O CASO GALEÃO X SANTOS DUMMONT: O REFLEXO DAS ESTRATÉGIAS LOGÍSTICAS
A problemática sobre a ociosidade do Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão) e a sobrecarga do Aeroporto Santos Dummont é resultante de uma série de combinações. Ela é reflexo da adoção de diferentes estratégias logísticas do Estado e do setor corporativo. Além disso, a estrutura econômica e social do Rio de Janeiro também deve ser levada em consideração.
A movimentação de passageiros na capital fluminense passou por um período crescente, sendo que a partir de 2016, começou a ter uma pequena queda. O Santos Dummont, por ser um aeroporto centralizado na capital, era mais utilizado para voos de ponte aérea, ou mais regionais, de curta duração, pois, devido a sua capacidade de operação, não consegue receber aeronaves maiores. Já o Galeão, foi por muito tempo um importante hub nacional e internacional. No entanto, as empresas aéreas começaram a reduzir os voos e concentrá-los na macrometrópole paulista (Campinas, São Paulo e Guarulhos).
No período antes da Pandemia, em 2019, o Santos Dummont recebeu 8,9 milhões, e em 2022, 9,9 milhões. Já o Galeão, saiu de 13,6 milhões para 5,7 milhões no mesmo período. Isso não significa que os passageiros foram transferidos de um aeroporto para o outro, mas sim, que a capital perdeu quase 7 milhões de passageiros.
A própria estrutura do Galeão, sobretudo após a construção do Píer 3 (embarque internacional) coloca o aeroporto numa situação privilegiada no que diz respeito ao sítio aeroportuário, pois, além de seus três terminais, também possui duas pistas que podem ser operadas praticamente de forma simultânea. Ao contrário, o Santos Dummont apresenta diversas limitações, sejam elas de espaço, aeronave crítica ou até mesmo horário de funcionamento.
A capacidade do Galeão é de 37 milhões de passageiros por ano, e do Santos Dummont é de 15,3 milhões. Sobrecarregar os aeroportos reflete, sobretudo na falta de comodidade para o usuário e até mesmo em atrasos. Dados do Flightradar24 apontam que entre 12/04 e 19/04, o Santos Dummont tem previstas 1.179 decolagens para 18 aeroportos, e o Galeão, 386 para 15. De um lado, um aeroporto com 20 posições para estacionamento de aeronaves comerciais, e de outro, 149.
Ora, se tem estrutura, quais questões causariam a queda do Galeão?
A questão da acessibilidade é um ponto. O aeroporto internacional fica localizado na Ilha do Governador, numa região mais afastada do centro. Para chegar no Galeão, tem a opção de Táxi, Aplicativo, Veículo próprio e Ônibus. Este último apresenta algumas variações: o BRT, que liga até o Terminal Alvorada na Barra da Tijuca e passa pelo subúrbio do Rio de Janeiro (é válido destacar o sucateamento desse serviço, que está sendo revitalizado pela prefeitura); executivo, que liga também à Barra, Zona Sul e Rodoviária; o Rodoviário liga às principais cidades da Região dos Lagos; e o coletivo Normal, limitado a alguns bairros adjacentes.
Já o Santos Dummont, além de estar no centro da capital, o que facilita o acesso e barateia a utilização de táxis e aplicativos, conta com a atuação do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). É importante mencioná-lo, pois, além de passar pelo “Coração do Rio de Janeiro”, ele faz integração com todos os modais de transporte da capital, desde as barcas, trens, metrôs, aos terminais de ônibus urbanos, como a Central, ou dos executivos, como o Menezes Cortes.
Entrelinhas, para os usuários do transporte público, chegar no Santos Dummont é mais fácil. Ademais, o Galeão ainda está próximo das principais cidades da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o que inclusive, configura como um elemento instigador de demanda, no entanto, acessá-lo por transporte coletivo é extremamente complexo, a não ser que seja por veículo particular.
Uma outra questão que afasta pessoas do Rio de Janeiro, é a insegurança. Os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) apontam que Região Integrada de Segurança Pública onde estão inseridos os dois aeroportos: é a área que mais tem roubo de rua no estado, com 21,7 mil casos em 2022 (aumento de 11,8% comparado a 2021); Roubo de veículos, aumentou 36,1%, contabilizando 6 mil casos em 2022.
A questão das concessões dos aeroportos também é um ponto. Recentemente, veio à tona a possibilidade da administradora do Galeão, a Changi, de Singapura, em desistir da concessão. É válido destacar que a brasileira Odebrecht também possuía uma fatia de porcentagem. Juntas, somavam 51% do controle do aeroporto, e os outros 49% da INFRAERO. Com a deflagração da Lava-jato, a Odebrecht renunciou à participação. Recentemente, no Governo Bolsonaro, havia a possibilidade de também conceder o Santos Dummont à iniciativa privada, em conjunto com o Aeroporto de São Paulo (Congonhas), no entanto, a ação foi postergada, cogitando a possibilidade de conceder os dois aeroportos da capital, o que facilitaria atuações conjuntas. A questão tarifária também não é um problema. As taxas do Galeão são menores, exceto a de conexão, que é R$ 0,53 mais cara.
As estratégias logísticas pelas companhias aéreas também é um diferencial. O Galeão por muito tempo, foi um hub internacional, o que ampliava a demanda de conexões com voos domésticos e vice-versa. Aos poucos, as empresas centralizaram suas operações em Guarulhos e por outros hubs mais regionalizados, como Salvador, Recife, Brasília e Belo Horizonte. Utilizar um aeroporto como hub envolve muitos fatores, desde a questão de infraestrutura até a acessibilidade. Geralmente, esses aeroportos centro de operações estão localizados em pontos estratégicos ou até mesmo onde há redução de impostos, como o caso de Campinas e Confins. A redução de um grande volume de custo impõe uma maior competitividade, haja vista que reduz o preço da tarifa. Isto é, a carga tributária do Rio de Janeiro, tanto do município, quanto unidade federativa, é um fator que também afasta as empresas.
Em 2008 a Azul cogitou de fazer o Rio de Janeiro em um hub, no entanto, seria o Santos Dummont. No entanto, isso foi recusado pelo Estado, exatamente por “retirar” passageiros do Galeão. Inclusive, isso foi alvo de ações judiciais. De um lado, a Azul alegava que operar no Galeão era inviável, já que as outras companhias atuavam fortemente lá, e de outro, o Estado a favor de seus interesses, pois, o Galeão estava entrando em processo de concessão, e isso diminuiria o valor do leilão. Nesse cenário, o Santos Dummont estava limitado a aeronaves de 50 passageiros e voos da ponte aérea, o que não era plano, até então, da Azul. O resultado foi: a Azul adotou o aeroporto de Campinas. Apenas em fevereiro de 2023, a Azul teve quase 9 mil pousos e decolagens em Viracopos, distribuídos entre um pouco mais de 60 destinos. A maioria desses voos poderiam ser operados no Galeão, sob sistema de hub.
Ou seja, o próprio Estado inibiu a criação de novas interações. É importante citar que não se trata apenas de um voo. Existe toda uma cadeia produtiva por trás das operações aéreas, das quais constituem uma parcela significativa das hinterlândias aeroportuárias. Desde as locadoras, hotéis, até as tripulações e equipes de solo. É um efeito multiplicador gigantesco, além de incentivar o turismo e outras atividades econômicas.
Neste cenário de desequilíbrio, quais são as alternativas?
O primeiro passo é o diálogo entre a logística de Estado (considerando as três esferas) e a logística corporativa (empresas e companhias aéreas). Diversos impasses podem ser resolvidos ou amenizados.
A limitação operacional do Santos Dummont aparece como uma alternativa imediata, mas não definitiva. Uma situação é operar nesse aeroporto como destino, outra é fazê-lo de hub. Um exemplo, em 2007 a ANAC limitou as operações no Aeroporto da Pampulha (voos mais regionais e com aeronaves de até 50 passageiros), forçando a mudança dos voos para Confins. O problema daquela época para hoje se manteve: poucas empresas aéreas tinham uma frota que pudesse operar dentro das restrições, e aos poucos, o aeroporto foi se tornando subutilizado para aviação comercial.
Não é o caso de se fazer com o Santos Dummont, pois, pode ser utilizado efetivamente como ponto de embarque e desembarque, e o Galeão, como um ponto de conexão. Para isso, as rotas a partir do Santos Dummont seriam basicamente a ponte aérea (RJ-SP) e voos diretos para os principais destinos do país que possuem forte ligações com o Rio de Janeiro, como Salvador, Porto Alegre e Brasília.
No entanto, para que o Galeão possa ser um hub novamente, o número de voos precisa ser ampliado. Mas como?
A utilização de subsídios ficais, como a redução de impostos, seja zerar, ou colocar de forma escalonada, é uma situação que pode atrair novos voos. A primeiro momento, pode se ter a impressão de que o Estado teria prejuízo, no entanto, a partir das atividades desencadeadas a partir das operações aéreas, compensam, ou até aumentam, a arrecadação (vide o exemplo do efeito multiplicador), haja vista que teria um aumento da geração de renda e emprego pela região.
O Rio de Janeiro é a cidade turística do Brasil mais conhecida pelo exterior. Logo, a atratividade por novas atividades relacionadas a lazer pode novamente atrair mais voos internacionais de forma direta, sem precisar de conexão. Fatores que favorecem a economia regional.
Melhorar a acessibilidade ao aeroporto também é uma situação importante. Ter opções de linhas que saem de outros municípios da baixada fluminense (e aqui, podemos incluir a criação de um pequeno terminal rodoviário no aeroporto) também é um ponto interessante. Ficar refém de poucas opções de transporte é algo que inibe o passageiro.
E o Santos Dummont? A limitação de operação de aeronaves de maior porte, e o horário, o torna especial, assim como Congonhas em São Paulo. Estabelecer um teto de voos por companhia aérea, somada à uma política de constituição de um hub no Galeão, é fundamental. A oferta de destinos também é algo que deve ser considerado, haja vista que altera as estratégias logísticas das empresas aéreas. Se for o caso, até mesmo um transfer entre os dois aeroportos poderia também atuar de forma complementar.
Alternativas não faltam. O grande ponto é destrinchar e alinhar os interesses estatais e corporativos por trás das operações entre o Galeão e o Santos Dummont. Quem ganha com isso é o usuário, sobretudo, a população carioca e fluminense.
Autor: