As ferrovias em Santa Catarina e as contradições na produção do espaço

20/06/2016 11:03

O estado de Santa Catarina teve cinco linhas férreas construídas em seu território, a saber: Ferrovia Tereza Cristina – FTC (1884), Estrada de Ferro Santa Catarina – EFSC (1909), Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande – EFSPRG, Ramal São Francisco (1913) e o Ramal Sul entre Mafra e Lages (1969). Essas linhas férreas constituíram um importante fator de desenvolvimento, auxiliando para o escoamento do excedente da pequena produção mercantil, transportes de imigrantes e consolidação de algumas colônias, posteriormente, municípios.

As estradas de ferro catarinense seguiram as mudanças na lógica de investimento em transporte, do Governo Federal. Assim, parte da malha catarinense foi desativada entre a década de 1960 e 1970 após a construção das rodovias. Em 1997, no contexto da desestatização da antiga Rede Ferroviária Federal-FFSA, a malha ferroviária catarinense foi concedida para dois consórcios: a malha da Tereza Cristina para um consórcio com o mesmo nome e o restante foi concedido para o Consórcio Ferrovias Sul Atlântico (FSA) (alterado posteriormente para Amércia Latina Logística-ALL). Deficiências na elaboração dos contratos e falta de fiscalização possibilitaram a desativação de trechos que não interessavam as concessionárias. Assim, o estado possui três ramais ferroviários operantes: os ramais da Ferrovia Tereza Cristina- FTC que ligam as minas de carvão até a termelétrica Jorge Lacerda, no município de Capivari de Baixo; o Ramal Sul que corta o estado entre Mafra e Lages e o ramal São Francisco entre o porto de São Francisco do Sul e Mafra, que são utilizados pela ALL.
Os transportes, a logística e o armazenamento são forças produtivas importantes para a circulação do capital, contudo o sistema ferroviário é relevante, não apenas para o transporte de cargas, mas também para ampliar as interações espaciais, expandir as dinâmicas regionais, aumentar a competitividade e contribuir para a integração nacional. Santa Catarina, da mesma forma que todo o Brasil, necessita de uma expansão da malha férrea e apresenta setores que seriam favorecidas com a existência de uma rede férrea de transporte. Parte das exportações do estado são produtos tipicamente ferroviários como as carnes, o fumo, a soja e a madeira, mas seguem por rodovias, devido a inexistência de uma ferrovia que atenda a demanda regional.
A despeito das necessidades ferroviárias do estado, o Programa de Aceleração do Crescimento-PAC 2 (lançado em 2011) apresentou o projeto de construção do corredor ferroviário cruzando o estado de leste a oeste, projeto antigo de intersse estadual. Também foram retomadas as discussões para a construção da Ferrovia Litorânea, a modernização do Tronco Sul da antiga RFFSA entre a cidade de Mairinque/SP até o Porto de Rio Grande/RS e a construção do eixo sul da Ferrovia Norte-Sul (EF-151) ligando Panorama/SP até Chapecó/SC.
A partir desse contexto, o capítulo busca analisar alguns aspectos na discussão sobre a ampliação da rede ferroviária catarinense. A questão que norteia o capítulo é identificar quais os maiores entraves para a construção da Ferrovia Oeste-Leste (ou “Ferrovia do Frango”) e da Ferrovia Litorânea e outros traçados que atendam aos interesses de fluidez do território catarinense. A metodologia utilizada foi sobretudo revisão bibliográfica sobre as ferrovias e leitura de textos que abordam a realidade atual do estado e do país. Porteriormente foi realizada a analise das demandas ao setor de transporte ferroviário. Foram levantados dados da produção estadual, assim como busca de informações e documentos em órgãos públicos e empresas.
De acordo com a VALEC – Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. (2013) o projeto do Corredor Ferroviário de Santa Catarina deverá ligar o Porto de Itajaí ao município de Dionísio Cerqueira (862 km). Em 2013 a VALEC abriu edital para contratação de empresa para elaboração de Estudo de Viabilidade Técnica dessa ferrovia, mas ele foi suspenso pelo Tribunal de Contas da União por irregularidades na concorrência. Na Assembleia Legislativa do estado existem várias proposições de deputados para impetrar alterações no trajeto da Ferrovia Oeste-Leste. Tais fatos evidenciam as divergências de interesses quanto ao traçado e demonstram a força dos pactos de poder regionais e nacionais que sobrepujam os interesses sociais.
 Fffoi possível identificar outros problemas que implicam na não construção dos trechos ferroviários, a saber: inexistência de um estudo claro e objetivo sobre os vários aspectos que envolvem a implantação de uma rede ferroviária como geologia, economia regional, demandas, etc.; inexistência de recursos públicos para construção; falta de investimentos por parte da da iniciativa privada; deficiências de planejamento e execução do Estado; uso de projetos para campanhas partidárias e os conflitos entre projetos do governo e de Estado.
Os problemas identificados no estado de Santa Catarina são parte de um problema de infraestrutura em âmbito nacional, apesar das suas particularidades históricas. Em ambos os casos deveria prevalecer os interesses públicos, com a integração dos modos de transporte regional, estadual e nacional, contudo, prevalecem os interesses do capital privado e de grupos locais e regionais.
Alessandra Júlio dos Santos
Doutoranda em Geografia
Departamento de Geociências
Universidade Federal de Santa Catarina

Financiamento das infraestruturas de transportes em Santa Catarina

20/06/2016 10:58

Os investimentos em infraestruturas de transporte em Santa Catarina não ocorreram de forma diferenciada das políticas implementadas no Brasil. Elas possuem relação direta com a demanda necessária para acompanhar a histórica e crescente industrialização e urbanização, por conta da necessidade de escoamento da produção tanto entre regiões e estados brasileiros, quanto para o mercado externo.

As infraestruturas catarinenses foram construídas sob influência de relações políticas, econômicas, de ocupação e colonização do território, bem como pelos condicionantes naturais próprios da formação catarinense. A pressão econômica, em especial a industrial, teve relevante papel, juntamente com os interesses políticos, que estiveram entrelaçados em pactos de poder ao longo da constituição do Estado. Desta forma, o processo de industrialização conjugado à diferenciação da formação socioespacial tem relação direta nas priorizações deinvestimentos das infraestruturas, com objetivo de atender aos setores econômicos que se formam.
Santa Catarina possui uma localização estratégica, situa-se geograficamente no meio da Região Sul do país; próximo a Região Sudeste a mais dinâmica da economia brasileira; faz divisa com a Argentina e possui relações variadas com Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia. Conta com uma longa costa marítima de 531 km, representando 7,2% da costa nacional. Sua região litorânea é formada por diversos vales originados pelas bacias hidrográficas dos Rios Itapocu e Itajaí-acú ao norte da capital e pelas bacias dos Rios Tubarão e Araranguá ao sul. Teve, portanto, ótimas condições naturais e enseadas para instalação de terminais portuários e conta atualmente com seis em operação.
Possui quatro traçados ferroviários localizadas em Santa Catarina, porém não possuem integração entre si, dois são ligados aos portos catarinenses e três a malha ferroviária nacional e na sua maioria estão desativados. O Estado é dotado de uma estrutura de quatro portos secos, infraestruturas disponíveis para empresas envolvidas com o comércio exterior.
Santa Catarina dispõe de quatro aeroportos administrados pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – INFRAERO, distribuídos entre os municípios de Joinville, Navegantes, Florianópolis e Criciúma/Forquilhinha. Há em operação o aeroporto de Chapecó, administrado pelo município e o de Jaguaruna que pertence ao Governo do Estado e é administrado por uma empresa privada.

A malha rodoviária catarinense conta atualmente com pavimentação asfáltica em 3.600 quilômetros de rodovias federais, 8.500 quilômetros de rodovias estaduais, além 97 mil quilômetros de estradas municipais, totalizando aproximadamente 110 mil quilômetros, configurando em uma das maiores coberturas percentuais do país.

Constata-se através dos investimentos efetuados pelos governos federal e estadual em infraestrutura de transportes em Santa Catarina nos últimos vinte anos, objeto principal da pesquisa, que estes quantitativos tiveram variações constantes e se comparados com o PIB, o resultado é muito aquém das necessidades reivindicadas pelo setor produtivo. Esta constatação, somada às dificuldades e morosidade para conclusão das diversas obras fazem crescer o quadro por novas infraestruturas.
Fator importante a destacar é o papel reduzido do Estado como impulsionador e investidor no desenvolvimento nacional, período que perdurou nos anos de 1980 e 1990, ou seja, foram duas décadas de baixo ou quase nulo investimento estatal, intensificando-se o contrário: a redução do papel do estado e o aumento do processo de privatização de ferrovias, rodovias, portos e aeroportos. Com isso, perdeu-se a possibilidade de planejamento de obras infraestruturais de longo prazo que ajudassem a diminuir as desigualdades regionais já existentes.
Decorrentes de um processo de crescimento econômico, que compreende o início do novo milênio, criam-se as condições para o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) a partir de 2007 pelo Governo Federal. Este programa objetiva promover a retomada do planejamento e execução de grandes obras de estrutura social, urbana, logística e energética do país, com vistas a contribuir para um desenvolvimento mais acelerado. Santa Catarina é beneficiada com diversas destas obras e os investimentos diretos do governo federal praticamente dobram neste período, bem como aumentam os acessos aos financiamentos efetuados pelo governo estadual.
Devido ao quantitativo de investimentos oscilarao longo destes últimos vinte anos e os mesmos estarem sempre aquém da demanda necessária, as infraestruturas de transportes foram se deteriorando e acabaram por diminuir ou perder a sua capacidade, enquanto que a demanda destas pela sociedade continua aumentando.
Um dos entraves vivenciados é de que o Estado, tanto nacional quanto o estadual, está sempre correndo atrás para superar os gargalos de saturamento das estruturas existentes e há dificuldades em projetar e mesmo executar as obras de infraestruturas com previsão de aumento de demandas futuras.
Não deve haver impeditivos para que o setor privado assuma um protagonismo maior nofinanciamento e consecução das obras do setor de infraestrutura de transportes, desde que sejam planejadas, coordenadas e fiscalizadas pelo Estado, pois o interesse público do conjunto da sociedade deve prevalecer de forma absoluta.
Janete Ely
Mestranda em Geografia
Departamento de Geociências
Universidade Federal de Santa Catarina
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