A Espanha será a plataforma logística do Sul da Europa?

15/02/2018 13:00

Converter a Espanha na “Plataforma logística do sul da Europa”, essa é a meta da “Estrategia Logística de España”[i], documento que desenvolve os princípios e diretrizes do Plan de infraestructuras, transportes y vivienda (PITVI), publicado pelo Ministério do Fomento espanhol, que estabeleceu os rumos para o planejamento do setor de transporte do país para o período de 2012 a 2024.

Ao analisarmos a infraestrutura de transporte espanhola destinada as mercadorias, poderíamos afirmar que de modo geral a mesma apresenta boa qualidade. O país no ano de 2016 possuía aproximadamente 166.000 km de rodovias, dos quais 14.701 km tratam-se de vias com grande capacidade; um total de 15.900 km de ferrovias; cerca de 46 portos de interesse geral, além de importantes aeroportos peninsulares, como: Madrid-Barajas, Barcelona-El Prat, Zaragoza, Vitoria e Valencia, além de notáveis aeroportos insulares, como o Gran Canaria, o Tenerife Norte e o Palma de Mallorca.

 

Ainda assim, ao verificar a circulação de mercadorias no país o PITVI constatou a existência de uma matriz de transporte desequilibrada. Essa afirmativa justifica-se ao constatar que de um total de 1.500 milhões de mercadorias que circularam em território espanhol no ano de 2011, o modal rodoviário centralizava 85,3% dos fluxos, seguido pelo modal marítimo com 12,23%, as ferrovias com 2,46% e, o transporte aéreo com somente 0,02%. Essa supremacia do transporte por caminhões tornou-se ainda mais evidente ao focarmos particularmente o caso do transporte terrestre de mercadorias, cujas rodovias concentraram até 95,6% dos fluxos em oposição às ferrovias responsáveis 4,4% dos traslados para o mesmo ano.

 

Esses índices impuseram/impõem apreensão por parte do governo espanhol, decorrente do baixo desempenho do modal ferroviário, preocupação que coincide com as diretrizes estabelecidas ao planejamento da rede de transportes no âmbito da União Europeia.

 

O PITVI espanhol prevê um aumento de demanda por transporte terrestre de mercadoria de até 25%, para o período de 2012 a 2024. Para tanto o plano antevê como medida para absorver esse crescimento esforços para o redirecionamento dos fluxos das rodovias para as ferrovias. O resultado almejado é a redução da participação do transporte rodoviário de mercadorias para 91% e, a ampliação da participação do modal ferroviário para aproximadamente 9% dos fluxos terrestres.

 

De acordo com entrevista realizada no ano de 2016, na Unidade de Logística do Ministerio de Fomento Espanhol, apesar dos índices modestos no transporte de cargas a rede ferroviária existente estrutura bem o território, ainda assim existem alguns problemas, por exemplo: o país tem uma rede de alta velocidade construída com uma bitolada de padrão europeu, que impossibilita a circulação mercadorias, desta maneira o tramo entre Barcelona e França é um dos poucos trechos de alta velocidade utilizada de modo misto. Por outro lado, ainda que raramente, ocorrem pequenos colapsos na rede ferroviária, sobretudo nas proximidades de Barcelona e Madrid por serem núcleos de “cercanias” que concentram passageiros. Contudo, no território espanhol não ocorrem problemas de infraestrutura, como na França ou Alemanha, que apresentam ocasionalmente congestionamentos em trechos da sua rede ferroviária.

 

Ao analisar a distribuição espacial da rede ferroviária espanhola, poderíamos afirmar que a infraestrutura e a demanda tendem a concentrar-se entre as cidades de Madrid, Málaga, Valencia, Alicante, Zaragoza, Vitoria-Bilbao e Valladolid, conformando um “retângulo da demanda” que reúnem também as ofertas por serviços de transporte no país. Ademais, esse retângulo é acrescido por um braço que segue até Sevilla e, outro que vai a França.

 

Essa centralização da infraestrutura e da demanda em determinadas porções do território, frequentemente configura-se em uma limitação, uma vez que os vagões chegam a seu destino e voltam a origem com espaços ociosos. Esse problema é agravado por condicionantes logísticos, pois as especificidades das cargas transportadas geralmente requerem vagões específicos contribuindo, também, para que os mesmos muitas vezes não possuam carga de retorno.

 

Para reduzir esse impasse uma das novas estratégias adotada pelo Ministério do Fomento do país, foi a ampliação dos ciclos de debates inserindo os agentes logísticos, os carregadores (que são os donos das cargas), produtores e distribuidores (com destaque para o setor automobilístico, a indústria química e, o setor sidero-metalúrgico), que possuem cargas em quantidade e/ou valor importantes para serem transportadas.

 

Ainda de acordo com a Unidade de Logística do Ministério de Fomento Espanhol, a intenção é que a partir dos problemas colocados pelas empresas, o governo possa compreender melhor as necessidades existentes (demandas) e, realizar a oferta de transporte de maneira mais atrativa, na tentativa de estabelecer maior confiança ao sistema, indo à raiz do problema. Exemplo dessa nova conduta foi o plano piloto realizado em conjunto com a empresa automobilística Reno, a mesma movimenta grande parte de suas mercadorias entre Valladolid, Valencia e o Porto de Santander, para isso foi reunido em uma mesma mesa a Reno, os operadores, da Renfe (Red Nacional de los Ferrocarriles Españoles), da Adif (Administrador de Infraestructuras Ferroviarias) e do Porto de Santander, a fim de debater e identificar os entraves existentes, para alcançar a maior eficiência da rede.

 

Figura 2: Campo no centro de cargas do aeroporto de Zaragoza, realizado no ano de 2016. Na imagem pode-se visualizar o maior motor da história da aviação, uma Turbina GE90.

 

Essa estratégia deverá ser realizada também em Navarra com a Volkswagen e, em Valencia com a Ford. Segundo a Unidade de Logística española, antes a empresa ferroviária definia as linhas de operação, já atualmente as grandes empresas tem um papel mais importante, haja vista o caso da rede de supermercados Mercadona, que ao iniciar suas atividades estabeleceu um núcleo de demanda e, um nível de frequência de transporte considerável, que consecutivamente tornou-se igualmente atrativa à outras empresas que possuíam menor demanda.

 

Essa estratégia, ainda que com muitas ressalvas, recorda algumas políticas adotadas da década de 1970, baseadas nos “polos de desenvolvimento” de François Perroux, no que tange a importância destinada a grande empresa, enquanto indutora do desenvolvimento. Prontamente, nos próximos anos poderemos avaliar seu êxito.

 

Vale frisar que, ainda que exista uma estratégia para o setor de transporte, cada modal possui suas particularidades. No caso do setor de transporte aéreo de mercadorias, de acordo com trabalho de campo realizado no ano de 2016 no centro de cargas do Aeroporto de Zaragoza e Madrid-Barajas, foi relatado que a tendência para o setor não é ampliação do transporte por aviões cargueiros como em outros países, mas o melhor aproveitamento da capacidade ociosa (no compartimento de bagagem) do elevado número de voos comerciais que pousam nos principais aeroportos do país.

 

No transporte marítimo busca-se a dinamização do setor com a consolidação das “autopistas do mar”, proposta idealizada no âmbito da União Europeia, atrelada a consolidação dos eixos rodoviários litorâneos, cujo potencial é elevado para desenvolver novas demandas no território. Tais estratégias, tornam-se fundamentais para alcançar o objetivo da Espanha de reforçar seu papel no cenário europeu, avançando no desígnio explicitado no PITVI de tornar-se a “Plataforma Logística do Sul da Europa”.

 

O país possui poucos barcos com pavilhões nacionais, por outro lado nos portos espanhóis atracam grandes navios do mundo todo, convergindo em seus portos importantes fluxos provenientes do canal de Suez e do Panamá. Ademais, o PITVI almeja ampliar a participação no transporte de cargas originárias de outras partes do mundo, destinadas ao norte da Europa, desta maneira um barco ao invés de contornar a costa ibérica para descarregar em Amberes (Bélgica) ou Luxemburgo poderá descarregar em Valencia ou Barcelona e, seguir por meio terrestre aos seus destinos finais.

 

De fato, o objetivo de tornar-se a “Plataforma do Sul da Europa” é difícil de alcançar, pois existem outros países com importantes portos no mediterrâneo, como: a França, a Itália, a Grécia e a Turquia. No entanto, de acordo com a Unidade de Logística do Ministério de Fomento Espanhol, o país deve buscar um escopo para posicionar-se no mundo e repensar os problemas do setor, pois ainda que o país possua boas infraestruturas o transporte de carga ainda pode ser considerado um “tendão de Aquiles” do setor.

 

No entanto, o objetivo espanhol de canalizar os fluxos marítimos internacionais de carga com destino à europeu, esta condicionado ao planejamento dos fluxos de mercadorias e passageiros de modo mais abrangente. Justamente, porque no caso espanhol o maior percentual das cargas encaminhadas aos portos seguem por meio do modal rodoviário, sendo pequena (aproximadamente 5%) a participação do modal ferroviário. Nesse sentido, a ampliação das mercadorias provenientes do comércio internacional marítimo (com destino final a Espanha ou os países vizinhos), devem pressionar as infraestruturas terrestres existentes (sobretudo as rodoviárias), caso não ocorra um esforço a fim de alcançar uma matriz de transporte terrestre mais equilibrada, isto é, com maior participação do modal ferroviário.

 
 

[i] Disponível em: https://www.fomento.gob.es/MFOM/LANG_CASTELLANO/PLANES/ESTRATEGIA_LOGISTICA/.

Tags: AeroportosDesenvolvimentoEconomiaEspanhaEstradas de FerroEuropaFerroviasInfraestruturasInfraestruturas de transportesPortos

Algumas lições da Etiópia na atualidade

02/10/2017 13:00

Com alta do Produto Interno Bruto (PIB) estimada em 8,3% para 2017, segundo a previsão do Banco Mundial, a Etiópia está no topo da lista de perspectiva de crescimento para o ano corrente, impulsionado pelo investimento público em infraestrutura, expansão do setor de serviços e modernização da agricultura. A Etiópia – conhecida pela pobreza, miséria e fome – apresentou, entre 2004 e 2016, um crescimento médio do PIB de 8% ao ano, sendo resultado das políticas de desenvolvimento implementadas (ONU, 2016).

 

O país se localiza na África subsaariana, mais precisamente no “Chifre da África” (região nordeste do continente – imagem 1). A população de 76 milhões de pessoas é majoritariamente rural. Apenas 17% das pessoas vivem em áreas urbanas, porém a expansão dos serviços, da indústria e dos equipamentos públicos está estimulando o êxodo rural no país (ONU, 2016).

 

Imagem 1: Localização geográfica da Etiópia.

 

O desenvolvimento econômico da Etiópia está ligado aos gastos/inversões em infraestruturas liderados pelo setor público, incluindo as empresas estatais. Além disso, destacam-se os investimentos externos diretos (IEDs), com incremento dos investidores chineses, buscando novos mercados e benefícios para a acumulação, pautados na melhoria dos fixos de transportes no território da Etiópia, incentivos fiscais, mão de obra abundante e barata, legislação ambiental frágil e organização sindical mitigada.

 

Outros países africanos, caso da Costa do Marfim, Quênia, Senegal etc., também apresentaram, nos últimos anos, taxas de crescimento do PIB igual ou superior a 2%, com aumento da demanda doméstica e elevação da aplicação de recursos públicos na economia e em infraestruturas. Além dos investimentos, houve expansão, sobretudo na última década, do comércio exterior, com destaque às trocas com a América Latina (incluindo o Brasil), Oriente Médio, Índia, Europa, Estados Unidos e China (ONU, 2016).

 

O governo da Etiópia, sobretudo desde 2015, tem realizado inversões importantes na expansão rodoviária, em ferrovias, produção de energia elétrica, telecomunicações, além de estimular o turismo. O país está próximo de se tornar o maior produtor de energia hidrelétrica da África, quando completar a construção da barragem Grand Ethiopia Renaissance Dam – GERD (Grande Barragem do Renascimento da Etiópia – imagem 2) (ONU, 2016).

 

Imagem 2: Grand Ethiopia Renaissance Dam – GERD (Grande Barragem do Renascimento da Etiópia), 2017.

O país cria estratégias para fomentar a industrialização, com base na substituição de importações, nos investimentos públicos e privados, no crédito e nos incentivos fiscais. A Etiópia – embora não possua litoral – articulou-se de maneira mais eficiente ao Porto de Djibuti, no Mar Vermelho, através de uma linha férrea inaugurada em 2016, favorecendo as importações e exportações nacionais (imagem 3) (ONU, 2016).

 

Imagem 3: Ferrovia que articula a capital da Etiópia, Adis Abeba, ao Porto de Doraleh, no Djibuti, 2016.

Imagem 4 - Traçado da Ferrovia Ethiopia-Djibouti

 

A Etiópia adquire recursos com o fornecimento de energia elétrica a algumas nações africanas, principalmente ao Sudão, Djibuti, Tanzânia e Quênia, resultado de acordos recentes e do aumento da capacidade de geração de energia no seu território. Esse fato contribui para elevar a capacidade de inversões em setores estratégicos da economia e da sociedade, especialmente urbanos, como habitações, escolas, universidades, saneamento básico, ruas, avenidas, indústrias etc.

 

Relevantes são os investimentos da Etiópia em educação – o número de jovens matriculados em escolas era inferior a 20% em 1990, porém em 2012 chegou a 92%. No início dos anos de 1990 existia apenas uma universidade, contudo, atualmente, são mais de trinta no país. Além disso, a infraestrutura também recebeu/recebe investimentos importantes, principalmente em transporte e geração de energia. Em 1997, eram 26.550 km de rodovias, enquanto em 2015 eram 54.000 km (ONU, 2016).

 

A coexistência entre intervenção estatal e inversões da iniciativa privada é essencial para entender o atual cenário da Etiópia. O país tem um projeto de desenvolvimento industrial focado principalmente nas indústrias de manufaturas, como têxteis, calçados, artigos simples etc. O país possui dois bancos públicos que oferecem crédito e são basilares tanto à produção quanto ao consumo interno. Além disso, há reserva de mercado criada pelo Estado para proteger os bancos do país contra o capital estrangeiro (gráfico 1).

 
 

Gráfico 1: Produto interno bruto (PIB) da Etiópia.

 

A Etiópia apresenta, atualmente, taxas de crescimento elevadas, assim, a meta do governo é conduzir o país à categoria de renda média até 2035, entretanto, a pobreza elevada ainda é um obstáculo importante que deve ser combatido a longo prazo para viabilizar o desenvolvimento nacional (a renda per capita é de apenas um dólar por dia) (ONU, 2016).

 

A agricultura mecanizada está em expansão na Etiópia. Os principais produtos exportados pelo país são: café, ouro, produtos de couro, flores, carne etc. Os maiores compradores são a China, a Arábia Saudita, a Alemanha, os Estados Unidos e a Bélgica. Por causa da deficiência da indústria, o país importa muita comida, produtos derivados do petróleo, químicos, maquinários, veículos e artigos têxteis.

 

O governo da Etiópia – com base no planejamento – criou o Plano de Crescimento e Transformação (Growth and Transformation Plan), estabelecendo metas importantes entre 2011 e 2015. Todavia, o programa foi estendido para os próximos anos, mantendo as inversões e modernizações necessárias ao país. Uma característica da nação africana é a continuidade das políticas de desenvolvimento, sobretudo na última década, favorecendo a economia e a sociedade, caso, por exemplo, da melhoria da rede de transportes no território.

 

O plano de desenvolvimento é composto por cinco pilares: a) aumentar a produtividade, especialmente a produção dos pequenos agricultores; b) fortalecer os sistemas de marketing e comércio do país; c) aumentar a participação do setor privado na economia; d) expandir a quantidade de terras irrigadas; e) reduzir o número de pessoas com insegurança alimentar crônica. Apesar dos esforços para diversificar a economia, principalmente a indústria, as exportações se concentram em produtos de baixo valor agregado (ONU, 2016).

 

Bancos, seguradoras, setor de telecomunicações e as pequenas fábricas são mantidas, sobretudo, por investidores domésticos. Contudo, o país tem atraído muitos IEDs dos Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos, Índia, China e Alemanha, especialmente no setor têxtil, couro, agricultura, manufatura e hotelaria (ONU, 2016).

 

O governo da Etiópia está financiando a educação no país, visando manter os alunos matriculados regularmente, fornecer alimentação adequada, dormitórios e cuidados com a saúde, além de bolsas de estudos. Todavia, há ainda um longo caminho a ser percorrido, pois somente 24% da população adulta completou a educação básica. A escolarização da população é fundamental na estratégia de desenvolvimento da Etiópia, especialmente como motor para a distribuição de renda no país.

 

Apesar do crescimento do PIB, a renda per capita ainda é uma das menores do mundo. Do total, 39% da população vive abaixo da linha da pobreza e a taxa de fertilidade é de 5,1 crianças por mulher. Isso significa dizer que a trajetória de desenvolvimento deverá ser longa e que precisa de continuidade ao longo do tempo, visando reduzir as desigualdades sociais e inter-regionais do país africano, com ênfase no combate ao analfabetismo e à mortalidade infantil, expansão dos serviços médico-hospitalares, fortalecimento do mercado formal de trabalho e outros (ONU, 2016).

 

Apesar do subdesenvolvimento da Etiópia (resultado de fatores históricos), atualmente o país africano mostra ao Brasil algumas estratégias necessárias ao desenvolvimento econômico e social que deveriam ser adotadas em nosso país, entretanto, caminhamos na direção contrária, ou seja, do agravamento da recessão interna, do corte de gastos/inversões públicos, da elevação do desemprego, das privatizações equivocadas, entre outros.

 

Prof. Dr. Nelson Fernandes Felipe Junior

Universidade Federal de Sergipe UFS

Tags: Desenvolvimento socialEtiópiaFerroviasFinanciamento das infraestruturasInfraestruturas de transportesRelações internacionais

As obras do PAC na BR-101 e o efeito multiplicador interno em Sergipe

12/07/2017 13:00

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) representa a reativação do planejamento estatal estratégico e o aumento dos investimentos públicos no Brasil, contribuindo com a demanda efetiva e a distribuição de renda no país. A expansão relativa dos fixos permitiu arrefecer os gargalos da infraestrutura brasileira, sendo fundamental para a economia e a sociedade. Assim, as inversões do PAC na BR-101 em Sergipe, especialmente entre 2007 e 2013, foram uma importante medida anticíclica e contribuíram para fomentar o desenvolvimento regional, principalmente no que tange à distribuição de renda.

 

Nos anos de 1990, a política econômica brasileira se caracterizou pelo neoliberalismo, com destaque ao Estado-mínimo, arrochos salariais, incentivo aos setores rentistas da economia, diminuição da reserva de mercado, entre outros. O contexto político, econômico e social foi sendo modelado de acordo com a política de austeridade que estava se instalando no Brasil. Mais uma vez, a necessidade de controlar a inflação superava todas as outras medidas realmente necessárias para o desenvolvimento do país, havendo enfraquecimento do planejamento estatal e ampliação do risco de “apagão infraestrutural”.

 

A retomada dos investimentos em infraestruturas se deu a partir do governo Lula, que cria o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), sendo um instrumento essencial para a geração de empregos e renda no Brasil, no Nordeste e em Sergipe. Tais inversões conseguiram relativamente mitigar alguns gargalos da infraestrutura, além de contribuir com a diminuição do desemprego, crescimento da economia, distribuição de renda e outros.

 

Com isso, houve aumento da demanda agregada (KEYNES, 1988) na economia sergipana, juntamente ao aquecimento da produção industrial no estado, caso dos segmentos de extração química-mineral (petrolífera, cimenteira e sulfato de amônia), transformação (produção de bebidas e vestuário), entre outros.

 

Sergipe recebeu R$ 9,0 bilhões de investimentos do PAC entre os anos de 2007 e 2010, além de R$ 8,4 bilhões entre os anos de 2011 e 2014 (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, 2016). Dentre as diversas áreas de inversões do PAC, destaca-se o modal rodoviário em Sergipe e no Brasil (tabela 1).

A partir dos investimentos na BR-101 houve grande estímulo e dinamização das atividades industriais e produtivas em Sergipe, refletidas pelo efeito multiplicador interno, pois quando o governo destinou recursos para duplicação da rodovia, automaticamente houve a necessidade de compra de materiais, como derivados do petróleo, cimento, ferragens, máquinas, equipamentos, entre outros, o que provocou uma dinâmica econômica de vários setores da economia, assim como a utilização de mão de obra para realizar as construções.

 

Todavia, apesar dos avanços, esses foram/são relativos, pois ainda há partes não duplicadas da BR-101 em Sergipe, prejudicando a fluidez e a circulação de bens, serviços e pessoas. Os trechos construídos pela Engenharia do Exército apresentaram um custo inferior em relação às concessões às construtoras privadas, com conclusão das obras dentro do prazo estipulado (sem atrasos). A participação da mão de obra do Exército, por meio de convênio com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), permitiu a construção, por exemplo, do trecho entre Estância/SE e Cristinápolis/SE, alavancando a dinâmica regional (mapa 1).

 

Mapa 1: Situação atual da BR-101 em Sergipe.

Com os investimentos do PAC, o estado de Sergipe passou a atrair empresas nacionais e estrangeiras (Petrobras, Calçados Vulcabrás Azaleia, Leite de Rosas, Sabe Alimentos, Ambev, Dalon Alimentos, Vale, Votorantim etc.) e essa condição foi importante para a geração de empregos em âmbito regional. Em Sergipe, foram criados 2.500 empregos diretos somente nas obras de duplicação da BR-101 no estado (GOVERNO DE SERGIPE, 2015).

 

O efeito multiplicador interno gerado a partir das obras de construção civil pesada fomentou várias atividades econômicas, como transportes, comércio e serviços, que apresentaram, entre os anos de 2007 e 2012, um crescimento médio de 7,7% em Sergipe (SEDETEC, 2015).

 

Apesar dos avanços, estes foram/são insuficientes, pois o planejamento brasileiro, historicamente, é de governo, o que prejudica as inversões destinadas às infraestruturas. Em contrapartida, as obras do PAC geraram reflexos positivos, sobretudo, no arrefecimento do desemprego entre 2007 e 2013. Os segmentos rodoviário, portuário, hidroviário, ferroviário, aeroviário etc. são imprescindíveis para o país, assim, o Estado deve fomentar os transportes, por tratar-se de um setor estratégico.

 

Um dos principais problemas do país é o equivocado modelo de concessão, que prejudica o desenvolvimento regional e nacional. Além dos gargalos históricos que permeiam o Brasil (ajustes fiscais severos, investimentos nos segmentos rentistas, concentração regional de renda, entre outros), a previsão de futuros investimentos em obras, diante do contexto político e econômico brasileiro atual, é negativa. A política econômica neoliberal, reinstalada fortemente no país, está alicerçada pelo golpe/impeachment de Dilma Rousseff, e impede a retomada do crescimento econômico e a queda significativa do desemprego.

Fabiana dos Santos Pinheiro (Graduanda em Geografia)

Nelson Fernandes Felipe Junior (Professor)

Universidade Federal de Sergipe - UFS

Tags: BrasilConstrução civilDesenvolvimento econômicoDesenvolvimento socialEconomiaFinanciamento das infraestruturasPAC

Especial governo Lula da Silva: o lapso de uma política externa independente

25/05/2017 13:00

O governo Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011) inaugurou um período de ascensão internacional do país enquanto potência emergente. Essa estratégia foi pautada na diversificação de parceiros comerciais e na ampliação de novas coalizões políticas, visando influir na arena de decisões em nível global. Por outro lado, foram direcionados esforços para ampliação da cooperação entre os países sul-americanos, com a consolidação de novas organizações internacionais de integração regional, que ampliaram as possibilidades de consenso entre os países da região, no que tange várias temáticas.

 

Outras mudanças na política externa tornaram-se evidentes, uma vez que se tornou mais ativa e altiva e inaugurou um trajeto em busca de projeção internacional. Para tanto, além de tornar-se credor do FMI, a diplomacia brasileira passou a intervir em variados fóruns internacionais e em contenções entre diversos países, realizando um grande esforço para conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).

 

O país voltou a colaborar em missões de paz sobre incumbência da ONU, feito que não ocorria desde 1947 na missão desenvolvida na região dos Bálcãs (abarcava Grécia, Albânia, Bulgária e ex-Iugoslávia), em que o país ficou encarregado de monitorar as fronteiras e auxiliar os refugiados. Para tanto, no ano de 2004, o governo brasileiro encaminhou tropas para missões de paz no Haiti, na operação Minustah; já em 2011 participou da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil). Tal conduta repercutiu nos anos seguintes na indicação do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que comandou as tropas brasileiras no Haiti, para chefiar a missão Monusco, na República Democrática do Congo, em 2013 e, na designação do tenente coronel de artilharia Ivo Werneck para compor a equipe de planejamento da Minusa, uma Missão de Estabilização Multidimensional Integrada na República Centro-Africana em 2014.

 

Vale lembrar que, no período do governo Fernando Henrique Cardoso a Política Externa apresentou enquanto foco a busca por credibilidade, cujo objetivo foi ampliar a cooperação para criação de normas internacionais, desta maneira a autonomia seria conquistada de fora para dentro [i]. Nesse sentido, havia uma tentativa de “autonomia por participação” que seria garantida pela simples presença brasileira nos regimes internacionais, que ocasionalmente asseguraria ao país influenciar na (re)elaboração das normas existentes [ii].

 

Por outro lado, no decorrer do governo Lula passou-se a ter o entendimento de que não bastava participar dos organismos internacionais, mas era necessário também uma atuação ativa na política externa, que possibilitasse alternativas para resistir às imposições de decisões que muitas vezes resultam danosas ao país. Desta maneira, buscou-se uma “autonomia pela diversificação”, isto é, a ampliação das coalizões políticas e comerciais com países que compartilham de interesses semelhantes, visando ampliar o poder de barganha nas negociações e reduzir a dependência do comércio exterior centralizado no mercado estadunidense [iii].

 

Nessa perspectiva, houve o fortalecimento do Itamaraty, a ampliação do número de embaixadas, principalmente na África, assim como em outros países que o comércio exterior ainda apresentava-se pouco relevante. Ademais, consolidou-se uma “diplomacia presidencialista” intensiva, consubstanciada na figura do presidente Luís Inácio Lula da Silva, “o cara” na expressão do presidente estadunidense Barack Obama [iv].

 

A frequência e destino das viagens presidenciais, um indicador importante para analisar a diplomacia presidencial, ganharam dimensões importantes, como pode-se verificar na Figura 01:

As viagens presidências no período do governo Lula da Silva em relação ao seu sucessor foram 110% superiores. As visitas ocorreram com maior intensidade em todas as regiões, elas cresceram 59% para a Améri­ca do Sul, para a América do Norte em 71% e, para a Europa em 74%. Ademais, houve um esforço para ampliação das relações com regiões periféricas, negligenciadas pelo antigo governo, resultando no aumento de viagens para América Central e Caribe, em 480%, África, em 750% e, Oriente Médio antes não visitado [v].

 

A concomitante aproximação política e econômica entre os países da região Sul-Sul influiu na redefinição dos fluxos de comércio internacional. Fato que resultou, consequentemente, na ampliação de um espaço econômico de trocas, que até certo nível, é contraditório às políticas globalizantes. Ora, a ampliação das relações comerciais e de cooperação sul-sul, a coalizão dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e a institucionalização de organizações internacionais de integração regional, como foi o caso da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos), contrapõem-se aos interesses globais hegemônicos e, até certa medida, ampliam as disputas geopolíticas.

 

Essa dinâmica, inaugurada no decorrer do governo Lula prosseguiu no decorrer do primeiro mandato da presidente reeleita Dilma W. Rousseff (2011-2014), que preservou as mesmas orientações da política externa do seu antecessor, ainda que com característica mais discreta e, aparentemente menor ímpeto por conquistar projeção internacional [vi]. Ou seja, podemos afirmar que houve “contenção na continuidade da política externa” mantendo-se os objetivos, porém despendendo menores esforços, uma política menos propositiva e ousada que seu precursor [vii].

 

Esta postura mais comedida refletiu na redução de viagens da presidente Dilma Rousseff para cumprir agendas de interesse bilateral ou multilateral (Figura 01). Essas foram 30% a menos que as ocorridas no primeiro mandato do presidente Lula e, aproximadamente 50% das realizadas no segundo mandato do petista [viii]. Além disso, ocorreu a redução da absorção do quadro de diplomatas de 100 candidatos/ano, mantido no último mandato do presidente Lula da Silva, para somente 18 no ano de 2014. Assim como, a redução do orçamento do Itamaraty, ainda que essa se justifique devido a descentralização do papel do organismo enquanto formulador de políticas externas, compensado com a ampliação da autonomia dos ministérios, para que suas próprias secretarias de relações exteriores atuem.

 

Nessa conjuntura o primeiro mandado da presidenta Dilma Rousseffe corresponde a um período de declínio da inserção nacional do país, após um período de ascensão internacional do país enquanto potência emergente no governo Lula da Silva [ix]. Essas premissas são pautadas na redução de investimentos, na ausência de política destinada ao comércio exterior, no encolhimento da influência do país na arena internacional, em que debate-se e decidem-se normas que influem no comércio exterior. Essa situação tornou-se mais evidente no segundo mandato da presidenta Dilma, cuja dificuldade para manter a governabilidade nesse momento requereu o direcionamento de esforços na tentativa de administrar a crise política doméstica, que desencadeou no processo de impeachment.

 

Com a ascensão de Michel Temer de vice à "presidente", em maio de 2016, uma nova política externa foi sinalizada como se pode constatar no documento elaborado pelo mesmo “Uma diplomacia presidencial a serviço do Brasil” [x], o governo buscaria por uma postura pragmática à retomada da confiança no país. Para tanto, ainda de acordo com documento, o Brasil deveria distanciar-se de “visões de mundo enviesadas”, isto é, ideologias que privilegiavam um conjunto de países em detrimento de outros. Uma proposta de política externa, no mínimo irônica, ou melhor, demagógica. Uma vez que, buscou reduzir as “influencias ideológicas” no Itamaraty, no entanto indicou-se para o cargo, que nos últimos 15 anos foi ocupado por profissionais de carreira, o senador Jose Serra do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), um político que possui uma orientação ideológica claramente americanista, conservadora e sem rumo certo.

 

Essa nomeação resultaria infeliz, devido a um encadeamento de discordâncias entre as posturas de Serra e Temer em relação a condução da política externa brasileira, que se refletem em temas como: a redução da prioridade dada a América do Sul; na participação do Brasil na disputa por um acento no Conselho de Segurança da ONU; na condução da política externa com Venezuela e Israel, onde as relações são delicadas, entre outras e que contribuíram para que o ministro apresentasse seu pedido de demissão do cargo.

 

Consecutivamente o cargo passou a ser ocupado pelo também tucano Aloysio Nunes, nome que não gerou boas expectativas, seja por seu temperamento que parece não condizente com o cargo [xi], seja pelas investigações que o mesmo responde no STF. Sendo, necessário tempo para avaliar a política externa do período do governo Temer, no entanto, parece seguro afirmar que, a retomada do status do Itamaraty, enquanto ministério-chave das relações internacionais, não passará de uma expectativa frustrada.

 

Por outro lado, a popularidade em queda livre do governo, que nos primeiros meses de mandato era de 14%, conquistando o preocupante título de pior popularidade no ranking das Américas (segundo consultoria da Mitofsky) [xii], para 10% no ano de 2017 [xiii], o que demonstra a discordância dos brasileiros em relação a implementação do programa de governo “Uma Ponte para o Futuro”, torna a política externa, cada vez mais, estratégica para conquistar legitimidade internacional, para um "presidente" impopular e desmoralizado no cenário nacional.

 
 
 

[i] Vide: LIMA, M. R. Soares de. “A Política Externa Brasileira e os Desafios da Cooperação Sul-Sul”. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 48, no 1, p. 2005, p. 24-59

 

[ii] Vide: VIGEVANI, T.; OLIVEIRA, Marcelo Fernandes de. A política externa brasileira na era FHC: um exercício de autonomia pela integração. Interthesis, Florianópolis, v. 3, n. 3, 2005, p. 1-44.

 

[iii] Vide: VIGEVANI, Tullo e CEPALUNI, Gabriel. “A Política Externa de Lula da Silva: A Estratégia da Autonomia pela Diversificação”. Contexto Internacional, vol. 29, nº 2, 2007, p. 273-335.

 

[iv] Vide: GARCIA, M. A. A política externa brasileira. In: JAKOBSEN, K. A nova política externa. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2010

 

[v] Vide: MILANI, C. R. S. et al., Atlas da política externa brasileira. 1º ed. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO; Rio de Janeiro: EDUerj, 2014

 

[vi] Vide: ALMEIDA, P. R. de. Política externa e diplomacia partidária no Brasil atual. Revista Interação, v. 6, n. 6, jan/jun, 2014, p.8-27.

 

[vii]Vide: CORNETET, João Marcelo C. A Política Externa de Dilma Rousseff: Contenção na Continuidade. Conjuntura Austral, v. 5, n. 24, 2014, p. 111-150

 

[viii] Vide: CORNETET, João Marcelo C. A Política Externa de Dilma Rousseff: Contenção na Continuidade. Conjuntura Austral, v. 5, n. 24, 2014, p. 111-150

 

[ix] Vide: CERVO, Amado Luiz; LESSA, Antônio Carlos. O declínio: inserção internacional do Brasil (2011-2014). Revista Brasileira de Política Internacional. v. 57, n. 2, p. 133-151, 2014.

 

[x] Vide: TEMER, Michel. Uma diplomacia presidencial a serviço do Brasil. O Estado de São Paulo. São Paulo 25/12/2016. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/529215>.

 

[xi] Vide: GIELOW, Igor. Escolha para o cargo de chanceler traz alívio e preocupação entre diplomatas. Folha de São Paulo. São Paulo. 3/3/2017.

 

[xii]Vide: Barrucho, Luis. Com 14% de aprovação, Temer tem segunda pior popularidade em ranking das Américas. BBC. Brasil. 5/10/ 2016

 

[xiii] Vide: MURAKAWA, Fabio; AGOSTINE, Cristiane. Avaliação positiva do governo Temer cai para 10,3%, diz CNT/MDA. Jornal Valor Econômico. Brasil. 15/02/2017

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Especial governo Lula da Silva: a suspensão do Programa Minha Casa Minha Vida e sua repercussão na economia

17/05/2017 13:00

Temos presenciado com muita atenção, nos últimos anos, as grandes intervenções do programa Minha Casa Minha Vida, que tem dotado de habitação a população carente e a classe media. E nestes dias, com muito assombro também presenciamos sua caída. Sedo o maior programa habitacional da América Latina, sua criação esta marcada por esforços e lutas pela moradia digna que vem de muitos anos, apresentamos aqui um breve resumo da importância deste programa para a diminuição do déficit habitacional e para a criação de empregos e renda.

 

Conjunto Habitacional Residencial Saudade –Biguaçu/SC, financiado com o programa Minha Casa Minha Vida – Faixa 1.

 

O ano 2003 marca o início de um período de grandes mudanças políticas e econômicas para o Brasil, com o início do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, define-se uma nova orientação social e urbana. Com o empenho de criar condições institucionais favoráveis para viabilizar uma nova política urbana no país, foram desenvolvidos projetos de lei, plataformas e programas apresentados no Fórum Nacional da Reforma Urbana por partidos políticos progressistas, instâncias legislativas, entidades sindicais, profissionais ou acadêmicas, que deram como resultado a criação do Ministério das Cidades, em 2003. O Ministério das Cidades veio a dar sequência às propostas que haviam sido configuradas no Programa Pro-Moradia cuja equipe técnica convocada para compor os quadros do Ministério tinha fortes vínculos com o Fórum Nacional da Reforma Urbana. O Ministério das Cidades foi fruto de um amplo movimento social progressista e sua criação parecia confirmar com os avanços, os novos tempos para as cidades no Brasil (ERMÍNIA MARICATO, 2012).

 

O Ministério das Cidades estruturou políticas setoriais e programas voltados à habitação, ao saneamento básico, ao transporte público, à mobilidade urbana, à regularização fundiária, ao planejamento urbano, dentre outros temas com o foco em reverter à desigualdade social das cidades brasileiras. Ao respeito Ermínia Maricato (2012) assinala que: cada política setorial constitui um universo em si mesma. No Ministério das Cidades essa globalidade era respeitada, mas construía-se especialmente nas reuniões semanais onde os problemas do Ministério das Cidades eram compartilhados, a subordinação integrada aos princípios da equidade social e sustentabilidade territorial.

 

Conjunto Habitacional Residencial Saudade –Biguaçu/SC, financiado com o programa Minha Casa Minha Vida – Faixa 1.

 

Desde sua criação o Ministério das Cidades, é o órgão coordenador, gestor e formulador da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, ligando estreitamente os projetos da cidade e resgatando a coordenação política e técnica das questões urbanas. De modo transversal, foram criados programas que operam com a lógica de enfrentamento das carências urbanas, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), além de programas que visam à melhoria da gestão urbana, como o Programa de Fortalecimento da Gestão Urbana.

 

O programa MCMV é o resultado de uma grande luta pelos direitos de moradia digna. Desde a sua criação no ano 2009, é o programa federal de Habitação de Interesse Social de maior importância no país e pode se dizer que também da América Latina, pela abrangência e fundos investidos.

 

A distribuição das habitações foi determinada a partir da composição do déficit habitacional nacional, que em 2008 correspondia a 5,572 milhões de domicílios, totalizando o percentual de 89,40% deste déficit nas famílias de renda mensal abaixo de três salários mínimos, segundo o IBGE/IPAD 2007.

 

Na primeira fase o programa MCMV cumpriu a meta de viabilizar o acesso a um milhão de moradias. Segundo o governo, já foram entregues mais de 2,6 milhões de unidades habitacionais nas duas primeiras fases do programa, em mais de 5.300 cidades no Brasil. Levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou que entre 2007 e 2012 houve redução de 6,27% no déficit habitacional no Brasil. Essa queda ocorreu ao mesmo tempo em que houve aumento de 12,6% no total de domicílios, de 55,918 milhões para 62,996 milhões. Assim, em termos relativos, o déficit caiu de 10% do total de domicílios para 8,53%.

 

Conjunto Habitacional Marlene Moreira Pierri– Palhoça/SC, financiado com o programa Minha Casa Minha Vida – Faixa 1.

 

Além disso, o programa representou 32,1% do total das construções de moradias do país no ano de 2014, e a cada R$ 1 milhão investido no Programa, o Governo Federal mantinha ativos 32 postos de trabalho (M. Cidades/IPEA, 2014). Esse investimento gera uma renda de forma direta e indireta, na construção civil e em outros setores da economia. Desta forma, o Minha Casa Minha Vida já injetou R$ 270 bilhões na economia brasileira até o ano 2015, de uma carteira de investimentos totais de cerca de R$ 550 bilhões em infraestruturas. A atividade da construção tem um impacto mais abrangente na economia do que o diretamente visualizado através do produto imobiliário. Existe uma complexa articulação entre os agentes por meio da cadeia produtiva do setor, ligando desde fornecedores de matérias-primas, serviços e outros insumos até atividades que trabalham os produtos imobiliários, como hotéis, aluguéis, administração e consultorias.

 

Efetivamente, a grande aceitação das empresas de construção civil ao programa, foi rápida, já que elas buscavam reagir frente à crise internacional de 2008. Coincide também com esta perspectiva MARICATO (2012) e FERREIRA (2012), que assinalam que o programa MCMV veio corroborar o novo cenário do mercado imobiliário brasileiro e foi lançado em parte para “aquecer o setor da construção civil” dos temores quanto aos efeitos no Brasil da crise econômica global de 2008, a qual era potencialmente capaz de dinamizar a economia nacional face à ameaça da crise.

 

No estado de Santa Catarina, a criação do programa MCMV, também teve forte presença, o financiamento para moradia popular vem contribuindo para melhorar os índices de déficit habitacional que era de 150.516 domicílios em 2010, e a maioria concentrava-se nas faixas de mais baixa renda, onde 77,1% se enquadram na renda de até 3 salários mínimos (PCHIS 2012 - COHAB/SC). Em relação a isso, o estado de Santa Catarina tem um total aproximado de 102 mil unidades habitacionais construídas até o ano 2016, o que corresponde a 3,79% do total contratado no país.

 

Antes do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, se lançou a terceira fase do programa Minha Casa Minha Vida, que ia contratar mais 2 milhões de moradias até 2018. No total, o programa MCMV 3 estava prevendo investimentos de R$ 210,6 bilhões ao longo de três anos, que iam dar continuação ao programa e reforçar a proposta da diminuição do déficit habitacional no Brasil. Dos 2 milhões de unidades que iam ser contratadas até 2018, metade estava destinado nas faixas 1 e 1,5, com 500 mil unidades para cada uma.

 

Após vários anos de desenvolvimento econômico, o governo brasileiro nunca tinha investido tanto dinheiro em subsídios habitacionais. Considera-se que o programa MCMV é um grande avanço para a política habitacional brasileira, apesar das grandes criticas feitas ao programa, que sugerem maior articulação dos empreendimentos com a cidade, o programa tem conseguido diminuir o déficit habitacional e integrado a população carente dentro da cidade formal.

 

É lamentável que nestes últimos dias, o "governo" do "presidente" Michel Temer, abandonou a meta traçada pela presidente afastada Dilma Rousseff, e declarou o programa suspenso, sendo que ainda muitas famílias que se encontram em situação de pobreza e esperam no cadastro único das prefeituras para serem atendidas.

 

Devemos refletir também em relação à repercussão do programa na economia brasileira, já que o programa foi por oito anos, gerador e produtor de renda, emprego e impostos. Esta paralisação, evidentemente já está trazendo consequências no desenvolvimento deste setor da construção civil e posteriormente trará consequências também para a economia Brasileira.

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