolvimento econômico.

 

As possibilidades de mudança, de remoção dos obstáculos às políticas de mobilidade efetivamente contundentes, também dependem da ação de intelectuais ligados ao problema, articulados a outras demandas sociais nacionais, bem como de uma vigilância constante dos grupos e coletivos sociais interessados. Infelizmente, os sectarismos, o caráter demasiadamente “difuso” das pautas de alguns desses movimentos e os posicionamentos que impedem uma ação estratégica sobre a realidade, fazem com que as duas rodas mobilizadas pela tração humana se avizinhem cada vez mais dos caminhos esburacados gerados pela falta de investimentos.

Rodrigo Giraldi Cocco

Doutor em Geografia

Universidade Federal de Santa Catarina

A ditadura da educação

30/06/2016 11:35

Em sessão plenária da Assembleia Legislativa, os deputados estaduais de Alagoas decidiram que os professores são obrigados (coagidos) a manter “neutralidade” em sala de aula e estão impedidos de se posicionarem em assuntos políticos, religiosos e ideológicos, sob pena de demissão do cargo. Com a aprovação do projeto “Escola Livre”, de autoria do deputado Ricardo Nezinho (PMDB), Alagoas torna-se o primeiro estado do país a possuir uma lei que pune os professores por análises críticas em sala de aula.

 A lei que estabeleceu a “ditadura da educação” em Alagoas censura os docentes e proíbe os professores de estimularem seus alunos a participarem de manifestações, atos públicos e passeatas. A aprovação da mesma insere-se em um contexto de aniquilação da democracia brasileira e de refortalecimento dos setores antinacionalistas e contrários às conquistas da classe trabalhadora.
Alagoas tem uma das maiores desigualdades sociais do país e uma sociedade extremamente conservadora. Os principais objetivos da lei são o controle social por parte da oligarquia e a restrição da distribuição de renda no estado, pois a educação de qualidade é um instrumento de redução da miséria e da pobreza. Ademais, os setores conservadores da burguesia não querem/aceitam transformações políticas e econômicas que dependem da educação crítica nas escolas e universidades.
Nesse sentido, destaca-se Paulo Freire e a “Pedagogia da Libertação”, intimamente relacionada com a concepção marxista do terceiro mundo e das classes oprimidas na tentativa de conscientizá-las politicamente. Ademais, o autor incorpora o conceito básico de que não existe educação neutra, ou seja, todo ato educacional é um ato político.
 Freire revela que o objetivo maior da educação é conscientizar o aluno. Sua proposta é uma prática de sala de aula que possa desenvolver a criticidade dos discentes. É imprescindível criar condições para que os grupos sociais desfavorecidos compreendam sua situação de oprimidos e, assim, possam agir em favor da própria libertação. O processo de autonomia/libertação somente torna-se possível com uma educação crítica e que auxilie no entendimento da realidade a partir de suas contradições.
A proposta da lei alagoana de limitar as análises dos docentes visa criar uma escola alienante. Esse modelo de educação conservadora procura acomodar os alunos à realidade existente, isto é, não os despertando para as contradições e desigualdades existentes no espaço.
A “educação popular” se caracteriza pela capacidade de organização da classe trabalhadora e possui em sua essência a contestação do sistema político vigente. A proposta visa transformar o sujeito em agente político, no sentido de ser participante ativo na transformação da realidade. Diante disso, a educação crítica permite mitigar a influência do discurso conservador e neoliberal fortemente enraizado na sociedade brasileira. Como exemplo, destaca-se a necessidade de resistência em relação ao atual governo ilegítimo de Michel Temer e à tentativa de reestabelecer as políticas antinacionalistas e que prejudicam a classe trabalhadora.

Apesar dos retrocessos recentes, como, por exemplo, o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e a aprovação da “lei da censura” dos professores em Alagoas, destaca-se a luta constante de muitos educadores e alunos pela garantia de uma escola pública de qualidade e realmente democrática, na perspectiva de que a educação valorize a criticidade e permita contestar as ações e os discursos das classes hegemônicas.

 
 A lei aprovada no estado de Alagoas visa ratificar uma educação mecanicista e acrítica, como forma de maior controle social por parte das classes dominantes. Contrariamente, a proposta pedagógica da “educação popular” nega a educação tradicional na escola. Isso é essencial para criar consciência de classe e permite avanços políticos, econômicos e sociais em âmbitos local, regional e nacional.
 Na perspectiva de confrontar a “escola burguesa”, a educação crítica torna-se necessária enquanto oportunizadora das condições intelectuais que proporcionam maior esclarecimento dos trabalhadores para o engajamento e a participação social. Para isso, é fundamental combater o analfabetismo, qualificar a educação pública e diminuir a evasão escolar, visando fomentar a distribuição de renda e a redução da desigualdade social.
 Por fim, cabe a seguinte questão: será que uma lei como essa pode ser votada e aprovada no Congresso Nacional? Diante do conservadorismo existente no legislativo nacional e da intenção dos setores burgueses de arrefecer as manifestações populares, infelizmente isso é possível. Já existem três projetos de lei na Câmara dos Deputados e outros sete em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Rio Grande do Sul e Distrito Federal que buscam regulamentar a atuação dos professores dentro da sala de aula. Abaixo a “ditadura da educação”!
Nelson Fernandes Felipe Júnior
Docente da Universidade Federal de Sergipe
Núcleo de Estudos sobre Transportes

Parasitas, a corrupção em diferentes escalas

21/06/2016 11:29

O contexto atual que se assenta no Brasil é algo preocupante. A palavra “corrupção” ecoa por todos os espaços do território e nas diferentes organizações e instituições sociais, ampliada pela potência e eficiência de difusão de (des)informações das redes sociais e mídias televisivas e impressas.

As manifestações contra o governo federal conseguiram mobilizar uma massa (de manobra) de (des)avisados que avalizaram o afastamento da presidente até então em exercício, e que recentemente as mesmas redes de difusão da (des)informação divulgaram, por meio da fala de um dos (potenciais) ministros desse atual (des)legítimo governo, “escancarando” que de fato se trata de um golpe cuja base se assenta nas falácias incansavelmente propaladas pela mídia e redes sociais.
Porém, tais manifestações tiveram como foco a presidência e o partido da presidente e não abordaram de maneira significativa a escala regional e local da tão abominada corrupção, ou seja, aqueles ferrenhos manifestantes que dizem não ter “corrupto de estimação” muitas vezes coincidem com os mesmos que praticam ato comum nessas outras escalas: a parasitagem da corrupção.
Essa parasitagem se alimenta do dinheiro público auferido ilicitamente e se manifesta de diferentes formas, tais como: a classe política nas diversas escalas de governo e representação parlamentar que se alimenta das vantagens resultantes da aprovação de projetos (propinas) e que são de interesse de grupos que não estão no extrato mais pobre da população; o cabide de emprego gerado por dívidas políticas de campanha em prefeituras e governos dos estados; a participação de empresas de diversos portes em licitações fraudulentas nas escalas municipal, estadual e federal; o pagamento de propinas para obtenção de vantagens em contratos públicos; desvio de dinheiro público da saúde e merenda escolar e tantas outras formas que enojam, em maior ou menor grau, tanto aqueles que conseguem fazer uma análise de conjuntura quanto outros cujo entendimento se limita a sentir a falta de bens e serviços públicos no seu cotidiano.
Ainda é possível citar os prestadores de serviços, “pessoas comuns”, em sua maioria empresários e profissionais liberais, porém, ferrenhos críticos da corrupção federal, que sabem de onde vem o dinheiro que recebem dos serviços que prestam, mas, deixam de lado a ética que tanto cobram e a falta de escrúpulos que tanto abominam. Esses são alguns dos tipos de parasitas da corrupção que se calam na escala local e regional em prol da manutenção dos benefícios e vantagens recebidas em relação a maioria da população.
Para eles a corrupção local e regional é invisível, pois, o combate à ela significa a redução de suas vantagens e ganhos. Dessa forma, se faz necessária também uma reflexão mais séria e profunda sobre esse fato, com foco no regional e no local. É preciso rever nossos posicionamentos, pois, é possível que estejamos alimentando essa forma de parasitagem. Nesse sentido, resgatar princípios éticos e morais desde o âmbito da família, escola e comunidade pode, quem sabe, no médio prazo, mitigar esse problema.
Airton Aredes
Docente da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul