O governo Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011) inaugurou um período de ascensão internacional do país enquanto potência emergente. Essa estratégia foi pautada na diversificação de parceiros comerciais e na ampliação de novas coalizões políticas, visando influir na arena de decisões em nível global. Por outro lado, foram direcionados esforços para ampliação da cooperação entre os países sul-americanos, com a consolidação de novas organizações internacionais de integração regional, que ampliaram as possibilidades de consenso entre os países da região, no que tange várias temáticas.
Outras mudanças na política externa tornaram-se evidentes, uma vez que se tornou mais ativa e altiva e inaugurou um trajeto em busca de projeção internacional. Para tanto, além de tornar-se credor do FMI, a diplomacia brasileira passou a intervir em variados fóruns internacionais e em contenções entre diversos países, realizando um grande esforço para conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).
O país voltou a colaborar em missões de paz sobre incumbência da ONU, feito que não ocorria desde 1947 na missão desenvolvida na região dos Bálcãs (abarcava Grécia, Albânia, Bulgária e ex-Iugoslávia), em que o país ficou encarregado de monitorar as fronteiras e auxiliar os refugiados. Para tanto, no ano de 2004, o governo brasileiro encaminhou tropas para missões de paz no Haiti, na operação Minustah; já em 2011 participou da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil). Tal conduta repercutiu nos anos seguintes na indicação do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que comandou as tropas brasileiras no Haiti, para chefiar a missão Monusco, na República Democrática do Congo, em 2013 e, na designação do tenente coronel de artilharia Ivo Werneck para compor a equipe de planejamento da Minusa, uma Missão de Estabilização Multidimensional Integrada na República Centro-Africana em 2014.
Vale lembrar que, no período do governo Fernando Henrique Cardoso a Política Externa apresentou enquanto foco a busca por credibilidade, cujo objetivo foi ampliar a cooperação para criação de normas internacionais, desta maneira a autonomia seria conquistada de fora para dentro [i]. Nesse sentido, havia uma tentativa de “autonomia por participação” que seria garantida pela simples presença brasileira nos regimes internacionais, que ocasionalmente asseguraria ao país influenciar na (re)elaboração das normas existentes [ii].
Por outro lado, no decorrer do governo Lula passou-se a ter o entendimento de que não bastava participar dos organismos internacionais, mas era necessário também uma atuação ativa na política externa, que possibilitasse alternativas para resistir às imposições de decisões que muitas vezes resultam danosas ao país. Desta maneira, buscou-se uma “autonomia pela diversificação”, isto é, a ampliação das coalizões políticas e comerciais com países que compartilham de interesses semelhantes, visando ampliar o poder de barganha nas negociações e reduzir a dependência do comércio exterior centralizado no mercado estadunidense [iii].
Nessa perspectiva, houve o fortalecimento do Itamaraty, a ampliação do número de embaixadas, principalmente na África, assim como em outros países que o comércio exterior ainda apresentava-se pouco relevante. Ademais, consolidou-se uma “diplomacia presidencialista” intensiva, consubstanciada na figura do presidente Luís Inácio Lula da Silva, “o cara” na expressão do presidente estadunidense Barack Obama [iv].
A frequência e destino das viagens presidenciais, um indicador importante para analisar a diplomacia presidencial, ganharam dimensões importantes, como pode-se verificar na Figura 01:
As viagens presidências no período do governo Lula da Silva em relação ao seu sucessor foram 110% superiores. As visitas ocorreram com maior intensidade em todas as regiões, elas cresceram 59% para a América do Sul, para a América do Norte em 71% e, para a Europa em 74%. Ademais, houve um esforço para ampliação das relações com regiões periféricas, negligenciadas pelo antigo governo, resultando no aumento de viagens para América Central e Caribe, em 480%, África, em 750% e, Oriente Médio antes não visitado [v].
A concomitante aproximação política e econômica entre os países da região Sul-Sul influiu na redefinição dos fluxos de comércio internacional. Fato que resultou, consequentemente, na ampliação de um espaço econômico de trocas, que até certo nível, é contraditório às políticas globalizantes. Ora, a ampliação das relações comerciais e de cooperação sul-sul, a coalizão dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e a institucionalização de organizações internacionais de integração regional, como foi o caso da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos), contrapõem-se aos interesses globais hegemônicos e, até certa medida, ampliam as disputas geopolíticas.
Essa dinâmica, inaugurada no decorrer do governo Lula prosseguiu no decorrer do primeiro mandato da presidente reeleita Dilma W. Rousseff (2011-2014), que preservou as mesmas orientações da política externa do seu antecessor, ainda que com característica mais discreta e, aparentemente menor ímpeto por conquistar projeção internacional [vi]. Ou seja, podemos afirmar que houve “contenção na continuidade da política externa” mantendo-se os objetivos, porém despendendo menores esforços, uma política menos propositiva e ousada que seu precursor [vii].
Esta postura mais comedida refletiu na redução de viagens da presidente Dilma Rousseff para cumprir agendas de interesse bilateral ou multilateral (Figura 01). Essas foram 30% a menos que as ocorridas no primeiro mandato do presidente Lula e, aproximadamente 50% das realizadas no segundo mandato do petista [viii]. Além disso, ocorreu a redução da absorção do quadro de diplomatas de 100 candidatos/ano, mantido no último mandato do presidente Lula da Silva, para somente 18 no ano de 2014. Assim como, a redução do orçamento do Itamaraty, ainda que essa se justifique devido a descentralização do papel do organismo enquanto formulador de políticas externas, compensado com a ampliação da autonomia dos ministérios, para que suas próprias secretarias de relações exteriores atuem.
Nessa conjuntura o primeiro mandado da presidenta Dilma Rousseffe corresponde a um período de declínio da inserção nacional do país, após um período de ascensão internacional do país enquanto potência emergente no governo Lula da Silva [ix]. Essas premissas são pautadas na redução de investimentos, na ausência de política destinada ao comércio exterior, no encolhimento da influência do país na arena internacional, em que debate-se e decidem-se normas que influem no comércio exterior. Essa situação tornou-se mais evidente no segundo mandato da presidenta Dilma, cuja dificuldade para manter a governabilidade nesse momento requereu o direcionamento de esforços na tentativa de administrar a crise política doméstica, que desencadeou no processo de impeachment.
Com a ascensão de Michel Temer de vice à "presidente", em maio de 2016, uma nova política externa foi sinalizada como se pode constatar no documento elaborado pelo mesmo “Uma diplomacia presidencial a serviço do Brasil” [x], o governo buscaria por uma postura pragmática à retomada da confiança no país. Para tanto, ainda de acordo com documento, o Brasil deveria distanciar-se de “visões de mundo enviesadas”, isto é, ideologias que privilegiavam um conjunto de países em detrimento de outros. Uma proposta de política externa, no mínimo irônica, ou melhor, demagógica. Uma vez que, buscou reduzir as “influencias ideológicas” no Itamaraty, no entanto indicou-se para o cargo, que nos últimos 15 anos foi ocupado por profissionais de carreira, o senador Jose Serra do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), um político que possui uma orientação ideológica claramente americanista, conservadora e sem rumo certo.
Essa nomeação resultaria infeliz, devido a um encadeamento de discordâncias entre as posturas de Serra e Temer em relação a condução da política externa brasileira, que se refletem em temas como: a redução da prioridade dada a América do Sul; na participação do Brasil na disputa por um acento no Conselho de Segurança da ONU; na condução da política externa com Venezuela e Israel, onde as relações são delicadas, entre outras e que contribuíram para que o ministro apresentasse seu pedido de demissão do cargo.
Consecutivamente o cargo passou a ser ocupado pelo também tucano Aloysio Nunes, nome que não gerou boas expectativas, seja por seu temperamento que parece não condizente com o cargo [xi], seja pelas investigações que o mesmo responde no STF. Sendo, necessário tempo para avaliar a política externa do período do governo Temer, no entanto, parece seguro afirmar que, a retomada do status do Itamaraty, enquanto ministério-chave das relações internacionais, não passará de uma expectativa frustrada.
Por outro lado, a popularidade em queda livre do governo, que nos primeiros meses de mandato era de 14%, conquistando o preocupante título de pior popularidade no ranking das Américas (segundo consultoria da Mitofsky) [xii], para 10% no ano de 2017 [xiii], o que demonstra a discordância dos brasileiros em relação a implementação do programa de governo “Uma Ponte para o Futuro”, torna a política externa, cada vez mais, estratégica para conquistar legitimidade internacional, para um "presidente" impopular e desmoralizado no cenário nacional.
[i] Vide: LIMA, M. R. Soares de. “A Política Externa Brasileira e os Desafios da Cooperação Sul-Sul”. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 48, no 1, p. 2005, p. 24-59
[ii] Vide: VIGEVANI, T.; OLIVEIRA, Marcelo Fernandes de. A política externa brasileira na era FHC: um exercício de autonomia pela integração. Interthesis, Florianópolis, v. 3, n. 3, 2005, p. 1-44.
[iii] Vide: VIGEVANI, Tullo e CEPALUNI, Gabriel. “A Política Externa de Lula da Silva: A Estratégia da Autonomia pela Diversificação”. Contexto Internacional, vol. 29, nº 2, 2007, p. 273-335.
[iv] Vide: GARCIA, M. A. A política externa brasileira. In: JAKOBSEN, K. A nova política externa. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2010
[v] Vide: MILANI, C. R. S. et al., Atlas da política externa brasileira. 1º ed. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO; Rio de Janeiro: EDUerj, 2014
[vi] Vide: ALMEIDA, P. R. de. Política externa e diplomacia partidária no Brasil atual. Revista Interação, v. 6, n. 6, jan/jun, 2014, p.8-27.
[vii]Vide: CORNETET, João Marcelo C. A Política Externa de Dilma Rousseff: Contenção na Continuidade. Conjuntura Austral, v. 5, n. 24, 2014, p. 111-150
[viii] Vide: CORNETET, João Marcelo C. A Política Externa de Dilma Rousseff: Contenção na Continuidade. Conjuntura Austral, v. 5, n. 24, 2014, p. 111-150
[ix] Vide: CERVO, Amado Luiz; LESSA, Antônio Carlos. O declínio: inserção internacional do Brasil (2011-2014). Revista Brasileira de Política Internacional. v. 57, n. 2, p. 133-151, 2014.
[x] Vide: TEMER, Michel. Uma diplomacia presidencial a serviço do Brasil. O Estado de São Paulo. São Paulo 25/12/2016. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/529215>.
[xi] Vide: GIELOW, Igor. Escolha para o cargo de chanceler traz alívio e preocupação entre diplomatas. Folha de São Paulo. São Paulo. 3/3/2017.
[xii]Vide: Barrucho, Luis. Com 14% de aprovação, Temer tem segunda pior popularidade em ranking das Américas. BBC. Brasil. 5/10/ 2016
[xiii] Vide: MURAKAWA, Fabio; AGOSTINE, Cristiane. Avaliação positiva do governo Temer cai para 10,3%, diz CNT/MDA. Jornal Valor Econômico. Brasil. 15/02/2017