Pesquisador do LabCit participa de matéria sobre mobilidade urbana e ciclovias em São Luís (MA)

10/11/2025 13:10

A nova pesquisa de Informações Básicas Municipais do IBGE revelou uma grave deficiência na infraestrutura cicloviária do Maranhão, acentuando a insegurança viária enfrentada pelos ciclistas. O estudo demonstra que apenas 10 municípios do estado possuem ciclovias e somente três contam com bicicletários públicos. Este cenário de escassez é reforçado por relatos de quem depende da bicicleta em São Luís, onde o trânsito é classificado como "muito violento", expondo os usuários a riscos e confirmando que a dependência da bicicleta como meio de locomoção é dificultada pela carência de políticas públicas eficazes em todo o estado.

Na capital maranhense, a situação é particularmente crítica. Apesar de possuir algumas ciclovias e ciclofaixas, a cidade não conta com um Plano Diretor Cicloviário, um documento essencial para planejar a expansão organizada da malha. O geógrafo Juan Siqueira, um dos especialistas consultados no vídeo, destacou que a ausência deste plano tem impactos diretos e profundos sobre a mobilidade urbana, comprometendo a integração modal e a equidade no acesso ao espaço urbano, além de revelar a fragilidade institucional da política cicloviária de São Luís. Juan pontuou que a infraestrutura cicloviária existente é escassa e desconexa, pois os trechos implantados não formam uma rede contínua e, em muitos casos, terminam abruptamente em vias de alto fluxo de veículos sem sinalização adequada. Essa fragmentação espacial gera insegurança viária, inviabilizando deslocamentos interbairros e restringindo o uso da bicicleta a percursos muito curtos. A conclusão geral dos especialistas é que a mobilidade urbana só será completa e equitativa com investimentos urgentes em infraestrutura adequada para os ciclistas.

Para além dos números: interpretando os dados do Censo Demográfico de 2022 sobre mobilidade urbana em Manaus

10/11/2025 09:00

Por Cristiano da Silva Paiva
Doutorando em Geografia, UFSC

A mobilidade urbana em Manaus, conforme os dados do IBGE de 2022, revela padrões complexos de desigualdade e segregação no acesso ao transporte público. A pesquisa do IBGE aponta para uma clara divisão racial nos modos de transporte utilizados, o que reflete a exclusão socioeconômica de grupos específicos. Por exemplo, enquanto 41,3% da população branca utiliza automóveis, apenas 32% dependem de ônibus, destacando o maior acesso da população branca ao transporte individual. Em contraste, 42,4% dos negros e 42,5% dos pardos dependem do transporte coletivo, com uma menor porcentagem utilizando automóveis (22,5% e 25,4%, respectivamente).
A comparação entre os dados do PlanMob 2015 e da pesquisa do IBGE 2022 revela transformações significativas no padrão de mobilidade urbana em Manaus. Em 2015, a distribuição modal apresentava uma configuração mais equilibrada entre as três principais categorias: transporte coletivo (39,5%), modos motorizados individuais (30,5%) e modos não motorizados (30%). Esta divisão praticamente equitativa entre individuais motorizados e não motorizados indicava uma cidade com expressiva participação de deslocamentos ativos.

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O que apontam os dados do Censo Demográfico de 2022 sobre a mobilidade urbana e regional no estado de Santa Catarina?

29/10/2025 22:00

Por João Henrique Zoehler Lemos
Doutorando em Geografia, UFSC
Bolsista do UNIEDU/FUMDES

O IBGE divulgou, recentemente, mais um resultado preliminar do Censo Demográfico 2022, dessa vez sobre os “Deslocamentos para trabalho e para estudo”. É uma radiografia da mobilidade urbana e regional a nível nacional. Iniciativa de grande valia para nós, estudiosos da circulação, transportes e logística em contextos tão diversos como os que temos no território brasileiro. O levantamento traz recortes importantes, como a divisão modal – algo inédito, pela primeira vez no Censo –, o tradicional tempo de deslocamento, o local de exercício do trabalho, entre outros [1]. Diante desses dados, estas breves notas terão como recorte territorial para análise o estado de Santa Catarina.

Um dado chama a atenção de antemão: no estado catarinense, o império do automóvel é gritante e atinge a maior proporção do país, com pouco mais de 47% de participação na matriz modal dos deslocamentos entre casa e trabalho em geral – considerando-se o mesmo município, outro município e outro país como local de trabalho (figura 1).

Figura 1 – Santa Catarina: matriz modal do meio de transporte utilizado, em % (2022)

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2022 (IBGE, 2025a).

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Mobilizar ou imobilizar? A pandemia da Covid-19 e a incompreensão do que é o desenvolvimento

29/03/2020 13:00

No Brasil de Bolsonaro e Guedes, assim como de seu antecessor Michel Temer, o sucateamento dos meios de reprodução da força de trabalho – dentre os quais a saúde pública – foram a tônica dos 4 anos que se seguiram ao Golpe de Estado em 2016. A agenda de austeridade neoliberal realizada por esses governos impôs um teto de gastos à saúde pública (EC/95), que só em 2019 retirou R$ 20 bilhões do setor, negligenciando o caráter estratégico do SUS. Mesmo em meio à atual crise de saúde pública gerada pela pandemia do coronavírus, o presidente-vassalo do imperialismo tem negado seguidamente a necessidade de isolamento domiciliar por parte dos brasileiros, criando uma falsa dicotomia entre o desenvolvimento econômico e o resguardo das vidas humanas, exortando a população ao retorno de todas as atividades, incluindo escolas, comércio e serviços em geral. A pergunta que fazemos é: de fato existe a dicotomia entre desenvolvimento econômico e o resguardo da saúde através do isolamento social, combinado a outras medidas?

 

Nos últimos dias a Rússia iniciou obras para um complexo hospitalar de 80 mil metros quadrados em Moscou, com 500 leitos, sendo 250 UTIs e um laboratório próprio de infectologia para a análise das infecções, mobilizando 5.000 trabalhadores (Fonte: Sputnik, 2020). Ao mesmo tempo, a prefeitura moscovita decretou o isolamento domiciliar e o fechamento de comércio e serviços não-essenciais, para desacelerar a disseminação do vírus. Trata-se de ações similares às que tomaram as autoridades chinesas dias atrás. Na China, empresas privadas e estatais foram mobilizadas para a produção massiva e com preços controlados, de itens como respiradores, testes para Covid-19, máscaras, luvas e desinfectantes, além de 2 grandes hospitais, um deles com 1.000 leitos, em apenas 10 dias.

 

Canteiro de obras do complexo hospitalar de infectologia no distrito Troitsky-Novomoskovsky de Moscou. Fonte: Sputnik.

É obvio que há perdas econômicas imediatas com a redução da circulação e do consumo. Mas o exemplo chinês, assim como o russo, nos mostra que não há uma dicotomia absoluta, desde que o Estado entre em ação. Inovações surgem nas crises, são novos problemas cujas soluções se realizam através de novas químicas finas, engenharias de materiais, softwares, robótica etc.

 

Se por um lado é fundamental que se cessem as mobilidades em geral momentaneamente e assim, interações espaciais – ou seja, os contatos interpessoais que geram transformações progressistas naqueles que estão nela envolvidos (que geram, portanto, desenvolvimento) –, por outro lado, outras formas de interações espaciais e mobilidades são necessárias para combater o Covid-19, bem como para já preparar estrategicamente os países para outras possíveis epidemias/pandemias. Assim, a circulação massiva de pessoas, que potencialmente amplia a transmissão da doença (transportes de massa, circulação em praças de comércio e serviços, shoppings, escolas, universidades e outras aglomerações), dá lugar a mobilidades específicas para o combate à doença. Ações combinadas desse tipo têm sido essenciais para a saída mais rápida da crise, por alguns países. Inclusive, as 184 estações do metrô de Wuhan estão sendo gradativamente reabertas, equipadas com scanners térmicos para avaliar a temperatura dos passageiros, mostrando que a resposta está na aplicação de ciência e tecnologia.

 

Fato é que a mobilidade nunca cessa completamente. A máxima do “caráter absoluto do movimento e do caráter relativo do repouso”, na dialética materialista, é plausível. Além disso, mobilidades essenciais para o tratamento dos doentes, para a geração de conhecimentos, P&D, tecnologia e infraestrutura para se vencer o Covid-19 devem ser protegidas com todas as tecnologias de segurança disponíveis, inclusive com a prioridade dos testes de Covid-19 e o acompanhamento diário de seus trabalhadores. A massa da população, no entanto, deve ser protegida pelo isolamento e um programa de renda mínima adequado, até que haja um correto mapeamento dos focos da doença no território e assim, o controle do problema. Mas nada disso tem sido feito pelo governo brasileiro.

 

O governo Bolsonaro, acompanhado de governos estaduais e municipais, não faz desses exemplos a sua lição de casa. Os testes para constatação do Covid-19 – uma ferramenta fundamental para o isolamento e acompanhamento dos casos, tal como nos mostrou a Coréia do Sul, são insuficientes em quantidade. Faltam máscaras, material de limpeza, luvas, respiradores e leitos públicos de UTI em todo o território nacional. Não bastassem essas carências, o próprio presidente exorta as pessoas a retornarem totalmente às suas atividades.

 

É importante lembrar que o Brasil possui um déficit crescente na balança comercial ligado à saúde pública que vem acompanhando o período de 20 anos na esteira da construção do SUS. O déficit salta do patamar de US$ 3,0 bilhões em 1996, para US$ 12 bilhões em 2016 (GADELHA, 2018), mostrando, por um lado, como os governos populares de Lula da Silva e Dilma Rousseff esforçaram-se por ampliar e equipar o sistema, mas por outro, demonstra a sua fragilidade tecnológica. A próxima etapa seria justamente a de internalizar tecnologias para a produção própria de equipamentos médicos (joint-ventures, engenharia reversa etc.), com o fim de criar certa independência estratégica nesse setor. Vale ressaltar que nesse momento, pelo menos 50 países do mundo estão restringindo exportações de produtos avançados de saúde, obviamente dando preferência para o atendimento de suas necessidades internas. Os bolsonaristas/neoliberais ignoram completamente esse problema.

 

Além disso, que dizer de nossas cidades e seus sistemas de transporte e mobilidade? No Brasil, as pessoas permanecem muito tempo dentro do sistema de transporte, ou seja, muito tempo em trânsito, o que faz delas alvos potenciais de acidentes, stress, cansaço físico além do normal, condições nas quais pode haver redução de imunidade contra doenças, além é claro, de maiores chances de uma contaminação direta, já que estão expostas a uma grande variação no sobe-desce de passageiros. Na Região Metropolitana de Florianópolis, deslocamentos entre a cidade de São José, no continente e a Ilha de Santa Catarina, em condições de congestionamento, podem gerar até 4 horas de permanência dentro do sistema de transporte público (ida e volta), tal como ocorreu há dias atrás. Como pode, o governador de Santa Catarina, exortar as pessoas ao retorno de suas atividades, espremidas umas contra as outras no interior de um ônibus várias horas por dia?

 

Ademais, trata-se de um transporte público não subsidiado e, portanto, economicamente frágil em contextos como o atual. Além disso, não há institucionalidades, um “pessoal de inteligência” ligado à mobilidade, capaz de criar, flexibilizar e adaptar os serviços de transporte público a contextos de crise. Que dizer das pessoas que tem que deslocar grandes distâncias, em deslocamentos pendulares para efetuar suas compras em um contexto de quarentena? Toda a política de transportes e mobilidade que não foi feita anteriormente hoje mostra seus efeitos.

 

Ônibus lotado na Grande Florianópolis. Fonte: Ndmais.com.br.

Ora, ao contrário do que dizem as “falanges terraplanistas” não são as “altas densidades das cidades europeias” o grande propagador do vírus. Falam como se o Brasil estivesse protegido por sua dispersão urbana! Se assim fosse, Japão, Cingapura e Coréia do Sul, com suas hiperdensidades, já contariam centenas de milhares de infectados. Não se trata de uma análise de causa e efeito entre densidades urbanas e propagação do vírus. Se assim fosse, a cidade sul-coreana de Seul, com 16.257 hab./km² estaria mais infectada do que a estadunidense Nova Iorque com seus 7.166 hab./km². A ação do Estado sim, é decisiva.

 

Por fim, uma última palavra sobre as negligencias históricas de nossa sociedade. Em sociedades intensivas em conhecimento e tecnologia, o fator humano é um bem inestimável. Já nos dizia o grande Ignácio Rangel, que “um único dia perdido da força de trabalho, não pode ser recuperado” (RANGEL, 2005). Não deve haver, portanto, dicotomia entre desenvolvimento e proteção da vida humana. Ao contrário do que dizem os “novos malthusianos”, a proteção da vida está incluída na categoria de desenvolvimento. Contudo, somente sociedades planejadoras, que se organizam para o longo prazo, sabem da importância do fator humano para o seu desenvolvimento. Afinal, vidas perdidas são histórias que se vão, juntamente com valores-trabalho, inovação, idéias, além da própria vida, que não tem preço.

 

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RANGEL, Ignácio. Obras Reunidas. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.

GADELHA, C.A.G. Desenvolvimento, Inovação e Saúde: a perspectiva teórica e política do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Revista Ciência e Saúde Coletiva, n. 23, 2018.

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Rodrigo Giraldi Cocco

Doutor em Geografia (UFSC)

Pós-Doutor pela Universidade de Guadalajara e pela UFSC

Laboratório de Estudos sobre Circulação, Transporte e Logística (LABCIT-UFSC)

Núcleo de Estudos sobre Transportes (NETRANS-UNILA)

Grupo de Estudos em Desenvolvimento Regionais e Infraestruturas (GEDRI-CNPq)

Tags: AcessibilidadeBrasilCOVID-19DesenvolvimentoMobilidadeTransporte Público

Bicicleta fora dos planos: mobilidade urbana em Maringá (PR)

25/11/2019 13:00

A mobilidade urbana é um tema complexo que abarca inúmeras variáveis que vão desde escolhas de Estado no que se refere aos investimentos em políticas públicas e infraestruturas, até o posicionamento da sociedade frente os novos desafios e quebras de paradigmas na utilização do carro e dos combustíveis fósseis. Seu principal problema encontra-se na rápida e desordenada urbanização que as cidades brasileiras apresentaram ao longo das décadas – sobretudo a partir de 1930 - no espraiamento e segregação socioespacial que aumentou ainda mais as distâncias e tempos de deslocamento entre trabalho e moradia (por exemplo), na escolha do veículo automotor individual como modal prioritário da vida urbana, entre tantos outros que trazem à tona a relevância em se discutir essa questão. A definição pragmática de mobilidade urbana trazida pelo MCidades (2004), nos diz que a mesma está associada à circulação de bens e pessoas, correspondendo às necessidades de deslocamento de cada indivíduo e as respostas destes frente a isto. Para tanto, o esforço do deslocamento pode ser direto (deslocamento a pé), não-motorizado (bicicletas, carroças etc.) ou motorizado (coletivo ou individual).

 

No entanto, é preciso considerar a mobilidade urbana como algo que vai além dos transportes e modos de locomoção. Segundo Cocco (2017) a mobilidade está associada às políticas que abarcam os transportes, estendendo-se para as questões de uso do solo, proximidade entre lugares, integração etc. A bicicleta, especificamente, pode se enquadrar como uma forma de mobilidade urbana ativa, considerada como um eixo da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), que trata de uma maior ênfase dos modos coletivos e não-motorizados de deslocamento. De acordo com Neri, Filho e Savi (2016), em cidades médias, onde as viagens se caracterizam por serem mais curtas, a bicicleta é um meio de grande potencial nos deslocamentos urbanos, auxiliando uma grande parcela da população diariamente. Além disso, para distâncias de até 8 km, o tempo de deslocamento se assemelha muito ao de um carro. Dentro deste contexto, além de ser o veículo mais utilizado do mundo, representa uma das soluções que as cidades têm buscado para o problema da circulação e do trânsito. Neste cenário, sua utilização como meio de transporte, pode ser entendida como um ato político necessário ao debate sobre os modos de locomoção no meio urbano, sobre a humanização e equidade dos espaços, sobre o papel que cada modal representa e a quem eles devem servir. Nosso trabalho escolheu como objeto de análise a mobilidade por bicicleta, no entanto, é preciso entender que esta discussão não deve ser feita senão no âmbito de integração entre os modais disponíveis em determinada localidade - no nosso caso, o recorte espacial é o município de Maringá-PR.

 

Esta cidade, nasceu sob a lógica da colonização planejada do norte paranaense, que se deu inicialmente pela companhia inglesa Paraná Plantations Ltd e, desde sua concepção, as ações dos agentes produtores do espaço urbano estiveram presentes de modo muito intenso, especialmente na forma da especulação imobiliária impulsionada por ações do Estado. Em parte, esta característica de empreendimento imobiliário é o que implica a maneira como se desdobrou o planejamento urbano municipal em suas várias nuances, com a advento de leis, políticas públicas e infraestruturas que vêm - não raramente - ao encontro de interesses privados. Apesar de ser uma cidade moderna e planejada, com grande potencial de integração e diversificação de modais, ainda segue a velha lógica do carro como meio de transporte primordial, sendo pensada para este fim desde o primeiro esboço de plano durante a década de 1940. Suas avenidas largas e arborizadas, com amplas faixas de circulação e canteiro central com espaço suficiente para a implantação de ciclovias, receberam, antes de qualquer outra medida, um sistema binário (composto de vias de mão única e sincronização semafórica chamada de “onda verde”), confirmando mais uma vez, o usuário do modo privado de locomoção como centro dos investimentos públicos. Orgulhosa de ser uma cidade cujas instituições públicas e privadas se debruçam sobre planos estratégicos numa projeção de décadas à frente, o Plano de Mobilidade, determinado pela Política Nacional de Mobilidade Urbana - PNMU, ainda está em fase inicial de discussão em Maringá, mesmo que o terceiro prazo de prorrogação tenha finalizado em abril de 2019.

Partiu-se, portanto, da hipótese de que o município de Maringá teve, ao longo de sua história, decisões determinantes no que se refere ao planejamento urbano, sobretudo na questão da mobilidade e bicicleta como eixo central. Dessa forma, procurou-se responder ao seguinte questionamento: Qual a relação da dinâmica de mobilidade urbana do município de Maringá, seu processo de organização espacial e a atuação dos principais agentes produtores e modificadores do espaço urbano (com destaque para os agentes imobiliários e o Estado), que inviabilizam a constituição de uma matriz de transporte diversificada e acessível, e priorizam o automóvel (carros e motos) e deixando modos ativos, como a bicicleta, fora desses planos?

 
 

PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO MARINGAENSE

 

A produção do espaço urbano maringaense, está inserido dentro do contexto global e nacional, e obedece tanto às dinâmicas externas quanto os ciclos internos e os pactos de poder que fazem parte da Dualidade Básica brasileira defendida por Rangel (2005a). Dessa forma, a formação de seu território foi influenciada por fatos históricos como a II Grande Guerra, a Crise de 1929 e, dentro do Brasil, pela Revolução de 30 e as políticas nacional desenvolvimentistas de Getúlio Vargas. A questão dos transportes e da mobilidade urbana também foi influenciada por estas políticas, uma vez que se pretendia uma integração do território nacional através da confecção de malha viária representada antes pelas ferrovias e depois pelo rodoviarismo.

 

No caso de Maringá, o mesmo traçado ferroviário que deu origem ao plano inicial da cidade, foi aquele que trouxe o asfalto obedecendo a uma lógica do capital que construía cidades voltadas para o carro. Acompanhou também uma lógica tecnocrática baseada em planos e planejamentos que seguiram inicialmente as “cidades-jardins” europeias, mas, que logo se perderam para um crescimento populacional acelerado. Os principais planos diretores e legislações urbanísticas que fizeram parte da história maringaense, basearam-se não raramente nos interesses de agentes privados, sobretudo do capital imobiliário. Trazendo à tona decisões que beneficiaram determinadas classes em detrimento de outras, afastaram a pobreza das vistas de seus parques urbanos bem desenhados e, demandaram por mais transportes neste processo segregativo.

 

Com base nas formas e estruturas urbanas, implantadas ao longo do tempo, problemas como a violência no trânsito, já atingiram números maiores do que a capital paranaense, em termos relativos. A questão dos acidentes de trânsito, se analisadas sob o ponto de vista da quantidade de acidente/habitante, ultrapassa as duas maiores cidades do Estado: Curitiba e Londrina. Dessa forma, se as políticas de priorização da mobilidade continuarem voltadas para os veículos automotores individuais, como foi desde o início, teremos uma cidade média com características de metrópole, pelo menos no que se refere ao trânsito e à mobilidade.

 

Dados do Detran-PR (2019) apontam que entre 2008 e 2018 houve um aumento de 64,60% da frota de veículos na cidade[1], aumento este que continua a cada semestre e representa centenas de milhares de veículos em uma década. Nesse panorama, Maringá encontra-se com um dos maiores índices de habitantes por veículo do Estado (1,57 habitante/veículo contra índice do Paraná que é 1,32 habitante/veículo). A crescente quantidade de carros, deve-se a uma diversidade de fatores, dentre eles: às isenções fiscais sobre tal modalidade adotado pelo governo Lula em 2008 (Gráfico 1) para estimular a economia nacional num momento de crise internacional, aumento da renda e de crédito, preço equilibrado dos combustíveis, aumento do crédito, oligopolização e monopolização do transporte público com a formação de cartéis, implementação do Programa Proálcool e dos automóveis Flex. Estes fatores combinados, facilitaram a obtenção de veículos automotores por camadas da sociedade que antes não tinham acesso, mas, não previu de forma significativa o impacto do inchamento das vias que se agravaram sem a adoção de políticas de controle e fiscalização, como previu Maricato (2011) no trecho a seguir:

 

Melhoras sociais podem impactar significativamente o modo de vida urbano. O aumento do desemprego, fonte de muitos problemas sociais, é fatal para as cidades. As políticas macroeconômicas impactam a sociedade e o território. Para dar um exemplo, o comemorado aumento da produção de automóveis no Brasil em 2008 e 2010 - e consequentemente o aumento do PIB - tende a ser desastroso para as cidades. (p. 77)

 

O gráfico ainda nos aponta o número de licenciamentos total e de automóveis no Brasil de entre 1957 e 2019, indicando que nos anos de 2008 a 2012 (política de IPI reduzido e aumento de renda), houve um salto significativo na venda desses bens em nível nacional. No entanto, o índice relativo de crescimento de carro por habitante na cidade de Maringá, não demonstrou uma diferenciação tão acentuada entre as políticas dos governos FHC e Lula (Tabela 1). No primeiro deles, o poder de compra da classe média foi estimulada pela valorização do real e, uma vez que a presença dessa camada social é muito forte em Maringá, a obtenção de veículos ocorreu de forma mais ou menos intensa. No governo Lula, este poder de compra se estende para outras camadas da população, sendo maior o consumo de carros do que na gestão anterior, mas, não tão acentuada como no caso nacional.

 

Gráfico 1 – Licenciamento anual de automóveis no Brasil de 1957 a 2019.

Fonte: ANFAVEA, 2019.

Elaboração: BARBIERO, L., 2019.

Tabela 1 – Índice de crescimento do número de carros nos diferentes governos 1995-2018.

Fonte: IBGE Cidades / DETRAN-PR.

Elaboração: BARBIERO, L., 2019.

 

Obviamente, dar acesso amplo a uma classe social antes desprovida de condições de obter um dado bem, no caso o automóvel, não é o problema da mobilidade, afirmar isso, seria relacionar a manutenção da pobreza com a solução para os problemas urbanos. Segundo o documentário Mobilidade Urbana (2012), se comparado com as principais cidades dos Estados Unidos e Europa, o número de carros no Brasil é muito menor, ainda que os inúmeros problemas que circundam esta escolha sejam maiores e mais danosos. Ou seja, não se trata apenas de quantidade de carros, mas, sobretudo da qualidade das vias, sua capacidade de abarcar a maior quantidade de modais compartilhando seu espaço, a escolha correta do modal a ser priorizado e o uso racional dos veículos automotores.

 

MOBILIDADE POR BICICLETA EM MARINGÁ-PR

 

Apesar das questões apresentadas sobre mobilidade por bicicleta, temos também críticas ao modelo, no sentido de entender que existem diferenças entre aquele grupo de “privilegiados”, que segundo Monteiro (2019b) geralmente compõem o conjunto de cicloativistas das cidades e, utilizam a bicicleta como opção, e, àqueles que em sua dissertação ele categoriza como os que utilizam-na como única opção. Ou seja, locomover-se de bicicleta pela cidade para uns pode ser motivado como uma alternativa ao estresse do trânsito (bicicleta como opção) enquanto para outros, representa o meio mais barato de se locomover “e o valor economizado do petróleo garante a mistura do jantar” (MONTEIRO, 2019a, p. 32). A distinção está, quase sempre, na classe social à qual pertencem e, se a escolha de transitar de bicicleta pertence à uma decisão política, social ou econômica.

 

É importante salientar que as análises presentes neste trabalho, dizem respeito às condições apresentadas pelo município de Maringá em termos de clima, tempo de deslocamento, distâncias percorridas, relevo, entre outros. Estando assim em acordo com as potencialidades estudadas para este espaço urbano. No entanto, entendemos que a mesma conjuntura pode não ser tão facilitada em outras realidades geográficas, estando condicionadas a diversos fatores. Em metrópoles como São Paulo-SP e Rio de Janeiro-RJ, por exemplo, não se pode pensar na utilização da bicicleta sem refletir igualmente na integração com outros modais, uma vez que as distâncias percorridas são mais longas e, somente o transporte por bicicleta, pode não ser suficiente para se alcançar o destino desejado. Outros locais como Florianópolis-SC, com relevo acidentado e barreiras físicas e naturais, por vezes intransponíveis, também existe dificuldade em se utilizar a bicicleta como único modal. De acordo com Pezzuto (2002), nestes casos, o transporte cicloviário pode ser uma boa alternativa para a diminuição do número de carros, no entanto, deve ser conectado a outro modal, o que aumenta seu raio de atuação.

 

A discussão sobre mobilidade em Maringá, perpassa por uma série de questões atuais, que envolvem a revisão do Plano Diretor para os próximos 10 anos (2020-2030), a implantação do Plano de Mobilidade Urbana (em fase de assinatura de contrato licitatório) e a adoção de políticas que visem amenizar os problemas de trânsito que tem se mostrado cada vez mais acentuados, sobretudo, com relação à violência.

 

Por ser uma cidade média, com distâncias reduzidas entre um destino e outro; relativamente plana que num raio de 8 km pode-se percorrer quase todo o eixo de comércio e serviços principais (NERI, 2012); com avenidas e canteiros centrais largos, que podem comportar facilmente estruturas cicloviárias e; mais uma série de fatores, a bicicleta poderia ser melhor aproveitada como modo de transporte. No entanto, não é o que acontece.

 

Os automóveis têm crescido em quantidade e utilização, enquanto o transporte público coletivo e demais formas de locomoção perdem usuários a cada ano que passa. Sobre isto, o debate que se faz é a respeito do novo terminal intermodal e sua real funcionalidade e das possibilidades de taxa zero para o transporte público, para que se torne novamente uma opção viável para a população.

 

Defendemos que a questão central sobre mobilidade em Maringá hoje, precisa ser focada em decisões políticas no sentido de amenizar a questão da violência no trânsito, visto que Maringá, não necessariamente apresenta grandes congestionamentos, como nas grandes cidades. No entanto, o número de acidentes e mortes em decorrência do trânsito são relativamente maiores que as médias do Paraná e do Brasil, em muitos casos.

 

CICLOVIAS E CICLISTAS EM MARINGÁ

 

O número exato de ciclistas para a cidade de Maringá não foi passível de ser levantado em nenhum órgão local ou regional, uma vez que, por não possuírem registro, é difícil fazer o controle do número de bicicletas existentes e mais difícil ainda, daquelas que são efetivamente utilizadas. Nacionalmente, temos a estimativa de 70 milhões de unidades de acordo com a Abraciclo (2019).

 

Na cidade de Maringá, algumas iniciativas têm sido desenvolvidas no âmbito político para a viabilização desse tipo de mobilidade alternativa. Um exemplo, é a implantação de um terminal intermodal, que promete abarcar vários meios de transportes, integrando-os de forma sistemática. Dados da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana de Maringá (SEMOB, 2019), confirmam a existência de uma malha cicloviária (ciclovias e ciclofaixas) de aproximadamente 37 quilômetros, sendo que 3,2 quilômetros estão em execução e mais de 14 quilômetros em fase de estudo/projeto (Figura 1).

 

O fato é que as políticas voltadas pela mobilidade por bicicleta são muito recentes e abarcam mudanças nos paradigmas nacionais trazidos tanto pela instauração do Ministério das Cidades, quanto do Estatuto da Cidade e as demais políticas que surgiram desse ideal. A evolução na produção de malha cicloviária dentro de Maringá, só ganha força de fato a partir de 2008.

 

Figura 1 - Mapa de Ciclovias de Maringá

Fonte: SEMOB, 2019.

A bicicleta dentro do Plano Diretor de Maringá parece estar em discussão na atualização do mesmo, em conjunto com a possível elaboração do PlanMob do município que, embora esteja licitado, não tem contrato assinado por parte do poder público. Este seria um fator que poderia mudar os prognósticos que temos até agora sobre este modal.

 

Segundo os questionários aplicados em 2018, temos um perfil de ciclista maringaense muito diversificado em muitos aspectos, com predominância de homens entre 21 e 35 anos. A falta de respeito dos condutores de veículos automotores, sobretudo carros, é o maior problema enfrentado por eles na condução de bicicleta em Maringá, seguido da falta de infraestrutura cicloviária, ainda que esta tenha aumentado desde 2008.

 

NOTA:

[1] A frota de veículos é representada pela totalidade de automóveis, caminhões, ciclomotores, motocicletas, ônibus, reboque, entre outros. Em dezembro de 2008 a frota maringaense cadastrada no Detran-Pr era de 203.660 veículos, em 2018 este número alcançou 315.352 veículos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRACICLO. Associação Brasileira dos fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e similares. Estatísticas de bicicletas. 16 de outubro de 2019.

COCCO, Rodrigo Giraldi. Transporte Público e Mobilidade na Região Metropolitana de Florianópolis. Florianópolis: Insular, 2017. 378 p.

DETRAN (PR) – Estatísticas de Trânsito. Disponível em: <http://www.detran.pr.gov.br/modules/catasg/servicos-detalhes.php?tema=veiculo&id=191>. Acessado em 21/11/2018.

MARICATO, Ermínia. O impasse da política urbana no Brasil. Petrópolis: RJ, Editora Vozes Limitada, 2011.

MCIDADES - Ministério das Cidades – Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável. Coleções Especiais - Caderno 6, novembro, 2004. Disponível em: <http://www.ta.org.br/site/banco/7manuais/6politicanacionalmobilidadeurbanasustentavel.pdf>. Acessado em 21/11/2018.

MOBILIDADE URBANA. Direção: Rodrigo Furukawa. Argumento e Roteiro: Camila Nastari. Produção: Ana Cláudia Colagrande. São Paulo: BDT Planejamento e Comunicação, 2012. 5 vídeos (130 min.). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=7UvsvdXObcI&list=PLQ6ZmSBKqdz98JA_8pIUN5L6Ck36pxkXA> Acesso em 31/10/2018.

MONTEIRO, Felipe Violi. Cartografias em trânsito: A mobilidade de bicicleta pela cidade. [Dissertação de Mestrado]. Programa de Pós-Graduação em Administração (PPA) - Universidade Estadual de Maringá. Maringá: Paraná, 2019a.

MONTEIRO, Felipe Violi. Entrevista concedida a Laís Barbiero. Maringá, 1 de agosto de 2019b. [Doutorando no programa de Pós-Graduação em Administração (PPA) pela Universidade Estadual de Maringá. Coordenador Geral da Ciclonoroeste].

NERI, Thiago B. Proposta metodológica para definição de rede cicloviária: um estudo de caso de Maringá. 2012. Dissertação (mestrado)-Universidade Estadual de Maringá, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana.

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