Transporte aéreo no Brasil em tempos de Covid-19: possibilidade de um novo mercado?

28/03/2020 13:00

De acordo com a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), 2019 foi o primeiro ano após 2009 que a aviação obteve um crescimento anual inferior a 5%. Entretanto, outras variáveis se destacaram, como a pontualidade, taxa de ocupação e oferta de assentos, resultado dos aperfeiçoamentos logísticos que as companhias aéreas vêm adotando nos últimos anos por intermédio da indústria da aeronáutica. Contudo, do ano de 2019 para 2020, a imagem de aviões paralisados em aeroportos por todo o mundo vem tomando proporção conforme o avanço da COVID-19 (coronavírus). A pandemia que assola o planeta vem obrigando as companhias aéreas a adotarem medidas severas de contingenciamento de gastos. Dentre essas ações podemos destacar a paralização de voos internacionais e intercontinentais, além da alteração drástica da malha aérea e redução dos postos de emprego.

Figura 1: Aeroporto Logístico do Sul da Califórnia em Victorville, Califórnia.

Foto: Mark Ralston AFP/Getty Image.

Disponível em: Los Angeles Times, 2020

Embora a imagem acima seja condizente com o maior tráfego aéreo do mundo (E.U.A), no Brasil há de se tornar também realidade, sobretudo, após a publicação da ANAC no dia 27/03/2020, noticiando uma redução de 91% da malha aérea prevista pelas companhias aéreas brasileiras para o mesmo período sem anormalidades. A curva de casos do COVID-19 no Brasil inicia a escala para o momento de ápice, e um dos elementos fundamentais para diminuir o pico é a redução da circulação no país.

 

Ao observar como o vírus se instalou nos diferentes países do mundo, fica evidente que as menores ocorrências se deram justamente nos países que restringiram severamente a circulação de pessoas e mercadorias. Isto é, referem-se à diminuição quase que total dos meios de transporte em massa, dentre eles o transporte aéreo. Entretanto, a grande incógnita levantada pelas companhias, diante da paralisação das atividades, diz respeito aos custos operacionais obrigatórios com manutenção e pessoal.

 

Os mesmos agentes que buscam aplicar o modelo de livre mercado e intervenção mínima do Estado vão aos seus respectivos Governos solicitarem ajuda e resgate para o período de crise. Trata-se da maior crise que o setor teve desde seu início no primeiro quarto do século XX (do ponto de vista global). Por mais que seja contraditória pregar a menor atuação do Estado, mas ao mesmo tempo depender dele para se manter positiva, devemos ressaltar que as operações aéreas exigem cada vez mais da relação/interação a logística de Estado e a logística corporativa, atuando de forma combinada em prol de um maior bem-estar social, isto é, o Estado agir como órgão mais atuante a favor da população, e não apenas para as grandes corporações.

 

No Brasil, podemos destacar a atuação da Agência Nacional da Aviação Civil (ANAC) e da Secretaria da Aviação Civil (SAC), como os principais agentes normativos do setor, e também de órgãos representantes do meio corporativo como a Associação Brasileira da Aviação Civil (ABEAR). A aviação comercial brasileira sempre apresentou picos de movimentação desde o início das suas operações regulares na década de 1920 até o período recente, o qual se configura como período de transição de um segundo oligopólio (Gol, Latam e Azul) para a internacionalização do setor.

 

Entretanto, as respostas das companhias aéreas “brasileiras” têm sido semelhantes, como a redução de frota ativa (operando apenas as que possuem melhor custo-benefício), antecipação de férias, fechamento de bases (principalmente as regionais), licenciamento não-remunerada de trabalhadores, suspensão de voos internacionais, diminuição e corte de serviços de bordo, dentre outras ações (quem se beneficiou com isso foi o mercado financeiro, que assistiu a uma drástica desvalorização e recentemente uma nova valorização das ações das companhias). Por outro lado, o receio de viajar fez com que muitas viagens fossem canceladas ou adiadas, porém sem custos adicionais para o usuário.

 

O principal ponto de reflexão neste momento delicado de avanço do COVID-19 é exatamente a circulação que envolve o transporte aéreo. Isto é, as interações espaciais proporcionadas pela aviação numa escala local-global e vice-versa. Ora, numa operação aeroportuária envolvem-se agentes que circulam em diversos espaços, desde a tripulação a equipes de solo, manutenção, limpeza, catering, agentes aeroportuários, lanchonetes e restaurantes, transporte coletivo ou por aplicativo, dentre outros.

 

Isto significa que é incalculável a quantidade de pessoas e cargas que colaboram para a circulação dos fluxos aéreos. A estratégia de enxugamento das companhias brasileiras visou à concentração de voos nos seus hubs, isto é, nos principais aeroportos do estado paulista, exatamente no epicentro da pandemia no país. Se, por um lado, já foi comprovado que o COVID-19 chegou ao país por voos internacionais, por outro não se sabe quantas pessoas poderiam ter sido contaminadas. Diante do tempo de 3 a 5 dias para que o vírus se manifeste no corpo humano, muitas pessoas podem ter viajado sem ao menos saber que estavam contaminadas.

 

Isso serve de alerta. No que diz respeito à política de centralização das operações adotada pelas companhias aéreas brasileiras, trata-se de postura absolutamente equivocada, que tende a causar impactos negativos. Propor a ideia de conexão de voos exatamente onde há mais casos, só favorece uma maior circulação de pessoas (mesmo que a aviação esteja em números reduzidos). Veja-se, ainda, que as pessoas que trabalham nesses locais ficam mais vulneráveis ao vírus, e a chance de propagação é maior, principalmente devido ao contingente populacional da região.

 

Se observamos a quantidade de municípios com casos confirmados até o momento e a quantidade de voos que ocorreram no mês anterior, veremos que na sua maioria há um grande contingente populacional e circulação de pessoas, além da presença de aeroportos, basta vermos a figura abaixo. E em paralelo, temos a redução de 90% da malha área, concentrando voos exatamente em locais com grandes números de casos.

 

Figura 2. Mapa dos fluxos aéreos e do COVID-1

Embora seja recomendada a suspensão total da circulação como um todo, é necessário lembrar dos deslocamentos que precisam ser realizados de forma urgente, e que nessa relação espaço-tempo a aviação se destaca. Por isso, não é recomendável a suspensão completa, mas que seja ofertada uma demanda que seja apenas essencial. Contudo, o ato de concentrar voos em uma localidade, como estado de São Paulo, facilita a propagação do vírus. Uma boa estratégia seria a utilização de aeroportos mais isolados, com um menor número de pessoas circulando. O que estamos afirmando aqui é que o transporte aéreo (assim como outros meios de locomoção em massa) é um dos agentes responsáveis pela propagação do vírus, e o mesmo deve ser utilizado com o máximo de cautela e planejamento.

 

De antemão, o Covid-19 já deixou evidente alguns pontos que precisam ser revisados no que diz respeito à aviação comercial:

  • O Estado precisa intervir de forma mais consistente no setor aéreo, isto é, ser um agente mais ativo na aviação, buscando uma harmonia entre o meio corporativo e o usuário, diminuindo o domínio completo do mercado e estabelecendo mais regulação.

  • Revisão urgente dos algoritmos geradores das tarifas aéreas, pois nesse cenário houve uma queda considerável do preço das passagens, o que nos mostra que é possível uma redução do valor da passagem.

  • O Estado deve revisar o sistema de tributação sobre os serviços aeroportuários.

  • Num cenário de redução de custos, as fusões, associações, falências e aquisições serão cada vez mais visíveis, cabendo aos organismos de regulação a adoção de medidas que levem em conta os diferentes cenários, pois isso acarretará na concentração de capital, ao mesmo tempo em que postos de trabalho poderão ser extintos como forma de enxugamento da folha salarial.

  • Proteção aos trabalhadores do setor aéreo, tendo em vista a dinamicidade do setor diante das realidades socioeconômicas.

  • No caso brasileiro, por ter a flexibilidade 100% de capital estrangeiro nas empresas aéreas, assistiremos a fuga de capital para o meio corporativo (embora as companhias estejam na bolsa de valores).

  • Necessidade de revisar o sistema de hub e o fortalecimento (ou renascimento) da aviação regional quando houver a normalização da economia.

  • Revisar as políticas sanitaristas visando novas formas de conter possíveis pandemias futuras. Isto é, no âmbito nacional, por intermédio da Agência Brasileira de Vigilância Sanitária (ANVISA), criar um sistema que sirva de barreira para chegada de estrangeiros no país, tendo em vista que a maior parte dos contaminados do COVID-19 desembarcaram no Brasil em voos oriundos da Europa ou em navios de cruzeiro. Não se trata de proibir, mas de usar novas formas de precaução, como quarentena obrigatória em determinados casos, exames médicos rápidos, exigência de vacinas, dentre outros.

  • A retomada de crescimento econômico na escala nacional deveria se dar por intermédio do Estado. Entretanto, observando as formas debilitadas de atuação do Governo Federal, será algo que levará um bom tempo para a retomada de crescimento, principalmente diante da ausência de políticas desse tipo, como foi o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o Plano de Integração Logística (PIL), que mostraram a capacidade de crescimento do PIB brasileiro entre 2003 e 2012. Logo, acredita-se que na aviação o ritmo também se dará de forma devagar e anêmica, tendo em vista os serviços que necessitam do deslocamento via modal aéreo, como o turismo, responsável por uma parcela considerável do PIB nacional.

  • A necessidade de isolamento demonstrou no setor que há a possibilidade de enxugamento de diversos postos de trabalho, principalmente aqueles que exigem o quantitativo humano. Parte deles são feitos à distância. Entretanto, no setor aéreo algumas dessas mudanças já eram visíveis, como despacho automático, check-in online, embarque por código, ações pelo celular, dentre outras ações que há menos de 10 anos eram realizadas por trabalhadores.

Há a necessidade do Estado Nacional atuar em conjunto com os Governos Estaduais no combate ao COVID-19 (o que não vem acontecendo no Brasil). A limitação da circulação de pessoas (a qual inclui o transporte aéreo) em alguns estados foi medida implementada drasticamente, justamente por se considerar que é a principal forma de propagação do vírus, e o transporte aéreo assume esse papel de transmissor (mesmo que indiretamente). Portanto, quanto mais cedo a população se precaver, mais cedo a economia voltará a funcionar normalmente, embora se saiba que a recuperação não se dará em questão de dias. Mas, para isso, o Estado (principalmente federal) deve tomar medidas para que a população mais carente tenha acesso a fontes de renda, deixando apenas a operacionalidade de serviços essenciais.

 

As sequelas que o covid-19 deixará para o setor aéreo ainda são incalculáveis. No entanto, a necessidade de rever a forma de atuação do setor aéreo também é urgente. Os grandes capitais sempre agem em prol da lucratividade. O Estado (via neoliberalismo) flexibiliza ao máximo as regras do setor de forma predatória em prol do livre comércio, mas pouco pensa no bem-estar social, mas, sim, em atender aos interesses das grandes corporações. Talvez esse seja o momento para repensarmos no tipo de aviação que queremos. O alarmismo que o setor vem tonalizando no último mês é reflexo de que as ações da logística de Estado e corporativa devem agir de forma combinada em prol da população, pois sem passageiros não há fluxo. E diante desse contexto convém resgatar o pensamento de Milton Santos: de que o espaço é formado por um conjunto indissociável de sistemas e objetos em interação.

 

A concentração de voos (sistema de hub-and-spoke) precisa ser revista para evitar possíveis aglomerações em áreas com alto índice de casos. No entanto, para o capital corporativo, quanto menor o custo, maior o lucro (mesmo em períodos de crise), objetivando uma maior centralização do capital. Longe, é claro, da preocupação com o bem-estar social das pessoas envolvidas nessas interações espaciais que são propagadas por intermédio do transporte aéreo.

 

--

 

Me. Lucas Azeredo Rodrigues

Graduado em Geografia (UFFS)

Doutorando em Geografia (PPGG-UFSC)

Laboratório de Estudos sobre Circulação, Transporte e Logística – LABCIT (UFSC)

Grupo de Estudos sobre Dinâmicas Regionais e Infraestrutura – GEDRI (CNPq)

Núcleo de Estudos sobre Transportes – NETRANS (UNILA)

ANEXOS

Tags: COVID-19EconomiaGeografia dos TransportesLogísticaTransporte aéreoTransporte aéreo comercial

Contradições e armadilhas das e para as esquerdas no Brasil: o caso Aldo Rebelo e o primeiro de maio

06/05/2018 13:00

Tive a oportunidade de ver e ouvir as manifestações em Curitiba e nas redes sociais contra Aldo Rebelo, hoje no partido Solidariedade. Entretanto, Aldo esteve longos 40 anos no PCdoB e um curto período de sete meses no PSB.

 

Frases de golpista para Aldo Rebelo e para os sindicalistas da Força Sindical foram entoados com veemência no dia 1 de maio de 2018, em Curitiba.

 

Entendo que alguns façam essa análise, colocando o Aldo Rebelo, a Força Sindical e o Solidariedade como golpistas, pois esse é um aspecto da realidade bastante visível/aparente, principalmente para a Força Sindical e para o Solidariedade. Mas isso é uma análise grosseira da realidade, pois esquecemos das contradições, das disputas internas no seio de qualquer organização social, como um Partido Político, por exemplo. Assim, foi a explicação de Aldo Rebelo sobre sua saída do PCdoB, para o Jornal El País: "Mudei de partidos para não mudar de convicções. Para não mudar de ideia, de rumo. A agenda da esquerda foi mudando, foi abraçando esses temas do identitarismo, do multiculturalismo, que são temas importantes, mas que eu não julgo que sejam os temas essenciais e decisivos para o país retomar o desenvolvimento, o crescimento, a luta contra as desigualdades".

 

Nesse sentido, concordo com ele que a pauta de um projeto nacional de desenvolvimento (de soberania nacional e pensando na macroeconomia) está perdendo espaço para bandeiras setoriais, das minorias e isso separa mais que aglutina a sociedade brasileira, especialmente a de centro-esquerda. É claro que essas bandeiras são fundamentais e não podem ser abandonadas, mas alguns temas essenciais, como desenvolvimento econômico, saúde, educação, emprego e segurança (contidas obviamente num Planejamento Nacional e Soberano de Desenvolvimento) são transversais a todas essas bandeiras e setores da sociedade brasileira. Pois esses temas afetam, mais ou menos, negros, brancos, índios, quilombolas, sem tetos, sem terra, LGBTs, mulheres, homens etc. Suas precariedades dificultam as lutas por igualdade e melhores condições de vida de todos.

 

Por outro lado, não me vejo votando no Aldo Rebelo, num partido como o Solidariedade. Até mesmo acho difícil votar no Ciro Gomes no PDT, lembrando que ambos os partidos tem uma série de políticos golpistas e que, em muitas regiões do país, são partidos de aluguéis, com caciques inescrupulosos. Entrementes, não vejo motivo para não aceitá-los numa coligação ampla de esquerda ou de centro-esquerda. Pensar no atacado ao invés do varejo parece ser a saída na atual e complicada conjuntura. A esquerda deve se preocupar mais com o que nos une do que com os fatores que nos separa. Buscar mais unidade e superar, pelo menos conjunturalmente, as vaidades e os interesses pessoais e de pequenos grupos.

 

Quem realmente estuda política, quer politizar, educar politicamente, tem que superar a aparência para chegar a essência dos fenômenos. Para isso precisa ir no fundo do problema, do fenômeno e desconfiar sempre das análises de aparências, geralmente grosseiras, com forte conteúdo ideológico stricto sensu (repleto de falsas verdades). Portanto, a questão aqui é que aparência e essência possuem pesos diferentes e precisamos entender veementemente isso para não correr em erros nas formas de avaliação.

 

Aldo Rebelo foi e é uma importante peça da esquerda brasileira, apesar de estar no Solidariedade hoje. Como Presidente da Câmara dos Deputados Federais, no governo Lula da Silva, viabilizou a aprovação de uma série de Projetos de Lei da Bancada Governista e de Medidas Provisórias do governo. Boa parte dos programas sociais, de soberania nacional e outros foram aprovadas e implementadas nesse período, com a liderança dele. Ele também foi presidente da Comissão de Defesa da Câmara e realizou uma forte aproximação com integrantes nacionalistas das forças armadas, discutindo a questão da soberania nacional do Brasil e, por isso, um comunista foi aceito pelos militares como Ministro da Defesa. Foi também Ministro dos Esportes e da Ciência e Tecnologia. A biografia dele é vasta, desde a presidência da União Nacional dos Estudantes.

 

A saída do Aldo Rebelo, peça estratégica nos governos Lula e Dilma, do PCdoB tem um outro motivo também, ou seja, uma aproximação com partidos atualmente afastados do campo da esquerda, como o PSB e o Solidariedade, por exemplo. Trazer o PSB, partido carente de uma forte liderança, para a coligação com os partidos de esquerda, como PT e PCdoB, foi também a motivação da saída de Aldo Rebelo do PCdoB (lembrando que o PCdoB foi um defensor feroz do Governo Lula e Dilma, em muitos casos mais que o próprio PT e o Aldo estava nesta linha de frente). Portanto, sua ida para o PSB foi também uma tática a invés de sua transformação num golpista. Digo isso porque avalio que ele está mais preparado para discutir as grandes questões nacionais do que a candidata Manuela D'Ávila (sem desmerecer a capacidade dela e de sua equipe e das bandeiras importantes que ela carrega com sua candidatura), ou seja, ele seria um forte nome para candidato à Presidência pelo PCdoB e a pauta da macroeconomia (crescimento econômico, reforma tributária, soberania nacional) e da reforma política estariam mais presentes. Outro ponto é que ele procura dialogar com grupos das forças armadas mais progressistas, algo difícil de se fazer num partido comunista e com maior índice de rejeição entre os militares.

 

Por que essa tática do Aldo Rebelo não está dando muito certo? Ora, estamos falando de política no Brasil e as variáveis são diversas e tudo muda a todo momento. Nesse pouco tempo de estada no PSB, um grupo mais conservador do partido, articulou uma aproximação com Joaquim Barbosa, uma das peças originárias do golpe jurídico-midiático que começou com o Mensalão do PT. Nesse cenário, onde o PSB aparentemente mantém-se no Golpe contra a democracia e a soberania nacional o Aldo Rebelo não tinha mais espaço de manobra.

 

Então o próximo passo foi ir para o Solidariedade, também carente de uma forte liderança, pois há um enfraquecimento tanto nesse partido como na Força Sindical (de onde o Solidariedade surgiu) do Paulinho da Força, forte integrante do Golpe de 2016. Assim, trazer a Força Sindical e o Solidariedade (rachados internamente, mas sentindo que entrou numa "canoa furada" com o Paulinho da Força, tendo várias lideranças contra o Golpe) para combater o golpe e unir-se as forças de esquerda é a tática, especialmente, porque a direita anunciou uma forte coligação política entre PSDB e MDB (que tende a uma forte ampliação, podendo incluir o PSD, PP, DEM e até mesmo o Bolsonaro e, no segundo turno essa coligação deve crescer, com frações do PDT, Rede Sustentabilidade e outros).

 

No final das contas, minha avaliação, sem nenhuma relação direta com Aldo ou com qualquer partido, é de que as manifestações contra ele foram e são injustas. Sua história mostra isso. Pode ser um sacrifício político, pois essa estratégia pode dar errada, que ele esteja fazendo contra o Golpe e a favor da retomada da democracia e da soberania nacional. Digo sacrifício, pois ele pode estar queimando capital político, mas isso "só o tempo" mostrará. Ao invés de vaias, devemos entender melhor o jogo político, portanto, palmas ao invés de vaias e pedidos de desculpas pelas injurias.

 

Também registro aqui o importante papel do PCO e da figura de Rui Pimenta Costa, pouco valorizada pelas lideranças de esquerda, mas atuantes na luta contra o Golpe. O mesmo vale para os que criticam Ciro Gomes. Cuidado para não atribuírem a ele coisas ditas pela Globo, Veja e coisas ditas no passado e, muitas vezes fora de contexto. Há uma série de intrigas criadas pela direita e pela mídia (e reproduzidas pela esquerda) para separar as diversas forças políticas que estão unidas, ou em processo, tanto contra o Golpe de 2016 como para as eleições de 2018.

 

Cuidado para você não se tornar um ideólogo (reprodutor de falsas verdades, das verdades da burguesia). A ideologia, segundo Marx (completando 200 anos do seu nascimento dia 5/5/2018), é um conjunto de proposições com o fito de fazer aparentar os interesses da classe dominante com o interesse coletivo, construindo uma hegemonia da classe dominante.

 

O inimigo do nosso inimigo pode ser nosso aliado estratégico, mas precisamos ter "sagacidade" apurada para identificar essa diferença. Temos que entender que há uma diferença significativa entre adversário e inimigo, com um podemos conversar e disputar e com o outro temos a obrigação de combater. Assim, combater Aldo Rebelo, Ciro Gomes etc pode se tornar um erro histórico, como a esquerda já cometeu no passado. Destaco alguns: 1) não ter se coligando ao PMDB, entorno do nome de Ulisses Guimarães, nas eleições de 1989; 2) ter apoiando o impeachment de Fernando Collor; 3) com a deposição de Collor não ter entrado no governo Itamar Franco, dando lugar ao famigerado Fernando Henrique Cardoso; 3) nas escolhas dos Ministros do Supremo Tribunal Federal; 4) de ter se acovardado diante do Mensalão do PT e ter "rifado" a cabeça do José Dirceu, provável presidenciável ao invés de Dilma Rousseff; 5) escolher uma pessoa com pouco tino político, como a Dilma Rousseff, para ser candidata à Presidência da República.

 

Olhos atentos, fazer análises mais profundas, focando na essência dos fenômenos e, a partir daí, partir para ação. Essa é uma atitude mais responsável do que dar simples opiniões baseando-se nas aparências.

 

No final das contas, a esquerda, apesar dos cursos de formação política dados aos dirigentes partidários, sindicalistas e lideres de movimentos sociais, está tão despolitizada quanto a direita. Outro agravante é a falta de renovação na política, tendo em vista que, em Curitiba, a maioria das pessoas que lá estavam eram de velhas lideranças. Faltou a juventude, faltou mais a presença de jovens secundaristas e universitários, sem falar nos seus professores!

Tags: BrasilEconomiaGolpe de EstadoPolíticaPolítica educacionalPolítica higienista

A Espanha será a plataforma logística do Sul da Europa?

15/02/2018 13:00

Converter a Espanha na “Plataforma logística do sul da Europa”, essa é a meta da “Estrategia Logística de España”[i], documento que desenvolve os princípios e diretrizes do Plan de infraestructuras, transportes y vivienda (PITVI), publicado pelo Ministério do Fomento espanhol, que estabeleceu os rumos para o planejamento do setor de transporte do país para o período de 2012 a 2024.

Ao analisarmos a infraestrutura de transporte espanhola destinada as mercadorias, poderíamos afirmar que de modo geral a mesma apresenta boa qualidade. O país no ano de 2016 possuía aproximadamente 166.000 km de rodovias, dos quais 14.701 km tratam-se de vias com grande capacidade; um total de 15.900 km de ferrovias; cerca de 46 portos de interesse geral, além de importantes aeroportos peninsulares, como: Madrid-Barajas, Barcelona-El Prat, Zaragoza, Vitoria e Valencia, além de notáveis aeroportos insulares, como o Gran Canaria, o Tenerife Norte e o Palma de Mallorca.

 

Ainda assim, ao verificar a circulação de mercadorias no país o PITVI constatou a existência de uma matriz de transporte desequilibrada. Essa afirmativa justifica-se ao constatar que de um total de 1.500 milhões de mercadorias que circularam em território espanhol no ano de 2011, o modal rodoviário centralizava 85,3% dos fluxos, seguido pelo modal marítimo com 12,23%, as ferrovias com 2,46% e, o transporte aéreo com somente 0,02%. Essa supremacia do transporte por caminhões tornou-se ainda mais evidente ao focarmos particularmente o caso do transporte terrestre de mercadorias, cujas rodovias concentraram até 95,6% dos fluxos em oposição às ferrovias responsáveis 4,4% dos traslados para o mesmo ano.

 

Esses índices impuseram/impõem apreensão por parte do governo espanhol, decorrente do baixo desempenho do modal ferroviário, preocupação que coincide com as diretrizes estabelecidas ao planejamento da rede de transportes no âmbito da União Europeia.

 

O PITVI espanhol prevê um aumento de demanda por transporte terrestre de mercadoria de até 25%, para o período de 2012 a 2024. Para tanto o plano antevê como medida para absorver esse crescimento esforços para o redirecionamento dos fluxos das rodovias para as ferrovias. O resultado almejado é a redução da participação do transporte rodoviário de mercadorias para 91% e, a ampliação da participação do modal ferroviário para aproximadamente 9% dos fluxos terrestres.

 

De acordo com entrevista realizada no ano de 2016, na Unidade de Logística do Ministerio de Fomento Espanhol, apesar dos índices modestos no transporte de cargas a rede ferroviária existente estrutura bem o território, ainda assim existem alguns problemas, por exemplo: o país tem uma rede de alta velocidade construída com uma bitolada de padrão europeu, que impossibilita a circulação mercadorias, desta maneira o tramo entre Barcelona e França é um dos poucos trechos de alta velocidade utilizada de modo misto. Por outro lado, ainda que raramente, ocorrem pequenos colapsos na rede ferroviária, sobretudo nas proximidades de Barcelona e Madrid por serem núcleos de “cercanias” que concentram passageiros. Contudo, no território espanhol não ocorrem problemas de infraestrutura, como na França ou Alemanha, que apresentam ocasionalmente congestionamentos em trechos da sua rede ferroviária.

 

Ao analisar a distribuição espacial da rede ferroviária espanhola, poderíamos afirmar que a infraestrutura e a demanda tendem a concentrar-se entre as cidades de Madrid, Málaga, Valencia, Alicante, Zaragoza, Vitoria-Bilbao e Valladolid, conformando um “retângulo da demanda” que reúnem também as ofertas por serviços de transporte no país. Ademais, esse retângulo é acrescido por um braço que segue até Sevilla e, outro que vai a França.

 

Essa centralização da infraestrutura e da demanda em determinadas porções do território, frequentemente configura-se em uma limitação, uma vez que os vagões chegam a seu destino e voltam a origem com espaços ociosos. Esse problema é agravado por condicionantes logísticos, pois as especificidades das cargas transportadas geralmente requerem vagões específicos contribuindo, também, para que os mesmos muitas vezes não possuam carga de retorno.

 

Para reduzir esse impasse uma das novas estratégias adotada pelo Ministério do Fomento do país, foi a ampliação dos ciclos de debates inserindo os agentes logísticos, os carregadores (que são os donos das cargas), produtores e distribuidores (com destaque para o setor automobilístico, a indústria química e, o setor sidero-metalúrgico), que possuem cargas em quantidade e/ou valor importantes para serem transportadas.

 

Ainda de acordo com a Unidade de Logística do Ministério de Fomento Espanhol, a intenção é que a partir dos problemas colocados pelas empresas, o governo possa compreender melhor as necessidades existentes (demandas) e, realizar a oferta de transporte de maneira mais atrativa, na tentativa de estabelecer maior confiança ao sistema, indo à raiz do problema. Exemplo dessa nova conduta foi o plano piloto realizado em conjunto com a empresa automobilística Reno, a mesma movimenta grande parte de suas mercadorias entre Valladolid, Valencia e o Porto de Santander, para isso foi reunido em uma mesma mesa a Reno, os operadores, da Renfe (Red Nacional de los Ferrocarriles Españoles), da Adif (Administrador de Infraestructuras Ferroviarias) e do Porto de Santander, a fim de debater e identificar os entraves existentes, para alcançar a maior eficiência da rede.

 

Figura 2: Campo no centro de cargas do aeroporto de Zaragoza, realizado no ano de 2016. Na imagem pode-se visualizar o maior motor da história da aviação, uma Turbina GE90.

 

Essa estratégia deverá ser realizada também em Navarra com a Volkswagen e, em Valencia com a Ford. Segundo a Unidade de Logística española, antes a empresa ferroviária definia as linhas de operação, já atualmente as grandes empresas tem um papel mais importante, haja vista o caso da rede de supermercados Mercadona, que ao iniciar suas atividades estabeleceu um núcleo de demanda e, um nível de frequência de transporte considerável, que consecutivamente tornou-se igualmente atrativa à outras empresas que possuíam menor demanda.

 

Essa estratégia, ainda que com muitas ressalvas, recorda algumas políticas adotadas da década de 1970, baseadas nos “polos de desenvolvimento” de François Perroux, no que tange a importância destinada a grande empresa, enquanto indutora do desenvolvimento. Prontamente, nos próximos anos poderemos avaliar seu êxito.

 

Vale frisar que, ainda que exista uma estratégia para o setor de transporte, cada modal possui suas particularidades. No caso do setor de transporte aéreo de mercadorias, de acordo com trabalho de campo realizado no ano de 2016 no centro de cargas do Aeroporto de Zaragoza e Madrid-Barajas, foi relatado que a tendência para o setor não é ampliação do transporte por aviões cargueiros como em outros países, mas o melhor aproveitamento da capacidade ociosa (no compartimento de bagagem) do elevado número de voos comerciais que pousam nos principais aeroportos do país.

 

No transporte marítimo busca-se a dinamização do setor com a consolidação das “autopistas do mar”, proposta idealizada no âmbito da União Europeia, atrelada a consolidação dos eixos rodoviários litorâneos, cujo potencial é elevado para desenvolver novas demandas no território. Tais estratégias, tornam-se fundamentais para alcançar o objetivo da Espanha de reforçar seu papel no cenário europeu, avançando no desígnio explicitado no PITVI de tornar-se a “Plataforma Logística do Sul da Europa”.

 

O país possui poucos barcos com pavilhões nacionais, por outro lado nos portos espanhóis atracam grandes navios do mundo todo, convergindo em seus portos importantes fluxos provenientes do canal de Suez e do Panamá. Ademais, o PITVI almeja ampliar a participação no transporte de cargas originárias de outras partes do mundo, destinadas ao norte da Europa, desta maneira um barco ao invés de contornar a costa ibérica para descarregar em Amberes (Bélgica) ou Luxemburgo poderá descarregar em Valencia ou Barcelona e, seguir por meio terrestre aos seus destinos finais.

 

De fato, o objetivo de tornar-se a “Plataforma do Sul da Europa” é difícil de alcançar, pois existem outros países com importantes portos no mediterrâneo, como: a França, a Itália, a Grécia e a Turquia. No entanto, de acordo com a Unidade de Logística do Ministério de Fomento Espanhol, o país deve buscar um escopo para posicionar-se no mundo e repensar os problemas do setor, pois ainda que o país possua boas infraestruturas o transporte de carga ainda pode ser considerado um “tendão de Aquiles” do setor.

 

No entanto, o objetivo espanhol de canalizar os fluxos marítimos internacionais de carga com destino à europeu, esta condicionado ao planejamento dos fluxos de mercadorias e passageiros de modo mais abrangente. Justamente, porque no caso espanhol o maior percentual das cargas encaminhadas aos portos seguem por meio do modal rodoviário, sendo pequena (aproximadamente 5%) a participação do modal ferroviário. Nesse sentido, a ampliação das mercadorias provenientes do comércio internacional marítimo (com destino final a Espanha ou os países vizinhos), devem pressionar as infraestruturas terrestres existentes (sobretudo as rodoviárias), caso não ocorra um esforço a fim de alcançar uma matriz de transporte terrestre mais equilibrada, isto é, com maior participação do modal ferroviário.

 
 

[i] Disponível em: https://www.fomento.gob.es/MFOM/LANG_CASTELLANO/PLANES/ESTRATEGIA_LOGISTICA/.

Tags: AeroportosDesenvolvimentoEconomiaEspanhaEstradas de FerroEuropaFerroviasInfraestruturasInfraestruturas de transportesPortos

As obras do PAC na BR-101 e o efeito multiplicador interno em Sergipe

12/07/2017 13:00

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) representa a reativação do planejamento estatal estratégico e o aumento dos investimentos públicos no Brasil, contribuindo com a demanda efetiva e a distribuição de renda no país. A expansão relativa dos fixos permitiu arrefecer os gargalos da infraestrutura brasileira, sendo fundamental para a economia e a sociedade. Assim, as inversões do PAC na BR-101 em Sergipe, especialmente entre 2007 e 2013, foram uma importante medida anticíclica e contribuíram para fomentar o desenvolvimento regional, principalmente no que tange à distribuição de renda.

 

Nos anos de 1990, a política econômica brasileira se caracterizou pelo neoliberalismo, com destaque ao Estado-mínimo, arrochos salariais, incentivo aos setores rentistas da economia, diminuição da reserva de mercado, entre outros. O contexto político, econômico e social foi sendo modelado de acordo com a política de austeridade que estava se instalando no Brasil. Mais uma vez, a necessidade de controlar a inflação superava todas as outras medidas realmente necessárias para o desenvolvimento do país, havendo enfraquecimento do planejamento estatal e ampliação do risco de “apagão infraestrutural”.

 

A retomada dos investimentos em infraestruturas se deu a partir do governo Lula, que cria o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), sendo um instrumento essencial para a geração de empregos e renda no Brasil, no Nordeste e em Sergipe. Tais inversões conseguiram relativamente mitigar alguns gargalos da infraestrutura, além de contribuir com a diminuição do desemprego, crescimento da economia, distribuição de renda e outros.

 

Com isso, houve aumento da demanda agregada (KEYNES, 1988) na economia sergipana, juntamente ao aquecimento da produção industrial no estado, caso dos segmentos de extração química-mineral (petrolífera, cimenteira e sulfato de amônia), transformação (produção de bebidas e vestuário), entre outros.

 

Sergipe recebeu R$ 9,0 bilhões de investimentos do PAC entre os anos de 2007 e 2010, além de R$ 8,4 bilhões entre os anos de 2011 e 2014 (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, 2016). Dentre as diversas áreas de inversões do PAC, destaca-se o modal rodoviário em Sergipe e no Brasil (tabela 1).

A partir dos investimentos na BR-101 houve grande estímulo e dinamização das atividades industriais e produtivas em Sergipe, refletidas pelo efeito multiplicador interno, pois quando o governo destinou recursos para duplicação da rodovia, automaticamente houve a necessidade de compra de materiais, como derivados do petróleo, cimento, ferragens, máquinas, equipamentos, entre outros, o que provocou uma dinâmica econômica de vários setores da economia, assim como a utilização de mão de obra para realizar as construções.

 

Todavia, apesar dos avanços, esses foram/são relativos, pois ainda há partes não duplicadas da BR-101 em Sergipe, prejudicando a fluidez e a circulação de bens, serviços e pessoas. Os trechos construídos pela Engenharia do Exército apresentaram um custo inferior em relação às concessões às construtoras privadas, com conclusão das obras dentro do prazo estipulado (sem atrasos). A participação da mão de obra do Exército, por meio de convênio com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), permitiu a construção, por exemplo, do trecho entre Estância/SE e Cristinápolis/SE, alavancando a dinâmica regional (mapa 1).

 

Mapa 1: Situação atual da BR-101 em Sergipe.

Com os investimentos do PAC, o estado de Sergipe passou a atrair empresas nacionais e estrangeiras (Petrobras, Calçados Vulcabrás Azaleia, Leite de Rosas, Sabe Alimentos, Ambev, Dalon Alimentos, Vale, Votorantim etc.) e essa condição foi importante para a geração de empregos em âmbito regional. Em Sergipe, foram criados 2.500 empregos diretos somente nas obras de duplicação da BR-101 no estado (GOVERNO DE SERGIPE, 2015).

 

O efeito multiplicador interno gerado a partir das obras de construção civil pesada fomentou várias atividades econômicas, como transportes, comércio e serviços, que apresentaram, entre os anos de 2007 e 2012, um crescimento médio de 7,7% em Sergipe (SEDETEC, 2015).

 

Apesar dos avanços, estes foram/são insuficientes, pois o planejamento brasileiro, historicamente, é de governo, o que prejudica as inversões destinadas às infraestruturas. Em contrapartida, as obras do PAC geraram reflexos positivos, sobretudo, no arrefecimento do desemprego entre 2007 e 2013. Os segmentos rodoviário, portuário, hidroviário, ferroviário, aeroviário etc. são imprescindíveis para o país, assim, o Estado deve fomentar os transportes, por tratar-se de um setor estratégico.

 

Um dos principais problemas do país é o equivocado modelo de concessão, que prejudica o desenvolvimento regional e nacional. Além dos gargalos históricos que permeiam o Brasil (ajustes fiscais severos, investimentos nos segmentos rentistas, concentração regional de renda, entre outros), a previsão de futuros investimentos em obras, diante do contexto político e econômico brasileiro atual, é negativa. A política econômica neoliberal, reinstalada fortemente no país, está alicerçada pelo golpe/impeachment de Dilma Rousseff, e impede a retomada do crescimento econômico e a queda significativa do desemprego.

Fabiana dos Santos Pinheiro (Graduanda em Geografia)

Nelson Fernandes Felipe Junior (Professor)

Universidade Federal de Sergipe - UFS

Tags: BrasilConstrução civilDesenvolvimento econômicoDesenvolvimento socialEconomiaFinanciamento das infraestruturasPAC

Especial governo Lula da Silva: o lapso de uma política externa independente

25/05/2017 13:00

O governo Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011) inaugurou um período de ascensão internacional do país enquanto potência emergente. Essa estratégia foi pautada na diversificação de parceiros comerciais e na ampliação de novas coalizões políticas, visando influir na arena de decisões em nível global. Por outro lado, foram direcionados esforços para ampliação da cooperação entre os países sul-americanos, com a consolidação de novas organizações internacionais de integração regional, que ampliaram as possibilidades de consenso entre os países da região, no que tange várias temáticas.

 

Outras mudanças na política externa tornaram-se evidentes, uma vez que se tornou mais ativa e altiva e inaugurou um trajeto em busca de projeção internacional. Para tanto, além de tornar-se credor do FMI, a diplomacia brasileira passou a intervir em variados fóruns internacionais e em contenções entre diversos países, realizando um grande esforço para conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).

 

O país voltou a colaborar em missões de paz sobre incumbência da ONU, feito que não ocorria desde 1947 na missão desenvolvida na região dos Bálcãs (abarcava Grécia, Albânia, Bulgária e ex-Iugoslávia), em que o país ficou encarregado de monitorar as fronteiras e auxiliar os refugiados. Para tanto, no ano de 2004, o governo brasileiro encaminhou tropas para missões de paz no Haiti, na operação Minustah; já em 2011 participou da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil). Tal conduta repercutiu nos anos seguintes na indicação do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que comandou as tropas brasileiras no Haiti, para chefiar a missão Monusco, na República Democrática do Congo, em 2013 e, na designação do tenente coronel de artilharia Ivo Werneck para compor a equipe de planejamento da Minusa, uma Missão de Estabilização Multidimensional Integrada na República Centro-Africana em 2014.

 

Vale lembrar que, no período do governo Fernando Henrique Cardoso a Política Externa apresentou enquanto foco a busca por credibilidade, cujo objetivo foi ampliar a cooperação para criação de normas internacionais, desta maneira a autonomia seria conquistada de fora para dentro [i]. Nesse sentido, havia uma tentativa de “autonomia por participação” que seria garantida pela simples presença brasileira nos regimes internacionais, que ocasionalmente asseguraria ao país influenciar na (re)elaboração das normas existentes [ii].

 

Por outro lado, no decorrer do governo Lula passou-se a ter o entendimento de que não bastava participar dos organismos internacionais, mas era necessário também uma atuação ativa na política externa, que possibilitasse alternativas para resistir às imposições de decisões que muitas vezes resultam danosas ao país. Desta maneira, buscou-se uma “autonomia pela diversificação”, isto é, a ampliação das coalizões políticas e comerciais com países que compartilham de interesses semelhantes, visando ampliar o poder de barganha nas negociações e reduzir a dependência do comércio exterior centralizado no mercado estadunidense [iii].

 

Nessa perspectiva, houve o fortalecimento do Itamaraty, a ampliação do número de embaixadas, principalmente na África, assim como em outros países que o comércio exterior ainda apresentava-se pouco relevante. Ademais, consolidou-se uma “diplomacia presidencialista” intensiva, consubstanciada na figura do presidente Luís Inácio Lula da Silva, “o cara” na expressão do presidente estadunidense Barack Obama [iv].

 

A frequência e destino das viagens presidenciais, um indicador importante para analisar a diplomacia presidencial, ganharam dimensões importantes, como pode-se verificar na Figura 01:

As viagens presidências no período do governo Lula da Silva em relação ao seu sucessor foram 110% superiores. As visitas ocorreram com maior intensidade em todas as regiões, elas cresceram 59% para a Améri­ca do Sul, para a América do Norte em 71% e, para a Europa em 74%. Ademais, houve um esforço para ampliação das relações com regiões periféricas, negligenciadas pelo antigo governo, resultando no aumento de viagens para América Central e Caribe, em 480%, África, em 750% e, Oriente Médio antes não visitado [v].

 

A concomitante aproximação política e econômica entre os países da região Sul-Sul influiu na redefinição dos fluxos de comércio internacional. Fato que resultou, consequentemente, na ampliação de um espaço econômico de trocas, que até certo nível, é contraditório às políticas globalizantes. Ora, a ampliação das relações comerciais e de cooperação sul-sul, a coalizão dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e a institucionalização de organizações internacionais de integração regional, como foi o caso da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos), contrapõem-se aos interesses globais hegemônicos e, até certa medida, ampliam as disputas geopolíticas.

 

Essa dinâmica, inaugurada no decorrer do governo Lula prosseguiu no decorrer do primeiro mandato da presidente reeleita Dilma W. Rousseff (2011-2014), que preservou as mesmas orientações da política externa do seu antecessor, ainda que com característica mais discreta e, aparentemente menor ímpeto por conquistar projeção internacional [vi]. Ou seja, podemos afirmar que houve “contenção na continuidade da política externa” mantendo-se os objetivos, porém despendendo menores esforços, uma política menos propositiva e ousada que seu precursor [vii].

 

Esta postura mais comedida refletiu na redução de viagens da presidente Dilma Rousseff para cumprir agendas de interesse bilateral ou multilateral (Figura 01). Essas foram 30% a menos que as ocorridas no primeiro mandato do presidente Lula e, aproximadamente 50% das realizadas no segundo mandato do petista [viii]. Além disso, ocorreu a redução da absorção do quadro de diplomatas de 100 candidatos/ano, mantido no último mandato do presidente Lula da Silva, para somente 18 no ano de 2014. Assim como, a redução do orçamento do Itamaraty, ainda que essa se justifique devido a descentralização do papel do organismo enquanto formulador de políticas externas, compensado com a ampliação da autonomia dos ministérios, para que suas próprias secretarias de relações exteriores atuem.

 

Nessa conjuntura o primeiro mandado da presidenta Dilma Rousseffe corresponde a um período de declínio da inserção nacional do país, após um período de ascensão internacional do país enquanto potência emergente no governo Lula da Silva [ix]. Essas premissas são pautadas na redução de investimentos, na ausência de política destinada ao comércio exterior, no encolhimento da influência do país na arena internacional, em que debate-se e decidem-se normas que influem no comércio exterior. Essa situação tornou-se mais evidente no segundo mandato da presidenta Dilma, cuja dificuldade para manter a governabilidade nesse momento requereu o direcionamento de esforços na tentativa de administrar a crise política doméstica, que desencadeou no processo de impeachment.

 

Com a ascensão de Michel Temer de vice à "presidente", em maio de 2016, uma nova política externa foi sinalizada como se pode constatar no documento elaborado pelo mesmo “Uma diplomacia presidencial a serviço do Brasil” [x], o governo buscaria por uma postura pragmática à retomada da confiança no país. Para tanto, ainda de acordo com documento, o Brasil deveria distanciar-se de “visões de mundo enviesadas”, isto é, ideologias que privilegiavam um conjunto de países em detrimento de outros. Uma proposta de política externa, no mínimo irônica, ou melhor, demagógica. Uma vez que, buscou reduzir as “influencias ideológicas” no Itamaraty, no entanto indicou-se para o cargo, que nos últimos 15 anos foi ocupado por profissionais de carreira, o senador Jose Serra do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), um político que possui uma orientação ideológica claramente americanista, conservadora e sem rumo certo.

 

Essa nomeação resultaria infeliz, devido a um encadeamento de discordâncias entre as posturas de Serra e Temer em relação a condução da política externa brasileira, que se refletem em temas como: a redução da prioridade dada a América do Sul; na participação do Brasil na disputa por um acento no Conselho de Segurança da ONU; na condução da política externa com Venezuela e Israel, onde as relações são delicadas, entre outras e que contribuíram para que o ministro apresentasse seu pedido de demissão do cargo.

 

Consecutivamente o cargo passou a ser ocupado pelo também tucano Aloysio Nunes, nome que não gerou boas expectativas, seja por seu temperamento que parece não condizente com o cargo [xi], seja pelas investigações que o mesmo responde no STF. Sendo, necessário tempo para avaliar a política externa do período do governo Temer, no entanto, parece seguro afirmar que, a retomada do status do Itamaraty, enquanto ministério-chave das relações internacionais, não passará de uma expectativa frustrada.

 

Por outro lado, a popularidade em queda livre do governo, que nos primeiros meses de mandato era de 14%, conquistando o preocupante título de pior popularidade no ranking das Américas (segundo consultoria da Mitofsky) [xii], para 10% no ano de 2017 [xiii], o que demonstra a discordância dos brasileiros em relação a implementação do programa de governo “Uma Ponte para o Futuro”, torna a política externa, cada vez mais, estratégica para conquistar legitimidade internacional, para um "presidente" impopular e desmoralizado no cenário nacional.

 
 
 

[i] Vide: LIMA, M. R. Soares de. “A Política Externa Brasileira e os Desafios da Cooperação Sul-Sul”. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 48, no 1, p. 2005, p. 24-59

 

[ii] Vide: VIGEVANI, T.; OLIVEIRA, Marcelo Fernandes de. A política externa brasileira na era FHC: um exercício de autonomia pela integração. Interthesis, Florianópolis, v. 3, n. 3, 2005, p. 1-44.

 

[iii] Vide: VIGEVANI, Tullo e CEPALUNI, Gabriel. “A Política Externa de Lula da Silva: A Estratégia da Autonomia pela Diversificação”. Contexto Internacional, vol. 29, nº 2, 2007, p. 273-335.

 

[iv] Vide: GARCIA, M. A. A política externa brasileira. In: JAKOBSEN, K. A nova política externa. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2010

 

[v] Vide: MILANI, C. R. S. et al., Atlas da política externa brasileira. 1º ed. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO; Rio de Janeiro: EDUerj, 2014

 

[vi] Vide: ALMEIDA, P. R. de. Política externa e diplomacia partidária no Brasil atual. Revista Interação, v. 6, n. 6, jan/jun, 2014, p.8-27.

 

[vii]Vide: CORNETET, João Marcelo C. A Política Externa de Dilma Rousseff: Contenção na Continuidade. Conjuntura Austral, v. 5, n. 24, 2014, p. 111-150

 

[viii] Vide: CORNETET, João Marcelo C. A Política Externa de Dilma Rousseff: Contenção na Continuidade. Conjuntura Austral, v. 5, n. 24, 2014, p. 111-150

 

[ix] Vide: CERVO, Amado Luiz; LESSA, Antônio Carlos. O declínio: inserção internacional do Brasil (2011-2014). Revista Brasileira de Política Internacional. v. 57, n. 2, p. 133-151, 2014.

 

[x] Vide: TEMER, Michel. Uma diplomacia presidencial a serviço do Brasil. O Estado de São Paulo. São Paulo 25/12/2016. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/529215>.

 

[xi] Vide: GIELOW, Igor. Escolha para o cargo de chanceler traz alívio e preocupação entre diplomatas. Folha de São Paulo. São Paulo. 3/3/2017.

 

[xii]Vide: Barrucho, Luis. Com 14% de aprovação, Temer tem segunda pior popularidade em ranking das Américas. BBC. Brasil. 5/10/ 2016

 

[xiii] Vide: MURAKAWA, Fabio; AGOSTINE, Cristiane. Avaliação positiva do governo Temer cai para 10,3%, diz CNT/MDA. Jornal Valor Econômico. Brasil. 15/02/2017

Tags: América LatinaComércio ExteriorDesenvolvimentoEconomiaGeografiaGeografia EconômicaGeopolíticaGlobalizaçãoGolpe de EstadoGoverno LulaPolítica externaRelações internacionais
  • Página 1 de 3
  • 1
  • 2
  • 3