Mobilizar ou imobilizar? A pandemia da Covid-19 e a incompreensão do que é o desenvolvimento

29/03/2020 13:00

No Brasil de Bolsonaro e Guedes, assim como de seu antecessor Michel Temer, o sucateamento dos meios de reprodução da força de trabalho – dentre os quais a saúde pública – foram a tônica dos 4 anos que se seguiram ao Golpe de Estado em 2016. A agenda de austeridade neoliberal realizada por esses governos impôs um teto de gastos à saúde pública (EC/95), que só em 2019 retirou R$ 20 bilhões do setor, negligenciando o caráter estratégico do SUS. Mesmo em meio à atual crise de saúde pública gerada pela pandemia do coronavírus, o presidente-vassalo do imperialismo tem negado seguidamente a necessidade de isolamento domiciliar por parte dos brasileiros, criando uma falsa dicotomia entre o desenvolvimento econômico e o resguardo das vidas humanas, exortando a população ao retorno de todas as atividades, incluindo escolas, comércio e serviços em geral. A pergunta que fazemos é: de fato existe a dicotomia entre desenvolvimento econômico e o resguardo da saúde através do isolamento social, combinado a outras medidas?

 

Nos últimos dias a Rússia iniciou obras para um complexo hospitalar de 80 mil metros quadrados em Moscou, com 500 leitos, sendo 250 UTIs e um laboratório próprio de infectologia para a análise das infecções, mobilizando 5.000 trabalhadores (Fonte: Sputnik, 2020). Ao mesmo tempo, a prefeitura moscovita decretou o isolamento domiciliar e o fechamento de comércio e serviços não-essenciais, para desacelerar a disseminação do vírus. Trata-se de ações similares às que tomaram as autoridades chinesas dias atrás. Na China, empresas privadas e estatais foram mobilizadas para a produção massiva e com preços controlados, de itens como respiradores, testes para Covid-19, máscaras, luvas e desinfectantes, além de 2 grandes hospitais, um deles com 1.000 leitos, em apenas 10 dias.

 

Canteiro de obras do complexo hospitalar de infectologia no distrito Troitsky-Novomoskovsky de Moscou. Fonte: Sputnik.

É obvio que há perdas econômicas imediatas com a redução da circulação e do consumo. Mas o exemplo chinês, assim como o russo, nos mostra que não há uma dicotomia absoluta, desde que o Estado entre em ação. Inovações surgem nas crises, são novos problemas cujas soluções se realizam através de novas químicas finas, engenharias de materiais, softwares, robótica etc.

 

Se por um lado é fundamental que se cessem as mobilidades em geral momentaneamente e assim, interações espaciais – ou seja, os contatos interpessoais que geram transformações progressistas naqueles que estão nela envolvidos (que geram, portanto, desenvolvimento) –, por outro lado, outras formas de interações espaciais e mobilidades são necessárias para combater o Covid-19, bem como para já preparar estrategicamente os países para outras possíveis epidemias/pandemias. Assim, a circulação massiva de pessoas, que potencialmente amplia a transmissão da doença (transportes de massa, circulação em praças de comércio e serviços, shoppings, escolas, universidades e outras aglomerações), dá lugar a mobilidades específicas para o combate à doença. Ações combinadas desse tipo têm sido essenciais para a saída mais rápida da crise, por alguns países. Inclusive, as 184 estações do metrô de Wuhan estão sendo gradativamente reabertas, equipadas com scanners térmicos para avaliar a temperatura dos passageiros, mostrando que a resposta está na aplicação de ciência e tecnologia.

 

Fato é que a mobilidade nunca cessa completamente. A máxima do “caráter absoluto do movimento e do caráter relativo do repouso”, na dialética materialista, é plausível. Além disso, mobilidades essenciais para o tratamento dos doentes, para a geração de conhecimentos, P&D, tecnologia e infraestrutura para se vencer o Covid-19 devem ser protegidas com todas as tecnologias de segurança disponíveis, inclusive com a prioridade dos testes de Covid-19 e o acompanhamento diário de seus trabalhadores. A massa da população, no entanto, deve ser protegida pelo isolamento e um programa de renda mínima adequado, até que haja um correto mapeamento dos focos da doença no território e assim, o controle do problema. Mas nada disso tem sido feito pelo governo brasileiro.

 

O governo Bolsonaro, acompanhado de governos estaduais e municipais, não faz desses exemplos a sua lição de casa. Os testes para constatação do Covid-19 – uma ferramenta fundamental para o isolamento e acompanhamento dos casos, tal como nos mostrou a Coréia do Sul, são insuficientes em quantidade. Faltam máscaras, material de limpeza, luvas, respiradores e leitos públicos de UTI em todo o território nacional. Não bastassem essas carências, o próprio presidente exorta as pessoas a retornarem totalmente às suas atividades.

 

É importante lembrar que o Brasil possui um déficit crescente na balança comercial ligado à saúde pública que vem acompanhando o período de 20 anos na esteira da construção do SUS. O déficit salta do patamar de US$ 3,0 bilhões em 1996, para US$ 12 bilhões em 2016 (GADELHA, 2018), mostrando, por um lado, como os governos populares de Lula da Silva e Dilma Rousseff esforçaram-se por ampliar e equipar o sistema, mas por outro, demonstra a sua fragilidade tecnológica. A próxima etapa seria justamente a de internalizar tecnologias para a produção própria de equipamentos médicos (joint-ventures, engenharia reversa etc.), com o fim de criar certa independência estratégica nesse setor. Vale ressaltar que nesse momento, pelo menos 50 países do mundo estão restringindo exportações de produtos avançados de saúde, obviamente dando preferência para o atendimento de suas necessidades internas. Os bolsonaristas/neoliberais ignoram completamente esse problema.

 

Além disso, que dizer de nossas cidades e seus sistemas de transporte e mobilidade? No Brasil, as pessoas permanecem muito tempo dentro do sistema de transporte, ou seja, muito tempo em trânsito, o que faz delas alvos potenciais de acidentes, stress, cansaço físico além do normal, condições nas quais pode haver redução de imunidade contra doenças, além é claro, de maiores chances de uma contaminação direta, já que estão expostas a uma grande variação no sobe-desce de passageiros. Na Região Metropolitana de Florianópolis, deslocamentos entre a cidade de São José, no continente e a Ilha de Santa Catarina, em condições de congestionamento, podem gerar até 4 horas de permanência dentro do sistema de transporte público (ida e volta), tal como ocorreu há dias atrás. Como pode, o governador de Santa Catarina, exortar as pessoas ao retorno de suas atividades, espremidas umas contra as outras no interior de um ônibus várias horas por dia?

 

Ademais, trata-se de um transporte público não subsidiado e, portanto, economicamente frágil em contextos como o atual. Além disso, não há institucionalidades, um “pessoal de inteligência” ligado à mobilidade, capaz de criar, flexibilizar e adaptar os serviços de transporte público a contextos de crise. Que dizer das pessoas que tem que deslocar grandes distâncias, em deslocamentos pendulares para efetuar suas compras em um contexto de quarentena? Toda a política de transportes e mobilidade que não foi feita anteriormente hoje mostra seus efeitos.

 

Ônibus lotado na Grande Florianópolis. Fonte: Ndmais.com.br.

Ora, ao contrário do que dizem as “falanges terraplanistas” não são as “altas densidades das cidades europeias” o grande propagador do vírus. Falam como se o Brasil estivesse protegido por sua dispersão urbana! Se assim fosse, Japão, Cingapura e Coréia do Sul, com suas hiperdensidades, já contariam centenas de milhares de infectados. Não se trata de uma análise de causa e efeito entre densidades urbanas e propagação do vírus. Se assim fosse, a cidade sul-coreana de Seul, com 16.257 hab./km² estaria mais infectada do que a estadunidense Nova Iorque com seus 7.166 hab./km². A ação do Estado sim, é decisiva.

 

Por fim, uma última palavra sobre as negligencias históricas de nossa sociedade. Em sociedades intensivas em conhecimento e tecnologia, o fator humano é um bem inestimável. Já nos dizia o grande Ignácio Rangel, que “um único dia perdido da força de trabalho, não pode ser recuperado” (RANGEL, 2005). Não deve haver, portanto, dicotomia entre desenvolvimento e proteção da vida humana. Ao contrário do que dizem os “novos malthusianos”, a proteção da vida está incluída na categoria de desenvolvimento. Contudo, somente sociedades planejadoras, que se organizam para o longo prazo, sabem da importância do fator humano para o seu desenvolvimento. Afinal, vidas perdidas são histórias que se vão, juntamente com valores-trabalho, inovação, idéias, além da própria vida, que não tem preço.

 

--

RANGEL, Ignácio. Obras Reunidas. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.

GADELHA, C.A.G. Desenvolvimento, Inovação e Saúde: a perspectiva teórica e política do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Revista Ciência e Saúde Coletiva, n. 23, 2018.

--

 

Rodrigo Giraldi Cocco

Doutor em Geografia (UFSC)

Pós-Doutor pela Universidade de Guadalajara e pela UFSC

Laboratório de Estudos sobre Circulação, Transporte e Logística (LABCIT-UFSC)

Núcleo de Estudos sobre Transportes (NETRANS-UNILA)

Grupo de Estudos em Desenvolvimento Regionais e Infraestruturas (GEDRI-CNPq)

Tags: AcessibilidadeBrasilCOVID-19DesenvolvimentoMobilidadeTransporte Público

Bicicleta fora dos planos: mobilidade urbana em Maringá (PR)

25/11/2019 13:00

A mobilidade urbana é um tema complexo que abarca inúmeras variáveis que vão desde escolhas de Estado no que se refere aos investimentos em políticas públicas e infraestruturas, até o posicionamento da sociedade frente os novos desafios e quebras de paradigmas na utilização do carro e dos combustíveis fósseis. Seu principal problema encontra-se na rápida e desordenada urbanização que as cidades brasileiras apresentaram ao longo das décadas – sobretudo a partir de 1930 - no espraiamento e segregação socioespacial que aumentou ainda mais as distâncias e tempos de deslocamento entre trabalho e moradia (por exemplo), na escolha do veículo automotor individual como modal prioritário da vida urbana, entre tantos outros que trazem à tona a relevância em se discutir essa questão. A definição pragmática de mobilidade urbana trazida pelo MCidades (2004), nos diz que a mesma está associada à circulação de bens e pessoas, correspondendo às necessidades de deslocamento de cada indivíduo e as respostas destes frente a isto. Para tanto, o esforço do deslocamento pode ser direto (deslocamento a pé), não-motorizado (bicicletas, carroças etc.) ou motorizado (coletivo ou individual).

 

No entanto, é preciso considerar a mobilidade urbana como algo que vai além dos transportes e modos de locomoção. Segundo Cocco (2017) a mobilidade está associada às políticas que abarcam os transportes, estendendo-se para as questões de uso do solo, proximidade entre lugares, integração etc. A bicicleta, especificamente, pode se enquadrar como uma forma de mobilidade urbana ativa, considerada como um eixo da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), que trata de uma maior ênfase dos modos coletivos e não-motorizados de deslocamento. De acordo com Neri, Filho e Savi (2016), em cidades médias, onde as viagens se caracterizam por serem mais curtas, a bicicleta é um meio de grande potencial nos deslocamentos urbanos, auxiliando uma grande parcela da população diariamente. Além disso, para distâncias de até 8 km, o tempo de deslocamento se assemelha muito ao de um carro. Dentro deste contexto, além de ser o veículo mais utilizado do mundo, representa uma das soluções que as cidades têm buscado para o problema da circulação e do trânsito. Neste cenário, sua utilização como meio de transporte, pode ser entendida como um ato político necessário ao debate sobre os modos de locomoção no meio urbano, sobre a humanização e equidade dos espaços, sobre o papel que cada modal representa e a quem eles devem servir. Nosso trabalho escolheu como objeto de análise a mobilidade por bicicleta, no entanto, é preciso entender que esta discussão não deve ser feita senão no âmbito de integração entre os modais disponíveis em determinada localidade - no nosso caso, o recorte espacial é o município de Maringá-PR.

 

Esta cidade, nasceu sob a lógica da colonização planejada do norte paranaense, que se deu inicialmente pela companhia inglesa Paraná Plantations Ltd e, desde sua concepção, as ações dos agentes produtores do espaço urbano estiveram presentes de modo muito intenso, especialmente na forma da especulação imobiliária impulsionada por ações do Estado. Em parte, esta característica de empreendimento imobiliário é o que implica a maneira como se desdobrou o planejamento urbano municipal em suas várias nuances, com a advento de leis, políticas públicas e infraestruturas que vêm - não raramente - ao encontro de interesses privados. Apesar de ser uma cidade moderna e planejada, com grande potencial de integração e diversificação de modais, ainda segue a velha lógica do carro como meio de transporte primordial, sendo pensada para este fim desde o primeiro esboço de plano durante a década de 1940. Suas avenidas largas e arborizadas, com amplas faixas de circulação e canteiro central com espaço suficiente para a implantação de ciclovias, receberam, antes de qualquer outra medida, um sistema binário (composto de vias de mão única e sincronização semafórica chamada de “onda verde”), confirmando mais uma vez, o usuário do modo privado de locomoção como centro dos investimentos públicos. Orgulhosa de ser uma cidade cujas instituições públicas e privadas se debruçam sobre planos estratégicos numa projeção de décadas à frente, o Plano de Mobilidade, determinado pela Política Nacional de Mobilidade Urbana - PNMU, ainda está em fase inicial de discussão em Maringá, mesmo que o terceiro prazo de prorrogação tenha finalizado em abril de 2019.

Partiu-se, portanto, da hipótese de que o município de Maringá teve, ao longo de sua história, decisões determinantes no que se refere ao planejamento urbano, sobretudo na questão da mobilidade e bicicleta como eixo central. Dessa forma, procurou-se responder ao seguinte questionamento: Qual a relação da dinâmica de mobilidade urbana do município de Maringá, seu processo de organização espacial e a atuação dos principais agentes produtores e modificadores do espaço urbano (com destaque para os agentes imobiliários e o Estado), que inviabilizam a constituição de uma matriz de transporte diversificada e acessível, e priorizam o automóvel (carros e motos) e deixando modos ativos, como a bicicleta, fora desses planos?

 
 

PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO MARINGAENSE

 

A produção do espaço urbano maringaense, está inserido dentro do contexto global e nacional, e obedece tanto às dinâmicas externas quanto os ciclos internos e os pactos de poder que fazem parte da Dualidade Básica brasileira defendida por Rangel (2005a). Dessa forma, a formação de seu território foi influenciada por fatos históricos como a II Grande Guerra, a Crise de 1929 e, dentro do Brasil, pela Revolução de 30 e as políticas nacional desenvolvimentistas de Getúlio Vargas. A questão dos transportes e da mobilidade urbana também foi influenciada por estas políticas, uma vez que se pretendia uma integração do território nacional através da confecção de malha viária representada antes pelas ferrovias e depois pelo rodoviarismo.

 

No caso de Maringá, o mesmo traçado ferroviário que deu origem ao plano inicial da cidade, foi aquele que trouxe o asfalto obedecendo a uma lógica do capital que construía cidades voltadas para o carro. Acompanhou também uma lógica tecnocrática baseada em planos e planejamentos que seguiram inicialmente as “cidades-jardins” europeias, mas, que logo se perderam para um crescimento populacional acelerado. Os principais planos diretores e legislações urbanísticas que fizeram parte da história maringaense, basearam-se não raramente nos interesses de agentes privados, sobretudo do capital imobiliário. Trazendo à tona decisões que beneficiaram determinadas classes em detrimento de outras, afastaram a pobreza das vistas de seus parques urbanos bem desenhados e, demandaram por mais transportes neste processo segregativo.

 

Com base nas formas e estruturas urbanas, implantadas ao longo do tempo, problemas como a violência no trânsito, já atingiram números maiores do que a capital paranaense, em termos relativos. A questão dos acidentes de trânsito, se analisadas sob o ponto de vista da quantidade de acidente/habitante, ultrapassa as duas maiores cidades do Estado: Curitiba e Londrina. Dessa forma, se as políticas de priorização da mobilidade continuarem voltadas para os veículos automotores individuais, como foi desde o início, teremos uma cidade média com características de metrópole, pelo menos no que se refere ao trânsito e à mobilidade.

 

Dados do Detran-PR (2019) apontam que entre 2008 e 2018 houve um aumento de 64,60% da frota de veículos na cidade[1], aumento este que continua a cada semestre e representa centenas de milhares de veículos em uma década. Nesse panorama, Maringá encontra-se com um dos maiores índices de habitantes por veículo do Estado (1,57 habitante/veículo contra índice do Paraná que é 1,32 habitante/veículo). A crescente quantidade de carros, deve-se a uma diversidade de fatores, dentre eles: às isenções fiscais sobre tal modalidade adotado pelo governo Lula em 2008 (Gráfico 1) para estimular a economia nacional num momento de crise internacional, aumento da renda e de crédito, preço equilibrado dos combustíveis, aumento do crédito, oligopolização e monopolização do transporte público com a formação de cartéis, implementação do Programa Proálcool e dos automóveis Flex. Estes fatores combinados, facilitaram a obtenção de veículos automotores por camadas da sociedade que antes não tinham acesso, mas, não previu de forma significativa o impacto do inchamento das vias que se agravaram sem a adoção de políticas de controle e fiscalização, como previu Maricato (2011) no trecho a seguir:

 

Melhoras sociais podem impactar significativamente o modo de vida urbano. O aumento do desemprego, fonte de muitos problemas sociais, é fatal para as cidades. As políticas macroeconômicas impactam a sociedade e o território. Para dar um exemplo, o comemorado aumento da produção de automóveis no Brasil em 2008 e 2010 - e consequentemente o aumento do PIB - tende a ser desastroso para as cidades. (p. 77)

 

O gráfico ainda nos aponta o número de licenciamentos total e de automóveis no Brasil de entre 1957 e 2019, indicando que nos anos de 2008 a 2012 (política de IPI reduzido e aumento de renda), houve um salto significativo na venda desses bens em nível nacional. No entanto, o índice relativo de crescimento de carro por habitante na cidade de Maringá, não demonstrou uma diferenciação tão acentuada entre as políticas dos governos FHC e Lula (Tabela 1). No primeiro deles, o poder de compra da classe média foi estimulada pela valorização do real e, uma vez que a presença dessa camada social é muito forte em Maringá, a obtenção de veículos ocorreu de forma mais ou menos intensa. No governo Lula, este poder de compra se estende para outras camadas da população, sendo maior o consumo de carros do que na gestão anterior, mas, não tão acentuada como no caso nacional.

 

Gráfico 1 – Licenciamento anual de automóveis no Brasil de 1957 a 2019.

Fonte: ANFAVEA, 2019.

Elaboração: BARBIERO, L., 2019.

Tabela 1 – Índice de crescimento do número de carros nos diferentes governos 1995-2018.

Fonte: IBGE Cidades / DETRAN-PR.

Elaboração: BARBIERO, L., 2019.

 

Obviamente, dar acesso amplo a uma classe social antes desprovida de condições de obter um dado bem, no caso o automóvel, não é o problema da mobilidade, afirmar isso, seria relacionar a manutenção da pobreza com a solução para os problemas urbanos. Segundo o documentário Mobilidade Urbana (2012), se comparado com as principais cidades dos Estados Unidos e Europa, o número de carros no Brasil é muito menor, ainda que os inúmeros problemas que circundam esta escolha sejam maiores e mais danosos. Ou seja, não se trata apenas de quantidade de carros, mas, sobretudo da qualidade das vias, sua capacidade de abarcar a maior quantidade de modais compartilhando seu espaço, a escolha correta do modal a ser priorizado e o uso racional dos veículos automotores.

 

MOBILIDADE POR BICICLETA EM MARINGÁ-PR

 

Apesar das questões apresentadas sobre mobilidade por bicicleta, temos também críticas ao modelo, no sentido de entender que existem diferenças entre aquele grupo de “privilegiados”, que segundo Monteiro (2019b) geralmente compõem o conjunto de cicloativistas das cidades e, utilizam a bicicleta como opção, e, àqueles que em sua dissertação ele categoriza como os que utilizam-na como única opção. Ou seja, locomover-se de bicicleta pela cidade para uns pode ser motivado como uma alternativa ao estresse do trânsito (bicicleta como opção) enquanto para outros, representa o meio mais barato de se locomover “e o valor economizado do petróleo garante a mistura do jantar” (MONTEIRO, 2019a, p. 32). A distinção está, quase sempre, na classe social à qual pertencem e, se a escolha de transitar de bicicleta pertence à uma decisão política, social ou econômica.

 

É importante salientar que as análises presentes neste trabalho, dizem respeito às condições apresentadas pelo município de Maringá em termos de clima, tempo de deslocamento, distâncias percorridas, relevo, entre outros. Estando assim em acordo com as potencialidades estudadas para este espaço urbano. No entanto, entendemos que a mesma conjuntura pode não ser tão facilitada em outras realidades geográficas, estando condicionadas a diversos fatores. Em metrópoles como São Paulo-SP e Rio de Janeiro-RJ, por exemplo, não se pode pensar na utilização da bicicleta sem refletir igualmente na integração com outros modais, uma vez que as distâncias percorridas são mais longas e, somente o transporte por bicicleta, pode não ser suficiente para se alcançar o destino desejado. Outros locais como Florianópolis-SC, com relevo acidentado e barreiras físicas e naturais, por vezes intransponíveis, também existe dificuldade em se utilizar a bicicleta como único modal. De acordo com Pezzuto (2002), nestes casos, o transporte cicloviário pode ser uma boa alternativa para a diminuição do número de carros, no entanto, deve ser conectado a outro modal, o que aumenta seu raio de atuação.

 

A discussão sobre mobilidade em Maringá, perpassa por uma série de questões atuais, que envolvem a revisão do Plano Diretor para os próximos 10 anos (2020-2030), a implantação do Plano de Mobilidade Urbana (em fase de assinatura de contrato licitatório) e a adoção de políticas que visem amenizar os problemas de trânsito que tem se mostrado cada vez mais acentuados, sobretudo, com relação à violência.

 

Por ser uma cidade média, com distâncias reduzidas entre um destino e outro; relativamente plana que num raio de 8 km pode-se percorrer quase todo o eixo de comércio e serviços principais (NERI, 2012); com avenidas e canteiros centrais largos, que podem comportar facilmente estruturas cicloviárias e; mais uma série de fatores, a bicicleta poderia ser melhor aproveitada como modo de transporte. No entanto, não é o que acontece.

 

Os automóveis têm crescido em quantidade e utilização, enquanto o transporte público coletivo e demais formas de locomoção perdem usuários a cada ano que passa. Sobre isto, o debate que se faz é a respeito do novo terminal intermodal e sua real funcionalidade e das possibilidades de taxa zero para o transporte público, para que se torne novamente uma opção viável para a população.

 

Defendemos que a questão central sobre mobilidade em Maringá hoje, precisa ser focada em decisões políticas no sentido de amenizar a questão da violência no trânsito, visto que Maringá, não necessariamente apresenta grandes congestionamentos, como nas grandes cidades. No entanto, o número de acidentes e mortes em decorrência do trânsito são relativamente maiores que as médias do Paraná e do Brasil, em muitos casos.

 

CICLOVIAS E CICLISTAS EM MARINGÁ

 

O número exato de ciclistas para a cidade de Maringá não foi passível de ser levantado em nenhum órgão local ou regional, uma vez que, por não possuírem registro, é difícil fazer o controle do número de bicicletas existentes e mais difícil ainda, daquelas que são efetivamente utilizadas. Nacionalmente, temos a estimativa de 70 milhões de unidades de acordo com a Abraciclo (2019).

 

Na cidade de Maringá, algumas iniciativas têm sido desenvolvidas no âmbito político para a viabilização desse tipo de mobilidade alternativa. Um exemplo, é a implantação de um terminal intermodal, que promete abarcar vários meios de transportes, integrando-os de forma sistemática. Dados da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana de Maringá (SEMOB, 2019), confirmam a existência de uma malha cicloviária (ciclovias e ciclofaixas) de aproximadamente 37 quilômetros, sendo que 3,2 quilômetros estão em execução e mais de 14 quilômetros em fase de estudo/projeto (Figura 1).

 

O fato é que as políticas voltadas pela mobilidade por bicicleta são muito recentes e abarcam mudanças nos paradigmas nacionais trazidos tanto pela instauração do Ministério das Cidades, quanto do Estatuto da Cidade e as demais políticas que surgiram desse ideal. A evolução na produção de malha cicloviária dentro de Maringá, só ganha força de fato a partir de 2008.

 

Figura 1 - Mapa de Ciclovias de Maringá

Fonte: SEMOB, 2019.

A bicicleta dentro do Plano Diretor de Maringá parece estar em discussão na atualização do mesmo, em conjunto com a possível elaboração do PlanMob do município que, embora esteja licitado, não tem contrato assinado por parte do poder público. Este seria um fator que poderia mudar os prognósticos que temos até agora sobre este modal.

 

Segundo os questionários aplicados em 2018, temos um perfil de ciclista maringaense muito diversificado em muitos aspectos, com predominância de homens entre 21 e 35 anos. A falta de respeito dos condutores de veículos automotores, sobretudo carros, é o maior problema enfrentado por eles na condução de bicicleta em Maringá, seguido da falta de infraestrutura cicloviária, ainda que esta tenha aumentado desde 2008.

 

NOTA:

[1] A frota de veículos é representada pela totalidade de automóveis, caminhões, ciclomotores, motocicletas, ônibus, reboque, entre outros. Em dezembro de 2008 a frota maringaense cadastrada no Detran-Pr era de 203.660 veículos, em 2018 este número alcançou 315.352 veículos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRACICLO. Associação Brasileira dos fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e similares. Estatísticas de bicicletas. 16 de outubro de 2019.

COCCO, Rodrigo Giraldi. Transporte Público e Mobilidade na Região Metropolitana de Florianópolis. Florianópolis: Insular, 2017. 378 p.

DETRAN (PR) – Estatísticas de Trânsito. Disponível em: <http://www.detran.pr.gov.br/modules/catasg/servicos-detalhes.php?tema=veiculo&id=191>. Acessado em 21/11/2018.

MARICATO, Ermínia. O impasse da política urbana no Brasil. Petrópolis: RJ, Editora Vozes Limitada, 2011.

MCIDADES - Ministério das Cidades – Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável. Coleções Especiais - Caderno 6, novembro, 2004. Disponível em: <http://www.ta.org.br/site/banco/7manuais/6politicanacionalmobilidadeurbanasustentavel.pdf>. Acessado em 21/11/2018.

MOBILIDADE URBANA. Direção: Rodrigo Furukawa. Argumento e Roteiro: Camila Nastari. Produção: Ana Cláudia Colagrande. São Paulo: BDT Planejamento e Comunicação, 2012. 5 vídeos (130 min.). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=7UvsvdXObcI&list=PLQ6ZmSBKqdz98JA_8pIUN5L6Ck36pxkXA> Acesso em 31/10/2018.

MONTEIRO, Felipe Violi. Cartografias em trânsito: A mobilidade de bicicleta pela cidade. [Dissertação de Mestrado]. Programa de Pós-Graduação em Administração (PPA) - Universidade Estadual de Maringá. Maringá: Paraná, 2019a.

MONTEIRO, Felipe Violi. Entrevista concedida a Laís Barbiero. Maringá, 1 de agosto de 2019b. [Doutorando no programa de Pós-Graduação em Administração (PPA) pela Universidade Estadual de Maringá. Coordenador Geral da Ciclonoroeste].

NERI, Thiago B. Proposta metodológica para definição de rede cicloviária: um estudo de caso de Maringá. 2012. Dissertação (mestrado)-Universidade Estadual de Maringá, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana.

NERI, Thiago B.; FILHO, Solano H. B.; SAVI, Elise. A pesquisa com ciclistas como suporte ao planejamento cicloviário: Estudo em Maringá/PR, Brasil. Pluris 2016. 7º Congresso Luso Brasileiro para o Planejamento Urbano, Regional, Integrado e Sustentável - Contrastes, Contradições e Complexidades. Maceió: Recife, 5 a 7 de outubro de 2016.

PEZZUTO, C. C. Fatores que Influenciam o Uso da Bicicleta. Dissertação (Mestrado em Engenharia Urbana), Universidade Federal de São Carlos. São Carlos/SP, 2002.

RANGEL, Ignácio. Obras Reunidas de Ignácio Rangel. Rio de Janeiro: Contraponto, v. 1, 2005a.

SEMOB - Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana de Maringá. Ciclovias existentes / em execução / em projeto. Prefeitura Municipal de Maringá. Disponível em: <encurtador.com.br/opwNO>. Acesso em 24/06/2019.

Tags: AcessibilidadeBicicletaCicloativismoCicloviasMaringáMobilidade urbanaTransporte em Maringá

Educação e violência no trânsito em Aracaju (SE): algumas considerações

18/07/2018 13:00

Os acidentes de trânsito representam uma das principais causas de lesões corporais e óbitos no Brasil e em vários países, além de resultarem em altos custos sociais, tanto às vítimas quanto aos seus familiares e ao Sistema Único de Saúde (SUS). Sua ocorrência está relacionada, na maioria das vezes, a atitudes dos motoristas e pedestres que elevam os riscos, mas também se relacionam às inadequadas condições das vias de tráfego (infraestrutura e sinalização deficientes).

 

A violência no trânsito no estado de Sergipe provocou um impacto econômico de R$ 1,7 bilhão em 2017, representando 4% do produto interno bruto (PIB) estadual. Essa foi a perda da capacidade produtiva causada por acidentes que mataram 466 pessoas e deixaram outras 789 com invalidez permanente. O valor corresponde ao que seria gerado pelo trabalho das vítimas caso não tivessem se acidentado.

 

No que tange à legislação de trânsito, pode-se considerar que o Brasil apresenta uma situação adequada em comparação a outros países. Contudo, há ainda dificuldades na fiscalização e uma sensação de impunidade com relação à penalização de motoristas que provocam acidentes graves em função de negligência, ingestão de álcool e drogas ou comportamento perigoso no trânsito, como o excesso de velocidade. A justiça brasileira tende a aplicar penas pouco proporcionais aos danos causados às vítimas, mesmos que esses indivíduos tenham assumido o risco de produzir acidentes graves, sendo isso mais evidente quando se trata de pessoas de renda elevada (políticos, empresários, magistrados etc.).

 

A infraestrutura deficiente que caracteriza grande parte das cidades do país e, principalmente o espaço urbano de Aracaju/SE, é um fator que também contribui para a elevação do número de acidentes em geral, sendo resultado da falta de planejamento e do crescimento desordenado das cidades brasileiras, especialmente daquelas que fazem parte de regiões metropolitanas. Ademais, o aumento da frota veicular, juntamente a falta de maiores inversões no transporte público e na mobilidade urbana, resultaram na intensificação dos acidentes de trânsito no território nacional, pois historicamente o poder público privilegiou o transporte individual em detrimento do coletivo (imagem 1).

 
 

Imagem 1: Congestionamento na Avenida Gonçalo Rolemberg Leite (Aracaju/SE), 2018.

Fonte: os autores, 2018.

 
 

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a cada ano morrem, aproximadamente, 1,2 milhão de pessoas por causa da violência no trânsito e mais de 50 milhões sofrem lesões em todo o mundo. Por causa dos dados alarmantes, a ONU estipulou de 2011 a 2020 a década mundial de ações de segurança no trânsito, com foco, sobretudo, nos países em que os índices de acidentes são elevados, como China, Índia, Brasil, África do Sul, México e outros.

 

Em relação às principais causas de acidentes de trânsito em Aracaju/SE, têm-se: excesso de velocidade, embriaguez e uso de drogas, atravessar o sinal vermelho do semáforo, veículos individuais transitando nos corredores exclusivos de ônibus, condutores de veículos que desrespeitam a faixa de pedestres, veículos que estacionam em áreas não permitidas, ultrapassagem em local proibido, “buracos” e problemas nas vias, sinalização deficiente, falta de manutenção dos veículos, conversões em pontos proibidos, veículos na “contramão” das ruas, entre outros.

 

Os acidentes de trânsito no Brasil incluem diferentes tipos de vítimas, como pedestres, ciclistas, motociclistas, automóveis, veículos pesados, ônibus e outros modos de transporte (animal, trem, bonde, veículo especial etc.). Paralelamente às medidas de educação e melhoria da estrutura viária, outras ações são relevantes, como a fiscalização efetiva, rigor nas penalidades, proibir de dirigir os condutores que desrespeitam a sinalização e as leis de trânsito e geram acidentes graves, estratégias para estimular o uso do capacete pelos motociclistas (a não utilização desse equipamento obrigatório é frequente em Aracaju/SE e nas demais cidades sergipanas), maior controle para mitigar o número de pessoas que dirigem sem habilitação (sobretudo os jovens), evitar o transporte inadequado de crianças nos veículos (sem a devida proteção), valorizar o uso do cinto de segurança, entre outros.

 

O aumento da frota veicular e os investimentos insuficientes no transporte público devem ser considerados para entender a dinâmica dos acidentes em Aracaju/SE, em Sergipe e no Brasil. O crescimento econômico brasileiro, sobretudo entre 2003 e 2013, o incremento das classes médias, a expansão do crédito e dos financiamentos, o aumento relativo da renda e outros, criaram condições que estimularam a aquisição de motocicletas e automóveis pelas pessoas e, assim, acabaram gerando reflexos importantes no espaço urbano, com destaque à dificuldade de mobilidade (gráfico 1).

 

Gráfico 1: Frota de ciclomotores, veículos (automóveis) e ônibus no estado de Sergipe, 2006-2015 (porcentagem).

Fonte: Denatran, 2016.

 
 

A partir de 2010, observa-se um declínio de 2,3 pontos percentuais nos veículos e, neste mesmo período, um aumento de 2,4% dos ciclomotores. Com relação aos ônibus, verifica-se que pouco foi investido na ampliação dos mesmos, uma vez que entre 2006 e 2015 se manteve abaixo de 2% da frota veicular total, o que impacta e explica a reduzida mobilidade urbana em Aracaju/SE e em outras cidades sergipanas (gráfico 1).

 

No município de Aracaju/SE houve um crescimento considerável da frota de automóveis e ciclomotores na última década, elucidando uma pressão maior por mobilidade e acessibilidade no espaço urbano. Por conseguinte, as vias que apresentaram os maiores índices de acidentes na capital sergipana nos últimos anos são aquelas de fluxo diário mais intenso (tabela 1).

 

A avenida Tancredo Neves é a primeira do ranking de acidentes em Aracaju/SE, porém a avenida General Euclides Figueiredo destaca-se por apresentar um acréscimo de 38,46% de 2014 para 2015, a avenida Augusto Franco não apresentou variação e as demais reduziram em relação ao ano anterior (tabela 1). Alguns fatores explicam a queda dos acidentes em algumas vias públicas, caso da maior fiscalização (implantação e funcionamento de radares eletrônicos em pontos estratégicos) e os resultados positivos das campanhas educativas. Entretanto, ainda são elevados os índices apresentados, com destaque aos acidentes e óbitos de pessoas do sexo masculino.

 

Diante desse contexto, é fundamental que a “Educação para o Trânsito” seja um conteúdo obrigatório nos currículos escolares, pois isso amplia o entendimento do significado conceitual de trânsito, bem como a conscientização das pessoas sobre a temática, de modo a permitir o arrefecimento dos índices de mortes e/ou gravidades dos acidentes. Tal proposta se baseia nas ações adotadas por vários países desenvolvidos nas três últimas décadas, caso do Japão, da Alemanha e outros. É importante considerar também que não se pode pensar em trânsito apenas como ato de “ir e vir”, mas como um processo de ocupação do espaço pelos indivíduos.

 

A educação voltada ao trânsito deve estar presente nos níveis pré-escolar, fundamental, médio e superior, entretanto, é necessário um trabalho coletivo, com a participação de toda a sociedade, para que possamos obter resultados mais expressivos com a construção de um trânsito mais seguro. O desenvolvimento urbano e a reprodução social estão relacionados não somente à mobilidade urbana e ao fomento do transporte público, mas também é relevante reduzir de maneira significativa a violência no trânsito, notadamente os acidentes mais graves.

 

Todavia, em Aracaju/SE, no estado de Sergipe e no Brasil, além da insuficiência de recursos e ações efetivas, não há uma continuidade do planejamento, das políticas públicas e das estratégias voltadas a tornar o trânsito mais seguro, assim como melhorar a conscientização por parte das pessoas (motoristas, ciclistas e pedestres). Estas ações, em grande medida, são periódicas (sazonais), o que é pouco considerando a realidade brasileira. Dentre elas, destacam-se a Semana Municipal de Trânsito, a Semana Nacional de Trânsito e o Movimento Internacional Maio Amarelo.

 

Para melhorar as condições do trânsito brasileiro são necessárias ações integradas e intersetoriais, envolvendo o poder público, a iniciativa privada e a sociedade em geral. É preciso somar esforços com vistas à redução dos acidentes, com continuidade ao longo do tempo. Nesse sentido, é importante haver uma articulação eficiente entre os setores da educação, saúde, justiça e segurança pública na criação e implantação de ações de prevenção, bem como a capacitação de profissionais das diversas áreas para atuarem, direta ou indiretamente, no enfrentamento do problema.

 

Ações qualificadas e permanentes são fundamentais para arrefecer significativamente o problema da violência no trânsito a médio e longo prazos em Aracaju/SE, no estado de Sergipe e no Brasil, como a existência de mais projetos e recursos financeiros, educação voltada ao trânsito como prioridade (presente nas escolas e universidades), políticas públicas que valorizem a informação (em jornais, rádios, televisão, internet etc.), fiscalização adequada e punição, melhoria das condições viárias (sinalização, asfaltamento, infraestrutura etc.), expansão e modernização do transporte público (maior abrangência espacial, conforto, segurança e intermodalidade), entre outros.

 

O problema da violência no trânsito tem que ser enfrentado com eficiência no Brasil, pois os reflexos negativos atingem diretamente os acidentados (danos físicos e psicológicos), seus familiares e o Estado, considerando os altos custos financeiros envolvidos no tratamento e na recuperação. Dessa maneira, a educação para o trânsito pode e deve desenvolver atitudes e comportamentos adequados no meio social, resultando em redução da violência e valorização da vida.

Tags: AcessibilidadeAracajuEducação no trânsitoMobilidade urbanaTransporte PúblicoTransportes

Interações espaciais e a questão do transporte público: proposições nos municípios da Região Metropolitana de São Luís (MA)

27/03/2018 13:00

Nos últimos anos, o transporte foi alvo de problemas de deslocamento à medida que as cidades crescem e as empresas e o poder público não conseguiram atender à população com a mesma capacidade. As cidades cresceram, predominantemente, por meio de ocupações desordenadas, incentivadas pela industrialização e próximos aos conjuntos habitacionais para garantir oportunidades de emprego. As referidas ocupações não dispõem de equipamentos urbanos, infraestruturas adequadas e vias de acesso ao transporte coletivo, implicando na restrição de acesso aos serviços essenciais e a mobilidade.

 

Vários indicadores mostram que crescimento populacional é acompanhado pelas altas demandas de mobilidade. Segundo os dados do censo demográfico do IBGE (2010), no Brasil diariamente 5.924.107 trabalhadores (9,61%) levam mais de uma hora até duas horas para o deslocamento e 1.093.910 trabalhadores (1,78%) levam mais de duas horas para o deslocamento. Então pode-se dizer que 11,40% dos trabalhadores levam mais de uma hora para o deslocamento, isso equivale a 7.018.017 trabalhadores. Os dados não exibem custos de transporte, as condições de conforto e atrasos no serviço que diariamente registra problemas com a mobilidade casa-trabalho.

 

O transporte público é um serviço que atende aos diversos segmentos sociais, sendo fundamental no processo de desenvolvimento econômico e acesso à população aos serviços essenciais para potencializar a força de trabalho e reduzir o custo de circulação. Os trabalhadores que utilizam esse meio de transporte necessitam se deslocar diariamente para irem de casa ao trabalho e trajeto contrário. No entanto, os usuários possuem desigualdades no tempo de deslocamento devido às iniquidades da reprodução social, cujas referências são os que foram expulsos da área central ou moram em áreas distantes do serviço (COCCO, 2011a).

 

Em São Luís, a frota de automóveis cresceu entre 2005 a 2015 cerca de 282%, enquanto entre 2000 e 2010 a população do referido município cresceu 11,6%, o que significa que a frota cresceu mil vezes em relação à população. A frota de motocicleta em 2005 era de 17.641 e, em 2015, chegou a 91.410, o que representou um acréscimo de 618% (BRASIL, 2017; BRASIL, 2013). O crescimento da frota de automóveis em São Luís é maior do que em outros municípios da Ilha do Maranhão (São José de Ribamar, Raposa e Paço do Lumiar), assim como o crescimento populacional.

O crescimento populacional da Ilha do Maranhão causou problemas relacionados à acessibilidade, ao deslocamento e ao transporte. Neste cenário, tornam-se urgentes as políticas públicas locais e em escala regional para melhoria da eficiência e qualidade do transporte público próximo aos locais de moradia, além de geração de equipamentos urbanos próximos ao residente (comércio, loja, supermercado, escola, hospital entre outros) (MIRALLES-GUASCH, 2014; MIRALLES-GUASCH E MARQUET SADA, 2013).

 

A expansão imobiliária acompanhada pelo espraiamento urbano (FERREIRA, 2014; VILLAÇA, 2001; CORRÊA, 1989b), dificultam a acessibilidade e mobilidade cotidiana dos usuários de transporte público. São Luís, cidade maranhense que apresenta mais equipamentos de consumo coletivo, atrai grandes fluxos em direção ao trabalho. A produção automobilística e o crescimento urbano – resultado de inovações tecnológicas – promoveram ampliações do deslocamento em áreas distantes. No entanto, o aumento no número de automóveis levou a perdas de tempo nos congestionamentos no transporte público e automotivo (COCCO; SILVEIRA, 2011b). As dificuldades do trabalhador, devido à incompatibilidade do turno de trabalho e o horário de chegada, levam a perda de emprego.

 

Podemos observar na tabela a oferta de viagens dos ônibus durante o período analisado (2015). Na bacia do São Cristóvão apresenta baixo IPK, com a maior quantidade de passageiros transportados. Os ônibus enfrentam congestionamentos e possuem grande quantidade de frota, o que torna o ciclo de viagens intenso, aumentando o tempo de utilização dos veículos, e consequentemente o desgaste dos mesmos. A baixa renovação da frota afeta a confiabilidade do serviço, com aumento das interrupções de viagens por causa de problemas mecânicos. Isso prejudica o tempo de viagem aos usuários que utilizam o serviço e muitas vezes aguardam o próximo ônibus para seguir viagem na redução do tempo, conforto, segurança e IPK.

A situação acima descrita demonstra a necessidade urgente de investimentos em sistema de transporte e na sua licitação. A licitação do sistema de transporte urbano (município de São Luís) foi homologada em junho de 2016 e as vencedoras assinaram o contrato em setembro de 2016. A partir então, ocorreram investimentos na renovação da frota e adequação das linhas nos lotes definidos pela Prefeitura de São Luís. A licitação do sistema semiurbano (demais municípios integrantes da RMGSL) está em curso e será lançado em 2017. O referido processo ainda precisa avançar, pois é preciso investimentos em corredores de transporte e na eficiência do tempo de deslocamento para reduzir tempo e custo, aumentar a segurança e conforto dos usuários de transporte e garantir competitividade frente aos outros modos de transporte.

 

Em São Luís, por exemplo, 31% dos trabalhadores realizam o deslocamento casa-trabalho diariamente segundo dados do censo demográfico do IBGE (2010). Podemos perceber que, nos outros municípios da Ilha do Maranhão, identifica-se tempos de deslocamento bastante expressivo entre 6 min a 1 hora, sendo o número de deslocamento elevado. Com a finalidade de acessar tais serviços como compras, lazer e escola, os deslocamentos são longos e demorados. O município de Paço do Lumiar, com 30% dos trabalhadores, é o que apresenta o tempo de deslocamento expressivo cerca de 40% entre 30 minutos a 1 hora e 23% entre 1 hora até 2 horas, enquanto que 29% é entre 6 minutos a 30 minutos, 6% até 5 minutos e 2% com mais de 2 horas. São José de Ribamar é o município que apresenta o segundo maior tempo de deslocamento, sendo que em 17% dos casos, consome-se entre 1 hora até 2 horas, 38% em 30 minutos até 1 hora, 36% em 6 a 30 minutos. Raposa possui o terceiro maior tempo de deslocamento, sendo que 16% em 1 hora até 2 horas, 32% em 30 minutos a 1 hora, 35% em 6 minutos a 30 minutos e 12% em até 5 minutos. Em São Luís, 114.166 (36%) levam mais de meia hora até uma hora, acompanhado de 39.204 (12%) entre uma hora e duas horas e 5.428 (2%) levam mais de duas horas.

 

Os problemas do transporte coletivo na cidade de São Luís e por extensão na região metropolitana por ela polarizada, são praticamente os mesmos de outras aglomerações urbanas que cresceram de forma acelerada e o poder de gestão não monitorou a demanda por esse serviço e particularmente não se preocupou com o necessário planejamento. Com efeito, os usuários que têm baixo poder aquisitivo e que não dispõem de veículo particular se deparam com demora nos pontos de parada, ônibus cheios e frota envelhecida etc., o que é agravado por que não há outra opção, a exemplo de trem de superfície e metrô. A situação só não é mais grave tendo em vista que ante a precariedade desse serviço, algumas pessoas ofertam veículos “lotação”, vans e moto-taxi, o que iniciou na Área Itaqui-Bacanga e mais recentemente se estendeu para Cidade Operária e adjacências, bem como para as sedes dos municípios de Paço do Lumiar, Raposa e São José de Ribamar e conjuntos habitacionais do Programa Minha Casa, Minha Vida.

 

Quando o planejamento do serviço de transporte público estiver de forma adequada, tal qual preveem os projetos, garantirá a continuidade das interações espaciais com mais eficiência, menor tempo e custo. No entanto, há dificuldades na esfera político-econômica, social e cultural que torna um empecilho para expansão dos investimentos. Dentre eles tem o ambiente construído dessas obras como limitador de alargamento e expansão, causando custos e indenizações. Tais intervenções objetivam maior precisão do cálculo tarifário, na estruturação das rotas, na confiabilidade do serviço em atrasos, maior segurança e conforto para os usuários.

 

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Érica Garreto Ramos; ESPÍRITO SANTO, José Marcelo do; TRINTA Patrícia. (Org.). Leitura urbana: São Luís: Prefeitura de São Luís/ Instituto da Cidade, 2014. (Versão provisória para análise).

BORGES, Rodrigo César Neiva. Definição de transporte coletivo urbano. Câmara dos Deputados, Consultoria Legislativa. Brasília, 2006. Disponível em <http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/1720>. Acesso em 12 maio 2016.

BRASIL. Constituição da república federativa do Brasil de 1988. Disponível <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 13 maio 2016.

______. DENATRAN. Estatística. Frota de Veículos. Disponível em: <http://www.denatran.gov.br/index.php/estatistica>. Acesso em: 21 jan. 2017.

______. Estatuto da cidade. Lei n° 10.257 de 10 de julho de 2001. Estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 21 set. 2014.

______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 27 out. 2016.

______. Política Nacional de Mobilidade Urbana. Lei N° 12.587 de 3 de Janeiro de 2012. Institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 12 jun. de 2012.

______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Brasília: IBGE, 2010. Disponível:<http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 27 out. 2013.

______. Instituto de Desenvolvimento e Informação em Transporte – ITRANS. Mobilidade e pobreza: relatório final. Brasília, 2004. <http://docplayer.com.br/7459626-Itrans-instituto-de-desenvolvimento-e-informacao-em-transporte-mobilidade-e-pobreza-relatorio-final.html>. Acesso 20 jan. 2017.

______. Ministério de planejamento. PAC 2. Disponível: <http://www.pac.gov.br/>. Acesso em: 28 fev. 2015.

CHEPTULIN, Alexande. A dialética materialista: categorias e leis da dialética. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982.

COCCO, Rodrigo Giraldi. Interações espaciais e sistemas de transporte público: uma abordagem para Bauru, Marília e Presidente Prudente. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia. Presidente Prudente, São Paulo, 2011a.

______. Interações espaciais e transporte público: proposições para a Grande Florianópolis/SC. In: 14° ENCONTRO DE GEÓGRAFOS DA AMÉRICA LATINA, Lima, Peru, 2013. <http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal14.html>. (Anais).

COCCO, R.; SILVEIRA, M. Interações espaciais, transporte público e estruturação do espaço urbano. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Local de publicação. Recife/PE. 12, set. 2011b. Disponível em: <http://unuhospedagem.com.br/revista/rbeur/index.php/rbeur/article/view/232>. Acesso em: 08 Ago. 2015.

______. Transporte público coletivo: acessibilidade e crise nas cidades do interior paulista. In: SILVEIRA, Márcio Rogério. Circulação, transportes e logística: diferentes perspectivas. São Paulo: Outras Expressões, 2011c. p. 553-579.

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS INDÚSTRIAS (CNI). Cidades: mobilidade, habitação e escala um chamado à ação. Brasília: CNI, 2012. Disponível em: <http://www.portaldaindustria.com.br/cni/publicacoes-e-estatisticas/publicacoes/2012/09/1,5580/cidades-mobilidade-habitacao-e-escala-um-chamado-a-acao.html >. Acesso em 13 jun. 2014.

CORRÊA, Roberto Lobato. A rede urbana. São Paulo: Editora Ática, 1989a. 96p.

CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Editora Ática, 1989b

CORRÊA, Roberto Lobato. Interações Espaciais. In: CASTRO, Iná Elias de. GOMES, Paulo César da Costa. CORRÊA, Roberto Lobato (Org.). Explorações geográficas: percursos no fim do século. 2. ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 279-314.

ESPÍRITO SANTO, José Marcelo. (Org.). São Luís: uma leitura da cidade. Prefeitura de São Luís/ Instituto de Pesquisa e Planificação da Cidade. São Luís: Instituto da Cidade, 2006.

FARIAS FILHO, Marcelino S. Atuação das elites regionais na configuração e “modernização” do espaço urbano de São Luís nas décadas de 1920-1930: a administração municipal de Octacílio Saboya Ribeiro. Monografia de Graduação em Geografia. Universidade Estadual do Maranhão, 2004.

FERREIRA, Antônio José de A. A produção do espaço urbano em São Luís do Maranhão: passado e presente; há futuro? – São Luís: EDUFMA, 2014. 154p.

LÖWY, Michael. Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista. 10. Ed. – São Paulo: Cortez, 1995.

MARANHÃO. Governo do Estado do Maranhão. Disponível: <http://www.ma.gov.br/>. Acesso em: 3 mar. 2016.

MARICATO, Ermínia. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

MARQUES, José Artur Cabral. Entrevista no Programa Avesso, TV Guará, em 14/04/2015. <https://www.youtube.com/watch?v=rk12kcbbpak>. Acesso em 21 jun. 2015.

MARQUES, José Artur Cabral. Entrevista no Programa Avesso, TV Guará, em 05/07/2016. <http://www.mob.ma.gov.br/acoes-da-mob-em-destaque-no-programa-avesso/>. Acesso em 13 abr. 2016a.

MARQUES, José Artur Cabral. Entrevista no Programa Avesso, TV Guará, em 13/12/2016. <https://www.youtube.com/watch?v=OpDVY3f1L7A>. Acesso em 19 dez. 2016b.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro 1: o processo de produção do capital; [tradução Rubens Endele]. – São Paulo: Boitempo, 2013.

MIRALLES-GUASCH, C. e MARQUET SADA, O. Dinámicas de proximidad em ciudades multifuncionales. CyTET Ciudad y Territorio, Estudios Territoriales, XLV(177). 2013, 503-512.

MIRALLES GUASH, Carme. La movilidad, los transportes y el territorio. Un triangulo liquido y multiforme. In: Anais do XIII Seminário Internacional RII VI Taller de Editores Rier. Salvador/BA, set. 2014.

SÃO LUÍS. Plano diretor de São Luís 1977. 2. impres. São Luís: SIOGE, 1977.

______. Prefeitura de São Luís. <http://www.saoluis.ma.gov.br/>. Acesso em: 16 abr. 2016.

VASCONCELLOS, Eduardo A. Transporte urbano nos países em desenvolvimento: reflexões e propostas.- 3. Ed. – São Paulo: Annablume, 2000.

VILLAÇA, Flávio. O espaço intra-urbano no Brasil. 2. ed. São Paulo: Studio Nobel; FAPESP: Lincoln Institute, 2001.

 

_______________________________

Juan Guilherme Costa Siqueira

Universidade Estadual do Maranhão- UEMA

Marcelino Silva Farias Filho

Universidade Federal do Maranhão- UFMA

Tags: AcessibilidadeMobilidadeMobilidade urbanaPlanejamento urbanoReforma urbanaTransporte Público