A modernização do transporte ferroviário de Cuba

31/12/2021 13:00

Por: Profº Dr. Nelson Fernandes Felipe Jr (UNILA)

 

Em 1837, Cuba foi o sétimo país do mundo e o primeiro da América Latina e Caribe a possuir o transporte ferroviário. Todavia, nos últimos trinta anos, houve uma precarização do serviço, principalmente porque desde a década de 1970 Cuba não recebia mais trens e locomotivas para operarem no sistema. A União Soviética enviou, nos anos de 1960 e 1970, algumas composições novas e, sobretudo, trens usados para serem utilizados no país caribenho. As ferrovias cubanas, desde os anos de 1990, são prejudicadas pela falta de manutenção e escassez de equipamentos modernos, como resultado da dissolução da União Soviética, da dificuldade de estabelecimento de novas parcerias tecnológicas e do embargo econômico/comercial dos Estados Unidos (SPUTNIK; vermelho, 2019).

Para mudar esse cenário, o governo cubano criou o Programa de Recuperação e Desenvolvimento do Meio de Transporte Ferroviário, que se estenderá até 2028. Como consequência desse projeto, a Russian Railways – empresa que controla as estradas de ferro na Rússia – firmou um contrato de US$ 1,98 bilhão com a União de Ferrovias de Cuba. A estatal russa será responsável por promover a ampliação e modernização da infraestrutura ferroviária no território cubano, com o objetivo de incrementar a circulação de passageiros e produtos e fomentar o desenvolvimento econômico. O projeto e o contrato firmado entre os países estabelecem que pouco mais de mil quilômetros de ferrovias serão modernizadas, além da criação de um centro de controle para gerenciar o tráfego ferroviário (SPUTNIK; vermelho, 2019).

Essas melhorias permitirão aumentar a segurança no transporte, elevar a velocidade, ampliar a abrangência espacial da rede ferroviária e otimizar o funcionamento do sistema (fluxos, horários, identificação e redução de erros de operação etc.). Outrossim, em 2019 e 2020, Cuba recebeu 160 novos vagões fabricados na China que estão em circulação para atender a demanda por transporte no país, especialmente na capital Havana, e essa frota será ampliada nos próximos anos (ALEKSÁNDROVA, 2019, 2020).

A aquisição dos novos vagões e locomotivas foi/é resultado de uma parceria com a China, assim, esse acordo prevê que o país asiático deverá produzi-los e também fornecer empréstimos para Cuba poder compra-los. A modernização e a operação das novas composições ferroviárias permitem aumentar a velocidade e diminuir o tempo das viagens. Cada trem possui capacidade para transportar 766 passageiros e existem diversas linhas que interligam cidades importantes, como Havana, Matanzas, Santiago de Cuba, Holguín e outras (SPUTNIK; vermelho, 2019).

Em 2018, o sistema ferroviário de Cuba transportou 6,1 milhões de passageiros e, a partir desse projeto, das parcerias com a Rússia e a China e os investimentos que serão realizados nos próximos anos, o governo cubano prevê que todas as obras estejam finalizadas até 2030. Além disso, há possibilidade de construção de uma linha ferroviária para circulação de trens de alta velocidade, conectando Havana ao balneário de Varadero (ALEKSÁNDROVA, 2019).

Os países da América Latina e Caribe apresentam pontos de estrangulamento nas infraestruturas e precisam avançar no processo de integração territorial, diante disso, é importante fomentar especialmente o modal ferroviário e a multimodalidade/intermodalidade. Em relação aos grandes projetos de infraestruturas na atualidade, destaca-se a Iniciativa Cinturão e Rota (também denominada de Nova Rota da Seda), em que o governo da China pretende investir mais de US$ 1 trilhão em infraestruturas na Ásia, Europa, Oriente Médio e África. O plano chinês iniciou-se em 2013 visando criar novas oportunidades de investimentos, impulsionar o comércio e o crescimento econômico, aumentar a fluidez e as redes intermodais, entre outros.

A China se destaca na expansão dos fixos no seu território e também em outros países. O desenvolvimento econômico chinês é resultado de vários fatores, como o planejamento estatal, os vultosos investimentos em infraestruturas econômicas e sociais (grandes projetos e obras, notadamente a expansão/modernização dos equipamentos e serviços de utilidade pública), o fomento da indústria, a agregação de valor e tecnologia na produção, a valorização da C&T, as empresas estatais estratégicas, os financiamentos e subsídios, entre outros.

A intensificação da inserção chinesa no comércio, nas parcerias e nos investimentos internacionais, bem como as mudanças na lógica produtiva e exportadora, são relevantes para compreender o dinamismo do país asiático. Ademais, a China vem ampliando as inversões e os acordos comerciais com os países periféricos, principalmente com nações da África e da América Latina e Caribe (caso da modernização do sistema ferroviário de Cuba). Assim, a China assegura o acesso às matérias-primas (importantes para a produção industrial), aumenta as possibilidades de investimentos das empresas estatais e privadas chinesas (energia, construção civil pesada, indústrias de média e alta tecnologia, mercado de ações etc.) e garante mercados consumidores para suas mercadorias, sobretudo manufaturas, têxteis, eletroeletrônicos, informática e bens de capital (JABBOUR, 2010).

Considerando o ambiente internacional de exacerbada competição, cujos efeitos se desdobram rapidamente na América Latina e Caribe, é necessário os países avançarem na integração territorial e nas parcerias estratégicas, valorizando a expansão das infraestruturas, a cooperação política, econômica, financeira e tecnológica, o incremento do comércio, a defesa dos interesses comuns das nações, entre outros. Entretanto, isso somente é possível com a existência de condições políticas favoráveis (o que não existe no Brasil desde 2016) e com o estabelecimento de uma política macroeconômica desenvolvimentista, com destaque à expansão/modernização dos equipamentos e serviços de utilidade pública (transportes, energia, telecomunicações, saúde, educação, saneamento básico, internet etc.). Exemplos nesse sentido são verificados atualmente na África (Etiópia), na América Latina e Caribe (Cuba) e na Ásia (Vietnã, China, Coreia do Sul, Cingapura etc.). Ao mesmo tempo que alguns países estabelecem projetos e programas de desenvolvimento, o Brasil afunda na crise política, econômica e social. Esperamos um futuro melhor!

Referências

ALEKSÁNDROVA, M. Cuba receberá US$ 2 bilhões da Rússia para suas redes ferroviárias. 2019. Disponível em: https://br.rbth.com/economia/82937-russia-dara-2-bilhoes-ferrovias-cuba. Acesso em: 17/08/2021.

JABBOUR, E. Projeto nacional, desenvolvimento e socialismo de mercado na China de hoje. Tese de Doutorado em Geografia. Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2010.

SPUTNIK. Cuba inaugura novo sistema ferroviário em parceria com Rússia e China. 2019. Disponível em: https://operamundi.uol.com.br/sociedade/59478/cuba-inaugura-novo-sistema-ferroviario-em-parceria-com-russia-e-china. Acesso em: 16/08/2021.

VERMELHO. Com a ajuda de China e Rússia, Cuba inaugura sistema ferroviário. 2019. Disponível em: https://vermelho.org.br/2019/07/14/com-a-ajuda-de-china-e-russia-cuba-inaugura-sistema-ferroviario/. Acesso em: 18/08/2021.

Autor

Prof. Dr. Nelson Fernandes Felipe Junior

Docente do curso de Geografia

UNILA/PPGICAL

Tags: CubaDesenvolvimento econômicoInfraestruturasTransporte ferroviário

A moradia e o saneamento como peças fundamentais para a sobrevivência frente à Covid-19

03/04/2020 13:00

Até a data de hoje, 30 de março de 2020, o Covid-19 tem infectado a mais de 634 835 pessoas em 191 países do mundo segundo o Observatório Global da Organização Mundial da Saúde. A tendência aponta que nos próximos dias estas cifras vão crescer vertiginosamente. Países europeus com economias consolidadas como à Itália alcança já 10.779 mortes (CSSE, 2020). Na Espanha, os dados apontam mais de 7.340 mortes segundo o Ministério de Saúde da Espanha. Seguem nesse caminho os Estados Unidos com 143.055 infectados (CSSE, 2020). Estamos falando então, de um tipo de disseminação global nunca vista de um vírus altamente contagioso que atinge com rapidez, e num fluxo contínuo, a nós os humanos, que somos a unidade mais importante do sistema econômico.

 

Nesse mundo totalmente globalizado, predominantemente urbano e interconectado pelas redes de transporte e comunicações, tudo se encontra unido por vínculos intrínsecos, físicos e virtuais, que atravessam as diversas escalas territoriais com muita rapidez. Esses vínculos embora pareçam inexistentes, formam parte de nossas vidas e de nosso dia a dia.

 

A circulação das pessoas, seja por trabalho ou lazer foi um fator altamente incentivado pelos governos com economias crescentes e foi primordial para o desenvolvimento de economias consolidadas. Hoje pelo contrário, frear os fluxos de pessoas entre os territórios nas diferentes escalas geográficas e bloquear as relações físicas dos indivíduos, em outras palavras ¨ficar em casa¨ é altamente essencial para frear a disseminação do vírus.

 

Então verificamos que a moradia é a peça fundamental para conter a crise sanitária, bem como as boas condições da mesma. Que todas as famílias tenham uma moradia bem servida pela rede sanitária é de vital importância hoje mais do que nunca.

 

No passado, os diferentes governos implementaram estratégias políticas de acesso a habitação, ao saneamento, a saúde, a educação etc. com o proposito de melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes. Nos países subdesenvolvidos como o Brasil, a preocupação por otimizar as relações económicas e políticas de grupos hegemônicos tem deixado mal atendida a população carente de moradia e tem levado ao colapso os serviços de consumo coletivo. Existe um “empresariamento da política urbana” (LENCIONI, 2017), e não, uma política urbana que conta com a participação empresarial. Esses modos são impulsionados pelas forças neoliberais que reforçam o caráter capitalista da lógica econômica de mercado, no qual a moradia é comercializada como um produto e não como um direito básico do homem.

 

Com os acontecimentos decorridos nesses últimos anos no Brasil, como o Golpe de Estado de maio de 2016, onde se destituiu do cargo à ex-presidente Dilma Rousseff, se restringiram programas sociais fundamentais, como o Bolsa Família e o programa de habitação de interesse social Minha Casa Minha Vida que, até agosto de 2016, entregou 2.986.389 unidades habitacionais para famílias carentes de moradia (HILDEBRANDT, 2018). Fica, portanto, ainda mais evidente o crescimento do número de pessoas em situação de pobreza no Brasil. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estadística (IBGE), as pessoas em situação de pobreza extrema no ano 2019 alcançaram os 13,5 milhões, cifra nunca antes vista no país.

 

Nas periferias das cidades brasileiras e nas favelas, as pessoas convivem em situações sub-humanas, em moradias sem água nem esgoto, em comunidades sem coleta de lixo ou sem sistema de coleta de água da chuva. Por outro lado, a alta densidade de seres humanos por metro quadrado, associada a um saneamento básico precário, potencializa a dispersão de doenças infecciosas, como diarreia, pneumonia e a tuberculose, quadros muitas vezes atrelados ao ataque de vírus, bactérias e fungos. Então, podemos imaginar que a consequência da chegada do Covid-19 para essas pessoas será, em muitos casos, fatal, pois elas estão submersas numa crise sanitária crônica.

 

Favela da Linha, localizada entre dois empreendimentos imobiliários no Oeste de São Paulo.

Fotografia: Lalo de Almeida para a Folha de São Paulo. 19 de agosto de 2019.

As condições e as circunstâncias das nossas moradias são uma questão importante para frear a corrente de infecções pelo Covid-19. O confinamento social numa casa ou apartamento abastecido com os serviços básicos faz toda a diferença. Possibilita os bons hábitos de higiene, propicia o confinamento de um possível infectado o controle e a higienização das pessoas e coisas que ingressam nela. É, por isso, que os governos Europeus confiam que os contágios pelo Covid-19 serão freados em 30 dias de estritos confinamentos, pois a maior parte da sua população conta com as condições sanitárias na sua moradia, mesmo as áreas de pobreza estão abastecidas de redes de água e desague.

 

Sendo assim, não se pode replicar o mesmo sistema de confinamento usado na Ásia ou na Europa para as cidades brasileiras com grandes áreas de pobreza, pois as camadas de população pobre não contam com as condições de salubridade nas suas moradias, nem nas suas comunidades. Embora o confinamento possa ser exitoso em áreas de média ou alta renda, nas áreas de pobreza deve-se trabalhar de forma focalizada, confinando as famílias ou os grupos mais vulneráveis fora das zonas degradadas e carentes de água, tomando em consideração uma eventual realocação da população em espaços salubres e controlados pelo sistema de saúde. Contrario a isso, veremos como as transmissões se multiplicarão de forma avassaladora, prejudicando todos que formam parte da cidade, ameaçando mais do que nunca nossa participação no sistema global da economia. A ação do Estado é decisiva.

Podemos corroborar nestes dias que as nações com menores áreas de pobreza e eficientes sistemas sanitários e de saúde, são também as nações com maiores possibilidades de reagir frente a presente crise sanitária, pois as condições da moradia e das cidades como um todo são fatores relevantes para frear as infecções pelo Covid-19. Mais do que nunca, verificamos que a moradia e o saneamento são questões básicas de sobrevivência dos indivíduos e das economias mundiais.

 

Ninguém achava isto possível, mas agora é real, estamos todos nós submersos numa névoa de incertezas e dúvidas sobre o futuro. O que aconteça nos próximos dias marcará um ponto de início, uma retomada para nossas vidas, e para as economias de todos os países.

 

Margaux Hildebrandt Vera,

Arquiteta Urbanista, Doutora em Geografia, Mestre em Urbanismo, Arquitetura e História da Cidade pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

 

Referencias:

HILDEBRANDT, Margaux. As dinâmicas de metropolização e a atuação dos agentes produtores do espaço urbano na área conurbada de Florianópolis. Tese de doutorado do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2018.

LENCIONI, Sandra. Metrópole, metropolização e regionalização. Consequência Editora. Rio de Janeiro 2017.

Coronavirus COVID-19 Global Cases by the Center for Systems Science and Engineering (CSSE) https://www.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/bda7594740fd40299423467b48e9ecf6

World Health Organization. Situation Report 69. March, 2020.

https://www.who.int/publications-detail/infection-prevention-and-control-during-health-care-when-novel-coronavirus-(ncov)- infection-is-suspected-20200125

Tags: CidadesCOVID-19FavelaInfraestruturasSaneamento básicoUrbanização

O transporte aéreo de passageiros em Aracaju (SE)

10/07/2018 13:00

Os meios de transportes são fundamentais para o desenvolvimento regional e nacional. No Brasil, o modal aéreo se desenvolveu a partir do pós-segunda guerra, aliado ao processo de industrialização e urbanização. Na atualidade, o transporte aéreo é um dos modais mais importantes para a articulação inter-regional no país.

 

O crescimento da economia brasileira (sobretudo entre 2003 e 2013), a expansão do crédito e do financiamento, o parcelamento das passagens aéreas, a redução do preço de voos em determinados horários, o incremento relativo da renda (resultado do fortalecimento do mercado formal de trabalho), entre outros, são fatores que aumentaram a demanda pelo transporte aéreo no Brasil e em Sergipe, especialmente no que tange à participação da classe média.

 

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 37 milhões de pessoas “migraram” para a classe média no país entre 2002 e 2012. Com o aumento da renda média do trabalhador, elevou-se o consumo do brasileiro e, consequentemente, houve aquecimento do mercado nacional. Tal fato expressou-se também no setor aéreo brasileiro, que apresentou um aumento nos fluxos de passageiros em grande parte dos aeroportos do país (gráfico 1 e tabela 1).

 

Gráfico 1: Passageiros pagos domésticos - acumulado de janeiro a dezembro, 2007 a 2016. (em milhões)

Fonte: ANAC, 2017.

 
 

A movimentação anual de passageiros embarcados e desembarcados em voos regulares em Aracaju/SE acompanhou o contexto brasileiro, ou seja, com predomínio de crescimento ao longo do período de 2007 a 2014 (gráfico 1 e tabela 1). Isso elucida a expansão da demanda pelo modal aéreo no país, estando diretamente relacionada com a dinâmica econômica regional e nacional. No caso do modal aéreo em Sergipe, tem-se uma redução dos fluxos desde 2015, sendo reflexo da elevação do desemprego, da queda da renda, além da restrição e encarecimento do crédito no Brasil (forte recessão no estado de Sergipe, no Nordeste e no país).

 

O aeroporto internacional Santa Maria (Aracaju/SE) é o único que opera regularmente no estado de Sergipe. Segundo informações da Infraero e do próprio aeroporto, em 2016, houve uma movimentação média diária de 4.957 pessoas (incluindo os passageiros e os funcionários do terminal – totalizando 1.225.591 passageiros no referido ano), 36 voos e 5.434 kg de carga aérea transportada. Além disso, operam no aeroporto as empresas Azul, Gol, Latam e Avianca.

 

Com o aumento do número de voos domésticos e da movimentação de passageiros no aeroporto Santa Maria, surgiu a necessidade de reforma/ampliação do mesmo para melhor atender o incremento da demanda, entretanto, o aeroporto de Aracaju/SE ainda apresenta diversos pontos de estrangulamento que prejudicam as suas atividades. Grande parte dos fluxos aéreos em Aracaju/SE está relacionado ao turismo, sendo um setor estratégico para a economia sergipana. Ainda que esta capital não exerça a mesma atração turística em comparação a Salvador/BA e Maceió/AL, por exemplo, houve uma expansão recente da demanda, sobretudo para o turismo nas praias, nos Cânions do Rio São Francisco e outros.

 

Dentre as várias limitações apresentadas pelo aeroporto Santa Maria, têm-se: o reduzido espaço do terminal de passageiros; falta de climatização (considerando que Aracaju/SE apresenta elevadas médias de temperatura ao longo do ano); poucas opções de comércio e serviços (restaurantes, lanchonetes, lojas, artesanato etc.); ampliação lenta da pista de pousos e decolagens; vagas insuficientes no estacionamento de veículos; dificuldade de acessar a internet no aeroporto; importância de se criar uma área destinada aos táxis e outra aos motoristas de aplicativos (Uber, principalmente), pois isso facilita aos passageiros (sobretudo aos turistas) e melhor organiza a utilização do espaço do aeroporto (planejamento); ausência de pontes de embarque e desembarque (fingers), fato que obriga os passageiros a realizarem o trajeto do terminal até o avião (e vice-versa) com exposição ao sol ou a chuva (o acesso à aeronave fica mais difícil quando o passageiro é cadeirante, já que o mesmo não pode subir as escadas até o avião) etc. (imagens 1 e 2).

Imagem 1: Praça de alimentação do aeroporto Santa Maria (Aracaju/SE), 2017.

Fonte: Yan dos Santos Cardoso, 2017.

 
 
 
 

Imagem 2: Pátio de aeronaves do aeroporto Santa Maria (Aracaju/SE), 2017.

Fonte: Yan dos Santos Cardoso, 2017.

 

O fortalecimento da dinâmica econômica de Aracaju/SE (notadamente nas administrações dos governos petistas) demandou novas e melhores interligações da capital sergipana com outras cidades brasileiras, a exemplo de Salvador/BA, Brasília/DF, Rio de Janeiro/RJ e São Paulo/SP, que atualmente são os destinos mais frequentes do aeroporto Santa Maria. Essa necessidade de conexão (turismo, negócios, trabalho etc.) resultou na ampliação dos fluxos pelo modal aéreo. Além disso, há operações diárias de helicópteros que transportam trabalhadores para as plataformas de petróleo do litoral de Sergipe e Alagoas (atividades da Petrobras).

 

O estado de Sergipe e sua economia dependem do aeroporto Santa Maria como ponto de concentração e dispersão de passageiros e mercadorias, assim, este fixo é um ponto nodal relevante para os fluxos aéreos devido à sua exclusividade de voos regulares. Sua infraestrutura, apesar de necessitar de ampliação e modernização, é a única que tem condições e segurança para receber voos com aeronaves de pequeno e médio porte no estado.

 

Ademais, fomentar o transporte aéreo é importante para alavancar o efeito multiplicador na economia sergipana, aumentando a circulação, os empregos e o consumo agregado. Algumas reformas já executadas e outras em andamento no aeroporto Santa Maria (incluindo as do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC) foram/são fundamentais para melhorar o setor aéreo no estado, estimular o turismo e outros. Considerando que Sergipe recebe muitos turistas do Centro-Sul do país, estes dependem, em grande medida, do modal aéreo devido às longas distâncias a serem percorridas.

 

Apesar de Sergipe possuir um mercado consumidor reduzido em comparação a outros estados brasileiros, os gargalos existentes no aeroporto prejudicam o surgimento de novas rotas aéreas, inclusive internacionais, pois atualmente há apenas alguns voos para o exterior (Buenos Aires – Argentina; Miami e Nova Iorque – Estados Unidos). Diante disso, é necessário haver um planejamento eficiente e uma ampliação/modernização do aeroporto para atrair novos investimentos do capital privado, beneficiando a economia sergipana.

Tags: DesenvolvimentoGeografiaGeografia EconômicaGeopolíticaInfraestruturasPrivatizaçõesTransporte aéreo

A Espanha será a plataforma logística do Sul da Europa?

15/02/2018 13:00

Converter a Espanha na “Plataforma logística do sul da Europa”, essa é a meta da “Estrategia Logística de España”[i], documento que desenvolve os princípios e diretrizes do Plan de infraestructuras, transportes y vivienda (PITVI), publicado pelo Ministério do Fomento espanhol, que estabeleceu os rumos para o planejamento do setor de transporte do país para o período de 2012 a 2024.

Ao analisarmos a infraestrutura de transporte espanhola destinada as mercadorias, poderíamos afirmar que de modo geral a mesma apresenta boa qualidade. O país no ano de 2016 possuía aproximadamente 166.000 km de rodovias, dos quais 14.701 km tratam-se de vias com grande capacidade; um total de 15.900 km de ferrovias; cerca de 46 portos de interesse geral, além de importantes aeroportos peninsulares, como: Madrid-Barajas, Barcelona-El Prat, Zaragoza, Vitoria e Valencia, além de notáveis aeroportos insulares, como o Gran Canaria, o Tenerife Norte e o Palma de Mallorca.

 

Ainda assim, ao verificar a circulação de mercadorias no país o PITVI constatou a existência de uma matriz de transporte desequilibrada. Essa afirmativa justifica-se ao constatar que de um total de 1.500 milhões de mercadorias que circularam em território espanhol no ano de 2011, o modal rodoviário centralizava 85,3% dos fluxos, seguido pelo modal marítimo com 12,23%, as ferrovias com 2,46% e, o transporte aéreo com somente 0,02%. Essa supremacia do transporte por caminhões tornou-se ainda mais evidente ao focarmos particularmente o caso do transporte terrestre de mercadorias, cujas rodovias concentraram até 95,6% dos fluxos em oposição às ferrovias responsáveis 4,4% dos traslados para o mesmo ano.

 

Esses índices impuseram/impõem apreensão por parte do governo espanhol, decorrente do baixo desempenho do modal ferroviário, preocupação que coincide com as diretrizes estabelecidas ao planejamento da rede de transportes no âmbito da União Europeia.

 

O PITVI espanhol prevê um aumento de demanda por transporte terrestre de mercadoria de até 25%, para o período de 2012 a 2024. Para tanto o plano antevê como medida para absorver esse crescimento esforços para o redirecionamento dos fluxos das rodovias para as ferrovias. O resultado almejado é a redução da participação do transporte rodoviário de mercadorias para 91% e, a ampliação da participação do modal ferroviário para aproximadamente 9% dos fluxos terrestres.

 

De acordo com entrevista realizada no ano de 2016, na Unidade de Logística do Ministerio de Fomento Espanhol, apesar dos índices modestos no transporte de cargas a rede ferroviária existente estrutura bem o território, ainda assim existem alguns problemas, por exemplo: o país tem uma rede de alta velocidade construída com uma bitolada de padrão europeu, que impossibilita a circulação mercadorias, desta maneira o tramo entre Barcelona e França é um dos poucos trechos de alta velocidade utilizada de modo misto. Por outro lado, ainda que raramente, ocorrem pequenos colapsos na rede ferroviária, sobretudo nas proximidades de Barcelona e Madrid por serem núcleos de “cercanias” que concentram passageiros. Contudo, no território espanhol não ocorrem problemas de infraestrutura, como na França ou Alemanha, que apresentam ocasionalmente congestionamentos em trechos da sua rede ferroviária.

 

Ao analisar a distribuição espacial da rede ferroviária espanhola, poderíamos afirmar que a infraestrutura e a demanda tendem a concentrar-se entre as cidades de Madrid, Málaga, Valencia, Alicante, Zaragoza, Vitoria-Bilbao e Valladolid, conformando um “retângulo da demanda” que reúnem também as ofertas por serviços de transporte no país. Ademais, esse retângulo é acrescido por um braço que segue até Sevilla e, outro que vai a França.

 

Essa centralização da infraestrutura e da demanda em determinadas porções do território, frequentemente configura-se em uma limitação, uma vez que os vagões chegam a seu destino e voltam a origem com espaços ociosos. Esse problema é agravado por condicionantes logísticos, pois as especificidades das cargas transportadas geralmente requerem vagões específicos contribuindo, também, para que os mesmos muitas vezes não possuam carga de retorno.

 

Para reduzir esse impasse uma das novas estratégias adotada pelo Ministério do Fomento do país, foi a ampliação dos ciclos de debates inserindo os agentes logísticos, os carregadores (que são os donos das cargas), produtores e distribuidores (com destaque para o setor automobilístico, a indústria química e, o setor sidero-metalúrgico), que possuem cargas em quantidade e/ou valor importantes para serem transportadas.

 

Ainda de acordo com a Unidade de Logística do Ministério de Fomento Espanhol, a intenção é que a partir dos problemas colocados pelas empresas, o governo possa compreender melhor as necessidades existentes (demandas) e, realizar a oferta de transporte de maneira mais atrativa, na tentativa de estabelecer maior confiança ao sistema, indo à raiz do problema. Exemplo dessa nova conduta foi o plano piloto realizado em conjunto com a empresa automobilística Reno, a mesma movimenta grande parte de suas mercadorias entre Valladolid, Valencia e o Porto de Santander, para isso foi reunido em uma mesma mesa a Reno, os operadores, da Renfe (Red Nacional de los Ferrocarriles Españoles), da Adif (Administrador de Infraestructuras Ferroviarias) e do Porto de Santander, a fim de debater e identificar os entraves existentes, para alcançar a maior eficiência da rede.

 

Figura 2: Campo no centro de cargas do aeroporto de Zaragoza, realizado no ano de 2016. Na imagem pode-se visualizar o maior motor da história da aviação, uma Turbina GE90.

 

Essa estratégia deverá ser realizada também em Navarra com a Volkswagen e, em Valencia com a Ford. Segundo a Unidade de Logística española, antes a empresa ferroviária definia as linhas de operação, já atualmente as grandes empresas tem um papel mais importante, haja vista o caso da rede de supermercados Mercadona, que ao iniciar suas atividades estabeleceu um núcleo de demanda e, um nível de frequência de transporte considerável, que consecutivamente tornou-se igualmente atrativa à outras empresas que possuíam menor demanda.

 

Essa estratégia, ainda que com muitas ressalvas, recorda algumas políticas adotadas da década de 1970, baseadas nos “polos de desenvolvimento” de François Perroux, no que tange a importância destinada a grande empresa, enquanto indutora do desenvolvimento. Prontamente, nos próximos anos poderemos avaliar seu êxito.

 

Vale frisar que, ainda que exista uma estratégia para o setor de transporte, cada modal possui suas particularidades. No caso do setor de transporte aéreo de mercadorias, de acordo com trabalho de campo realizado no ano de 2016 no centro de cargas do Aeroporto de Zaragoza e Madrid-Barajas, foi relatado que a tendência para o setor não é ampliação do transporte por aviões cargueiros como em outros países, mas o melhor aproveitamento da capacidade ociosa (no compartimento de bagagem) do elevado número de voos comerciais que pousam nos principais aeroportos do país.

 

No transporte marítimo busca-se a dinamização do setor com a consolidação das “autopistas do mar”, proposta idealizada no âmbito da União Europeia, atrelada a consolidação dos eixos rodoviários litorâneos, cujo potencial é elevado para desenvolver novas demandas no território. Tais estratégias, tornam-se fundamentais para alcançar o objetivo da Espanha de reforçar seu papel no cenário europeu, avançando no desígnio explicitado no PITVI de tornar-se a “Plataforma Logística do Sul da Europa”.

 

O país possui poucos barcos com pavilhões nacionais, por outro lado nos portos espanhóis atracam grandes navios do mundo todo, convergindo em seus portos importantes fluxos provenientes do canal de Suez e do Panamá. Ademais, o PITVI almeja ampliar a participação no transporte de cargas originárias de outras partes do mundo, destinadas ao norte da Europa, desta maneira um barco ao invés de contornar a costa ibérica para descarregar em Amberes (Bélgica) ou Luxemburgo poderá descarregar em Valencia ou Barcelona e, seguir por meio terrestre aos seus destinos finais.

 

De fato, o objetivo de tornar-se a “Plataforma do Sul da Europa” é difícil de alcançar, pois existem outros países com importantes portos no mediterrâneo, como: a França, a Itália, a Grécia e a Turquia. No entanto, de acordo com a Unidade de Logística do Ministério de Fomento Espanhol, o país deve buscar um escopo para posicionar-se no mundo e repensar os problemas do setor, pois ainda que o país possua boas infraestruturas o transporte de carga ainda pode ser considerado um “tendão de Aquiles” do setor.

 

No entanto, o objetivo espanhol de canalizar os fluxos marítimos internacionais de carga com destino à europeu, esta condicionado ao planejamento dos fluxos de mercadorias e passageiros de modo mais abrangente. Justamente, porque no caso espanhol o maior percentual das cargas encaminhadas aos portos seguem por meio do modal rodoviário, sendo pequena (aproximadamente 5%) a participação do modal ferroviário. Nesse sentido, a ampliação das mercadorias provenientes do comércio internacional marítimo (com destino final a Espanha ou os países vizinhos), devem pressionar as infraestruturas terrestres existentes (sobretudo as rodoviárias), caso não ocorra um esforço a fim de alcançar uma matriz de transporte terrestre mais equilibrada, isto é, com maior participação do modal ferroviário.

 
 

[i] Disponível em: https://www.fomento.gob.es/MFOM/LANG_CASTELLANO/PLANES/ESTRATEGIA_LOGISTICA/.

Tags: AeroportosDesenvolvimentoEconomiaEspanhaEstradas de FerroEuropaFerroviasInfraestruturasInfraestruturas de transportesPortos