A geolocalização no combate à Covid-19

06/04/2020 13:00
 

Fonte da imagem: https://bhr.stern.nyu.edu/blogs/center-launches-project-privacy-rights-online

Em todo o mundo os países estão desenvolvendo formas de controlar o contágio pelo COVID-19. E é na Ásia que vemos surgir uma nova solução para o controle da doença, garantindo o distanciamento social e o controle de movimentação das pessoas através da troca de dados de geolocalização entre os serviços de internet e telefonia com os governos locais, possibilitando o controle do distanciamento social de maneira remota. Mas o que isso significa?

 

Smartphones regularmente transmitem suas localizações para redes wireless, redes de telefonia e às grandes empresas de tecnologia. Os dados criados através destas interações muitas vezes são vendidos para outras empresas com o objetivo de encontrar oportunidades de negócio, por exemplo. Entretanto, existem implicações éticas e legais quanto a divulgação das informações privadas de cada usuário dependendo da forma como elas forem utilizadas, a Agência Reuters destaca a fala do senador Americano, Ed Markey, que pediu cautela por parte do governo ao se aliar as companhias de tecnologia para acompanhar o ritmo de contaminação do Corona Vírus tendo em vista os problemas que poderia gerar devido a privacidade dos usuários.

 

Utilizar o que os países da Ásia têm adotado como exemplo, pode ser uma solução, entretanto as características do sistema asiático são diferentes considerando seu maior controle dos meios de comunicações. A China, por exemplo, possui um sistema de vigilância formado por 200 milhões de câmeras de vídeo com reconhecimento facial, capazes de identificar as pessoas e cruzar os dados com os obtidos através dos celulares. Mesmo sem esta estrutura nos outros países, diariamente compartilhamos dados de localização com diversos aplicativos privados, fornecendo uma vasta rede de informações a estas empresas. E isso vem chamando a atenção dos governos, conforme dados publicados em matéria do jornal The Washington Post, publicada no dia 16 de março, o governo dos Estados Unidos está estabelecendo contato com Facebook e Google, além de outras empresas de tecnologia, com o objetivo de mapear a localização dos cidadãos para a garantia do isolamento social. Países da Europa também anunciaram parcerias com empresas de telecomunicações para o mapeamento dos dados, e em Israel, usuários de smartphones já recebem alertas sobre a aproximação de pessoas possivelmente infectadas com a COVID-19.

 

Tendo em vista a importância do combate à doença, grandes empresas de tecnologia, como o Google, têm trabalhado individualmente para o rastreamento dos casos e vem desenvolvendo ferramentas similares as que indicam os horários de maior movimento em restaurantes e os engarrafamentos. O Facebook, está criando junto com pesquisadores de diversas organizações sem fins lucrativos, um projeto chamado disease-prevention maps, mapa de prevenção a doenças (em tradução livre), com o objetivo de fornecer dados de forma anônima sobre os movimentos das pessoas contaminadas.

 

No Brasil, municípios estão adotando tecnologias capazes de identificar o padrão de movimentação das pessoas para mapear a propagação da infecção. No Rio de Janeiro a Prefeitura fechou uma parceria com a empresa de telefonia TIM, através da utilização de dados em tempo real da localização dos aparelhos de forma anônima. A prefeitura de Recife também adotou iniciativa semelhante através de parceria com uma empresa local privada, que está rastreando celulares, sem acesso aos dados privados.

 

As empresas de telefonia móvel brasileiras (Algar Telecom, Claro, Oi, Tim e Vivo) já haviam anunciado, através do Movimento Todos Juntos Contra o Vírus [1], uma parceria para auxiliar no isolamento social de seus usuários, e na última quinta-feira (02/04/2020) firmaram colaboração com o Governo Federal, através do Ministério da Ciência, Inovação e Tecnologia, com o objetivo de rastrear a localização das 222,2 milhões de linhas presentes no país, as operadoras afirmaram que a divulgação dos dados não comprometerá a segurança dos usuários. Segundo o SindiTelebrasil (Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal), o sistema de divulgação dos dados, deve ficar pronto em até duas semanas, e as informações dos usuários serão repassadas com um dia de atraso de modo aglomerado, estatístico e anônimo, a partir da coleta por quase cem mil antenas espalhadas em todo o país.

 

No Brasil, a utilização dos dados servirá para acompanhar o cumprimento das medidas de isolamento social, diferentemente da China que através de seu sistema, consegue identificar a localização de alguém infectado imediatamente e provocar a restrição de sua entrada em prédios e no transporte público. Entretanto, a utilização da geolocalização demonstra-se como uma boa solução para o reconhecimento e a movimentação do vírus em território nacional e a identificação das áreas com maior chance de contágio e, no futuro, possibilitarão uma grande base de dados para o combate a futuras doenças. Todavia, o mesmo pode ser usado como meio de controle social, repressão política e para uma grande base de dados vendidos e revendidos para empresas privadas, como bancos e empresas comerciais, ou seja, poderá servir (como já ocorre) para explorar grupos e indivíduos politica, social e economicamente vulneráveis.

 

NOTAS:

[1] O movimento tinha como objetivo inicial, promover vantagens aos usuários como ampliações nos serviços, e garantia de conexão ininterrupta visto o possível colapso no sistema de telecomunicação.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BARTZ, Diane. Google quer usar geolocalização de usuários para retardar coronavírus. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2020-03/google-quer-usar-geolocalizacao-de-usuarios-para-retardar-coronavirus. Acesso em: 05 abr. 2020.

ESTADO, Agência. TIM fecha parceria com Prefeitura do Rio para rastrear movimento e combater vírus. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/economia/tim-fecha-parceria-com-prefeitura-do-rio-para-rastrear-movimento-e-combater-virus/. Acesso em: 05 abr. 2020.

MAGENTA, Matheus. Coronavírus: governo brasileiro vai monitorar celulares para conter pandemia. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52154128. Acesso em: 06 abr. 2020.

ROMM, Tony. U.S. government, tech industry discussing ways to use smartphone location data to combat coronavirus. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/technology/2020/03/17/white-house-location-data-coronavirus/. Acesso em: 03 abr. 2020.

VAIANO, Bruno. Governo terá acesso à localização de celulares para monitorar quarentena. Disponível em: https://super.abril.com.br/tecnologia/governo-tera-acesso-a-localizacao-de-celulares-para-monitorar-quarentena/. Acesso em: 06 abr. 2020.

Tags: Controle de movimentação de pessoasControle socialCOVID-19GeolocalizaçãoInternetRedes sociais

A moradia e o saneamento como peças fundamentais para a sobrevivência frente à Covid-19

03/04/2020 13:00

Até a data de hoje, 30 de março de 2020, o Covid-19 tem infectado a mais de 634 835 pessoas em 191 países do mundo segundo o Observatório Global da Organização Mundial da Saúde. A tendência aponta que nos próximos dias estas cifras vão crescer vertiginosamente. Países europeus com economias consolidadas como à Itália alcança já 10.779 mortes (CSSE, 2020). Na Espanha, os dados apontam mais de 7.340 mortes segundo o Ministério de Saúde da Espanha. Seguem nesse caminho os Estados Unidos com 143.055 infectados (CSSE, 2020). Estamos falando então, de um tipo de disseminação global nunca vista de um vírus altamente contagioso que atinge com rapidez, e num fluxo contínuo, a nós os humanos, que somos a unidade mais importante do sistema econômico.

 

Nesse mundo totalmente globalizado, predominantemente urbano e interconectado pelas redes de transporte e comunicações, tudo se encontra unido por vínculos intrínsecos, físicos e virtuais, que atravessam as diversas escalas territoriais com muita rapidez. Esses vínculos embora pareçam inexistentes, formam parte de nossas vidas e de nosso dia a dia.

 

A circulação das pessoas, seja por trabalho ou lazer foi um fator altamente incentivado pelos governos com economias crescentes e foi primordial para o desenvolvimento de economias consolidadas. Hoje pelo contrário, frear os fluxos de pessoas entre os territórios nas diferentes escalas geográficas e bloquear as relações físicas dos indivíduos, em outras palavras ¨ficar em casa¨ é altamente essencial para frear a disseminação do vírus.

 

Então verificamos que a moradia é a peça fundamental para conter a crise sanitária, bem como as boas condições da mesma. Que todas as famílias tenham uma moradia bem servida pela rede sanitária é de vital importância hoje mais do que nunca.

 

No passado, os diferentes governos implementaram estratégias políticas de acesso a habitação, ao saneamento, a saúde, a educação etc. com o proposito de melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes. Nos países subdesenvolvidos como o Brasil, a preocupação por otimizar as relações económicas e políticas de grupos hegemônicos tem deixado mal atendida a população carente de moradia e tem levado ao colapso os serviços de consumo coletivo. Existe um “empresariamento da política urbana” (LENCIONI, 2017), e não, uma política urbana que conta com a participação empresarial. Esses modos são impulsionados pelas forças neoliberais que reforçam o caráter capitalista da lógica econômica de mercado, no qual a moradia é comercializada como um produto e não como um direito básico do homem.

 

Com os acontecimentos decorridos nesses últimos anos no Brasil, como o Golpe de Estado de maio de 2016, onde se destituiu do cargo à ex-presidente Dilma Rousseff, se restringiram programas sociais fundamentais, como o Bolsa Família e o programa de habitação de interesse social Minha Casa Minha Vida que, até agosto de 2016, entregou 2.986.389 unidades habitacionais para famílias carentes de moradia (HILDEBRANDT, 2018). Fica, portanto, ainda mais evidente o crescimento do número de pessoas em situação de pobreza no Brasil. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estadística (IBGE), as pessoas em situação de pobreza extrema no ano 2019 alcançaram os 13,5 milhões, cifra nunca antes vista no país.

 

Nas periferias das cidades brasileiras e nas favelas, as pessoas convivem em situações sub-humanas, em moradias sem água nem esgoto, em comunidades sem coleta de lixo ou sem sistema de coleta de água da chuva. Por outro lado, a alta densidade de seres humanos por metro quadrado, associada a um saneamento básico precário, potencializa a dispersão de doenças infecciosas, como diarreia, pneumonia e a tuberculose, quadros muitas vezes atrelados ao ataque de vírus, bactérias e fungos. Então, podemos imaginar que a consequência da chegada do Covid-19 para essas pessoas será, em muitos casos, fatal, pois elas estão submersas numa crise sanitária crônica.

 

Favela da Linha, localizada entre dois empreendimentos imobiliários no Oeste de São Paulo.

Fotografia: Lalo de Almeida para a Folha de São Paulo. 19 de agosto de 2019.

As condições e as circunstâncias das nossas moradias são uma questão importante para frear a corrente de infecções pelo Covid-19. O confinamento social numa casa ou apartamento abastecido com os serviços básicos faz toda a diferença. Possibilita os bons hábitos de higiene, propicia o confinamento de um possível infectado o controle e a higienização das pessoas e coisas que ingressam nela. É, por isso, que os governos Europeus confiam que os contágios pelo Covid-19 serão freados em 30 dias de estritos confinamentos, pois a maior parte da sua população conta com as condições sanitárias na sua moradia, mesmo as áreas de pobreza estão abastecidas de redes de água e desague.

 

Sendo assim, não se pode replicar o mesmo sistema de confinamento usado na Ásia ou na Europa para as cidades brasileiras com grandes áreas de pobreza, pois as camadas de população pobre não contam com as condições de salubridade nas suas moradias, nem nas suas comunidades. Embora o confinamento possa ser exitoso em áreas de média ou alta renda, nas áreas de pobreza deve-se trabalhar de forma focalizada, confinando as famílias ou os grupos mais vulneráveis fora das zonas degradadas e carentes de água, tomando em consideração uma eventual realocação da população em espaços salubres e controlados pelo sistema de saúde. Contrario a isso, veremos como as transmissões se multiplicarão de forma avassaladora, prejudicando todos que formam parte da cidade, ameaçando mais do que nunca nossa participação no sistema global da economia. A ação do Estado é decisiva.

Podemos corroborar nestes dias que as nações com menores áreas de pobreza e eficientes sistemas sanitários e de saúde, são também as nações com maiores possibilidades de reagir frente a presente crise sanitária, pois as condições da moradia e das cidades como um todo são fatores relevantes para frear as infecções pelo Covid-19. Mais do que nunca, verificamos que a moradia e o saneamento são questões básicas de sobrevivência dos indivíduos e das economias mundiais.

 

Ninguém achava isto possível, mas agora é real, estamos todos nós submersos numa névoa de incertezas e dúvidas sobre o futuro. O que aconteça nos próximos dias marcará um ponto de início, uma retomada para nossas vidas, e para as economias de todos os países.

 

Margaux Hildebrandt Vera,

Arquiteta Urbanista, Doutora em Geografia, Mestre em Urbanismo, Arquitetura e História da Cidade pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

 

Referencias:

HILDEBRANDT, Margaux. As dinâmicas de metropolização e a atuação dos agentes produtores do espaço urbano na área conurbada de Florianópolis. Tese de doutorado do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2018.

LENCIONI, Sandra. Metrópole, metropolização e regionalização. Consequência Editora. Rio de Janeiro 2017.

Coronavirus COVID-19 Global Cases by the Center for Systems Science and Engineering (CSSE) https://www.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/bda7594740fd40299423467b48e9ecf6

World Health Organization. Situation Report 69. March, 2020.

https://www.who.int/publications-detail/infection-prevention-and-control-during-health-care-when-novel-coronavirus-(ncov)- infection-is-suspected-20200125

Tags: CidadesCOVID-19FavelaInfraestruturasSaneamento básicoUrbanização

Mobilizar ou imobilizar? A pandemia da Covid-19 e a incompreensão do que é o desenvolvimento

29/03/2020 13:00

No Brasil de Bolsonaro e Guedes, assim como de seu antecessor Michel Temer, o sucateamento dos meios de reprodução da força de trabalho – dentre os quais a saúde pública – foram a tônica dos 4 anos que se seguiram ao Golpe de Estado em 2016. A agenda de austeridade neoliberal realizada por esses governos impôs um teto de gastos à saúde pública (EC/95), que só em 2019 retirou R$ 20 bilhões do setor, negligenciando o caráter estratégico do SUS. Mesmo em meio à atual crise de saúde pública gerada pela pandemia do coronavírus, o presidente-vassalo do imperialismo tem negado seguidamente a necessidade de isolamento domiciliar por parte dos brasileiros, criando uma falsa dicotomia entre o desenvolvimento econômico e o resguardo das vidas humanas, exortando a população ao retorno de todas as atividades, incluindo escolas, comércio e serviços em geral. A pergunta que fazemos é: de fato existe a dicotomia entre desenvolvimento econômico e o resguardo da saúde através do isolamento social, combinado a outras medidas?

 

Nos últimos dias a Rússia iniciou obras para um complexo hospitalar de 80 mil metros quadrados em Moscou, com 500 leitos, sendo 250 UTIs e um laboratório próprio de infectologia para a análise das infecções, mobilizando 5.000 trabalhadores (Fonte: Sputnik, 2020). Ao mesmo tempo, a prefeitura moscovita decretou o isolamento domiciliar e o fechamento de comércio e serviços não-essenciais, para desacelerar a disseminação do vírus. Trata-se de ações similares às que tomaram as autoridades chinesas dias atrás. Na China, empresas privadas e estatais foram mobilizadas para a produção massiva e com preços controlados, de itens como respiradores, testes para Covid-19, máscaras, luvas e desinfectantes, além de 2 grandes hospitais, um deles com 1.000 leitos, em apenas 10 dias.

 

Canteiro de obras do complexo hospitalar de infectologia no distrito Troitsky-Novomoskovsky de Moscou. Fonte: Sputnik.

É obvio que há perdas econômicas imediatas com a redução da circulação e do consumo. Mas o exemplo chinês, assim como o russo, nos mostra que não há uma dicotomia absoluta, desde que o Estado entre em ação. Inovações surgem nas crises, são novos problemas cujas soluções se realizam através de novas químicas finas, engenharias de materiais, softwares, robótica etc.

 

Se por um lado é fundamental que se cessem as mobilidades em geral momentaneamente e assim, interações espaciais – ou seja, os contatos interpessoais que geram transformações progressistas naqueles que estão nela envolvidos (que geram, portanto, desenvolvimento) –, por outro lado, outras formas de interações espaciais e mobilidades são necessárias para combater o Covid-19, bem como para já preparar estrategicamente os países para outras possíveis epidemias/pandemias. Assim, a circulação massiva de pessoas, que potencialmente amplia a transmissão da doença (transportes de massa, circulação em praças de comércio e serviços, shoppings, escolas, universidades e outras aglomerações), dá lugar a mobilidades específicas para o combate à doença. Ações combinadas desse tipo têm sido essenciais para a saída mais rápida da crise, por alguns países. Inclusive, as 184 estações do metrô de Wuhan estão sendo gradativamente reabertas, equipadas com scanners térmicos para avaliar a temperatura dos passageiros, mostrando que a resposta está na aplicação de ciência e tecnologia.

 

Fato é que a mobilidade nunca cessa completamente. A máxima do “caráter absoluto do movimento e do caráter relativo do repouso”, na dialética materialista, é plausível. Além disso, mobilidades essenciais para o tratamento dos doentes, para a geração de conhecimentos, P&D, tecnologia e infraestrutura para se vencer o Covid-19 devem ser protegidas com todas as tecnologias de segurança disponíveis, inclusive com a prioridade dos testes de Covid-19 e o acompanhamento diário de seus trabalhadores. A massa da população, no entanto, deve ser protegida pelo isolamento e um programa de renda mínima adequado, até que haja um correto mapeamento dos focos da doença no território e assim, o controle do problema. Mas nada disso tem sido feito pelo governo brasileiro.

 

O governo Bolsonaro, acompanhado de governos estaduais e municipais, não faz desses exemplos a sua lição de casa. Os testes para constatação do Covid-19 – uma ferramenta fundamental para o isolamento e acompanhamento dos casos, tal como nos mostrou a Coréia do Sul, são insuficientes em quantidade. Faltam máscaras, material de limpeza, luvas, respiradores e leitos públicos de UTI em todo o território nacional. Não bastassem essas carências, o próprio presidente exorta as pessoas a retornarem totalmente às suas atividades.

 

É importante lembrar que o Brasil possui um déficit crescente na balança comercial ligado à saúde pública que vem acompanhando o período de 20 anos na esteira da construção do SUS. O déficit salta do patamar de US$ 3,0 bilhões em 1996, para US$ 12 bilhões em 2016 (GADELHA, 2018), mostrando, por um lado, como os governos populares de Lula da Silva e Dilma Rousseff esforçaram-se por ampliar e equipar o sistema, mas por outro, demonstra a sua fragilidade tecnológica. A próxima etapa seria justamente a de internalizar tecnologias para a produção própria de equipamentos médicos (joint-ventures, engenharia reversa etc.), com o fim de criar certa independência estratégica nesse setor. Vale ressaltar que nesse momento, pelo menos 50 países do mundo estão restringindo exportações de produtos avançados de saúde, obviamente dando preferência para o atendimento de suas necessidades internas. Os bolsonaristas/neoliberais ignoram completamente esse problema.

 

Além disso, que dizer de nossas cidades e seus sistemas de transporte e mobilidade? No Brasil, as pessoas permanecem muito tempo dentro do sistema de transporte, ou seja, muito tempo em trânsito, o que faz delas alvos potenciais de acidentes, stress, cansaço físico além do normal, condições nas quais pode haver redução de imunidade contra doenças, além é claro, de maiores chances de uma contaminação direta, já que estão expostas a uma grande variação no sobe-desce de passageiros. Na Região Metropolitana de Florianópolis, deslocamentos entre a cidade de São José, no continente e a Ilha de Santa Catarina, em condições de congestionamento, podem gerar até 4 horas de permanência dentro do sistema de transporte público (ida e volta), tal como ocorreu há dias atrás. Como pode, o governador de Santa Catarina, exortar as pessoas ao retorno de suas atividades, espremidas umas contra as outras no interior de um ônibus várias horas por dia?

 

Ademais, trata-se de um transporte público não subsidiado e, portanto, economicamente frágil em contextos como o atual. Além disso, não há institucionalidades, um “pessoal de inteligência” ligado à mobilidade, capaz de criar, flexibilizar e adaptar os serviços de transporte público a contextos de crise. Que dizer das pessoas que tem que deslocar grandes distâncias, em deslocamentos pendulares para efetuar suas compras em um contexto de quarentena? Toda a política de transportes e mobilidade que não foi feita anteriormente hoje mostra seus efeitos.

 

Ônibus lotado na Grande Florianópolis. Fonte: Ndmais.com.br.

Ora, ao contrário do que dizem as “falanges terraplanistas” não são as “altas densidades das cidades europeias” o grande propagador do vírus. Falam como se o Brasil estivesse protegido por sua dispersão urbana! Se assim fosse, Japão, Cingapura e Coréia do Sul, com suas hiperdensidades, já contariam centenas de milhares de infectados. Não se trata de uma análise de causa e efeito entre densidades urbanas e propagação do vírus. Se assim fosse, a cidade sul-coreana de Seul, com 16.257 hab./km² estaria mais infectada do que a estadunidense Nova Iorque com seus 7.166 hab./km². A ação do Estado sim, é decisiva.

 

Por fim, uma última palavra sobre as negligencias históricas de nossa sociedade. Em sociedades intensivas em conhecimento e tecnologia, o fator humano é um bem inestimável. Já nos dizia o grande Ignácio Rangel, que “um único dia perdido da força de trabalho, não pode ser recuperado” (RANGEL, 2005). Não deve haver, portanto, dicotomia entre desenvolvimento e proteção da vida humana. Ao contrário do que dizem os “novos malthusianos”, a proteção da vida está incluída na categoria de desenvolvimento. Contudo, somente sociedades planejadoras, que se organizam para o longo prazo, sabem da importância do fator humano para o seu desenvolvimento. Afinal, vidas perdidas são histórias que se vão, juntamente com valores-trabalho, inovação, idéias, além da própria vida, que não tem preço.

 

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RANGEL, Ignácio. Obras Reunidas. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.

GADELHA, C.A.G. Desenvolvimento, Inovação e Saúde: a perspectiva teórica e política do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Revista Ciência e Saúde Coletiva, n. 23, 2018.

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Rodrigo Giraldi Cocco

Doutor em Geografia (UFSC)

Pós-Doutor pela Universidade de Guadalajara e pela UFSC

Laboratório de Estudos sobre Circulação, Transporte e Logística (LABCIT-UFSC)

Núcleo de Estudos sobre Transportes (NETRANS-UNILA)

Grupo de Estudos em Desenvolvimento Regionais e Infraestruturas (GEDRI-CNPq)

Tags: AcessibilidadeBrasilCOVID-19DesenvolvimentoMobilidadeTransporte Público

A resposta de vários países à Covid-19 e à desaceleração econômica

25/03/2020 13:00
 

Fonte da Imagem: https://www.rclco.com/publication/impact-of-the-coronavirus-covid-19-outbreak-on-u-s-real-estate-markets/

Duas importantes características de vários países asiáticos e europeus, principalmente nos últimos sessenta anos, são o planejamento e os investimentos (sobretudo públicos). O atual enfrentamento ao Coronavírus (Covid-19), bem como as estratégias e ações lançadas nas últimas semanas para estimular a recuperação econômica dos países, mais uma vez evidenciam esse aspecto.

 

Em pouco tempo, o Covid-19 causou impactos negativos especialmente na demanda e na produção de muitos países. Assim, nações como China, Japão, Coreia do Sul, França, Alemanha e outros, possuem duas prioridades no momento: combater o Coronavírus e retomar a atividade econômica (produção, circulação, serviços, comércio e demanda efetiva).

 

Enquanto Jair Bolsonaro e sua equipe atacam pesadamente os servidores públicos, os trabalhadores e seus direitos, a ciência, as universidades públicas, os docentes e as empresas públicas, e ainda precarizam a educação, a saúde e os equipamentos e serviços de utilidade pública (baseando-se em uma política altamente conservadora e liberal), o governo chinês se destaca na resposta rápida e nos esforços para combate à epidemia, valorizando a saúde, a segurança, o planejamento e os investimentos (hospitais, equipamentos e insumos, pesquisas científicas, tentativa de criar uma vacina e/ou um medicamento altamente eficaz para combater o vírus, expansão das redes de transportes etc.) (AGÊNCIA BRASIL, 2020).

 

Segundo informações divulgadas nos últimos dias, as medidas adotadas pelo país asiático geram efeitos positivos, pois houve uma desaceleração da disseminação da doença internamente. Entre as medidas de emergência, destacam-se a utilização e a produção dos kits de detecção rápida do Coronavírus, construção de hospitais para atendimento dos enfermos, divulgação de informações à população, planejamento para qualificar o atendimento médico-hospitalar em regiões menos desenvolvidas da China, entre outros. Ou seja, verificou-se uma resposta ágil do Estado para o enfrentamento da crise, com base no planejamento estratégico, nas ações coordenadas e nas inversões públicas.

 

O impacto da epidemia na economia chinesa é expressivo, porém mostra-se até o momento menor em comparação aos reflexos da crise econômico-financeira de 2008/2009. Nos dois primeiros meses de 2020, o crescimento do comércio chinês foi o mais baixo desde 2016, sendo que as exportações caíram 17,2% e as importações 4,0%. Em 2009, em apenas um mês, as exportações e importações despencaram (-26,5% e -43,1%, respectivamente) (PORTAL NEGÓCIOS, 2020).

 

O governo da Coreia do Sul anunciou um pacote para combater o Covid-19 e recuperar a economia do país (US$ 78,6 bilhões serão aplicados nos próximos meses). Esses recursos serão destinados, sobretudo, à compra de equipamentos e insumos, construção de instalações médico-hospitalares, bem como oferecer auxílio financeiro às empresas, aos comerciantes e aos trabalhadores (ESTADÃO; ESTADO DE MINAS, 2020).

 

O parlamento japonês aprovou um projeto que permite ao primeiro-ministro Shinzo Abe declarar estado de emergência para lidar com o Coronavírus. Trata-se de uma revisão de uma lei de 2012 criada para frear a propagação de novos tipos de gripe. Assim, são permitidas medidas emergenciais adotadas pelo governo japonês e pelas administrações locais, como restrição de circulação, fechamento de estabelecimentos comerciais, escolas e universidades, isolamento da população, além de aumentar os recursos para ações voltadas à saúde e à economia (crédito aos empresários, auxílio financeiro para evitar demissões, construção/expansão de hospitais, mais recursos para pesquisas etc.) (ESTADÃO; ESTADO DE MINAS, 2020).

 

Todavia, não é somente na Ásia que ocorrem respostas à crise. O Grupo dos Sete (G7) – Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido – se comprometeu a ampliar as ações fiscais para restaurar o crescimento abalado pelo Covid-19. Foi aprovado um pacote de emergência usando um fundo de reserva de US$ 2,5 bilhões do atual orçamento para conter o vírus e minimizar o impacto negativo na economia. A União Europeia, por sua vez, anunciou uma ajuda de 25 bilhões de euros para combater a crise provocada pela epidemia do Coronavírus e retomar a atividade econômica nos países-membros. As prioridades serão as pequenas empresas, a manutenção de empregos e a melhoria dos sistemas de saúde (AGÊNCIA BRASIL, 2020).

 

A Alemanha anunciou um pacote de investimentos na saúde e na economia, pautado na facilitação do crédito e em medidas de proteção dos empregos. O governo alemão também elevará os gastos/investimentos públicos para retomar a atividade econômica. O país, entretanto, tem superávit em suas contas, situação diferente da maioria dos membros da União Europeia.

 

Em relação às medidas a serem adotadas em conjunto, têm-se a ampliação do crédito bancário na zona do euro e evitar o aumento da inadimplência, da falência de empresas e do desemprego. O plano emergencial da Itália compreende, principalmente, a destinação de 10 bilhões de euros para ajudar no pagamento de dívidas e hipotecas, conter o desemprego e estimular a economia do país. Na França, o governo anunciou o adiamento no pagamento de tributos para empresas em dificuldades e a devolução de tributos em casos mais graves. Ademais, o país pretende adotar um sistema flexível de jornada de trabalho, na qual parte da renda será paga pelo governo.

 

A Espanha também busca evitar demissões, ampliar as linhas de crédito para empresas em dificuldade e postergar o pagamento de tributos. Medidas de apoio ao sistema de saúde e aos setores de turismo e transporte também fazem parte do plano espanhol. No Reino Unido – que não faz mais parte da União Europeia – também há um projeto para aumentar os investimentos públicos e expandir o sistema de saúde. Também são previstas ajudas a empresas e pessoas em risco de inadimplência (FOLHA DE PERNAMBUCO, 2020).

 

Mesmo considerando que algumas medidas adotadas pelos países asiáticos e europeus não sejam as mais adequadas, que outras precisam de aprimoramentos e que diversas iniciativas importantes sofram resistência de setores conservadores, liberais e especulativos, muitas delas são relevantes para defender o emprego, a renda, a atividade produtiva e melhorar o sistema de saúde. Estrangular o consumo, reduzir/cortar salários, aumentar impostos dos trabalhadores e funcionários públicos, demissões em massa etc. – como defende o atual governo brasileiro – somente piora o quadro de crise interna e é um crime contra a sociedade brasileira.

 

Considerando esse cenário, infere-se que o discurso neoliberal de austeridade e contenção “paranoica” dos gastos públicos – que é um “dogma” no Brasil desde o golpe de 2016 e ratificada pelo legislativo e executivo nacional – não faz sentido e ainda impede a retomada da atividade econômica, a expansão das infraestruturas, dos equipamentos e serviços públicos, dos empregos, da renda e da demanda efetiva.

 

Diante disso, a teoria keynesiana é relevante para embasar as estratégias nesse momento de crise. Planejamento, ações e investimentos são fundamentais para a retomada da demanda efetiva e para a criação de empregos. A propensão marginal a consumir e o montante dos investimentos possuem relação direta, já que a classe trabalhadora tem maior estímulo e capacidade de consumir com a elevação da renda. A propensão marginal a investir determina o nível de emprego na região e/ou no país. Quando o emprego aumenta, cresce também a renda e o consumo real agregado (KEYNES, 1982).

 

Se a propensão marginal a consumir e o montante de novos investimentos resultam em uma insuficiência da demanda efetiva, o nível real do emprego reduz até ficar abaixo da oferta de mão de obra potencialmente disponível. A existência de demanda efetiva insuficiente prejudica o emprego e a renda da classe trabalhadora e ainda inibe o processo de produção. Os volumes agregados de emprego e renda aumentam paralelamente aos fluxos de investimentos públicos e privados (propensão marginal a investir) (KEYNES, 1982).

 

Segundo Keynes (1982), o mau funcionamento do capitalismo é resultado da falta de demanda, e essa característica é derivada da própria deficiência do sistema. Por conseguinte, tem-se o aumento do desemprego e a queda da renda. A demanda efetiva (consumo e investimentos) é quem determina o volume da produção e do emprego.

 

Mais uma vez a história evidencia que, para combater a recessão, é necessária a presença do Estado planejador e indutor, e que as respostas dos países diante da crise do Covid-19 e da desaceleração econômica devem se basear no planejamento e nos investimentos estratégicos, pois como dizia Ignácio Rangel “o mal a ser combatido é a crise e isso requer uma resposta eficiente do Estado”.

 

Prof. Nelson Fernandes Felipe Junior

Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA

Tags: COVID-19GeografiaGeografia Econômica

A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa (K. Marx, 18 de Brumário…)

27/09/2018 13:00

Nós, geógrafos, que pensamos o mundo e o Brasil, jamais imaginamos que isto que está ocorrendo no Brasil pudesse acontecer novamente com tamanha rapidez. Mas está acontecendo. Em 2014 escrevemos um sucinto texto sobre as eleições presidenciais no qual foi amplamente reproduzido em redes sociais e em um jornal local, este texto gerou um amplo debate. O texto era de linguagem simples – como este, porém descrevia e retratava o momento de disputa eleitoral em que vivíamos, sobretudo, o quanto nossa sociedade estava fazendo um debate imaturo politicamente, separatista e, tampouco, estava provendo uma disputa política que de fato buscasse chegar ao bem comum ou ao um projeto de desenvolvimento nacional.

 

Foi uma disputa que colocou em oposição dois projetos de país, um representado pela presidente Dilma na qual tinha uma concepção política mais próxima do que seria uma esquerda ou coisa parecida, não que acreditamos que ela seja, mais o que ela não representa, e isto é mais do que claro, é uma direita burguesa. Dilma representava um projeto que buscava e, ainda busca combater à pobreza, redução da desigualdade social e, sobretudo, da exclusão social. Em oposição, tínhamos o Senador Aécio representante político de boa parte da sociedade brasileira que apoia as políticas de privatizações dos setores públicos, da política de concentração de renda, da forma de gerenciar o Estado brasileiro sob as regras do mercado, portanto, da classe que tem capital acumulado e muita riqueza.

 

Em 2014, com toda a mídia “gerenciada” pela direita, por partidos elitistas e neoliberais, ainda assim o PT e a presidente Dilma foram capazes de se elegerem pela quarta vez seguida via eleições livres, gerais e através da partição popular, materializada via VOTO. Grande maioria do povo teve a sabedoria e escolheu a Presidente Dilma ao invés do senador Aécio, pois grande parte não concordava com projeto de governo do Aécio ou, talvez, já sabiam quem ele de fato era e o quanto ele regurgitava hipocrisia moral e ética – um moralista imoral. O fato de a Presidente Dilma ter sido eleita evitou, pelo menos até o golpe, o projeto de desmonte social feito pelo Temer e PSDB.

 

Porém, um grupo de pessoas que sempre governaram este país e defenderam e defendem a escravidão, exploração, concentração de riqueza conseguiram cooptar ainda mais o congresso e retirar um grupo político que, pelo menos, buscou eliminar em partes estas questões por 13 anos. Daí a explicação de tanto ódio dos meios de comunicação que representam esta classe política burguesa e fascista sobre os governos mais populares e com viés social presentes nas políticas do PT. O desfecho foi a retirada da Dilma da presidência e a implantação do projeto pensado e desenvolvido pelo PSDB, parte do PMDB e outros partidos conservadores.

 

O fato é que, mais uma vez estamos próximos da eleição que reconduzirá o novo presidente do Brasil e, novamente o Brasil segue para uma disputa entre o PT, agora com Haddad e por uma figura inimaginável, Bolsonaro. E aqui é importante e necessário contextualizar a história para que a história seja contextualizada. São assustadoras as semelhanças entre o momento político atual no Brasil com a ascensão do nazismo na Alemanha, na década de 1930. Os nazistas tinham um inimigo a ser combatido, dizimado: os judeus, a quem imputavam todas as mazelas do país e a derrota na Primeira Guerra Mundial. No Brasil atual, para a extrema-direita também há um inimigo a ser combatido, a ser dizimado: o PT, a esquerda. O principal símbolo da ascensão da intolerância sugeriu fuzilar a "petezada" em comício no Acre. Já vi postagens de que os petistas defendem bandidos, portanto devem ser combatidos e exterminados. Esta gente só não coloca petistas, gays, pessoas de esquerda, negros, etc. numa câmara de gás e extermina porque estamos no Século XXI e o mundo se insurgiria.

 

Os nazistas perseguiam comunistas, e a extrema-direita brasileira também aderiu a paranoia. Por exemplo, em Santa Maria - RS, um dono de restaurante expulsou uma senhora, pois a mesma estava com a camisa de Chê Guevara. Os nazistas perseguiam os homossexuais, os quais eram identificados com um triângulo rosa antes de irem à câmara de gás. No Brasil atual, o principal símbolo da ascensão da extrema-direita profere os mesmos discursos homofóbicos. O nazismo teve apoio da Igreja Católica. No Brasil atual, o candidato da extrema-direita tem apoio parcialmente das igrejas evangélicas.

 

A Alemanha Nazista saiu da Liga das Nações, predecessora da ONU, criada no pós Primeira Guerra Mundial para promover a Paz Mundial. A Alemanha Nazista deu de ombros a aludida organização e passou por cima do Tratado de Versalhes, o qual foi assinado no pós Primeira Guerra Mundial, aplicando sanções à Alemanha. No Brasil atual, desobedecem a decisão da ONU (criada no pós Segunda Guerra, após os horrores do confronto, com o escopo de promover a paz mundial) que determina e autoriza a candidatura de Lula, desrespeitando tratados internacionais. Mais que isto, o principal expoente da ascensão da intolerância no Brasil e seus seguidores chamam a ONU de comunista e ameaçam deixar a instituição, da qual o Brasil faz parte, caso cheguem ao poder. Ou seja, a ONU está para a extrema-direita brasileira assim como a Liga das Nações estava para os nazistas.

 

A Alemanha vivia uma grave crise econômica na década de 1920 e começo da década de 1930. A moeda, o marco, derreteu, a hiperinflação atingiu números estratosféricos. Tudo isto agravado pela crise internacional de 1929. Os alemães passaram a desconfiar da democracia e do liberalismo, desejando, assim, um governo forte e centralizador. O terreno estava pronto para a ascensão de um regime totalitário. Assim, Hitler ascendeu ao poder, com apoio popular. O resto da história todos sabem.

 

No Brasil atual, as coisas se parecem. A inflação voltou, ainda que timidamente, uma grave crise econômica provocada por uma instabilidade política assola o país. Parte da população faz o mesmo apelo dos alemães na década de 1930. Alegam que precisam de um governo autoritário, forte e centralizador. Os nazistas cultuavam uma personalidade, Hitler. Viam nele a salvação, o homem que poderia reconduzir o país aos seus tempos de glória. Multidões acompanhavam seus discursos e chamavam-no de Furher. No Brasil atual acontece o mesmo, porém chamam-no de "mito". Entretanto, há uma diferença gritante: Hitler era extremamente inteligente e mestre na oratório. Diferente do "mito" brasileiro, que é tosco e não consegue articular três frases.

 

Na Alemanha Nazista o militarismo era exaltado e seu líder era militar. No Brasil atual parte da população exalta o militarismo e o líder da extrema-direita é um militar. As coincidências assustam e não param por aí. Para fechar com chave de ouro só falta uma Noite dos Cristais no Brasil, evento ocorrido em 1938, na Alemanha, onde nazistas saíram destruindo sinagogas e comércios de judeus. Só falta fazerem uma Noite de Cristais no Brasil com comércios de petistas para as semelhanças se consolidarem.

 

Concordamos que o Brasil precisa de novas mudanças, mas é importante que saibamos e tenhamos consciência de que está em questão no Brasil duas concepções políticas completamente diferentes e, pelo que tudo indica, irão disputar o segundo turno das eleições presidenciais. De um lado, Bolsonaro que que defende claramente as privatizações de empresas e instituições públicas, prega a desregulamentação do mercado e da economia – como se precisasse de mais desregulamentação. Bolsonaro não tem e não apresenta no seu plano de governo compromisso com a redução das desigualdades sociais, regionais e econômicas deste país. Além do mais, a proposta do partido PSL através da figura política em questão, se é que podemos assim chama-lo Jair Bolsonaro, apresenta questões e ideias excludentes que aprofundará nossas desigualdades sociais e econômicas e fara o Brasil retroceder ainda mais, seja no campo econômico, social e ou político.

 

A outra concepção, neste caso representado por Fernando Haddad, é em prol das instituições públicas, contra as privatizações, a favor do Estado como responsável das políticas econômicas e sociais. Uma ideologia política que defende e busca diminuir as desigualdades sociais e regionais, sobretudo, que busca fazer do Brasil um país menos desigual e com mais desenvolvimento social e econômico.

 

É impossível pensar que iremos resolver os problemas do Brasil sem um Estado forte e atuante nos setores sociais, culturais e econômicos. Resolver o problema de 13 milhões de desempregados, segundo o IBGE, ou de 50% das pessoas entre 18 e 29 anos que não estudavam nem trabalhavam e que estão fora do sistema educacional e do mercado de trabalho. Não é, e não pode ser reduzindo o papel do Estado nas políticas públicas de Investimento em Educação, infraestrutura, saneamento básico, habitação, saúde e tudo que nós estamos carentes que cabe ao Estado promover.

 

Acreditar que não cabe ao Estado resolver o problema da violência que gera 60 mil mortos por homicídio. Que tem uma taxa de violência contra a mulher que levou lamentavelmente ao óbito 6 mil mulheres em 2017 ou, conforme o Instituto Maria da Penha, que faz com que a cada 7,2 segundo uma mulher é vítima de violência física. Realidade esta, que só poderá ser modificada, se o Estado agir rapidamente com eficientes políticas públicas, algo que a candidatura e programa de governo do Bolsonaro sequer discute.

 

Ou ainda, não podemos aceitar que em nosso país um contingente de 8% da população ou algo em torno de 16 milhões são considerados extremamente pobres. O Brasil entre 2003 e 2016, conforme dados da ONU, serviu como modelo e exemplo no que diz respeito ao combate à pobreza, com a redução da miséria, a diminuição de dependentes do próprio Bolsa Família e com a criação do Cadastro Único, que visa a identificar a quantidade de pessoas em extrema pobreza no país. Mas, dados do IBGE - PNAD Contínua, referente ao de 2016 divulgada em 2017, revelou que o ajuste fiscal que vem sendo realizado pelo PMDB e PSDB contrai o crescimento, restringe a receita, gera desemprego e acelerada ampliação da pobreza e contribui para ao aumento da extrema pobreza, conforme gráfico abaixo.

 
 

Fonte: IBGE, 2016.

 
 

O que estará em disputa nessa eleição não é o PT/HADDAD e PSL/ BOLSONARO. O que estará em disputa é se você quer o Estado atuando em políticas públicas que buscará reduzir as desigualdades sociais e regionais. Se você quer um projeto de país em que educação esteja nas noticiais por melhorias constantes com a retomada das políticas educacionais e inclusivas. Se você quer um país em que tenhamos cada vez mais investimento público para retomada do emprego e da renda, da retomada das políticas habitacionais no campo e na cidade. Este projeto de governo é representado pelas forças progressistas, não necessariamente do Partido dos Trabalhadores, mas que é drenado sim para a figura a candidato à presidente, ou seja, o Fernando Haddad.

 

Agora se você quer viver em um país, em que o racismo irá aumentar, a pobreza será vista como escolha do indivíduo, de que o Estado não deve investir em políticas públicas para reduzir a desigualdade e combater à fome, tampouco que coloque o Estado como principal financiado das infraestruturas. Se você que um país em que não se priorize habitação e melhoria da condição de vida das pessoas mais carentes. Ou que veja a atuação da mulher na sociedade como algo secundário e subordinado aos tentáculos do machismo. Um país em que educação seja tratada como repressão e não como emancipação. Este projeto de país está representado pela figura de Jair Bolsonaro.

 

É grave o momento. Não é ser petista, comunista ou esquerdista. O problema é moral e humanitário. É ter bom senso. Precisamos nos unir para derrubar nas urnas a ascensão da intolerância, do ódio, da misoginia, do racismo, do preconceito contra índios, gays, homossexuais e toda forma de violência física ou verbal. O Brasil não precisa de um Hitlerzinho tropical (como diz Ciro Gomes também candidato à presidência) ou coisa parecida. Precisamos de um presidente que trabalhe para que as pessoas sejam respeitadas pelo que querem ser ou objetivam ser. Precisamos de um presidente que faça com que o Estado seja o principal gerador de oportunidades para que vivamos mais e melhor. Sem dúvida, se se concretizar as pesquisa do segundo turno, esta pessoa é Fernando Haddad.

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